Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 86/2018-T
Data da decisão: 2019-01-17  IRC  
Valor do pedido: € 571.111,33
Tema: IRC – Pagamentos a entidade sujeita a regime fiscal privilegiado.
Versão em PDF

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Adelaide Moura e Diogo Leite de Campos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 6 de Março de 2018, A..., Lda, NIPC ..., com sede Rua ..., Zona industrial de ..., ...-... ... ..., ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC n.º 2017 ... de 2017-10-25, referente ao exercício de 2013, no valor de € 571.111,33.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
  2. Violação de tramitação legalmente prevista ao notificar a Requerente para justificar operações que não se conduziam à aplicação do artigo 65.º do CIRC;
  3. Erro de direito quanto aos factos, pois foi apresentada prova de que as operações objecto de correcção foram efectivas, tinham caracter normal e o seu montante não era exagerado;
  4. Vício de forma por falta de fundamentação formal consubstanciado na sua contradição e obscuridade;
  5. Vício de fundamentação material consubstanciado no erro interpretação da norma fundamento – artigo 65.º da LGT;
  6. Inconstitucionalidade da interpretação dada ao art.º 65.º do CIRC por violação do n.º 2 do artigo 104.º do CIRC;
  7. Inconstitucionalidade da interpretação dada ao art.º 65.º do CIRC por violação do n.º 2 do artigo 204.º do CIRC, designadamente dos acordos OMC /GATT e da CDT com Hong Kong;
  8. Vício de conteúdo quanto aos actos vinculados pois foi dado ao acto um conteúdo (artigo 65.º do CIRC) distinto daquele que a lei exige (artigo 63.º do CIRC.

Subsidiariamente:

  1. Erro de facto (erro da qualificação dos factos) ao proceder à correcção de gastos que não concorreram para a formação do lucro tributável do ano de 2013 (violação do princípio da periodização dos exercícios);
  2. Caducidade do Direito à liquidação das Tributações Autónomas.

 

  1. No dia 07-03-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 27-04-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 17-05-2018.

 

  1. No dia 21-06-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. No dia 11-09-2018, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pelas partes.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, prazo esse que foi prorrogado por dois meses, nos termos do n.º 2 daquele artigo, por despacho de 12-11-2018.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 2/b), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente está inscrita, desde 01-01-1989, para o exercício da actividade de «Comércio por grosso de peles e couro» (CAE 46240) e de «Outro comércio por grosso de bens de consumo, n.e.» (CAE 46494), encontrando-se enquadrada em sede de IRC no regime geral de tributação.
  2. A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva de âmbito parcial, em sede de IRC ao exercício de 2013, levada a cabo pela Direcção de Finanças de ..., ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2017..., com o objectivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes a transferências bancárias para países, territórios ou regiões qualificados como «paraísos fiscais» ou sujeitos a regimes de tributação privilegiada.
  3. Em resultado da acção inspectiva, foi acrescido ao resultado tributável para efeitos de IRC o valor de € 819.041,81, nos termos do n.º 1 do artigo 65.º do CIRC e apurada tributação autónoma no montante de € 286.664,63, o que originou a emissão da liquidação de IRC n.º 2017... e a demonstração de acerto de contas n.º 2017..., que determina imposto a pagar no montante € 571.111,33 euros.
  4. A assinatura da Ordem de Serviço externo n.º OI2017... deu-se em 04-04-2017.
  5. A Requerente efectuou no decurso do ano de 2013, diversas transferências de fundos com destino a Hong Kong, constantes do quadro infra, não foram declarados no Anexo H da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal (IES):

  1. A Inspecção Tributária (IT) procedeu à notificação da Requerente para apresentar documentos de prova sobre o cumprimento dos requisitos exigidos neste preceito legal, atinentes à materialidade das operações e à inexistência do seu carácter anormal e montante exagerado.
  2. A referida notificação abrangeu B... LIMITED e outros fornecedores sedeados na República Popular da China, a C... LIMITED e D... LIMITED.
  3. As operações de importação relativas aos referidos 3 fornecedores, totalizavam o n.º de 23, sendo 17, relativas à B... LIMITED.
  4. A Requerente solicitou e obteve uma extensão do prazo para resposta à notificação referida, de 30 para 60 dias.
  5. No seguimento da notificação, efectuada nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRC e concretizada na pessoa da Contabilista Certificada e trabalhadora dependente da Requerente E..., foi junta documentação, delimitando a IT a sua análise às operações referenciadas no quadro infra, respeitantes ao fornecedor B..., entidade domiciliada em Hong-Kong:

  1. Das facturas que titulam as operações em causa, bem como dos respectivos conhecimentos de embarque marítimo (Bill of Lading), decorre que os bens adquiridos pela Requerente são provenientes de três locais distintos – Vietnam, Tailândia e China, sendo a carga do navio efectuada por três entidades – a F... (Vietnam), a G... Ltd (Tailândia) e a H... Ltd. (China).
  2. Os conhecimentos de embarque provenientes da Tailândia, cujos bens foram carregados a bordo pela G... Ltd, contêm sempre a indicação de um n.º de factura que é coincidente com o n.º de factura utilizado pela B... .
  3. Os restantes conhecimentos de embarque não fazem qualquer menção a números de factura.
  4. A B... utiliza três numerações distintas para as suas facturas, consoante um dos três citados fornecedores.
  5. Os pagamentos de todas as facturas foram efectuados para a entidade bancária I..., sito em Shanghai, República Popular da China.
  6. No RIT considerou-se que “No que respeita à prova quanto à existência de importações de bens provenientes do extremo oriente, a documentação apresentada cumpre esse requisito.”.
  7. Relativamente ao carácter anormal das despesas, escreveu-se no RIT:

“No que respeita à prova de que as importâncias pagas ou devidas à B... não têm um caráter anormal, a A... limita-se a afirmar que sendo os bens transacionados “peles”, os quais estão relacionados com o escopo social e económico da empresa, está demonstrado o caráter normal das operações (Anexo 5, página 4, § 23.º).

A questão que se coloca, é muito mais vasta que o singelo argumento apresentado. De facto, é questionável a normalidade de ter sido interposta uma entidade residente em paraíso fiscal, quando a A... adquiriu contentores inteiros e, a fazer fé nas mensagens de correio eletrónico apresentadas, por vezes nem conseguia importar toda a mercadoria que desejava (Anexo 8, retirado do CD-ROM, ficheiro Pdf 23-24.12).

