DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Baeta de Queiroz, Nuno Cunha Rodrigues e Diogo Feio, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
No presente processo, em que é Requerente o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado A... e Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, foram as partes notificadas, em 14 de Março de 2017, da decisão que se transcreve:
«I – RELATÓRIO
Em 29 de julho de 2016, o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado A..., com o número de identificação fiscal..., com sede na ... ..., ..., ..., ..., em Lisboa, gerido e representado pela B...– Gestão de Fundos Imobiliários, S.A., número de identificação fiscal..., com sede na mesma morada, veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT) requerer a constituição do Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (IS) referentes ao ano de 2015 e à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, TGIS), no valor de € 1.035.497,34.
No seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente suscita as seguintes questões: i) ilegalidade da liquidação respeitante aos terrenos para construção;
ii) violação do princípio da igualdade tributária e da proporcionalidade;
iii) indemnização por prestação de garantia indevida e juros indemnizatórios.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 5 de setembro de 2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram devidamente notificadas dessa designação em 20 de outubro de 2016, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados da alínea c) do número 1 do artigo 11.º do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 7 de novembro de 2016, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
Por despacho de 22 de setembro de 2016 da Chefe de Finanças de Lisboa..., e em resposta ao peticionado pelo Requerente – que, relativamente ao prédio inscrito na freguesia de ... sob o artigo..., pretendia que o imposto da verba 28.1 da TGIS deveria incidir apenas sobre os valores patrimoniais tributários que são afetos à habitação e não sobre o seu todo, perfazendo assim o valor de € 48.705.139,00 – a Requerida confirmou a revogação parcial da liquidação do imposto, no que respeita à afetação de serviços e comércio.
Por requerimento de 8 de novembro de 2016, e na sequência da comunicação da Requerida relativa à revogação parcial do ato de liquidação referente ao prédio inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo..., o Requerente veio aos autos declarar a manutenção do seu interesse no prosseguimento do procedimento. Também informou o Tribunal de que a decisão de revogação parcial comunicada enfermava de lapso no que respeitava ao valor de imposto a anular.
Por despacho de 8 de novembro de 2016 do árbitro presidente, foi comunicado às partes o prosseguimento do processo, conforme pretensão manifestada pelo Requerente.
A Requerida, nos termos e para os efeitos do n.º 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, enviou a sua resposta em 7 de dezembro de 2016, suscitando as seguintes questões:
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questão prévia relativa às diversas afetações do imóvel n.º..., ..., Lisboa;
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questão prévia relativa à insusceptibilidade de, quer a requerida, quer o próprio tribunal, procederem à apreciação da pretensão da requerente;
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por exceção, a incompetência material do tribunal arbitral;
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inexistência de inconstitucionalidade das liquidações;
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impugnação dos documentos juntos pela requerente;
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improcedência da indemnização por garantia indevida;
Por despacho de 9 de dezembro de 2016 do árbitro presidente, dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, convidando-se as partes a produzir alegações escritas.
Ambas as partes apresentaram alegações finais escritas, tendo o tribunal anunciado a prolação da decisão até ao dia 17 de março de 2016.
II – Saneamento:
Questões prévias e excepções:
A.
Importa agora abordar as excepções e questões prévias invocadas pela Requerida:
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questão prévia relativa às diversas afetações do imóvel n.º..., ..., Lisboa;
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questão prévia relativa à insusceptibilidade de, quer a requerida, quer o próprio tribunal, procederem à apreciação da pretensão da requerente; e
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incompetência material do tribunal arbitral.
Deve-se, antes de tudo, começar por apreciar a excepção da incompetência material do tribunal deduzida pela AT (supra ii)), no entendimento de que a competência da jurisdição arbitral não abrange a “competência para a fiscalização abstracta da constitucionalidade das normas”, não podendo “proceder à declaração de ilegalidade ou de inconstitucionalidade da verba 28.1” (cf. artigos 18.º e 19.º da resposta da Requerida).
Quanto à exceção da incompetência material do tribunal arbitral (supra iii)), alega ainda a Requerida que o que a Requerente “pretende é que, em face da liquidação, seja sindicada a avaliação do prédio em causa que consubstancia o facto tributário que se subsume à liquidação de imposto de selo em causa” (artigo 25.ºda resposta da Requerida), considerando que “não é consentâneo com o RJAT, nem com quaisquer normas processuais tributárias, que a Requerente se proponha e ensaie contraditar, aquilo que está vertido em documentos oficiais e cujos prazos de reacção já precludiram todos” (artigo 28.º da resposta da Requerida).
No entanto, cabe referir que o que o Requerente pretende – sendo este o seu pedido – é antes sindicar a legalidade da liquidação, e não colocar em causa a referida avaliação.
Ora, de acordo com o nº 1 do artigo 2º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a “ilegalidade dos actos de liquidação de tributos”.
São ilegais os atos que apliquem normas desconformes com a lei fundamental, o que desde logo resulta do nº 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Portanto, quando um cidadão recorre ao tribunal arbitral para obter a declaração de ilegalidade de um ato tributário de liquidação, acusando-o de se ter baseado em lei inconstitucional, esse tribunal é competente.
Não é, bem se vê, para declarar a inconstitucionalidade da norma com força obrigatória geral, que isso só ao Tribunal Constitucional compete (artigo 281º nº 2 da CRP), mas para censurar o ato assente em norma inconstitucional, eliminando-o da ordem jurídica, conforme é obrigação sua, imposta pelo artigo 204º da CRP: não podendo os tribunais aplicar normas inconstitucionais, não podem também manter os atos administrativos que lhes são submetidos e que tenham por base normas violadoras da Constituição.
Ora, o pedido da Requerente é no sentido de que “devem as liquidações objeto da presente impugnação ser julgadas ilegais, por efetuadas ao abrigo de uma norma – verba 28.1 da TGIS – materialmente inconstitucional” (artigo 177.º do pedido de pronúncia arbitral) e que “deve a verba 28.1, na parte que se refere aos terrenos para construção, ser julgada inconstitucional e, em consequência, serem as Liquidações em causa anuladas, com esse fundamento” (artigo 202.º do pedido).
Ou seja, o objeto do processo não é a declaração de inconstitucionalidade material de nenhuma norma jurídica, mas a verificação da legalidade, face à CRP, dos atos de liquidação de um tributo.
O que patenteia a competência do tribunal.
Por último, quanto à questão prévia relativa às diversas afetações do imóvel n.º..., ..., Lisboa (supra i)), refira-se que a Requerida procedeu à anulação de 51% das liquidações impugnadas, conforme documento 1 que juntou com a sua resposta (artigo 3.º da resposta da Requerida), concluindo assim que o valor do presente pedido arbitral deveria ser reduzido em conformidade (artigo 5.º da resposta da Requerida).
A Requerida entende então que a matéria coletável é de € 46.795.133,77, sendo a coleta de € 467.951,34 (cf. documento 1 junto com a resposta da Requerida).
No entanto, o Requerente, nas suas alegações, veio referir que “a anulação de 51% da referida liquidação implica que seja considerada a percentagem de 49% para a alegada ‘afectação’ habitacional, quando matematicamente a percentagem correspondente a tal afectação é de 48,79338233%, o que, tendo em conta o elevado valor em causa, representa uma diferença significativa em prejuízo do Requerente”, concluindo portanto que “a liquidação referente ao prédio em causa deveria incidir sobre 48,79338233% do respectivo VPT, pelo que deveria ter sido anulado o montante correspondente ao remanescente percentual” (artigos 4.º e 5.º das alegações do Requerente).
