Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 416/2016-T
Data da decisão: 2018-12-05  Selo  
Valor do pedido: € 50.403,40
Tema: Imposto do Selo – Verba 28.1 da TGIS e terrenos para construção. Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão) - Substitui a Decisão Arbitral de 18 de abril de 2017
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DECISÃO ARBITRAL, proferida em resultado do acórdão do Tribunal Constitucional de 4 outubro de 2018, através da qual se determina reforma a decisão arbitral proferida em 18 de abril de 2017

 

 

  • RELATÓRIO

 

  • A..., S.A., contribuinte n.º..., com sede na ..., n.º..., ... - ... Porto, doravante designada por Requerente, apresentou em 21/07/2016 pedido de pronúncia arbitral no qual solicita a declaração de ilegalidade das liquidações  de Imposto do Selo, no montante de € 24 030,00 e de € 26 373,40 por inconstitucionalidade emergente da violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva pela verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

 

  • O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou em 30/09/2016 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

  • No dia 18/10/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

  • Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 19/10/2016 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter o processo administrativo (PA).
  • Em 16/11/2016 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual se defende por excepção, invocando a insusceptibilidade do tribunal proceder à apreciação da pretensão da Requerente de declaração de inconstitucionalidade (fiscalização abstracta), impropriedade do meio processual utilizado e por impugnação, pugnando pela legalidade do acto de liquidação.

 

  • O tribunal por despacho de 20/12/2016 convidou a Requerente a pronunciar-se relativamente à matéria de excepção.

 

  • A Requerente em 29/12/2016 respondeu a tal convite defendendo a improcedência da matéria de excepção invocada, sustentando não estar em causa a fiscalização abstracta da constitucionalidade de normas, mas a legalidade das liquidações efectuadas com base em norma que reputa por inconstitucional.

 

  • Em 02/02/2017 o tribunal decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento  de que a matéria de excepção pode ser conhecida na decisão final e no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu prazo para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas e designou o dia 20/03/2017 como data para proferir decisão arbitral.

 

  • Por despacho datado 20/03/2017 e com os fundamentos nele descritos o tribunal reagendou tal data para o dia 18/04/2017.

 

  • POSIÇÃO DAS PARTES

A Requerente alega, em primeiro lugar, que a tributação prevista na verba 28 e 28.1 da TGIS viola o princípio constitucional da igualdade e o seu corolário: o princípio da capacidade contributiva e, consequentemente, as liquidações devem ser declaradas ilegais.

No plano teórico observa que só configuram a lesão do princípio da igualdade, as escolhas feitas pelo legislador ordinário naquelas hipóteses em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento que não encontram justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em consideração os fins constitucionais prosseguidos com essa medida da diferença.

Em concreto, conclui que o princípio da igualdade e da capacidade contributiva são violados frontalmente pela verba 28.1 da TGIS, visto que, os terrenos para construção têm um valor patrimonial tributário (VPT) de € 2 403 000,00 e de € 2 637 340,00, estando por isso sujeitos a Imposto do Selo, quando um contribuinte proprietário de 10 terrenos para construção, cada um deles com um VPT de € 900 000,00, nada paga a tal título. Nas suas palavras, uma capacidade contributiva de € 5 040 340,00 (€ 2 403 000,00 + € 2 637 340,00) gera imposto e uma capacidade contributiva de € 9 000 000,00 não determina qualquer imposto.

Em segundo lugar, advoga que, tendo os terrenos para construção de que a Requerente é proprietária, licenças para a edificação de prédios destinados a habitação, há sujeição a Imposto do Selo. Todavia se a Requerente fosse proprietária de 10 terrenos para construção, cada um deles com um VPT de € 1 000 000,00, mas com licença para edificação de prédios destinados a comércio, serviços ou indústria, nada pagaria de imposto.

Em resumo, o princípio da capacidade contributiva, traduzido no pagamento do imposto em função do índice dessa capacidade – o valor do património imobiliário do sujeito passivo é violado, porquanto contribuintes com capacidades contributivas diferentes são tributados de modo diferente, sendo o contribuinte com menor capacidade contributiva a ser tributado de modo mais gravoso. Por isso conclui que a solução normativa é arbitrária e desprovida de qualquer fundamento legal.