Sobretudo porque a B... intermediou a importação de bens com origens em três territórios distintos entre si (Vietnam, Tailândia e China) e distintos do território de residência (Hong Kong), não tendo sido minimamente demonstrado que tal intermediação era imprescindível.

E esse procedimento, de intermediação de uma entidade distinta da entidade que surge como “consignor” no conhecimento de embarque, não se verifica em praticamente todas as demais importações de bens, como sejam as provenientes dos seguintes fornecedores:

  • D… (China) Anexo 9;
  • J… (China) Anexo 10;
  • K… (China) Anexo 11;
  • L… (China) Anexo 12;
  • M… (Taiwan) Anexo 13;
  • N… (Philipines) Anexo 14;
  • O… (India) Anexo 15;
  • P… (India) Anexo 16;
  • Q… (India) Anexo 17.

A normalidade das operações é igualmente questionável quando se verifica que os pagamentos são efetuados via China, o que é totalmente incoerente com a emissão de faturas a partir de Hong Kong. Aliás, a Hong Kong poderá atribuir-se o título de praça financeira, pelo que a passagem por este território de fluxos financeiros relacionados com aquisições em outros locais até poderia qualificar-se de normal. O pagamento via China, como se verifica no caso da B..., é que se afasta da normalidade.

Em relação a este ponto, a prova apresentada é insuficiente.”

  1. Relativamente ao montante exagerado das despesas pode ler-se no RIT:

“No que respeita à prova exigida pelo n.º 1 do artigo 65.º, e n.º 8 do artigo 88.º, ambos do Código do IRC, quanto à demonstração de que as operações não são de montante exagerado, constata-se que a tal prova é manifestamente insuficiente ou não permite uma conclusão que afaste a desconsideração fiscal e a tributação autónoma das operações efetuadas com a B... .

A A... pretendeu efetuar uma comparação com os seus pares, tendo invocado empresas que qualifica como concorrentes diretos. Quanto analisados os números invocados pela própria A... quanto a esses concorrentes, verifica-se que a A... apresenta um desempenho em termos de margem bruta sobre as vendas que é inferior à maioria desses concorrentes.

Por outro lado, quando comparado esse mesmo desempenho com os rácios da unidade orgânica ..., verifica-se igualmente que o seu desempenho está alinhado com a medida estatística mediana. Os factos e indícios apurados apontam para um desempenho bem superior, provavelmente próximo da medida estatística 3.º quartil, cuja verificação direta e exata não foi possível face à falta de colaboração da A... .

Se as alegações da A... apontavam para um desempenho superior aos seus concorrentes, os factos e indícios verificados fazem crer que a A... estará alinhada com o 3.º quartil, o que, à partida, parece ser favorável às pretensões da A... . Contudo, essa análise, em termos isolados, nada prova.

Ainda que a A... possa estar, em termos de margem bruta de comercialização, alinhada com a mediana da unidade orgânica (em termos de valores declarados), ou mesmo alinhado com o 3.º quartil dessa mesma unidade orgânica (como será provável), qualquer um desses alinhamentos não traduz, tout court, que as operações realizadas com a B... não possam ser de montante exagerado.(...)

Também para efeitos de prova, a A... tentou levar a efeito uma comparação de preços praticados pela B... com os preços de venda praticados por outros operadores a quem adquire mercadorias em situações comparáveis, mas restringiu essa tentativa de prova apenas às Anilinas.

Sem prejuízo do exposto, a comparação contém alguns erros ao misturar e trocar referências e/ou faturas de origem, pelo que a Inspeção Tributária levou a efeito um exaustivo e completo trabalho de comparação de preços de aquisição.

Desse trabalho foi possível concluir que algumas mercadorias adquiridas à B... tinham um preço que se podia considerar como aceitável, dado situar-se dentro do intervalo de preços verificado em relação a todas as aquisições de mercadorias comparáveis e em situações minimamente comparáveis (apesar de esse preço intermédio estar por vezes relacionado com o momento da aquisição).

Mesmo nos casos em que a comparabilidade é questionável, como no caso em que a origem dos bens é distinta (o que poderá acarretar custos de transporte diferentes), a análise relegou essa questão para segundo plano, não interferindo nas conclusões.

Esse trabalho foi efetuado não só para todos os tipos de Anilinas, a fim de corrigir algumas lacunas na apresentação da A... como para todos os Crutes, não obstante a A... para estes artigos nada ter apresentado.

A A... também manifestou intenções de apresentar prova em termos de margens brutas de comercialização, mas apenas o efetuou em relação a uma fatura de aquisição e sem especificar como atingiu os valores que apresentou. Essa tentativa de prova, apenas abrange uma pequena parte das aquisições efetuadas à B... .

Não obstante também neste caso a falta de prova, e sem prejuízo da falta de colaboração da A... na explicação da fórmula de custeio e na apresentação, em suporte verificável, de todos os movimentos de Inventário incluindo Inventário Inicial e Inventário Final, a Inspeção Tributária levou a efeito análise (condicionada pelas limitações expostas) das margens brutas de comercialização de todas as referências adquiridas à B... .

Para efeitos da conclusão sobre se as aquisições à B... são ou não encarecidas, será levado em linha de conta as duas últimas análises, ou seja: a comparação de preços de aquisição e a margem bruta de comercialização.

No caso da comparação de preços de aquisição, a conclusão é bastante linear e consta do exposto ao longo do ponto III.1.4.3.2 do presente relatório.

Já no que diz respeito à análise da margem bruta de comercialização, atendendo às limitações na análise da margem bruta efetivamente praticada pela A..., e às limitações no apuramento da margem bruta de cada uma das referências adquiridas à B..., e por uma questão de segurança e de certeza na apreciação, somente as referências que apresentarem uma margem inferior à margem declarada pela A... (18,74%) é que serão consideradas como não fazendo prova em termos de margem bruta comparada.

Por uma questão de segurança e certeza na apreciação, somente as referências que não passem o crivo de ambas as análises (preço de aquisição superior aos comparáveis e margem bruta de comercialização inferior à declarada), é que se reputarão como não fazendo prova de que não são de montante exagerado.”

  1. Do mesmo RIT, consta, ainda, o seguinte:

“Conforme dispõem os nºs 1 e 4 do artigo 65.º do Código do IRC, a A... foi notificada para apresentar prova de que as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a entidades residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, sendo que tal prova é igualmente relevante para efeitos do n.º 8 do artigo 88.º daquele diploma legal.

Relativamente à prova de que tais encargos respeitam a operações efetivamente realizadas, foi feita prova de que ocorreram importações de mercadorias com origem no extremo oriente.