Cabe referir que assiste razão ao Requerente na medida em que resulta da consulta da caderneta predial do prédio..., mais concretamente da “Demonstração do Cálculo”, que o Vt Habitação do referido prédio é, efetivamente, de € 46.548.299,03 (conforme alegou no artigo 33.º do seu pedido – cfr., também, o documento 3 junto com o mesmo), e não € 46.795.133,77, sendo portanto a coleta a considerar de € 465.482,99 (aplicação da taxa de 1% - verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), pelo que a percentagem da afectação habitacional do prédio em causa, relativamente ao seu VPT (€ 95.500.273,00 – artigo 33.º do pedido e documento 3 junto com este), é antes de 48,74153504%.
Deste modo, correspondendo o valor do pedido ao valor das coletas em causa, temos como valor final a considerar o somatório das coletas dos três prédios em causa (€ 68.442,62, para o ...; € 12.051,99, para o ...; € 465.482,99, para o ...): o que perfaz uma coleta total de € 545.977,60.
É, portanto, de reduzir o pedido para € 545.977,60, o que a final se ditará.
B.
Além de competente, o tribunal está regularmente constituído, apresentando-se as partes com personalidade, capacidade, legitimidade e representação, não havendo nulidades nem outras exceções ou questões prévias que impeçam a apreciação do mérito da causa.
III - Matéria de facto
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Factos provados
Começa-se por salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código dew Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, a prova documental produzida e o processo administrativo junto aos autos, tudo aqui dado por reproduzido, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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O Requerente é um Fundo de Investimento Imobiliário que tem como objetivo o desenvolvimento de um projeto imobiliário que inclui a promoção de um projeto de loteamento e construção de imóveis destinados ao comércio, habitação, logística e serviços, com a sua posterior venda ao público em geral (artigo 1.º do pedido de pronúncia arbitral).
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O Requerente é proprietário dos três prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho e distrito de Lisboa, sob os artigos matriciais números ..., ... e ... (artigo 2.º do pedido e documentos 1, 2 e 3 juntos com o mesmo).
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Os prédios urbanos, anteriormente referidos encontram-se inscritos nas respetivas matrizes como terrenos para construção (artigo 3.º do pedido e documentos 1, 2 e 3 juntos com o mesmo).
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Os valores patrimoniais tributários (VPT) dos mencionados prédios ..., ... e ..., calculados para efeitos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), são de € 6.844.261,62, €1.205.199,23 (determinados em 2013) e € 95.500.273,00 (determinado em 2014), respetivamente, sendo as coletas respetivas de € 68.442,62, €12.051,99 e € 955.002,73 (artigos 4.º e 7.º do pedido e documentos 1, 2 e 3 juntos com o mesmo).
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Em abril de 2016, o Requerente foi notificado das liquidações de Imposto do Selo relativo ao ano de 2015, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), relativamente aos três prédios supra identificados em 2), sendo o valor total da coleta de € 1.035.497,34, bem como para proceder ao pagamento da 1ª prestação, conforme documentos de cobrança números 2016... (montante: € 22.814,22), 2016... (montante: € 4.017,33) e 2016... (€ 318.334,25), sendo assim o montante total da 1ª prestação de € 345.165,80 (artigo 5.º do pedido e documentos 4, 5 e 6 juntos com o mesmo).
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Em junho de 2016, o Requerente foi notificado novamente, desta vez para pagamento da 2ª prestação das referidas liquidações de Imposto do Selo, conforme resulta dos documentos de cobrança números 2016... (montante: € 22.814,20), 2016 ... (montante: € 4.017,33) e 2016... (montante: € 318.334,24), sendo assim o montante total da 2ª prestação de € 345.165,77 (artigo 6.º do pedido e documentos 7, 8 e 9 juntos com mesmo).
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Em 11 de maio de 2016, o Requerente pagou integralmente a 1ª prestação do Imposto do Selo relativamente aos prédios com os artigos matriciais ... e ... (artigo 8.º do pedido e documento 10 junto com o mesmo).
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Em 11 de Maio de 2016, o Requerente pagou a quantia de € 157.314,49 (artigo 9.º do pedido e documento 11 junto com o mesmo).
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Foi prestada garantia bancária n.º..., em 2 de junho de 2016, sobre o C..., no valor de € 206.407,69 para suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2016..., instaurado para cobrança das quantias liquidadas e não pagas (artigo 10.º do pedido e documento 12 junto com o mesmo).
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Os terrenos para construção – objeto das liquidações sub judice – encontram-se todos abrangidos pelo Plano de Pormenor da Artilharia Um (Plano de Pormenor) e pelo respetivo Regulamento do Plano de Pormenor da Artilharia Um (Regulamento do Plano de Pormenor), aprovados pela Assembleia Municipal de Lisboa em 1 de junho de 2004 e ratificados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/2005, de 20 de Janeiro (artigo 12.º do pedido e documento 13 junto com o mesmo).
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Os terrenos para construção correspondem à “Subárea R – reconversão”, prevista no artigo 8.º do Regulamento do Plano de Pormenor e à área identificada com a letra “R” nas plantas de implantação constantes do mesmo Regulamento do Plano de Pormenor (artigo 13.º do pedido e documento 13 junto com o mesmo).
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Relativamente ao imóvel inscrito na matriz sob o n.º..., a Requerida procedeu à anulação de 51% das liquidações da verba 28 de Imposto do Selo impugnadas por referência a tal imóvel, tendo então o valor patrimonial tributário passado a ser de € 46.795.133,77 (artigos 3.º e 4.º da resposta da Requerida e documento 1 junto com a mesma).
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Deste modo, a liquidação incidiu sobre 1% daquele valor patrimonial, isto é, € 46.795.133,77 (artigo 4.º da resposta da Requerida e documento 1 junto com a mesma).
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Factos não provados
Não existem outros factos, relevantes para a decisão de mérito, que não se tenham provado.
Tudo visto, cumpre decidir de direito.
II. DECISÃO DO DIREITO
A.
O Requerente manifestou a sua inconformidade com os actos impugnados estribando-se em três motivos fundamentais, que importa apreciar.
Assim, o Requerente entende que a verba 28 da TGIS, aplicada pelos referidos actos, sofre, no segmento que ao caso importa, de inconstitucionalidade, por violação dos:
(a) Princípio da igualdade tributária (cfr. artigos 91 a 159 da petição inicial do Requerente);
(b) Princípio da proporcionalidade (cfr. artigos 178 a 202 da petição inicial do Requerente);
(c) Discriminação fiscal negativa da Requerente (cfr. artigos 160 a 177 da petição inicial do Requerente);
B.
É sabido que os prédios com afectação habitacional passaram a estar sujeitos a imposto do selo por força da verba 28 da TGIS, acrescentada pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, nos seguintes termos:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.
A lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, vigente a partir de 1 de Janeiro de 2014, alterou a redacção da verba 28.1, que passou a referir:
“por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Ficou resolvida, deste modo, a controvérsia sobre se cabiam ou não na dita verba os terrenos para construção com afectação habitacional.
C.
Apesar de ser seguro, desde 2014, que os terrenos para construção são considerados prédios com afectação habitacional, sujeitos a imposto do selo, suscitam-se dúvidas relativas à constitucionalidade da referida norma, tal como assinalado pelo Requerente.
Algumas dessas dúvidas foram já suscitadas e decididas, em inúmeras vezes, por diversos tribunais, ainda que alcançando conclusões distintas.