De igual modo, defende que a configuração do facto tributário que opera a distinção entre diversas utilizações e destinações dos prédios em causa (habitacionais/não habitacionais), não é justificada perante a medida fiscal adotada.  Isto é, de tal distinção arbitrária decorre que é imposto um maior sacrifício aos contribuintes que sejam proprietários de prédios com a destinação habitacional, em detrimento de outras utilizações que não são tão valiosas à luz dos valores e dos princípios constitucionais. Consequentemente, há também a violação da proeminência valorativa do direito à habitação, previsto no art. 65.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Em terceira linha defende que, se o legislador quis excluir da tributação os imóveis afectos a serviços, comércio ou indústria, na medida em que são elementos produtivos das empresas, então, verifica-se outra violação ao princípio da igualdade, na medida em que os terrenos para construção, no caso das empresas, são também instrumentos produtivos destas.  

Conclui, pugnando que as liquidações de Imposto do Selo padecem do vício material de violação da CRP e, como tal, devem ser declaradas ilegais.

A Requerida começa por sustentar que o tribunal arbitral não pode apreciar o litígio, visto que se pode considerar que estamos perante a exceção de incompetência material ou mesmo até perante a exceção dilatória de impropriedade do meio, porquanto a pretensão da Requerente consiste na declaração de ilegalidade/inconstitucionalidade da norma e a competência para a fiscalização abstrata encontra-se reservada ao Tribunal Constitucional – art. 281.º da CRP.

Quanto à violação do princípio da igualdade em sentido estrito e da sua manifestação da capacidade contributiva, refere que o legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, cujos destinatários têm efetivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adotado para o pagamento deste imposto. Em concreto, com a previsão da verba 28.1 na TGIS, o legislador pretendeu distribuir por todos os sacrifícios impostos pela austeridade, permitindo a discriminação de patrimónios sem que tal ofenda os princípios constitucionais em análise, porquanto não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes.

Acrescenta ainda que é uma norma de carácter geral e abstrato, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se preencham os respetivos pressupostos de facto e de direito. O facto de o legislador estabelecer um valor de € 1 000 000,00, como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha quanto à fixação do «âmbito material dos imóveis habitacionais de luxo» que se pretende tributar de modo mais gravoso.

Mais, a diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa, o que sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.

Refere igualmente neste âmbito que, apesar de não competir à AT, no exercício das suas funções, tecer comentários acerca da alegada inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, a mesma não viola os princípios da proporcionalidade, da legalidade, da confiança dos cidadãos e da capacidade contributiva.

Nesta sequência, pede a Requerente que: seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo sub judice, porque assentes em norma inconstitucional, sendo os mesmos anulados.

 

  • QUESTÃO PRÉVIA E SANEAMENTO

 

A Requerida, na sua resposta, defende que o tribunal não tem competência para aferir ou declarar a (in)constitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, visto que a fiscalização abstrata da legalidade e da constitucionalidade está reservada ao Tribunal Constitucional.

Convidada a Requerente a pronunciar-se quanto a tal exceção e quanto à impropriedade do meio, veio a mesma dizer que a exceção de incompetência do tribunal assenta numa incorreta interpretação do pedido de pronúncia arbitral, na medida em que, o que está refletido nessa peça processual é a pretensão que se declare a ilegalidade das liquidações postas em crise com o fundamento de que as mesmas se baseiam na aplicação de norma que viola a CRP.

Terá a Requerida razão?

A este respeito é pacífico admitir que a aplicação de uma norma materialmente inconstitucional em sede de liquidação de um imposto determina a sua anulação, por padecer do vício de violação de lei emergente de erro sobre os pressupostos de direito.

Ora, o que a Requerente coloca em causa é a aplicação de uma norma que reputa por inconstitucional, a verba 28.1 da TGIS e não a fiscalização abstrata da legalidade e da constitucionalidade.

Assim, o tribunal é materialmente competente, julgando-se improcedente as exceções invocadas pela Requerida.

O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. Factos que se consideram provados

4.1.1. A Requerente é proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo..., freguesia de ..., Vila Nova de Gaia, inscrito como «terreno para construção».

4.1.2. O prédio tinha um VPT de € 2 637 340,00 em 31 de Dezembro de 2015.

4.1.3. A Requerente é proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo..., freguesia de ..., Vila Nova de Gaia, inscrito como «terreno para construção».