Contudo, a prova apresentada suscita dúvidas relativamente às pessoas contactadas na B..., e suscita igualmente dúvidas ao se constatar que alguns conhecimentos de embarque indicam um número de fatura, sendo que esta numeração é idêntica à numeração aposta nas faturas provenientes da B... .

Se a B... é um intermediário, qual a razão de ser colocada (apenas algumas vezes) a numeração das faturas emitidas por esse intermediário?

Se as entidades pertencem ao mesmo grupo económico (produtor/shipper e intermediário), e conhecendo a contingência fiscal dos artigos 65.º e 88.º do Código do IRC, qual a razão da mercadoria ser faturada pelo intermediário residente fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável ?

Quanto à prova de que os encargos derivados das faturas emitidas pela B... não têm um carácter anormal, não foi apresentada qualquer prova que não fosse a singela afirmação de que tais operações se inserem no escopo social e económico da empresa.

Conforme se explicou, não se afigura normal a interposição de uma entidade residente fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, em carregamentos de mercadorias provenientes de três territórios distintos, cada um dos quais com um consignor distinto.

Porque não efetuar as aquisições diretamente a esses consignors conforme se verificou em praticamente a totalidade das demais importações ?

Também a realidade dos pagamentos, não para Hong Kong, como seria expetável, mas para a China, não permite concluir que as operações não têm um carácter anormal.

No que respeita à prova de que as operações em causa não têm um montante exagerado, no ponto III.1.4.3.4. do presente relatório já se apresentou um resumo da parca prova apresentada, da análise dessa mesma prova apresentada, e das análises complementares levadas a efeito pela Inspeção Tributária, tendo ficado bem evidente que, relativamente a algumas das aquisições, não ficou minimamente demonstrado que tais operações não estão encarecidas, antes pelo contrário.

Por uma questão de certeza e segurança, foram sinalizadas apenas as aquisições que, simultaneamente, apresentavam um preço de aquisição superior a outras aquisições de mercadoria idêntica, e apresentavam uma margem de comercialização inferior à declarada pela A... (pelo que se supõe que a margem de comercialização dessas mercadorias específicas apresentaria uma margem bem inferior à efetiva margem de comercialização da A... ).

Nestes termos, com as limitações da prova relativamente à efetividade (no contexto apresentado), com as limitações da prova quanto ao caráter, com as manifestas limitações na prova no que respeita ao montante, e com as análises complementares levadas a efeito, é de concluir que, pelo menos, em relação às operações sinalizadas como tendo preço de aquisição superior aos concorrentes e apresentando margem de comercialização inferior à declarada pela A..., deverá operar o mecanismo de desconsideração fiscal previsto na primeira parte do n.o 1 do artigo 65.o do Código do IRC, como deverão tais operações ser sujeitas à tributação autónoma a que se refere o n.o 8 do artigo 88.o do Código do IRC.”.

  1. O aviso de recepção da carta registada correspondente ao registo RH0...PT, que veiculou a notificação do relatório final de inspecção, foi assinado em 23-10-2017.
  2. A A..., LDA é uma empresa de cariz marcadamente comercial que exerce como única actividade o “Comércio por grosso de peles e couro”, CAE 46240.
  3. A Requerente foi fundada em 1984 e desde então dedica-se à comercialização de peles e artigos sintéticos destinados a um amplo leque de atividades industriais, com destaque para o sector do calçado.
  4. Na sequência da evolução e desenvolvimento das características deste sector, a Requerente focou-se em apresentar e combinar novos materiais e em estabelecer uma relação estreita com o design.
  5. A gama de produtos comercializada pela Requerente, à data dos factos objecto de inspecção, abrangia as peles naturais de vaca, búfalo, cabra, borrego e porco e também artigos sintéticos, como pu e/ou pvc, sendo esta oferta complementada por produtos têxteis, como pelos e tecidos não tecidos.
  6. Uma importante e essencial componente do calçado são os forros, que numa boa parte dos clientes da Requerente são manufaturados em pele natural.
  7. Uma boa pele para forros reclama qualidades específicas como a sua reduzida espessura, ductilidade, resiliência e resistência ao choque.
  8. A matéria-prima que mais se adequa a estas características é a pele de porco, originária do extremo oriente e que não é produzida em qualquer outra zona geográfica.
  9. De modo a mitigar problemas de qualidade, especialmente em produtos naturais, a Requerente trabalha com os mesmos fornecedores há vários anos.
  10. É importante em de relações comerciais de contratualização de fornecimentos noutras zonas do globo um conhecimento mútuo e confiança adquiridos e sedimentados ao longo dos anos, para o qual é fundamental, para além do mais, o pagamento atempado e nas condições ditadas pelo fornecedor.
  11. Apesar de o nome comercial ou personalidade jurídica das entidades fornecedoras tenha variado ao longo dos anos, a Requerente negoceia com os mesmos empresários asiáticos há vários anos, entre os quais se inclui a família R... .
  12. A B..., entidade sedeada em Hong Kong desde 2007, é detida por promotores originários da República Popular da China, da cidade de ..., e que sob outras designações sociais são fornecedores da A... desde o início da actividade desta.
  13. A fiabilidade deste fornecedor e a pontualidade nos seus fornecimentos, foram as razões pela qual o mesmo se tornou o principal entre os fornecedores de pele de porco (anilina e crute) da A... .
  14. Os preços praticados pela B... foram negociados pela Requerente, tendo ocorrido cancelamento de encomendas por os preços propostos por aquele fornecedor terem sido considerados pela Requerente demasiado elevados.
  15. A factura n.º 13/554, de 18-02-2013, reporta-se a uma compra à N..., um fornecedor Filipino contactado numa feira de Hong Kong, ao qual foi adquirido apenas um artigo de uma só referência (1PO1T009XNS).
  16. Este artigo proposto à A... como negócio de oportunidade, pois, tinha sido produzido para um cliente mexicano que entretanto desistiu da encomenda, sendo um stock/lote para cujo o preço a A... conseguiu negociar um considerável desconto.
  17. A Requerente, nunca mais efectou outra encomenda a este fornecedor, pois a qualidade do produto ficou muito aquém do expectável, tendo como consequência a dificuldade na sua venda, com dificuldades em escoar, pois, apenas em 2017, o artigo teve vendas significativas, devido à escassez no mercado, restando ainda em inventário cerca de 80 pés.
  18. A referenciação das mercadorias pela A..., relativamente às compras em causa era feita da seguinte forma:

  1. As variáveis relevadas na determinação dos preços dos produtos reconduzíveis às referencias em questão, à data relevante, eram:
  1. o tipo de pele (anilina ou crute) - 4.º dígito;
  2. o acabamento – 5.º dígito;
  3. a pele ser de porco ou porca (dada a qualidade, a pele de porco é superior ao da porca) – 6.º dígito;
  4. Em quarto lugar a qualidade do produto.
  5. O factor tempo consubstanciado nas condições conjunturais de oferta e procura;
  6. O câmbio do US$ dólar face à moeda chinesa, o «yuan/renmimbi».
  1. O Código de Cor (colunas 7 a 9), dentro de cada um dos padrões e acabamento, não era repercutido do ponto de vista da fixação de preços.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA, juntos aos autos, bem como a prova testemunhal e declarações de parte produzidas, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Os factos constantes sob os pontos 23 a 32, 37 a 39 assentaram na prova testemunhal arrolada pela Requerente e nas declarações de parte produzidas, sendo que o depoimento da testemunha arrolada pela AT, por não ter conhecimento directo dos mesmos, não foi susceptível de, nessa parte, abalar a restante prova produzida

Em especial, os pontos 38 e 39 tiveram em particular consideração as declarações de parte, bem como o depoimento da testemunha S..., que demonstraram conhecimento directo e preciso dos factos, denotando objectividade e isenção na matéria, e tendo-se ainda verificado a coerência dos seus depoimentos, com a prova documental disponível.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

            Conforme se viu já, a Requerente começa por alegar a violação pela AT da tramitação legalmente prevista, por notificar a Requerente na pessoa da sua Contabilista certificada, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRC, para justificar operações que não se conduziam à aplicação de tal norma.

            Para a Requerente “em substância não é a mesma coisa proceder à comprovação em dois meses (um mês constante da notificação acrescido de outro a solicitação da A...– requerimento de 2017-05-05 deferido pela D. F. de... ) de que as compras aos fornecedores C... e D... LIMITED sedeados na Republica Popular da China e B... LIMITED, sediado em Hong Kong (23 processos de importação) eram efetivas, não tinham carater anormal ou montante exagerado ou apenas dos 17 processos de importação referentes à B...”, acabando por terem sido exigidas “justificações/comprovações em excesso, relativamente ao que dispõe o normativo legal.”.

            Sustenta a Requerente, ainda que o inspector tributário não dialogou “com a empresa de forma a expor as suas ideias sobre a forma de comprovação e o uso a fazer dos meios gerais de prova, como lhe impõe o princípio da colaboração a que está sujeito”.

            Conclui a Requerente, ter-se verificado violação dos princípios da proporcionalidade e da boa fé.

            Ressalvado o respeito devido, não será, por qualquer forma, passível de acolhimento a alegação da Requerente ora em causa.

            Assim, e desde logo, a densificação de nenhum dos princípios invocados, absente de norma que os concretize, desce ao pormenor pretendido pela Requerente.

            Ou seja: não será, por norma, sustentável que, por aplicação de um mero princípio, se censure juridicamente a AT por eventuais erros – que nem sequer se indica terem subjacente qualquer dolo – para os quais a própria lei não comina qualquer sanção.

            Acresce que, in casu, o próprio substracto fáctico invocado pela Requerente não aponta no sentido de qualquer disfuncionalidade.

            Assim, e no que diz respeito a ter sido realizada a notificação na pessoa da Contabilista Certificada, não alega a Requerente a violação de qualquer norma, nem indica qualquer prejuízo que daí tenha advindo.

            Por outro lado, no que à notificação “em excesso” diz respeito, não se pode deixar de notar que a Requerente dispôs do prazo legal máximo previsto, quando é certo que, ao nível abstracto, se podem configurar uma infinidade de situações substancialmente mais complexas do que a da Requerente, e que haverão de ser tratadas, no máximo, no mesmo prazo que foi deferido à Requerente.

            Quanto à circunstância de a notificação em questão ter incluído matérias que, a jusante, se consideraram como não integrando o âmbito da finalidade legal do n.º 4 do artigo 65.º do CIRC, não se descortina, em concreto, qualquer motivo para queixa da parte da Requerente.

            Efectivamente, das duas, uma:

  1. Ou era manifesto que a matéria em questão extravasava o âmbito da finalidade legal da notificação realizada, e não carecia a Requerente de perder mais tempo do que o necessário para dizer precisamente isso;
  2. Ou não era manifesto que assim fosse, o que pode justificar um acréscimo do esforço probatório da Requerente mas, necessariamente, justificar, ao mesmo tempo e na mesma medida, que, precisamente por não ser manifesto que a matéria em questão extravasava o âmbito da finalidade legal da notificação realizada, tenha tal matéria sido incluída na mesma.

            Deste modo, a haver algum “excesso” o mesmo mais depressa se situaria ao nível do prazo que foi concedido à Requerente, do que ao nível do conteúdo da notificação que lhe foi dirigida.

            Assim, e face ao exposto, deverá improceder, nesta parte, o pedido arbitral.

 

*

            Prossegue a Requerente, suscitando a ocorrência de erro de direito quanto aos factos, pois considera que foi feita prova de que as operações objecto de correcção foram efectivas, tinham caracter normal e o seu montante não era exagerado.

            Em causa nesta parte está, portanto, a aplicação dos artigos 65.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente em 2013), e 88.º, n.º 8 do mesmo Código, que estabelecem o seguinte, no que ao caso interessa:

“Artigo 65.º

Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado

1 – Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

2 – Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60 % do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.

3 – Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos devem possuir e, quando solicitado pela Direcção-Geral dos Impostos, fornecer os elementos comprovativos do imposto pago pela entidade não residente e dos cálculos efectuados para o apuramento do imposto que seria devido se a entidade fosse residente em território português, nos casos em que o território de residência da mesma não conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

4 – A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efectuada com a antecedência mínima de 30 dias.”

 “Artigo 88º

Taxas de tributação autónoma

(...)

8 - São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. (...)

14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.”.

O território de Hong Kong estava incluído, em 2013, na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.

            Em questão estará, no caso sub iudice, está a prova, imposta por ambas as supra-citadas normas, relativamente à efectividade das operações e ao carácter normal ou não exagerado das operações, prova essa que, nos termos das normas aplicáveis relativas ao ónus da prova, assiste à Requerente.

            Como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 05-11-2015, proferido no processo 07022/13, estamos perante a “aplicação da regra de não aceitação de encargos dedutíveis quando em causa estão pagamentos efectuados a pessoas singulares ou sociedades instaladas em paraísos fiscais, a menos que o sujeito passivo faça prova dos vectores supra identificados:

a-Estarmos perante operações efectivamente realizadas;

b-Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.”.