Exemplificativamente decidiu-se, no passado, pela inconstitucionalidade da verba 28.1. no processo nº 507/2015-T do CAAD, no qual se afirmou “que a verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, na medida em que sujeita a tributação em Imposto do Selo a propriedade de terrenos para construção cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000, relativamente aos quais a edificação, autorizada ou prevista, não inclua qualquer habitação individual de valor igual ou superior a esse, bem como na medida em que se aplica a situações em que os terrenos para construção pertencem a empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para revenda”. (sublinhado nosso)
Outros tribunais arbitrais, também no seio do CAAD, pronunciaram-se em sentido oposto – isto é, concluindo pela não-inconstitucionalidade da verba 28.1. – destacando-se, entre outros, os acórdãos do CAAD que resultaram dos processos n.ºs 495/2015-T; 515/2015-T e 516/2015-T.
A questão continua, portanto, debaixo de controvérsia, no âmbito do CAAD.
A tudo isto acresce que a jurisprudência do Tribunal Constitucional já proferida a propósito da verba 28.1. da TGIS não é decisiva para o caso sub judice, como veremos adiante.
Analisemos, assim, cada um dos fundamentos suscitados pelo Requerente como determinantes da eventual inconstitucionalidade da verba 28.1. da TGIS.
O primeiro fundamento suscitado pelo Requerente - violação do princípio da igualdade tributária - já foi abundantemente tratado e analisado em diferentes jurisdições assinalando-se aqui, novamente e entre outras, as decisões do CAAD que, a propósito de questões de jure semelhantes à que se encontra sub judice – onde estava em causa a aplicação da verba 28.1 da TGIS - pronunciaram-se no sentido da não-violação do princípio da igualdade tributária previsto na Constituição. Foi o que sucedeu nos processos do CAAD n.ºs 218/2013-T; 247/2013-T; 292/2013-T; 507/2015-T e 114/2016-T.
Considerem-se ainda, em sentido oposto – isto é, pronunciando-se pela inconstitucionalidade da verba 28.1. da TGIS à luz do princípio da igualdade tributária – as decisões constantes nos processos do CAAD 219/2013-T; 4/2014-T; 366/2014-T; 517/2014-T; 577/2014-T; 485/2015-T e 509/2015-T.
Ainda neste contexto, destaque-se a decisão do Tribunal Constitucional, adoptada no acórdão n.º 590/2015, que concluiu pela não-inconstitucionalidade da verba 28.1. à luz do princípio da igualdade tributária.
No referido acórdão n.º 590/2015, e a propósito do princípio da igualdade tributária, o Tribunal Constitucional considerou o seguinte:
“O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edição, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).
Assim o tem afirmado o Tribunal Constitucional, de que é exemplo o Acórdão n.º 84/2003:
«O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). (…) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (…)».
Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.º 711/2006, «é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».
Em suma, na síntese do Acórdão n.º 695/2014, “o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional”.
Neste mesmo acórdão n.º 590/2015, o Tribunal Constitucional conclui o seguinte, a propósito da apreciação da constitucionalidade de uma norma, constante do disposto nos pontos 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, introduzidos pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro:
“Tudo para concluir que quando uma situação aparente ou tendencialmente igual é tratada de forma algo diferente, só se pode falar em desigualdade fiscal se não houver razões atendíveis que tenham conduzido o legislador a fazer as opções que fez.
Ou seja, o que está constitucionalmente vedado ao legislador é o puro arbítrio, tratar desigualmente porque sim, mas não já quando tenha em vista a prossecução de objectivos a que atribui maior valor – como é o paradigmático caso dos benefícios fiscais, em que o legislador prefere abrir mão da receita fiscal para atingir outros objectivos.”
Note-se que a jurisprudência resultante do acima parcialmente transcrito acórdão n.º 590/2015 foi reiterada nos acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 83/2016; 247/2016 e 568/2016.
Vejamos em particular a aplicação da jurisprudência supra citada ao caso sub judice.
Aqui está em causa a aplicação da verba 28.1 da TGIS na redacção dada pela lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, vigente a partir de 1 de Janeiro de 2014 podendo dizer-se que, ao aprovar tal norma, o legislador usou da sua liberdade sem ofender a igualdade fiscal, pois tratou igualmente o que era igual e desigualmente o que era desigual.
De resto, nada obrigava o legislador a instituir um imposto geral sobre o património, como não instituiu, podendo a sua escolha limitar-se a alguns, mas não necessariamente a todos, os imóveis de um mesmo proprietário.
Também quando o legislador tributou só os imóveis habitacionais, abstendo-se de fazer incidir imposto de selo sobre os afectos à agricultura, à pesca, à indústria, ao comércio, tomou uma medida de distinção do que é desigual, fazendo uma opção cuja justificação parece clara: não aumentar a carga fiscal sobre os sectores produtivos, visando as tão propaladas necessidades de investimento e de crescimento económico.
Acresce que os edificados destinados à habitação constituem bens de fruição, deles se podendo dizer, quando sejam de valor igual ou maior a um milhão de euros, revelam um alto padrão de vida e maior capacidade contributiva.
Ainda que a capacidade contributiva revelada possa ser igual, não se vislumbra violação do princípio da igualdade tributária, atenta a razoabilidade da distinção e os fins visados – embora o que aqui se afirma não valha, necessariamente, para os terrenos para construção destinada à habitação detidos por empresas que se dedicam à sua comercialização, como veremos adiante a propósito do caso sub judice.
Tudo isto equivale a dizer, por outras palavras, que o legislador ordinário pode optar por tributar apenas imóveis destinados a habitação, de valor igual a superior a um milhão de euros, sem que tal ofenda o princípio da igualdade tributária.
É certo que não está aqui em causa um imposto sobre o rendimento.
O terreno para construção pode, de facto, nunca vir a ser utilizado para tal e, consequentemente, não propiciar rendimento nenhum.
Mas o que o legislador aqui pretendeu surpreender é um momento e um facto estáticos – a propriedade de um bem que, num dado momento, merece uma dada qualificação – terreno para construção habitacional e que é de elevado valor, medido por padrões médios.
A propriedade desse bem, conjugada com o seu valor, revela, no momento da tributação, uma capacidade contributiva acima da média, e tanto basta para justificar a tributação, independentemente da concretização, ou não, de expectativas futuras não colocando em crise, consequentemente, o princípio da igualdade tributária.
Este entendimento aplica-se, mutatis mutandis, a outro dos fundamentos suscitados pela Requerente: a inconstitucionalidade da verba 28.1. por violação do princípio da proporcionalidade que, antecipemos, se entende não se verificar no caso sub judice.
É que o legislador pretendeu, como se viu, alargar a base tributável à riqueza exteriorizada na propriedade de prédios urbanos destinados à habitação de elevado valor e, numa perspetiva de promoção da consolidação orçamental, como instrumento de obtenção de mais receita e, correspondentemente, de alívio do esforço que pudesse vir a incidir sobre outras fontes de receita ou sobre a redução da despesa pública, com vista a cumprir as metas de défice público.
Consequentemente, não sofre dúvida que as verbas de Imposto do Selo arrecadadas por via da incidência prevista na verba nº 28, qualquer que seja o seu montante, são aptas e idóneas a realizar as finalidades de repartição ampliada do esforço em período de sacrifícios fiscais e financeiros adicionais que o legislador procurou atingir.
Enquanto medida fiscal dirigida a afetar mais intensamente os titulares de direitos reais de gozo sobre prédios urbanos de vocação habitacional e de mais alto valor, ao alcance apenas dos detentores de força económica elevada, não se vislumbram razões para concluir pelo desrespeito das dimensões da necessidade ou da justa medida, contidas no princípio da proporcionalidade.
Resta, por fim, apreciar outro dos fundamentos invocados pelo Requerente, que decorre da circunstância de a propriedade de imóveis como os que estão em causa serem detidos, no caso em apreço, por fundos de investimento imobiliário e da consequente necessidade de realização do objecto social dos fundos de investimento.