4.1.4. O prédio tinha um VPT de € 2 403 000,00 em 31 de Dezembro de 2015.

4.1.5. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo do imóvel descrito em 4.1.1., relativa ao ano de 2015, no valor total de € 26 373,40.

4.1.6. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo do imóvel descrito em 4.1.3., relativa ao ano de 2015, no valor total de € 24 030,00.

4.1.7. A Requerente integra no seu património prédios destinados à construção habitacional.

4.2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

 

5.MATÉRIA DE DIREITO

Em primeiro lugar há que apurar se existe incompatibilidade da verba 28.1 da TGIS com o princípio constitucional da igualdade, no segmento relativo a «terrenos para construção», por discriminação negativa às empresas que exercem habitualmente a atividade de compra e venda de terrenos para construção.

A este respeito sustenta a Requerente que as empresas que se dedicam à construção de edifícios para habitação e assim detêm «terrenos para construção», ou seja, matérias-primas em carteira, estariam a ser discriminadas, quando comparadas com outras empresas que possuam em carteira «terrenos para construção» de edifícios destinados a comércio, serviços ou indústria. Na sua visão, a tributação da verba 28.1 da TGIS de prédios urbanos habitacionais e de «terrenos para construção», cuja edificação seja a habitação, de valor igual ou superior a € 1 000 000,00 é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade. O princípio da igualdade fiscal e o seu corolário da capacidade contributiva também, no seu juízo, são violados, porque a verba da TGIS em apreço trata contribuintes que se encontram em situações idênticas de forma diferente, sendo os contribuintes de menor capacidade tributados de forma mais gravosa.

A questão de constitucionalidade objeto destes autos foi julgada pelo Tribunal Constitucional pelo acórdão n.º 378/2018, de 4 de julho, nos seguintes termos: «….o imposto previsto na Verba 28.1, como é próprio dos impostos sobre o património, delimita o seu âmbito de incidência por referência exclusiva à titularidade de determinados valores patrimoniais, «independentemente da função desempenhada por tais ativos (capital produtivo, aplicação de fundos ou poupança ou consumo duradouro)» (Decisão Sumária n.º 214/2017). Por outro lado, sendo um imposto sobre o património, também não individualiza nem distingue os respetivos sujeitos passivos por recurso a outro critério que não seja precisamente a titularidade desses valores patrimoniais. Assim, aplica-se indistintamente a pessoas singulares e pessoas coletivas e, dentro desta categoria, a associações, fundações e sociedades comerciais, independentemente do ramo económico em que estas últimas operem e dos específicos riscos comerciais existentes nos respetivos sectores de atividade, aliás próprios de toda e qualquer atividade comercial.

Ora, como vimos, a opção por tal modelo de tributação é constitucionalmente legítima, sendo virtualmente apta, com tal configuração, a prosseguir o programa que a Constituição lhe associa de contribuir para a igualdade entre os cidadãos, não decorrendo da argumentação expendida na decisão sob recurso a demonstração fundada de que efetivamente ocorre «arbitrariedade intolerável» na opção normativa de alargar a incidência do referido imposto aos terrenos para construção.

De facto, se é certo que a simples titularidade de terrenos para construção de habitações de valor igual ou superior a €1.000.000,00 não permite, só por si, determinar a concreta e completa situação económico-financeira em que se encontra o sujeito passivo do imposto – o que, repete-se, não é constitucionalmente exigível -, também não autoriza juízos extrapolativos sobre o tipo de contribuintes atingidos por tal norma de incidência, o ramo de atividade em que atuam e as vicissitudes conjunturais, nomeadamente de mercado, a que poderão estar sujeitos.

Como se referiu, a norma em causa parte da ponderação de concretas situações jurídico-patrimoniais, delimitadas em função do valor patrimonial tributário do imóvel e sua afetação social normal, integrando no seu âmbito subjetivo de aplicação um conjunto indeterminado de contribuintes de acordo com um critério uniforme: a titularidade de terrenos para construção de edifícios para habitação de elevado valor patrimonial tributário. Em relação a nenhum deles é valorada a sua concreta situação económico-financeira (rendimentos ou lucros), a sua natureza (singular ou coletiva), estrutura de organização (empresarial ou não empresarial), concreta forma jurídica assumida (sociedade comercial ou outra) e, muitos menos, os diversos setores de atividade em que eventualmente atuam os comerciantes abrangidos e os riscos específicos inerentes a cada um desses ramos de atividade.