            Mais se podendo ler no mesmo aresto que:

Mais se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (cfr.v.g.artº.352 e seg. do C.Civil). No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, (...) ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.”

            Será, portanto, à luz do critério indicado e tendo em conta os concretos fundamentos[2] imprimidos pela AT ao acto tributário sub iudice que se haverá de aferir a legalidade deste.

            Vejamos, então.

 

*

            Conforme resulta das normas em questão, e da interpretação judicial que das mesmas é feita, e que previamente se expôs, cumpre apurar se se encontra feita a prova de que:

  1. Estamos perante operações efectivamente realizadas; e que
  2. As mesmas não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.

Antes de prosseguir, note-se desde logo que, conforme resulta expressamente do RIT, não colocado em causa que as operações em questão não hajam sido efectivamente realizadas, sendo que a única reserva ali suscitada, relacionada com a utilização de um email “chinafareast”, está devidamente esclarecida face à matéria de facto dada como provada.

Neste quadro, cumpre apenas aferir se as operações em causa não têm um carácter anormal ou se o montante em causa não é exagerado, à do luz entendimento jurisprudencial, atrás referenciado, segundo o qual “o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.”.

 

*

            Relativamente à verificação, ou não, de operações com um carácter anormal, consignou-se, em suma, no RIT que:

- “é questionável a normalidade de ter sido interposta uma entidade residente em paraíso fiscal”, “não tendo sido minimamente demonstrado que tal intermediação era imprescindível.” e que “esse procedimento, de intermediação de uma entidade distinta da entidade que surge como “consignor” no conhecimento de embarque, não se verifica em praticamente todas as demais importações de bens”;

- “A normalidade das operações é igualmente questionável quando se verifica que os pagamentos são efetuados via China, o que é totalmente incoerente com a emissão de faturas a partir de Hong Kong. Aliás, a Hong Kong poderá atribuir-se o título de praça financeira, pelo que a passagem por este território de fluxos financeiros relacionados com aquisições em outros locais até poderia qualificar-se de normal. O pagamento via China, como se verifica no caso da B..., é que se afasta da normalidade”.

            Relativamente ao primeiro dos aspectos focados, a prova produzida e a matéria de facto dada como provada dão conta que se trata de um fornecedor de longa data da Requerente, de um material específico (pele de porco asiático), de grande importância para a actividade comercial daquela, e que terá reorganizado a sua estrutura empresarial, centrando-a em Hong Kong.

            Daí que qualquer “estranheza” que se justificasse no RIT, se tenha por devidamente dissipada.

            Quanto ao segundo dos aspectos acima focados, cumpre antes de mais deixar claro, que na senda da jurisprudência previamente sublinhada, o juízo de normalidade em causa se restringe a uma perspectiva meramente económica, ou seja, deverá ser demonstrado que as operações em questão não têm um caracter anormal, no quadro da actividade económica (geradora de rendimentos sujeitos a imposto) do sujeito passivo que nelas foi parte.

            Quer isto dizer, desde logo, que não é qualquer desvio a procedimentos, práticas ou hábitos, que obstará à normalidade das operações. Assim, e no limite, por exemplo, não será normal que sejam emitidas facturas a tinta rosa shock. Não obstante, tal facto não será apto a afastar a normalidade das operações subjacentes a tais facturas, nos termos e para os efeitos das normas que ora nos ocupam.

            Posto isto, na circunstância de os pagamentos serem facturados em Hong Kong, mas efectuados à China, não se poderá deixar, desde logo, de ter em conta que aquele território, sem prejuízo das suas particularidades, é uma Região Administrativa da R.P da China.

            Acresce que, ao contrário do que se assume no RIT, julga-se ser facto público e notório que nem sempre os pagamentos são feitos directamente ao credor, sendo legal e admissível que sejam feitos a terceiros, por indicação daquele, por um lado, ou que sejam feitos ao credor, mas em jurisdição diferente da sua sede, sendo um caso típico, no nosso país, os pagamentos feitos em Portugal, relativos a serviços prestados em Angola.

            Por fim, e também em contraciclo com o ponderado no RIT, sob um ponto de vista da normalidade da actividade fraudulenta ou elisiva, o habitual será fazer pagamentos devidos a entidades não residentes em paraísos fiscais, em entidades bancárias sedeadas nestes. Tal procedimento é que dificulta a actuação das autoridades tributárias, dada a hermeticidade característica dos territórios qualificados como de tributação privilegiada.

            O contrário, que é o que se passa no caso, quando o pagamento a uma entidade sedeada em territórios qualificados como de tributação privilegiada, é efectuado fora destes, integra uma circunstância que, de per si não o demonstrando, corrobora outros indícios da normalidade da operação, por denotar que não é feito esforço de opacizar os pagamentos, quando facilmente se poderia fazê-lo.

            Assim, e por exemplo, se um pagamento a uma entidade sedeada em Andorra for efectuado em Portugal, as autoridades nacionais terão, tendo em conta as obrigações de colaboração que assistem às entidades bancárias e os poderes de fiscalização de que aquelas gozam, todas as condições de investigar ou colaborar na investigação de qualquer irregularidade que tenha sido posta em prática.

            Deste modo, tendo em conta que as operações ora em questão foram efectivamente realizadas, que o seu objecto relaciona-se directamente com a actividade da Requerente, exercida há vários anos, que a intermediação da entidade sedeada em Hong Kong diz respeito a mercadorias muito específicas e que fazem parte do comércio normal da Requerente há vários anos, que aquela entidade é sucessora de outras, sedeadas na R.P. da China, com quem, também há vários anos, a Requerente transacciona, e que não se denota que se haja tentado tirar todas as vantagens que o território sede poderia proporcionar, numa óptica de fraude ou abuso, não se poderá concluir de outra forma que não a de que, in casu, foi demonstrado, para lá da dúvida razoável, que as operações em causa não têm um caracter anormal.

*

            Aqui chegados, cumpre então abordar a aferição do exagero, ou não, do montante em causa nas operações em questão.

            Relativamente a esta matéria, a Requerente começou por alegar, desde o procedimento inspectivo, que a sua performance económica, por comparação das margens brutas obtidas com outras empresas suas concorrentes, “se mantém ainda assim em valores perfeitamente normais para o sector”.

            Relativamente a esta matéria, concluiu o RIT após extensa análise, que “Em resumo, não é possível validar a afirmação da A... de que está alinhada com os operadores que qualifica como seus concorrentes, até se podendo supor que a sua margem de comercialização esteja acima desses arrolados concorrentes, e coerente com o valor do 3.° quartil da unidade orgânica ...”.