Neste contexto estaria em causa a circunstância de os bens onerados com a verba 28.1. constituírem bens de investimento pelo que, desenvolvendo os proprietários – fundos de investimento - a actividade de compra e venda de imóveis, não poderiam representar uma capacidade contributiva superior, nomeadamente quando comparados com outros contribuintes.
Neste ponto considera-se que assiste razão ao Requerente.
Com efeito pode, desde logo, comparar-se a detenção de imóveis de valor superior a um milhão de euros, detidos por fundos de investimento imobiliários, com a detenção de imóveis de valor inferior a um milhão de euros, também detidos por fundos de investimento imobiliários.
Não se vislumbra, neste caso, qual a justificação para diferenciar contribuintes idênticos – fundos de investimento imobiliários – que se dedicam a uma atividade comercial idêntica – compra e venda de bens imóveis – apenas atendendo à circunstância de alguns dos imóveis detidos valerem mais do que outros.
A ser assim, estaríamos, a final, a penalizar ou a onerar fiscalmente, e de forma excessiva, os fundos de investimento imobiliário que fossem proprietários de bens imóveis de maior valor gerando, nos fundos que tivessem bens imóveis de menor valor (isto é, de valor inferior a um milhão de euros), uma vantagem concorrencial artificial que, em nosso entender, colocaria em crise o princípio da igualdade tributária aplicável a empresas que se dediquem à compra, reabilitação, construção e venda de bens imobiliários.
Sem prejuízo da desigualdade tributária que a verba 28.1 implica entre as mesmas empresas – fundos de investimento imobiliário – que detém bens imóveis de diferente valor, acresce ainda uma dimensão específica do princípio da igualdade tributária que, em nosso entender, fica em crise.
Aqui, cite-se o acórdão do tribunal arbitral proferido em 17 de Março de 2016 no processo nº 507/2015-T.
“É inequívoco que as empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para construção ficam com uma oneração adicional significativa em relação à generalidade das empresas, com base num hipotético índice de capacidade contributiva que não tem necessariamente correspondência com a realidade, pois a imposição da tributação não tem qualquer relação com o rendimento real da actividade desenvolvida pelas empresas e onera-as mesmo que tenham resultados negativos, acentuando-se a tributação, cumulada anualmente, precisamente em situações em que, por inêxito da actividade de comercialização, os terrenos são detidos por vários anos e, por isso, menos justificação haveria para a imposição de uma tributação adicional, privativa deste tipo de empresas.
Por outro lado, não se vislumbra também qualquer razão para distinguir entre as empresas que comercializam terrenos para construção de edifícios habitacionais e as que comercializam terrenos para outras finalidades.”
Por isso, também nesta perspectiva constante no processo nº 507/2015-T, a verba 28.1 da TGIS materializa uma discriminação negativa injustificada das empresas comercializadoras de terrenos para construção, o que implica a sua inconstitucionalidade material, por ofensa do princípio da igualdade.
Este entendimento é aplicável, também, aos fundos de investimento imobiliário, patrimónios autónomos que gerem esse património adquirindo, arrendando, renovando e vendendo imóveis.
Acrescente-se que, se tivermos razão quanto aos motivos justificativos da não tributação de terrenos para construção de imóveis não destinados à habitação, o legislador terá incorrido, aqui, em alguma incoerência, pois deixa de proteger o investimento e as actividades económicas, ao contrário do que, de resto, faz também quanto ao Imposto Municipal sobre Imóveis, em cujo artigo 9º nº 1 alíneas d) e e) do respectivo Código consagrou regimes especiais favoráveis às empresas que construam para venda ou que adquiram para revenda – actividades próximas das desenvolvidas pelos fundos de investimento imobiliário.
É quanto basta, entende este Tribunal, para o êxito da pretensão principal do Requerente.
Em face do exposto, conclui-se que a verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, na medida em que se aplica a situações em que os terrenos para construção pertencem a empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para revenda.
Consequentemente, as liquidações que são objecto do presente processo (as liquidações de substituição emitidas na sequência das reclamações graciosas) enfermam de vício de violação de lei, por consubstanciar erro sobre os pressupostos de direito a aplicação de uma norma materialmente inconstitucional, o que justifica a sua anulação (cfr. artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).
Já quanto ao pedido de juros indemnizatórios soçobra o pedido do Requerente.
É verdade que, sem culpa sua, foram praticados actos que o tribunal agora decide serem ilegais.
Mas, para que a Administração possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que “(…) se determine (…) que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” – nº 1 do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
In casu, a AT não fez mais do que actuar segundo a determinação legal do artigo 1º do Código do Imposto do Selo e do nº 28.1 da respectiva Tabela Geral.
E não podia agir de outro modo, considerando a sua vinculação à lei e a impossibilidade de a desaplicar com base num juízo de inconstitucionalidade da lei ordinária que lhe não cabe fazer.
Em súmula, não incorreu em erro de que tenha resultado o pagamento de imposto indevido, e não pode, na falta desse erro, ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.
Quanto ao pagamento das despesas incorridas com a garantia prestada pelo Requerente para suspender a execução fiscal decorrente das liquidações impugnadas, também soçobra a pretensão do Requerente.
É que tal pagamento só seria exigível se a garantia perdurasse por mais de três anos, nos termos do artigo 53º nº 1 da LGT – e esse não é o caso.
Só haveria lugar à indemnização em apreço no caso de manutenção por menos de três anos se se verificasse a existência de erro imputável aos serviços na correspondente liquidação, como dispõe o nº 2 do artigo citado. O que, como se viu, não acontece, dada a impossibilidade em que se acha a AT de desaplicar a lei ordinária com fundamento na sua inconstitucionalidade.
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
-
Julgar improcedente a excepção invocada pela Requerida;
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de anulação das liquidações sub judice.
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Condenar a Requerida a restituir ao Requerente os montantes indevidamente pagos por força dos actos de liquidação anulados;
-
Julgar improcedente os pedidos de condenação da Requerida Administração Tributária em juros indemnizatórios e indemnização pela garantia bancária prestada, absolvendo-a destes pedidos;
-
Condenar a Requerida em 90% das custas e o Requerente em 10% delas, face ao seu parcial decaimento.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 545.977,60 €, (que resulta do somatório das coletas dos três prédios em causa de €68.442,62 (prédio n.º...); €12.051,99 (prédio n.º...) e €465.482,99 (prédio n.º...) 13) uma vez que, relativamente ao imóvel inscrito na matriz sob o n.º..., a Requerida já procedeu à anulação de 51% das liquidações, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 8.262,00 €, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa.
Notifique-se, incluindo o Ministério Público, para os efeitos do disposto no artigo 72º nº 3 da Lei nº 28/82, de 15 de novembro».
Desta decisão foi, em 21 de Março de 2018, interposto recurso, pela Requerida, para o Tribunal Constitucional, admitido em 22 seguinte.
Em 17 de Novembro de 2018 o Tribunal Constitucional proferiu o acórdão nº 552/2018, no processo nº 304/17, não julgando inconstitucional a norma da verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, e concedendo, consequentemente, provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão acima reproduzida em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade.
Importa, pois, proceder a essa reforma.
Assentando a decisão proferida por este Tribunal Arbitral, no que toca ao mérito da causa, em que “(…) as liquidações que são objecto do presente processo (as liquidações de substituição emitidas na sequência das reclamações graciosas) enfermam de vício de violação de lei, por consubstanciar erro sobre os pressupostos de direito a aplicação de uma norma materialmente inconstitucional, o que justifica a sua anulação (cfr. artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo)”, e posto que o Tribunal Constitucional julgou não inconstitucional a dita norma, a reforma da decisão salda-se em emitir um julgamento de sinal oposto.