A mera probabilidade estatística de serem atingidos pela norma em questão sociedades comerciais dedicadas à promoção imobiliária, associada à ponderação de variáveis económicas de verificação incerta, como seja o impacto económico do imposto nesse particular ramo de atividade comercial – cujo valor, aliás, não deixará de ser considerado como custo da atividade -, não constitui razão suficientemente sólida para suportar um juízo de inconstitucionalidade da norma em causa, na específica hipótese em apreciação, considerando, além do mais, o caráter negativo do controlo constitucional ditado pelo princípio da igualdade.

Como se salienta no Acórdão n.º 711/2006, em passo transcrito no Acórdão n.º 590/2015, «[a]veriguar (…) da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».  13. De todo o modo, mesmo que estivesse em causa – e não está – hipótese normativa circunscrita a sociedades comerciais com tal objeto social, não decorre do programa constitucional de igualação tributária, por via dos impostos sobre o património, qualquer exigência de discriminação positiva das empresas, face aos restantes contribuintes sujeitos a esse tipo de impostos. Não há, por isso, qualquer motivo para censurar, no plano constitucional, a opção legal de também as sujeitar ao pagamento do imposto com base na titularidade de terrenos para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1000.000,00, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação. Como relembra a decisão que mais recentemente abordou o problema, apoiando-se na jurisprudência do Acórdão n.º 590/15 (Decisão Sumária n.º 214/2017), «[a] alteração do Imposto do Selo correspondeu a um dos três pilares – alterações em sede de IRS, de IRC e de Imposto do Selo – do esforço para reforçar a equidade social do sistema fiscal, garantindo que a repartição dos sacrifícios exigidos aos contribuintes em ordem à consecução do equilíbrio orçamental não fosse feita apenas por aqueles que vivem do rendimento do trabalho (cfr. a Proposta de Lei n.º 96/XII). Nesse sentido, e conforme foi anunciado em sede de debate parlamentar, o esforço orçamental deveria incidir sobre todos os tipos de rendimentos, abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor».

Sendo essa a teleologia da norma constante da Verba 28.1, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, ainda no contexto excecional de crise económica determinante do conjunto das descritas alterações legais, não se afigura que a previsão da titularidade de terrenos para construção de edifícios destinados a habitação de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1000.000, como facto constitutivo da obrigação tributária em apreço, mereça reprovação constitucional.

Nessa situação jurídica, tal como sucede com a propriedade de casas para habitação de tal valor, há uma razão constitucionalmente válida que justifica a tributação: a titularidade de bens cujo valor patrimonial tributário e afetação social normal são suscetíveis de revelar uma especial capacidade para suportar e participar no esforço de consolidação orçamental que o legislador, no exercício do seu poder de livre conformação, decidiu alargar aos titulares de determinados patrimónios imobiliários, por razões de maior equidade social, a que a Constituição é claramente sensível.

Não cabe ao Tribunal Constitucional equacionar a possibilidade (abstrata) de existirem situações ou hipóteses que, em atenção à natureza do sujeito visado ou ramo de atividade por este desenvolvido, poderiam justificar diferentes soluções tributárias, e, com base nisso, decidir pela inconstitucionalidade da solução adotada pelo legislador, quando, como é o caso, a sua inclusão no âmbito de incidência da norma tributária, a par de todas as outras hipóteses abrangidas, de variável configuração factual, não constitui solução arbitrária ou racionalmente infundada, por assentar em indícios seguros, embora não infalíveis, de especial ou acrescida capacidade contributiva, como ficou demonstrado.(…)».

Em resumo, a circunstância de sociedades comerciais que têm por escopo social a promoção imobiliária serem abrangidas pela incidência ou o impacto económico neste setor de atividade, não são bastantes para alicerçar um juízo de inconstitucionalidade.

De igual modo, a verba do art. 28.1 da TGIS aplica-se a todos sem exceção (geral); trata de forma igual aqueles que se encontram na mesma situação e de forma distinta aqueles que se encontram em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva (uniformidade) e veda discriminações entre contribuintes sem fundamento racional (não arbitrária).