            Ou seja, não foi invalidado no RIT que a performance económica da Requerente, por comparação das margens brutas obtidas com outras empresas suas concorrentes, “se mantém ainda assim em valores perfeitamente normais para o sector”, admitindo-se, inclusive, que tal performance possa estar num nível consideravelmente mais alto do que o normal do sector.

             Não obstante, aqui, como no RIT, conclui-se que este elemento, de per si, integra um dado meramente abstracto, que, podendo, quando conjugado com outros de índole concreta, apontar no sentido do não exagero dos montantes envolvidos nas operações em questão, só por si não permite firmar, de forma necessária e para lá de qualquer dúvida razoável, que assim seja.

 

*

            Seguidamente, apresentou uma análise casuística dos preços de compra, realizada por duas vias:

  1. a comparação dos preços de compra da B... com outros operadores; e
  2. comparações de margens brutas de comercialização.

O referido método foi, também ele aceite pela AT, que procedeu à sua análise pelas duas vias propostas, análise essa que, de seguida, se passará a aferir, sendo que, no âmbito em questão foram analisados pela IT os seguintes items/referências:

  1. Anilinas Porco:
    1. Cognac;
    2. Castanho Nutmeg;
    3. Branco;
    4. Cognac Suave;
    5. Castanho Escuro;
    6. Bege;
    7. Bege Navajo;
    8. Azul Fiorde;
    9. Mel Rajah;
    10. Preto;
    11. Cinza Antracite;
    12. Bege Colonial;
    13. Laranja;
  2. Crutes Porco:
    1. Bege;
    2. Bege Burlywood;
    3. Bege Nápoles;
    4. Castanho Borgonha;
    5. Cinza Antracite;
    6. Cognac PAARL;
    7. Cromo;
    8. Lacado Azul;
    9. Lacado Bege;
    10. Lacado Bege Burlywood;
    11. Lacado Bege Milho;
    12. Lacado Bege Nápoles;
    13. Lacado Branco:
    14. Lacado Castanho Borgonha;
    15. Lacado Castanho Cabul;
    16. Lacado Cinza Antracite;
    17. Lacado Cinza Médio;
    18. Lacado Mel:
    19. Lacado Mel Melão;
    20. Lacado Mel Sienna;
    21. Lacado Preto;
    22. Mel Sienna;
    23. Preto;

Dos items referidos, a IT acabou por considerar realizada a prova do não exagero do montante das operações, relativamente aos seguintes:

  1. Anilinas Porco:
    1. Branco (1 ref);
    2. Cognac Suave;
    3. Castanho Escuro;
    4. Bege (2 refs);
    5. Azul Fiorde;
    6. Mel Rajah;
    7. Cinza Antracite;
    8. Bege Colonial;
    9. Laranja;
  2. Crutes Porco:
    1. Bege Burlywood;
    2. Bege Nápoles;
    3. Castanho Borgonha;
    4. Lacado Bege Nápoles;
    5. Lacado Castanho Borgonha;
    6. Lacado Mel Sienna;
    7. Preto

            E concluiu pela não verificação de tal prova, relativamente aos seguintes items:

  1. Anilinas Porco:
    1. Cognac;
    2. Castanho Nutmeg;
    3. Branco (ref. 1PO1SG020GZ);
    4. Bege (ref. 1PO1SG120GZ);
    5. Bege Navajo;
    6. Preto;
  2. Crutes Porco:
    1. Bege;
    2. Cinza Antracite;
    3. Cognac PAARL;
    4. Cromo;
    5. Lacado Azul;
    6. Lacado Bege;
    7. Lacado Bege Burlywood;
    8. Lacado Bege Milho;
    9. Lacado Branco:
    10. Lacado Castanho Cabul;
    11. Lacado Cinza Antracite;
    12. Lacado Cinza Médio;
    13. Lacado Mel:
    14. Lacado Mel Melão;
    15. Lacado Preto;
    16. Mel Sienna.

Tendo sido relativamente às operações respeitantes a estes últimos items que foram desconsiderados os respectivos custos e liquidada a tributação autónoma, em questão no presente processo arbitral, e sobre os quais se deve este Tribunal arbitral pronunciar, notando-se desde já que operações objecto de correcção pela AT correspondem às encomendas de referências que falharam ambos os testes acima referidos.

 

*

            Compulsado o RIT verifica-se, desde logo, constatar-se a ocorrência de dois erros metodológicos, que emergem da matéria de facto dada como provada, e que são os seguintes:

  1. A AT assumiu que o 6.º dígito das referências da Requerente designa peles “grandes” ou “pequenas”, quando, conforme se apurou, se refere a pele de “porco” (mais cara, ref. “O”) ou “porca” (mais barata, ref. “G”);
  2. Que os 7.º, 8.º e 9.º dígito daquelas referências (código de cor) relevam no preço de aquisição, o que, como também se apurou, não será o caso.

Para além do apontado, dever-se-á notar que o critério de aferição do não exagero do valor das operações praticadas, nunca poderá assentar em considerações do género “Naturalmente que numa entidade que visa o lucro, qualquer aquisição de bens ou serviços que seja efetuada a um preço superior ao menor preço possível, sendo idênticas as demais condições do negócio, terá que ser considerado exagerado.” (p. 69 do RIT).

Com efeito, e como referido no Acórdão do TCA-Sul acima citado, o critério é o da “importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa”, e de que “os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado”.

Naturalmente que tal comparação terá de ser feita numa perspectiva de normalidade, aplicada ao caso concreto, que integram uma série de contingências, como seja o momento em que os negócios ocorreram, a necessidade, nesse momento, da aquisição em causa, o contexto e as relações de confiança entre os intervenientes, a relevância da qualidade (ou outro elementos subjectivos) dos bens ou serviços no ramo empresarial em questão e, até, a possibilidade de existência de uma decisão empresarial menos acertada.

O que estará em causa será, portanto, as operações em causa tenham, para lá de qualquer dúvida razoável, a aptidão de gerar vantagens para a entidade interveniente, e que o custo dessas vantagens seja justo, razoável, proporcional, a tais vantagens, no contexto do mercado em que opera o agente, o que, evidentemente, não se reconduz a uma obrigação de que as operações com entidades residentes em territórios sujeitos a regime fiscal mais favorável tenham de ser, para serem aceites, realizadas ao menor custo possível, ou, sequer, que o sejam a custo inferior a todas ou algumas de outras praticadas no mercado, mas que o sejam em condições e por valores que, numa óptica do concreto mercado em questão não se apresentem, no que para o caso agora importa, como exagerados.