Os pedidos de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios e indemnização pelas despesas incorridas com a prestação de garantia, não se reconhecendo, agora, erro imputável aos serviços nas liquidações, do qual tenha resultado pagamento de dívida tributária superior ao legalmente devido, necessariamente improcedem.
Nestes termos, o segmento decisório do acórdão transcrito passa a ter a seguinte redacção:
“Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
-
Julgar improcedente a excepção invocada pela Requerida;
-
Julgar improcedente o pedido de anulação das liquidações sub judice;
-
Julgar improcedentes os pedidos de condenação da Requerida Administração Tributária em juros indemnizatórios e indemnização pela garantia bancária prestada, absolvendo-a destes pedidos;
-
Condenar a Requerente nas custas do processo, face ao seu integral decaimento”.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de Novembro de 2018
O Árbitro Presidente
(José Baeta Queiroz)
O Árbitro Vogal
(Nuno Cunha Rodrigues)
O Árbitro Vogal
(Diogo Feio)
Acordam os Árbitros José Baeta de Queiroz (Árbitro Presidente), Nuno Cunha Rodrigues e Diogo Feio, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
Em 29 de julho de 2016, o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado A..., com o número de identificação fiscal..., com sede na ..., ..., ..., ..., em Lisboa, gerido e representado pela B...– Gestão de Fundos Imobiliários, S.A., número de identificação fiscal..., com sede na mesma morada, veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT) requerer a constituição do Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (IS) referentes ao ano de 2015 e à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, TGIS), no valor de € 1.035.497,34.
No seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente suscita as seguintes questões:
i) ilegalidade da liquidação respeitante aos terrenos para construção;
ii) violação do princípio da igualdade tributária e da proporcionalidade;
iii) indemnização por prestação de garantia indevida e juros indemnizatórios.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 5 de setembro de 2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram devidamente notificadas dessa designação em 20 de outubro de 2016, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados da alínea c) do número 1 do artigo 11.º do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 7 de novembro de 2016, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
Por despacho de 22 de setembro de 2016 da Chefe de Finanças de Lisboa..., e em resposta ao peticionado pelo Requerente – que, relativamente ao prédio inscrito na freguesia de ... sob o artigo..., pretendia que o imposto da verba 28.1 da TGIS deveria incidir apenas sobre os valores patrimoniais tributários que são afetos à habitação e não sobre o seu todo, perfazendo assim o valor de € 48.705.139,00 – a Requerida confirmou a revogação parcial da liquidação do imposto, no que respeita à afetação de serviços e comércio.
Por requerimento de 8 de novembro de 2016, e na sequência da comunicação da Requerida relativa à revogação parcial do ato de liquidação referente ao prédio inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo ..., o Requerente veio aos autos declarar a manutenção do seu interesse no prosseguimento do procedimento. Também informou o Tribunal de que a decisão de revogação parcial comunicada enfermava de lapso no que respeitava ao valor de imposto a anular.
Por despacho de 8 de novembro de 2016 do árbitro presidente, foi comunicado às partes o prosseguimento do processo, conforme pretensão manifestada pelo Requerente.
A Requerida, nos termos e para os efeitos do n.º 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, enviou a sua resposta em 7 de dezembro de 2016, suscitando as seguintes questões:
-
questão prévia relativa às diversas afetações do imóvel n.º... , ..., Lisboa;
-
questão prévia relativa à insusceptibilidade de, quer a requerida, quer o próprio tribunal, procederem à apreciação da pretensão da requerente;
-
por exceção, a incompetência material do tribunal arbitral;
-
inexistência de inconstitucionalidade das liquidações;
-
impugnação dos documentos juntos pela requerente;
-
improcedência da indemnização por garantia indevida;
Por despacho de 9 de dezembro de 2016 do árbitro presidente, dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, convidando-se as partes a produzir alegações escritas.
Ambas as partes apresentaram alegações finais escritas, tendo o tribunal anunciado a prolação da decisão até ao dia 17 de março de 2016.
II – Saneamento:
Questões prévias e excepções:
A.
Importa agora abordar as excepções e questões prévias invocadas pela Requerida:
-
questão prévia relativa às diversas afetações do imóvel n.º..., ..., Lisboa;
-
questão prévia relativa à insusceptibilidade de, quer a requerida, quer o próprio tribunal, procederem à apreciação da pretensão da requerente; e
-
incompetência material do tribunal arbitral.
Deve-se, antes de tudo, começar por apreciar a excepção da incompetência material do tribunal deduzida pela AT (supra ii)), no entendimento de que a competência da jurisdição arbitral não abrange a “competência para a fiscalização abstracta da constitucionalidade das normas”, não podendo “proceder à declaração de ilegalidade ou de inconstitucionalidade da verba 28.1” (cf. artigos 18.º e 19.º da resposta da Requerida).
Quanto à exceção da incompetência material do tribunal arbitral (supra iii)), alega ainda a Requerida que o que a Requerente “pretende é que, em face da liquidação, seja sindicada a avaliação do prédio em causa que consubstancia o facto tributário que se subsume à liquidação de imposto de selo em causa” (artigo 25.ºda resposta da Requerida), considerando que “não é consentâneo com o RJAT, nem com quaisquer normas processuais tributárias, que a Requerente se proponha e ensaie contraditar, aquilo que está vertido em documentos oficiais e cujos prazos de reacção já precludiram todos” (artigo 28.º da resposta da Requerida).
No entanto, cabe referir que o que o Requerente pretende – sendo este o seu pedido – é antes sindicar a legalidade da liquidação, e não colocar em causa a referida avaliação.
Ora, de acordo com o nº 1 do artigo 2º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a “ilegalidade dos actos de liquidação de tributos”.
São ilegais os atos que apliquem normas desconformes com a lei fundamental, o que desde logo resulta do nº 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Portanto, quando um cidadão recorre ao tribunal arbitral para obter a declaração de ilegalidade de um ato tributário de liquidação, acusando-o de se ter baseado em lei inconstitucional, esse tribunal é competente.
Não é, bem se vê, para declarar a inconstitucionalidade da norma com força obrigatória geral, que isso só ao Tribunal Constitucional compete (artigo 281º nº 2 da CRP), mas para censurar o ato assente em norma inconstitucional, eliminando-o da ordem jurídica, conforme é obrigação sua, imposta pelo artigo 204º da CRP: não podendo os tribunais aplicar normas inconstitucionais, não podem também manter os atos administrativos que lhes são submetidos e que tenham por base normas violadoras da Constituição.
Ora, o pedido da Requerente é no sentido de que “devem as liquidações objeto da presente impugnação ser julgadas ilegais, por efetuadas ao abrigo de uma norma – verba 28.1 da TGIS – materialmente inconstitucional” (artigo 177.º do pedido de pronúncia arbitral) e que “deve a verba 28.1, na parte que se refere aos terrenos para construção, ser julgada inconstitucional e, em consequência, serem as Liquidações em causa anuladas, com esse fundamento” (artigo 202.º do pedido).
Ou seja, o objeto do processo não é a declaração de inconstitucionalidade material de nenhuma norma jurídica, mas a verificação da legalidade, face à CRP, dos atos de liquidação de um tributo.
O que patenteia a competência do tribunal.
Por último, quanto à questão prévia relativa às diversas afetações do imóvel n.º..., ..., Lisboa (supra i)), refira-se que a Requerida procedeu à anulação de 51% das liquidações impugnadas, conforme documento 1 que juntou com a sua resposta (artigo 3.º da resposta da Requerida), concluindo assim que o valor do presente pedido arbitral deveria ser reduzido em conformidade (artigo 5.º da resposta da Requerida).
A Requerida entende então que a matéria coletável é de € 46.795.133,77, sendo a coleta de € 467.951,34 (cf. documento 1 junto com a resposta da Requerida).