Como também a tributação pela verba 28.1 da TGIS não é manifestamente excessiva, pois como sustenta o Tribunal Constitucional, o legislador: «…pretendeu, como se viu, alargar a base tributável à riqueza exteriorizada na propriedade de prédios urbanos destinados à habitação de elevado valor e, numa perspetiva de promoção da consolidação orçamental, como instrumento de obtenção de mais receita e, correspondentemente, de alívio do esforço que pudesse vir a incidir sobre outras fontes de receita ou sobre a redução da despesa pública, com vista a cumprir as metas de défice público, não sofre dúvida que as verbas de Imposto do Selo arrecadadas por via da incidência prevista na verba nº 28, qualquer que seja o seu montante, são aptas e idóneas a realizar as finalidades de repartição ampliada do esforço em período de sacrifícios fiscais e financeiros adicionais que o legislador procurou atingir. Como, enquanto medida fiscal dirigida a afetar mais intensamente os titulares de direitos reais de gozo sobre prédios urbanos de vocação habitacional e de mais alto valor, ao alcance apenas dos detentores de força económica elevada, não se vislumbram razões para concluir pelo desrespeito das dimensões da necessidade ou da justa medida, contidas no princípio da proporcionalidade»[1].

Deste modo, as liquidações de Imposto do Selo não padecem de erro sobre os pressupostos de direito e, como tal, mantêm-se na ordem jurídica.

           

6. DECISÃO

Nestes termos decide julgar-se totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente à anulação das liquidações em crise, com todas as consequências legais.

7. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 50 403,40, nos termos do art. 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

8. CUSTAS

Custas a suportar pela Requerente, no montante de € 2 142, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

Lisboa, 5 de dezembro de 2018

 

O árbitro,

Francisco Nicolau Domingos

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

  • RELATÓRIO

 

  • A…, S.A., contribuinte n.º…, com sede na …, n.º…, …  - … Porto, doravante designada por Requerente, apresentou em 21/07/2016 pedido de pronúncia arbitral no qual solicita a declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo, no montante de € 24 030,00 e de € 26 373,40 por inconstitucionalidade emergente da violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva pela verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

 

  • O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou em 30/09/2016 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

  • No dia 18/10/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

  • Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 19/10/2016 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter o processo administrativo (PA).
  • Em 16/11/2016 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual se defende por excepção, invocando a insusceptibilidade do tribunal proceder à apreciação da pretensão da Requerente de declaração de inconstitucionalidade (fiscalização abstracta), impropriedade do meio processual utilizado e por impugnação, pugnando pela legalidade do acto de liquidação.

 

  • O tribunal por despacho de 20/12/2016 convidou a Requerente a pronunciar-se relativamente à matéria de excepção.

 

  • A Requerente em 29/12/2016 respondeu a tal convite defendendo a improcedência da matéria de excepção invocada, sustentando não estar em causa a fiscalização abstracta da constitucionalidade de normas, mas a legalidade das liquidações efectuadas com base em norma que reputa por inconstitucional.

 

  • Em 02/02/2017 o tribunal decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento  de que a matéria de excepção pode ser conhecida na decisão final e no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu prazo para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas e designou o dia 20/03/2017 como data para proferir decisão arbitral.

 

  • Por despacho datado 20/03/2017 e com os fundamentos nele descritos o tribunal reagendou tal data para o dia 18/04/2017.

 

 

  • POSIÇÃO DAS PARTES

A Requerente alega, em primeiro lugar, que a tributação prevista na verba 28 e 28.1 da TGIS viola o princípio constitucional da igualdade e o seu corolário: o princípio da capacidade contributiva e, consequentemente, as liquidações devem ser declaradas ilegais.

No plano teórico observa que só configuram a lesão do princípio da igualdade, as escolhas feitas pelo legislador ordinário naquelas hipóteses em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento que não encontram justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo em consideração os fins constitucionais prosseguidos com essa medida da diferença.

Em concreto, conclui que o princípio da igualdade e da capacidade contributiva são violados frontalmente pela verba 28.1 da TGIS, visto que, os terrenos para construção têm um valor patrimonial tributário (VPT) de € 2 403 000,00 e de € 2 637 340,00, estando por isso sujeitos a Imposto do Selo, quando um contribuinte proprietário de 10 terrenos para construção, cada um deles com um VPT de € 900 000,00, nada paga a tal título. Nas suas palavras, uma capacidade contributiva de € 5 040 340,00 (€ 2 403 000,00 + € 2 637 340,00) gera imposto e uma capacidade contributiva de € 9 000 000,00 não determina qualquer imposto.