 

*

            Verificadas as operações que subjacentes às correcções operadas pela AT, ora em crise, constata-se, desde logo, que um elevado número delas, se reconduzem a situações que, na óptica da AT, não foi possível, de entre os dados disponibilizados pela Requerente, obter referências aceitáveis, que permitissem, em pelo menos uma das duas vias de análise encetadas, efectuar comparações válidas.

            Relativamente a esta matéria, e tendo em conta que, como se referiu anteriormente, que o RIT enferma de erro de facto ao considerar incomparáveis referências nas quais variassem apenas o código da cor (dígito 7 a 9), haverá então que apurar se, de facto, para as operações em questão é, ou não, possível obter termos de comparação, dentro das metodologias seguidas no próprio RIT.

            Assim, à luz da constatada irrelevância do código da cor (dígito 7 a 9), as Anilinas de Porco Cognac, Castanho Nutmeg, e Preto, adquiridas à B... e cujas operações de aquisição subjazem às correcções operadas pela AT, e ora em crise, serão comparáveis a todas as restantes aquisições de anilinas tingidas (referência “T” no 5.º dígito), de pele de porco (referência “O” no 6.º dígito).

            Alargada desta forma a base de comparação, temos que, para a primeira via de análise, sugerida pela Requerente e aceite pela AT, tendo em conta os dados do próprio RIT, verifica-se que temos os seguintes valores máximos (em USD/unidade) de operações comparáveis:

Anilinas Porco Tingidas de Pele de Porco:

  1. Cognac: 0,870
  2. Castanho Nutmeg: 0,880
  3. Cognac Suave: 0,900
  4. Castanho Escuro: 0,920
  5. Azul Fiorde: 0,890
  6. Mel Rajah; 0,850
  7. Preto: 0,880
  8. Cinza Antracite: 0,920
  9. Laranja: 0,890

Ora, das referências indicadas, note-se desde logo, que a AT aceitou como de montante não exagerado as referentes às cores Cognac Suave, Castanho Escuro, Azul Fiorde, Cinza Antracite e Laranja, onde foram praticadas operações com valores superiores à aquisição das Anilinas de Porco Cognac, Castanho Nutmeg, e Preto, ora em causa, algumas das quais com a própria B.... Deste modo, e à luz do facto provado de que a cor integrada nos dígitos 6 a 9 das referências da Requerente não contende com os preços das operações, ter-se-á de concluir, necessariamente, que as operações relativas à aquisição das Anilinas de Porco Cognac, Castanho Nutmeg, e Preto à B..., se devem reputar, igualmente, como de montante não exagerado.

À luz dos mesmos princípios, as aquisições de Anilinas de porco Branco (ref. 1PO1SG020GZ) Bege (ref. 1PO1SG120GZ), e uma das aquisições de Beje Navajo (ref. 1PO1SG115GZ), adquiridas à B... e cujas operações de aquisição subjazem às correcções operadas pela AT, e ora em crise, serão comparáveis a todas as restantes aquisições de anilinas simples (referência “S” no 5.º dígito), de pele de porca (referência “G” no 6.º dígito).

Alargada desta forma a base de comparação, temos que, para a primeira via de análise, sugerida pela Requerente e aceite pela AT, tendo em conta os dados do próprio RIT, verifica-se que temos os seguintes valores máximos (em USD/unidade) de operações comparáveis:

                        Anilinas de Porco Simples de Pele de Porca

  1. Branco: 0,780
  2. Bege: 0,780
  3. Bege Navajo: 0,780

Todos estes valores são respeitantes a aquisições à B..., sendo que as restantes aquisições dos mesmos materiais variaram em preço entre 0,620 e 0,745, havendo igualmente valores de 0,690 e 0,720.

Não obstante, o desvio verificado não será, face aos critérios que previamente se expuseram, suficiente para que se julgue como não verificado que os valores em causa não possuem um valor anormal.

Efectivamente, dentro do universo de comparação acima apontado, temos as seguintes operações:

Anilinas de Porco Simples de Pele de Porca Cor Branca

Anilinas de Porco Simples de Pele de Porca Cor Beje

Anilinas de Porco Simples de Pele de Porca Cor Beje Navajo

Do exposto resulta que, excluindo as operações de valor mais alto, com a B..., se verificam uma variação de valores entre 0,620 e 0,745, ou seja de 0,125, sendo que o valor das operações com a B..., se situam 0,035 acima daquele referido valor mais alto, ou seja, menos de 5% acima.

Por outro lado, e olhando ao conjunto das operações como um todo, verifica-se que a D... é, por regra, o fornecedor mais barato da Requerente, no que diz respeito às matérias primas em causa.

Assim, e por exemplo, nas Anilinas de Porco Simples de Pele de Porco Cor Branca, a diferença entre o preço máximo da D... (0,800) e o preço máximo verificado (0,870, da M...), é de 8,75%.

Noutro exemplo, nas aquisições de Anilinas de Porco Azul Fiorde, aceites pela AT como de valor não exagerado, a diferença entre o preço praticado pela D... (0,715) e pela B... (0,890) – que, repete-se, foi considerado não exagerado – foi de 0,175, correspondente a quase 25%!

Assim, globalmente considerada a situação de facto, de estar em causa um fornecedor tradicional da Requerente, com consequentes índices de satisfação recíproca, o reduzido âmbito da amostra que foi possível formular, a circunstância de não haver quaisquer dúvidas de se terem tratado de operações efectivas, relativas a mercadorias que se inserem no cerne da actividade produtiva da Requerente, o facto de se tratar de uma relação comercial muito extensa sem que sejam detectadas anormalidades relevantes, bem como de todas as operações terem resultado num lucro (maior ou menor), para a Requerente, bem como ponderado, devidamente, no seu contexto, o desvio em questão, formula-se, com a necessária segurança, e sem qualquer dúvida razoável, um juízo de não anormalidade dos preços em questão.

Por fim, a operação relativa à aquisição das Anilinas de Porco Bege Navajo, com a ref. 1PO1SO115GZ, será, à luz do quanto se expôs, serão comparáveis a todas as restantes aquisições de anilinas simples (referência “S” no 5.º dígito), de pele de porco (referência “O” no 6.º dígito).

Alargada desta forma a base de comparação, temos que, para a primeira via de análise, sugerida pela Requerente e aceite pela AT, tendo em conta os dados do próprio RIT, verifica-se que temos os seguintes valores máximos (em USD/unidade) de operações comparáveis:

                        Anilinas de Porco Simples de Pele de Porco

  1. Branco: 0,870
  2. Bege: 0,890
  3. Bege Navajo: 0,850

Verifica-se, assim, que a aquisição das Anilinas de Porco Bege Navajo, com a ref. 1PO1SO115GZ, o foram abaixo do preço mais alto de aquisição das anilinas da mesma espécie (simples, de pelo de Porco) de cores branca e bege, sendo que tais valores foram praticados por outras entidades que não a B... (a M...).

Neste contexto, não se poderá também considerar que não está demonstrado, para lá da dúvida razoável, o caracter não exagerado do montante da operação relativa à aquisição à B... das Anilinas de Porco Bege Navajo, com a ref. 1PO1SO115GZ.

 

*

Relativamente aos Crutes, temos de entre os produtos relativos a operações relevadas, que todos eles foram considerados como não tendo termo de comparação, motivo pelo qual chumbaram o primeiro dos testes relativamente ao carácter não exagerado do montante das respectivas operações, realizado pela AT.

Todavia, à luz do anteriormente exposto, temos que os Crutes de Porco em questão se podem reconduzir aos seguintes tipos:

  1. Simples de Pele de Porca (5.º e 6.º dígito da referência, respectivamente “S” e “O”): Bege; Cromo;
  2. Tingidos de Pele de Porca (5.º e 6.º dígito da referência, respectivamente “T” e “O”): Cinza Antracite; Cognac PAARL e Mel Sienna;
  3. Lacados de Pele de Porca (5.º e 6.º dígito da referência, respectivamente “L” e “O”): Lacado Azul; Lacado Bege; Lacado Bege Burlywood; Lacado Bege Milho; Lacado Branco:  Lacado Castanho Cabul; Lacado Cinza Antracite;  Lacado Cinza Médio; Lacado Mel: Lacado Mel Melão; Lacado Preto;

Relativamente ao primeiro dos referidos grupos, e nos mesmos termos já anteriormente expostos para as anilinas, temos os seguintes valores máximos (em USD/unidade) de operações comparáveis:

Crutes Porco Simples de Pele de Porca:

  1. Bege: 0,280
  2. Bege Burlywood: 0,320
  3. Bege Nápoles: 0,320
  4. Cromo: 0,325

Das referências indicadas, a AT aceitou como de montante não exagerado as referentes às cores Bege Burlywood e Nápoles, onde foram praticadas operações com valores superiores à aquisição dos Crutes de Porco Bege, ora em causa, algumas das quais com a própria B... . Deste modo, e à luz do facto provado de que a cor integrada nos dígitos 6 a 9 das referências da Requerente não contende com os preços das operações, ter-se-á de concluir, necessariamente, que as operações relativas à aquisição dos Crutes de Porco (simples de pele de porca) Bege à B..., se deve reputar, igualmente, como de montante não exagerado.

            Quando à aquisição dos Crutes de Porco (simples de pele de porca) Cromo à B..., verifica-se que o mesmo se situa apenas meio cêntimo de dólar, por unidade, acima do valor máximo praticado em operações comparáveis, nos termos antes expostos, pelo que também esta operação não deverá ser reputada de montante exagerado.

Relativamente ao segundo dos referidos grupos, sempre nos mesmos termos, temos os seguintes valores máximos (em USD/unidade) de operações comparáveis:

Crutes Porco Tingidos de Pele de Porca:

  1. Castanho Borgonha: 0,340
  2. Cinza Antracite: 0,320
  3. Cognac PAARL: 0,310
  4. Mel Sienna: 0,335
  5. Preto: 0,300

Das referências indicadas, a AT aceitou como de montante não exagerado as referentes à cor Castanho Borgonha, onde foi praticada uma operação com valores superiores à aquisição dos Crutes de Porco Cinza Antracite, Cognac PAARL e Mel Sienna, ora em causa, a uma entidade que não a B... (a M...). Deste modo, e à luz do facto provado de que a cor integrada nos dígitos 6 a 9 das referências da Requerente não contende com os preços das operações, ter-se-á de concluir, necessariamente, que as operações relativas à aquisição dos Crutes de Porco (tingidos de pele de porca) Cinza Antracite, Cognac PAARL e Mel Sienna à B..., se devem reputar, igualmente, como de montante não exagerado.

Relativamente ao terceiro dos referidos grupos, sempre nos mesmos termos, temos os seguintes valores máximos (em USD/unidade) de operações comparáveis:

Crutes Porco Lacados de Pele de Porca:

  1. Lacado Azul: 0,385
  2. Lacado Bege: 0,370
  3. Lacado Bege Burlywood: 0,350
  4. Lacado Bege Milho: 0,340
  5. Lacado Bege Nápoles: 0,0,370
  6. Lacado Branco: 0,340
  7. Lacado Castanho Borgonha: 0,400
  8. Lacado Castanho Cabul: 0,360
  9. Lacado Cinza Antracite: 0,360
  10. Lacado Cinza Médio: 0,350
  11. Lacado Mel: 0,370
  12. Lacado Mel Melão: 0,360
  13. Lacado Mel Sienna: 0,400
  14. Lacado Preto: 0,360.

Ou seja: verifica-se aqui que as aquisições de Crutes Porco Lacados de Pele de Porca de cor Lacado Mel Sienna e Lacado Castanho Borgonha, que foram aceites como de montante não exagerado pela AT, tiveram um montante superior às restantes aquisições que foram pela mesma consideradas como não se tendo demonstrado aquele caracter não exagerado.

No entanto, e na sequência do quanto antes se expôs, serão de considerar comparáveis aquelas operações, pelo que todas se haverão de ter como de montante não exagerado.

 

*

            Face a todo o exposto, julga-se efectuada a demonstração, pressuposta pelos art.ºs 65.º e 88.º/8 do CIRC aplicável, de que as operações sub iudice, correspondem a operações efectivas e de carácter normal e montante não exagerado.

Assim, atento os erros de facto, e consequentes erros de direito, deverá o acto tributário objecto da presenta acção arbitral ser anulado, procedendo, consequentemente, o pedido arbitral formulado, e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pela Requerente.

 

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular o acto de liquidação de IRC n.º 2017... de 2017-10-25, referente ao exercício de 2013;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 571.111,33, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 8.568,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de Janeiro de 2019

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Adelaide Moura)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Diogo Leite de Campos)

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Cfr. Ac. do STA de 23-09-2015, proferido no processo 01034/11, “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.”.