No entanto, o Requerente, nas suas alegações, veio referir que “a anulação de 51% da referida liquidação implica que seja considerada a percentagem de 49% para a alegada ‘afectação’ habitacional, quando matematicamente a percentagem correspondente a tal afectação é de 48,79338233%, o que, tendo em conta o elevado valor em causa, representa uma diferença significativa em prejuízo do Requerente”, concluindo portanto que “a liquidação referente ao prédio em causa deveria incidir sobre 48,79338233% do respectivo VPT, pelo que deveria ter sido anulado o montante correspondente ao remanescente percentual” (artigos 4.º e 5.º das alegações do Requerente).
Cabe referir que assiste razão ao Requerente na medida em que resulta da consulta da caderneta predial do prédio ..., mais concretamente da “Demonstração do Cálculo”, que o Vt Habitação do referido prédio é, efetivamente, de € 46.548.299,03 (conforme alegou no artigo 33.º do seu pedido – cfr., também, o documento 3 junto com o mesmo), e não € 46.795.133,77, sendo portanto a coleta a considerar de € 465.482,99 (aplicação da taxa de 1% - verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), pelo que a percentagem da afectação habitacional do prédio em causa, relativamente ao seu VPT (€ 95.500.273,00 – artigo 33.º do pedido e documento 3 junto com este), é antes de 48,74153504%.
Deste modo, correspondendo o valor do pedido ao valor das coletas em causa, temos como valor final a considerar o somatório das coletas dos três prédios em causa (€ 68.442,62, para o ...; € 12.051,99, para o ...; € 465.482,99, para o ...): o que perfaz uma coleta total de € 545.977,60.
É, portanto, de reduzir o pedido para € 545.977,60, o que a final se ditará.
B.
Além de competente, o tribunal está regularmente constituído, apresentando-se as partes com personalidade, capacidade, legitimidade e representação, não havendo nulidades nem outras exceções ou questões prévias que impeçam a apreciação do mérito da causa.
III - Matéria de facto
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Factos provados
Começa-se por salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código dew Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, a prova documental produzida e o processo administrativo junto aos autos, tudo aqui dado por reproduzido, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
-
O Requerente é um Fundo de Investimento Imobiliário que tem como objetivo o desenvolvimento de um projeto imobiliário que inclui a promoção de um projeto de loteamento e construção de imóveis destinados ao comércio, habitação, logística e serviços, com a sua posterior venda ao público em geral (artigo 1.º do pedido de pronúncia arbitral).
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O Requerente é proprietário dos três prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho e distrito de Lisboa, sob os artigos matriciais números ..., ... e ... (artigo 2.º do pedido e documentos 1, 2 e 3 juntos com o mesmo).
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Os prédios urbanos, anteriormente referidos encontram-se inscritos nas respetivas matrizes como terrenos para construção (artigo 3.º do pedido e documentos 1, 2 e 3 juntos com o mesmo).
-
Os valores patrimoniais tributários (VPT) dos mencionados prédios ..., ... e ..., calculados para efeitos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), são de € 6.844.261,62, €1.205.199,23 (determinados em 2013) e € 95.500.273,00 (determinado em 2014), respetivamente, sendo as coletas respetivas de € 68.442,62, €12.051,99 e € 955.002,73 (artigos 4.º e 7.º do pedido e documentos 1, 2 e 3 juntos com o mesmo).
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Em abril de 2016, o Requerente foi notificado das liquidações de Imposto do Selo relativo ao ano de 2015, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), relativamente aos três prédios supra identificados em 2), sendo o valor total da coleta de € 1.035.497,34, bem como para proceder ao pagamento da 1ª prestação, conforme documentos de cobrança números 2016... (montante: € 22.814,22), 2016... (montante: € 4.017,33) e 2016... (€ 318.334,25), sendo assim o montante total da 1ª prestação de € 345.165,80 (artigo 5.º do pedido e documentos 4, 5 e 6 juntos com o mesmo).
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Em junho de 2016, o Requerente foi notificado novamente, desta vez para pagamento da 2ª prestação das referidas liquidações de Imposto do Selo, conforme resulta dos documentos de cobrança números 2016... (montante: € 22.814,20), 2016 ... (montante: € 4.017,33) e 2016... (montante: € 318.334,24), sendo assim o montante total da 2ª prestação de € 345.165,77 (artigo 6.º do pedido e documentos 7, 8 e 9 juntos com mesmo).
-
Em 11 de maio de 2016, o Requerente pagou integralmente a 1ª prestação do Imposto do Selo relativamente aos prédios com os artigos matriciais ... e ... (artigo 8.º do pedido e documento 10 junto com o mesmo).
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Em 11 de Maio de 2016, o Requerente pagou a quantia de € 157.314,49 (artigo 9.º do pedido e documento 11 junto com o mesmo).
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Foi prestada garantia bancária n.º..., em 2 de junho de 2016, sobre o C..., no valor de € 206.407,69 para suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2016..., instaurado para cobrança das quantias liquidadas e não pagas (artigo 10.º do pedido e documento 12 junto com o mesmo).
-
Os terrenos para construção – objeto das liquidações sub judice – encontram-se todos abrangidos pelo Plano de Pormenor da Artilharia Um (Plano de Pormenor) e pelo respetivo Regulamento do Plano de Pormenor da Artilharia Um (Regulamento do Plano de Pormenor), aprovados pela Assembleia Municipal de Lisboa em 1 de junho de 2004 e ratificados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/2005, de 20 de Janeiro (artigo 12.º do pedido e documento 13 junto com o mesmo).
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Os terrenos para construção correspondem à “Subárea R – reconversão”, prevista no artigo 8.º do Regulamento do Plano de Pormenor e à área identificada com a letra “R” nas plantas de implantação constantes do mesmo Regulamento do Plano de Pormenor (artigo 13.º do pedido e documento 13 junto com o mesmo).
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Relativamente ao imóvel inscrito na matriz sob o n.º..., a Requerida procedeu à anulação de 51% das liquidações da verba 28 de Imposto do Selo impugnadas por referência a tal imóvel, tendo então o valor patrimonial tributário passado a ser de € 46.795.133,77 (artigos 3.º e 4.º da resposta da Requerida e documento 1 junto com a mesma).
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Deste modo, a liquidação incidiu sobre 1% daquele valor patrimonial, isto é, € 46.795.133,77 (artigo 4.º da resposta da Requerida e documento 1 junto com a mesma).
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Factos não provados
Não existem outros factos, relevantes para a decisão de mérito, que não se tenham provado.
Tudo visto, cumpre decidir de direito.
II. DECISÃO DO DIREITO
A.
O Requerente manifestou a sua inconformidade com os actos impugnados estribando-se em três motivos fundamentais, que importa apreciar.
Assim, o Requerente entende que a verba 28 da TGIS, aplicada pelos referidos actos, sofre, no segmento que ao caso importa, de inconstitucionalidade, por violação dos:
(a) Princípio da igualdade tributária (cfr. artigos 91 a 159 da petição inicial do Requerente);
(b) Princípio da proporcionalidade (cfr. artigos 178 a 202 da petição inicial do Requerente);
(c) Discriminação fiscal negativa da Requerente (cfr. artigos 160 a 177 da petição inicial do Requerente);
B.
É sabido que os prédios com afectação habitacional passaram a estar sujeitos a imposto do selo por força da verba 28 da TGIS, acrescentada pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, nos seguintes termos:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.
A lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, vigente a partir de 1 de Janeiro de 2014, alterou a redacção da verba 28.1, que passou a referir:
“por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Ficou resolvida, deste modo, a controvérsia sobre se cabiam ou não na dita verba os terrenos para construção com afectação habitacional.