Em segundo lugar, advoga que, tendo os terrenos para construção de que a Requerente é proprietária, licenças para a edificação de prédios destinados a habitação, há sujeição a Imposto do Selo. Todavia se a Requerente fosse proprietária de 10 terrenos para construção, cada um deles com um VPT de € 1 000 000,00, mas com licença para edificação de prédios destinados a comércio, serviços ou indústria, nada pagaria de imposto.

Em resumo, o princípio da capacidade contributiva, traduzido no pagamento do imposto em função do índice dessa capacidade – o valor do património imobiliário do sujeito passivo é violado, porquanto contribuintes com capacidades contributivas diferentes são tributados de modo diferente, sendo o contribuinte com menor capacidade contributiva a ser tributado de modo mais gravoso. Por isso conclui que a solução normativa é arbitrária e desprovida de qualquer fundamento legal.

De igual modo, defende que a configuração do facto tributário que opera a distinção entre diversas utilizações e destinações dos prédios em causa (habitacionais/não habitacionais), não é justificada perante a medida fiscal adoptada.  Isto é, de tal distinção arbitrária decorre que é imposto um maior sacrifício aos contribuintes que sejam proprietários de prédios com a destinação habitacional, em detrimento de outras utilizações que não são tão valiosas à luz dos valores e dos princípios constitucionais. Consequentemente, há também a violação da proeminência valorativa do direito à habitação, previsto no art. 65.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Em terceira linha defende que, se o legislador quis excluir da tributação os imóveis afectos a serviços, comércio ou indústria, na medida em que são elementos produtivos das empresas, então, verifica-se outra violação ao princípio da igualdade, na medida em que os terrenos para construção, no caso das empresas, são também instrumentos produtivos destas.  

Conclui, pugnando que as liquidações de Imposto do Selo padecem do vício material de violação da CRP e, como tal, devem ser declaradas ilegais.

A Requerida começa por sustentar que o tribunal arbitral não pode apreciar o litígio, visto que se pode considerar que estamos perante a excepção de incompetência material ou mesmo até perante a excepção dilatória de impropriedade do meio, porquanto a pretensão da Requerente consiste na declaração de ilegalidade/inconstitucionalidade da norma e a competência para a fiscalização abstracta encontra-se reservada ao Tribunal Constitucional – art. 281.º da CRP.

Quanto à violação do princípio da igualdade em sentido estrito e da sua manifestação da capacidade contributiva, refere que o legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, cujos destinatários têm efectivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adoptado para o pagamento deste imposto. Em concreto, com a previsão da verba 28.1 na TGIS, o legislador pretendeu distribuir por todos os sacrifícios impostos pela austeridade, permitindo a discriminação de patrimónios sem que tal ofenda os princípios constitucionais em análise, porquanto não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes.

Acrescenta ainda que é uma norma de carácter geral e abstracto, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se preencham os respectivos pressupostos de facto e de direito. O facto de o legislador estabelecer um valor de € 1 000 000,00, como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha quanto à fixação do «âmbito material dos imóveis habitacionais de luxo» que se pretende tributar de modo mais gravoso.

Mais, a diferente valoração e tributação de um imóvel com afectação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa, o que sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.

Refere igualmente neste âmbito que, apesar de não competir à AT, no exercício das suas funções, tecer comentários acerca da alegada inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, a mesma não viola os princípios da proporcionalidade, da legalidade, da confiança dos cidadãos e da capacidade contributiva.

Nesta sequência, pede a Requerente que: seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo sub judice, porque assentes em norma inconstitucional, sendo os mesmos anulados.

 

  • QUESTÃO PRÉVIA E SANEAMENTO

 

A Requerida, na sua resposta, defende que o tribunal não tem competência para aferir ou declarar a (in)constitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, visto que a fiscalização abstracta da legalidade e da constitucionalidade está reservada ao Tribunal Constitucional.

Convidada a Requerente a pronunciar-se quanto a tal excepção e quanto à impropriedade do meio, veio a mesma dizer que a excepção de incompetência do tribunal assenta numa incorrecta interpretação do pedido de pronúncia arbitral, na medida em que, o que está reflectido nessa peça processual é a pretensão que se declare a ilegalidade das liquidações postas em crise com o fundamento de que as mesmas se baseiam na aplicação de norma que viola a CRP.

Terá a Requerida razão?

A este respeito é pacífico admitir que a aplicação de uma norma materialmente inconstitucional em sede de liquidação de um imposto determina a sua anulação, por padecer do vício de violação de lei emergente de erro sobre os pressupostos de direito.

Ora, o que a Requerente coloca em causa é a aplicação de uma norma que reputa por inconstitucional, a verba 28.1 da TGIS e não a fiscalização abstracta da legalidade e da constitucionalidade.

Assim, o tribunal é materialmente competente, julgando-se improcedente as excepções invocadas pela Requerida.

O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. Factos que se consideram provados

4.1.1. A Requerente é proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, freguesia de …, Vila Nova de Gaia, inscrito como «terreno para construção».

4.1.2. O prédio tinha um VPT de € 2 637 340,00 em 31 de Dezembro de 2015.

4.1.3. A Requerente é proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, freguesia de …, Vila Nova de Gaia, inscrito como «terreno para construção».

4.1.4. O prédio tinha um VPT de € 2 403 000,00 em 31 de Dezembro de 2015.

4.1.5. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo do imóvel descrito em 4.1.1., relativa ao ano de 2015, no valor total de € 26 373,40.

4.1.6. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo do imóvel descrito em 4.1.3., relativa ao ano de 2015, no valor total de € 24 030,00.

4.1.7. A Requerente integra no seu património prédios destinados à construção habitacional.

4.2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

           

5. MATÉRIA DE DIREITO

  1. Enquadramento histórico da verba 28.1 da TGIS

 

Em primeiro lugar, urge traçar a cronologia de vida da verba 28.1 da TGIS. Na verdade, em 2012, através da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro decidiu o legislador aditar um facto sujeito a Imposto do Selo, tendo em vista tributar os prédios de elevado valor patrimonial e com o objectivo de aumentar a receita do Estado em contexto de absoluta recessão económica.

Para tanto a redacção inicial da verba descrita foi a seguinte:

«28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional…».

            Deste modo, ficaram sujeitos a Imposto do Selo, os prédios que: i) fossem urbanos e ii) detivessem um VPT superior a € 1 000 000,00.

            Acontece que, ainda na vigência de tal redacção, a interpretação promovida pela AT apontava no sentido de ficarem sujeitos a tributação os prédios construídos e afectos a habitação, como também os terrenos já classificados como para construção em zonas nas quais o tipo de construção previsto é a habitação.

Sucede que esta interpretação foi reiterada e sistematicamente afastada pela jurisprudência estadual e arbitral, como são disso exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo proferidos no processo 1870/13, de 09/04/2014, no qual assumiu a função de relatora a Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA, o processo 46/14, de 14/05/2014, no qual assumiu a função de relator o Conselheiro ASCENSÃO LOPES e o processo 0272/2014, de 23/04/2014, no qual assumiu a função de relator o Conselheiro PEDRO DELGADO.

            A verdade é que o legislador, através da Lei do Orçamento do Estado de 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), alterou a redacção da verba de Imposto do Selo em análise, ampliando a incidência no sentido de incluir expressamente os «terrenos para construção» onde esteja prevista ou aprovada a construção para a habitação, sempre na condição de que aqueles tenham um VPT superior a € 1 000 000,00. Por isso, hoje, os «terrenos para construção» cuja edificação autorizada ou prevista seja a habitação encontram-se sujeitos à tributação prevista na verba 28.1 da TGIS[2], exigindo a norma de incidência que se prove que o direito à construção já se encontra determinado por actuação de entidade pública, visto que tal direito apenas se constitui quando essa entidade autoriza o proprietário a construir ou a lotear[3].

            Em resumo, a incidência de Imposto do Selo sobre os «terrenos para construção», exige, não só a mera propriedade, como também a emissão de título administrativo que autorize, nomeadamente, tal proprietário a construir ou a lotear.

            Ainda assim, a verba determina que o imposto incide sobre «…o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI…» e sobre tal matéria deve incidir a taxa de 1% «…por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI…», contudo mesmo quando a construção autorizada ou prevista para o terreno não seja exclusivamente a habitação é o VPT, o único que existe previamente à edificação. Isto é, ainda que a construção autorizada ou prevista para o terreno seja em fracções susceptíveis de utilização independente, que são consideradas autonomamente para efeitos de IMI, como dispõe o art. 12.º, n.º 3 do CIMI e o VPT do terreno compute o valor das edificações autorizadas ou previstas, é o VPT que a norma de incidência demarca que deverá ser utilizado para determinar o âmbito do imposto.