C.
Apesar de ser seguro, desde 2014, que os terrenos para construção são considerados prédios com afectação habitacional, sujeitos a imposto do selo, suscitam-se dúvidas relativas à constitucionalidade da referida norma, tal como assinalado pelo Requerente.
Algumas dessas dúvidas foram já suscitadas e decididas, em inúmeras vezes, por diversos tribunais, ainda que alcançando conclusões distintas.
Exemplificativamente decidiu-se, no passado, pela inconstitucionalidade da verba 28.1. no processo nº 507/2015-T do CAAD, no qual se afirmou “que a verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, na medida em que sujeita a tributação em Imposto do Selo a propriedade de terrenos para construção cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000, relativamente aos quais a edificação, autorizada ou prevista, não inclua qualquer habitação individual de valor igual ou superior a esse, bem como na medida em que se aplica a situações em que os terrenos para construção pertencem a empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para revenda”. (sublinhado nosso)
Outros tribunais arbitrais, também no seio do CAAD, pronunciaram-se em sentido oposto – isto é, concluindo pela não-inconstitucionalidade da verba 28.1. – destacando-se, entre outros, os acórdãos do CAAD que resultaram dos processos n.ºs 495/2015-T; 515/2015-T e 516/2015-T.
A questão continua, portanto, debaixo de controvérsia, no âmbito do CAAD.
A tudo isto acresce que a jurisprudência do Tribunal Constitucional já proferida a propósito da verba 28.1. da TGIS não é decisiva para o caso sub judice, como veremos adiante.
Analisemos, assim, cada um dos fundamentos suscitados pelo Requerente como determinantes da eventual inconstitucionalidade da verba 28.1. da TGIS.
O primeiro fundamento suscitado pelo Requerente - violação do princípio da igualdade tributária - já foi abundantemente tratado e analisado em diferentes jurisdições assinalando-se aqui, novamente e entre outras, as decisões do CAAD que, a propósito de questões de jure semelhantes à que se encontra sub judice – onde estava em causa a aplicação da verba 28.1 da TGIS - pronunciaram-se no sentido da não-violação do princípio da igualdade tributária previsto na Constituição. Foi o que sucedeu nos processos do CAAD n.ºs 218/2013-T; 247/2013-T; 292/2013-T; 507/2015-T e 114/2016-T.
Considerem-se ainda, em sentido oposto – isto é, pronunciando-se pela inconstitucionalidade da verba 28.1. da TGIS à luz do princípio da igualdade tributária – as decisões constantes nos processos do CAAD 219/2013-T; 4/2014-T; 366/2014-T; 517/2014-T; 577/2014-T; 485/2015-T e 509/2015-T.
Ainda neste contexto, destaque-se a decisão do Tribunal Constitucional, adoptada no acórdão n.º 590/2015, que concluiu pela não-inconstitucionalidade da verba 28.1. à luz do princípio da igualdade tributária.
No referido acórdão n.º 590/2015, e a propósito do princípio da igualdade tributária, o Tribunal Constitucional considerou o seguinte:
“O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edição, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).
Assim o tem afirmado o Tribunal Constitucional, de que é exemplo o Acórdão n.º 84/2003:
«O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). (…) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (…)».
Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.º 711/2006, «é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».
Em suma, na síntese do Acórdão n.º 695/2014, “o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional”.
Neste mesmo acórdão n.º 590/2015, o Tribunal Constitucional conclui o seguinte, a propósito da apreciação da constitucionalidade de uma norma, constante do disposto nos pontos 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, introduzidos pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro:
“Tudo para concluir que quando uma situação aparente ou tendencialmente igual é tratada de forma algo diferente, só se pode falar em desigualdade fiscal se não houver razões atendíveis que tenham conduzido o legislador a fazer as opções que fez.
Ou seja, o que está constitucionalmente vedado ao legislador é o puro arbítrio, tratar desigualmente porque sim, mas não já quando tenha em vista a prossecução de objectivos a que atribui maior valor – como é o paradigmático caso dos benefícios fiscais, em que o legislador prefere abrir mão da receita fiscal para atingir outros objectivos.”
Note-se que a jurisprudência resultante do acima parcialmente transcrito acórdão n.º 590/2015 foi reiterada nos acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 83/2016; 247/2016 e 568/2016.
Vejamos em particular a aplicação da jurisprudência supra citada ao caso sub judice.
Aqui está em causa a aplicação da verba 28.1 da TGIS na redacção dada pela lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, vigente a partir de 1 de Janeiro de 2014 podendo dizer-se que, ao aprovar tal norma, o legislador usou da sua liberdade sem ofender a igualdade fiscal, pois tratou igualmente o que era igual e desigualmente o que era desigual.
De resto, nada obrigava o legislador a instituir um imposto geral sobre o património, como não instituiu, podendo a sua escolha limitar-se a alguns, mas não necessariamente a todos, os imóveis de um mesmo proprietário.
Também quando o legislador tributou só os imóveis habitacionais, abstendo-se de fazer incidir imposto de selo sobre os afectos à agricultura, à pesca, à indústria, ao comércio, tomou uma medida de distinção do que é desigual, fazendo uma opção cuja justificação parece clara: não aumentar a carga fiscal sobre os sectores produtivos, visando as tão propaladas necessidades de investimento e de crescimento económico.
Acresce que os edificados destinados à habitação constituem bens de fruição, deles se podendo dizer, quando sejam de valor igual ou maior a um milhão de euros, revelam um alto padrão de vida e maior capacidade contributiva.
Ainda que a capacidade contributiva revelada possa ser igual, não se vislumbra violação do princípio da igualdade tributária, atenta a razoabilidade da distinção e os fins visados – embora o que aqui se afirma não valha, necessariamente, para os terrenos para construção destinada à habitação detidos por empresas que se dedicam à sua comercialização, como veremos adiante a propósito do caso sub judice.
Tudo isto equivale a dizer, por outras palavras, que o legislador ordinário pode optar por tributar apenas imóveis destinados a habitação, de valor igual a superior a um milhão de euros, sem que tal ofenda o princípio da igualdade tributária.
É certo que não está aqui em causa um imposto sobre o rendimento.
O terreno para construção pode, de facto, nunca vir a ser utilizado para tal e, consequentemente, não propiciar rendimento nenhum.
Mas o que o legislador aqui pretendeu surpreender é um momento e um facto estáticos – a propriedade de um bem que, num dado momento, merece uma dada qualificação – terreno para construção habitacional e que é de elevado valor, medido por padrões médios.
A propriedade desse bem, conjugada com o seu valor, revela, no momento da tributação, uma capacidade contributiva acima da média, e tanto basta para justificar a tributação, independentemente da concretização, ou não, de expectativas futuras não colocando em crise, consequentemente, o princípio da igualdade tributária.
Este entendimento aplica-se, mutatis mutandis, a outro dos fundamentos suscitados pela Requerente: a inconstitucionalidade da verba 28.1. por violação do princípio da proporcionalidade que, antecipemos, se entende não se verificar no caso sub judice.
É que o legislador pretendeu, como se viu, alargar a base tributável à riqueza exteriorizada na propriedade de prédios urbanos destinados à habitação de elevado valor e, numa perspetiva de promoção da consolidação orçamental, como instrumento de obtenção de mais receita e, correspondentemente, de alívio do esforço que pudesse vir a incidir sobre outras fontes de receita ou sobre a redução da despesa pública, com vista a cumprir as metas de défice público.
Consequentemente, não sofre dúvida que as verbas de Imposto do Selo arrecadadas por via da incidência prevista na verba nº 28, qualquer que seja o seu montante, são aptas e idóneas a realizar as finalidades de repartição ampliada do esforço em período de sacrifícios fiscais e financeiros adicionais que o legislador procurou atingir.
Enquanto medida fiscal dirigida a afetar mais intensamente os titulares de direitos reais de gozo sobre prédios urbanos de vocação habitacional e de mais alto valor, ao alcance apenas dos detentores de força económica elevada, não se vislumbram razões para concluir pelo desrespeito das dimensões da necessidade ou da justa medida, contidas no princípio da proporcionalidade.
Resta, por fim, apreciar outro dos fundamentos invocados pelo Requerente, que decorre da circunstância de a propriedade de imóveis como os que estão em causa serem detidos, no caso em apreço, por fundos de investimento imobiliário e da consequente necessidade de realização do objecto social dos fundos de investimento.
Neste contexto estaria em causa a circunstância de os bens onerados com a verba 28.1. constituírem bens de investimento pelo que, desenvolvendo os proprietários – fundos de investimento - a actividade de compra e venda de imóveis, não poderiam representar uma capacidade contributiva superior, nomeadamente quando comparados com outros contribuintes.
Neste ponto considera-se que assiste razão ao Requerente.
Com efeito pode, desde logo, comparar-se a detenção de imóveis de valor superior a um milhão de euros, detidos por fundos de investimento imobiliários, com a detenção de imóveis de valor inferior a um milhão de euros, também detidos por fundos de investimento imobiliários.
Não se vislumbra, neste caso, qual a justificação para diferenciar contribuintes idênticos – fundos de investimento imobiliários – que se dedicam a uma atividade comercial idêntica – compra e venda de bens imóveis – apenas atendendo à circunstância de alguns dos imóveis detidos valerem mais do que outros.
A ser assim, estaríamos, a final, a penalizar ou a onerar fiscalmente, e de forma excessiva, os fundos de investimento imobiliário que fossem proprietários de bens imóveis de maior valor gerando, nos fundos que tivessem bens imóveis de menor valor (isto é, de valor inferior a um milhão de euros), uma vantagem concorrencial artificial que, em nosso entender, colocaria em crise o princípio da igualdade tributária aplicável a empresas que se dediquem à compra, reabilitação, construção e venda de bens imobiliários.
Sem prejuízo da desigualdade tributária que a verba 28.1 implica entre as mesmas empresas – fundos de investimento imobiliário – que detém bens imóveis de diferente valor, acresce ainda uma dimensão específica do princípio da igualdade tributária que, em nosso entender, fica em crise.
Aqui, cite-se o acórdão do tribunal arbitral proferido em 17 de Março de 2016 no processo nº 507/2015-T.
“É inequívoco que as empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para construção ficam com uma oneração adicional significativa em relação à generalidade das empresas, com base num hipotético índice de capacidade contributiva que não tem necessariamente correspondência com a realidade, pois a imposição da tributação não tem qualquer relação com o rendimento real da actividade desenvolvida pelas empresas e onera-as mesmo que tenham resultados negativos, acentuando-se a tributação, cumulada anualmente, precisamente em situações em que, por inêxito da actividade de comercialização, os terrenos são detidos por vários anos e, por isso, menos justificação haveria para a imposição de uma tributação adicional, privativa deste tipo de empresas.
Por outro lado, não se vislumbra também qualquer razão para distinguir entre as empresas que comercializam terrenos para construção de edifícios habitacionais e as que comercializam terrenos para outras finalidades.”
Por isso, também nesta perspectiva constante no processo nº 507/2015-T, a verba 28.1 da TGIS materializa uma discriminação negativa injustificada das empresas comercializadoras de terrenos para construção, o que implica a sua inconstitucionalidade material, por ofensa do princípio da igualdade.
Este entendimento é aplicável, também, aos fundos de investimento imobiliário, patrimónios autónomos que gerem esse património adquirindo, arrendando, renovando e vendendo imóveis.
Acrescente-se que, se tivermos razão quanto aos motivos justificativos da não tributação de terrenos para construção de imóveis não destinados à habitação, o legislador terá incorrido, aqui, em alguma incoerência, pois deixa de proteger o investimento e as actividades económicas, ao contrário do que, de resto, faz também quanto ao Imposto Municipal sobre Imóveis, em cujo artigo 9º nº 1 alíneas d) e e) do respectivo Código consagrou regimes especiais favoráveis às empresas que construam para venda ou que adquiram para revenda – actividades próximas das desenvolvidas pelos fundos de investimento imobiliário.
É quanto basta, entende este Tribunal, para o êxito da pretensão principal do Requerente.
Em face do exposto, conclui-se que a verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, na medida em que se aplica a situações em que os terrenos para construção pertencem a empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para revenda.
Consequentemente, as liquidações que são objecto do presente processo (as liquidações de substituição emitidas na sequência das reclamações graciosas) enfermam de vício de violação de lei, por consubstanciar erro sobre os pressupostos de direito a aplicação de uma norma materialmente inconstitucional, o que justifica a sua anulação (cfr. artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).
Já quanto ao pedido de juros indemnizatórios soçobra o pedido do Requerente.
É verdade que, sem culpa sua, foram praticados actos que o tribunal agora decide serem ilegais.
Mas, para que a Administração possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que “(…) se determine (…) que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” – nº 1 do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
In casu, a AT não fez mais do que actuar segundo a determinação legal do artigo 1º do Código do Imposto do Selo e do nº 28.1 da respectiva Tabela Geral.
E não podia agir de outro modo, considerando a sua vinculação à lei e a impossibilidade de a desaplicar com base num juízo de inconstitucionalidade da lei ordinária que lhe não cabe fazer.
Em súmula, não incorreu em erro de que tenha resultado o pagamento de imposto indevido, e não pode, na falta desse erro, ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.
Quanto ao pagamento das despesas incorridas com a garantia prestada pelo Requerente para suspender a execução fiscal decorrente das liquidações impugnadas, também soçobra a pretensão do Requerente.
É que tal pagamento só seria exigível se a garantia perdurasse por mais de três anos, nos termos do artigo 53º nº 1 da LGT – e esse não é o caso.
Só haveria lugar à indemnização em apreço no caso de manutenção por menos de três anos se se verificasse a existência de erro imputável aos serviços na correspondente liquidação, como dispõe o nº 2 do artigo citado. O que, como se viu, não acontece, dada a impossibilidade em que se acha a AT de desaplicar a lei ordinária com fundamento na sua inconstitucionalidade.
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
-
Julgar improcedente a excepção invocada pela Requerida;
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de anulação das liquidações sub judice.
-
Condenar a Requerida a restituir ao Requerente os montantes indevidamente pagos por força dos actos de liquidação anulados;
-
Julgar improcedente os pedidos de condenação da Requerida Administração Tributária em juros indemnizatórios e indemnização pela garantia bancária prestada, absolvendo-a destes pedidos;
-
Condenar a Requerida em 90% das custas e o Requerente em 10% delas, face ao seu parcial decaimento.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 545.977,60 €, (que resulta do somatório das coletas dos três prédios em causa de €68.442,62 (prédio n.º ...); €12.051,99 (prédio n.º...) e €465.482,99 (prédio n.º...) 13) uma vez que, relativamente ao imóvel inscrito na matriz sob o n.º ..., a Requerida já procedeu à anulação de 51% das liquidações, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 8.262,00 €, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa.
Notifique-se, incluindo o Ministério Público, para os efeitos do disposto no artigo 72º nº 3 da Lei nº 28/82, de 15 de novembro.
Lisboa, 10 de março de 2017
O Árbitro Presidente
(José Baeta Queiroz)
O Árbitro Vogal
(Nuno Cunha Rodrigues)
O Árbitro Vogal
(Diogo Feio)