            Razão pela qual, a verba 28.1 da TGIS determina que, o que se deve ter em consideração, no âmbito da incidência do imposto é o VPT do terreno. 

Deste modo, importa agora conhecer o vício que proteja de forma os interesses ofendidos.

 

5.2. Questão da divergência da verba 28.1 da TGIS com o princípio constitucional da igualdade, no segmento relativo a «terrenos para construção», por discriminação fiscal negativa às empresas que se dedicam à compra de terrenos para construção

Neste âmbito há, em primeiro lugar, que apurar se existe incompatibilidade da verba 28.1 da TGIS com o princípio constitucional da igualdade, no segmento relativo a «terrenos para construção», por discriminação negativa às empresas que exercem habitualmente a actividade de compra e venda de terrenos para construção.

A este respeito sustenta a Requerente que as empresas que se dedicam à construção de edifícios para habitação e assim detêm «terrenos para construção», ou seja, matérias-primas em carteira, estariam a ser discriminadas, quando comparadas com a de outras empresas que possuam em carteira «terrenos para construção» de edifícios destinados a comércio, serviços ou indústria. Na sua visão, a tributação da verba 28.1 da TGIS de prédios urbanos habitacionais e de «terrenos para construção», cuja edificação seja a habitação, de valor igual ou superior a € 1 000 000,00 é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade.

Adiantamos já, com razão[4]. Na verdade, as empresas com este escopo social necessitam inexoravelmente de adquirir os «terrenos para construção» para realizarem a sua finalidade social, pelo que, não é possível sustentar que revelem uma adicional capacidade contributiva. Mais, a tributação não tem conexão com o rendimento real da actividade comercial destas empresas e mantém-se mesmo naqueles exercícios em que existem prejuízos, acentuando-se a sua intensidade. Deste modo, não encontramos razões para impor esta tributação adicional às empresas que se dedicam à compra e venda de terrenos para construção.

Nesta linha, não se encontram fundamentos para diferenciar as empresas que se dedicam à venda de terrenos para construção de edifícios habitacionais e as que os vendem para outras finalidades. Consequentemente, a verba 28.1 da TGIS corporiza uma discriminação negativa infundada das empresas que se dedicam à compra e venda de terrenos para construção, violadora do princípio da igualdade e, como tal, materialmente inconstitucional.

            Consequentemente, a verba 28.1 da TGIS na redacção em vigor à data do facto tributário é materialmente inconstitucional, porquanto sujeita a tributação em Imposto do Selo, a propriedade dos «terrenos para construção» cujo VPT seja superior a € 1 000 000,00, na medida em que se aplica a hipóteses em que os «terrenos para construção» pertencem a empresas que se dedicam à compra e venda de terrenos para construção.

Assim, as liquidações objecto do presente pedido padecem do vício de violação de lei, por manifestarem erro nos pressupostos de direito ao aplicarem uma norma materialmente inconstitucional, o que alicerça a sua anulação.

           

6. DECISÃO

Nestes termos decide julgar-se procedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente à anulação das liquidações em crise, com todas as consequências legais.

Determina-se ainda a comunicação à Senhora Procuradora-Geral da República, para os fins descritos no art. 280.º, n.º 5 da CRP.

7. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 50 403,40, nos termos do art. 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

8. CUSTAS

Custas a suportar pela Requerida, no montante de € 2 142, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

Lisboa, 18 de Abril de 2017

 

O árbitro,

 

(Francisco Nicolau Domingos)



[1] Acórdão n.º 590/2015, de 11 de novembro de 2015.

[2] Neste sentido v. decisão arbitral n.º 507/2015-T, de 17/03/2016 e na qual assumiu as funções de presidente o Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA.

[3] Neste sentido, v. a decisão arbitral n.º 467/2015-T, 04/02/2016 e na qual assumiu as funções de presidente a Conselheira FERNANDA MAÇÃS.

[4] Seguiremos de perto a fundamentação constante na decisão arbitral n.º 507/2015-T, de 17/03/2016 e na qual assumiu as funções de presidente o Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA.