Decisão Arbitral
A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 01 de agosto de 2016, vem, na sequência da decisão do Tribunal Constitucional de 02.10.2018, que decidiu conceder provimento ao recurso apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira da decisão proferida em 06.02.2017, julgando não inconstitucional a norma constante da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00, reformar a decisão anteriormente proferida, a qual passa a ser a seguinte:
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RELATÓRIO
1. No dia 05-05-2016, a sociedade “A..., S. A”, NIPC..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 06-06-2016.
3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 20-07-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.
5. Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 01-08-2016.
6. O Tribunal proferiu decisão sobre o processo no dia 06.02.2017, tendo o processo sido arquivado em 07.02.2017.
7. A Autoridade Tributária e Aduaneira e o Ministério Público (MP) apresentaram recursos da decisão para o Tribunal Constitucional a 09.02.2017 e a 10.02.2017 (o primeiro sendo do MP), tendo o tribunal a quo proferido despacho no dia 13.02.2017.
8. A decisão sumária do Tribunal Constitucional foi recebida e notificada a 29.10.2018.
9. No presente processo, pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade de um ato de liquidação do imposto do selo praticado ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referente ao ano de 2015, no montante total de € 21.151,10, com referência ao prédio urbano (terreno para construção) inscrito sob o artigo U-... na matriz predial urbana da freguesia de..., no Porto.
10. Os fundamentos apresentados pela Requerente são os seguintes:
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A A... é uma sociedade anónima que tem por objeto a promoção e a gestão imobiliária e compra para revenda ou arrendamento de bens imóveis;
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No âmbito da sua atividade, pretendia destinar o terreno para construção que deu origem à liquidação que é objeto do presente processo à construção de edifícios a constituir em propriedade horizontal, para venda ulterior de frações por via de uma atividade de promoção imobiliária;
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O prédio que foi objeto de liquidação não é uma habitação, é um terreno para construção, ou seja, não obstante possuir aptidão para nele serem construídas habitações, não é, ele próprio, um prédio suscetível de ser habitado;
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Nem a A... o destina, no estado em que se encontra, a habitação de quem quer que seja, nem o mesmo está em condições de ser habitado, uma vez que se trata de um terreno;
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No terreno em questão não serão construídos apenas edifícios destinados a habitação, o que pode deduzir-se da elevada área bruta dependente do mesmo – 1.768,50m2;
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O prédio constitui uma mera matéria-prima do processo produtivo da A..., tendo em vista a produção de bens novos. É portanto, um fator de produção;
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Assim, mesmo que se conclua que a propriedade do imóvel é um indício da capacidade contributiva da A..., não se trata da capacidade contributiva que o legislador pretendeu atingir através do averbamento das verbas 28 e 28.1 à TGIS, pois isso seria tributar o investimento produtivo em vez de tributar bens de luxo;
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Com a alteração operada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, à verba 28.1 da TGIS, o legislador trata agora de maneira diferente os donos de terrenos para construção com edificação, autorizada ou prevista, para habitação, e os donos de terrenos para construção, com edificação, autorizada ou prevista, para comércio ou serviços. Este tratamento desigual é arbitrário uma vez que, independentemente da finalidade da edificação, ulterior e eventual, pretendida por cada proprietário, nenhuma diferença existe no destino que atualmente cada um dá ao seu terreno;
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Todos os atos tributários devem respeitar o critério da capacidade contributiva, que fornece a base para aferir do respeito pela igualdade tributária que emana do artigo 13.º da CRP;
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Se o legislador visa a capacidade contributiva revelada pela detenção de terrenos para construção não pode tributar os destinados à construção de edifícios para habitação e poupar os destinados à construção de edifícios para comércio e serviços, pois não é possível encontrar diferenças na capacidade contributiva dos contribuintes reveladas por “intenções” ou “previsões” relativas ao aproveitamento de bens com virtualidades iguais;
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A desigual tributação é especialmente censurável quando estão em causa empresas que detêm os imóveis como matérias primas do seu processo produtivo, pois a tributação não deve discriminar atividades, sob pena de violar, além do princípio da igualdade, o princípio da neutralidade fiscal que flui do artigo 81.º, alínea e) da CRP e encontra expressão no artigo 7.º, n.º 3 da LGT;
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Assim, a norma em que se baseia a tributação em causa no presente processo é inconstitucional e a liquidação de imposto do selo impugnada é ilegal.
11. A Requerida respondeu à pretensão da Requerente defendendo-se por impugnação e apresentando os seguintes argumentos:
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A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.
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Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do n.º 2 do art. 45.º do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art.º 41.º do CIMI.
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Assim, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido esta ordem de considerações:
a. Na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art. 9.º do Código Civil (CC), ex vi art.º 11º da Lei Geral Tributária - LGT.
b. O n.º 2 do art.º 67.º do CIS manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI.
c. A afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;
d. A própria verba 28.1 TGIS remete para a expressão “prédios com afectação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI.
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Assim, ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.
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Note-se que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional”, expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas na alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIMI.
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Efectivamente, a verba 28.1 da TGIS respeita a uma tributação do património, sem visar especificamente empresas, pois compreende toda a espécie de sujeitos passivos que sejam titulares dos direitos reais enunciados sobre os prédios habitacionais em causa, independentemente de assumirem carácter empresarial ou não, abrangendo, assim, para além de sociedades, fundações, associações, pessoas singulares, em suma toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos habitacionais de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000.
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Ademais, sempre se dirá que o facto de os imóveis sobre o qual incidiu a liquidação impugnada serem bens de investimento, afeto a operações imobiliárias habitualmente desenvolvidas pelo proprietário, não afetando a capacidade contributiva revelada, determinará que a tributação pela Verba n.º 28.1, da TGIS, seja suscetível de alguma atenuação no âmbito empresarial, já porque constitui custo da atividade, já pela possibilidade de repercussão (nos preços) que, em maior ou menor grau, sempre existe mesmo nos impostos sobre o rendimento das empresas.
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Encontra-se portanto legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade se resultasse manifestamente indefensável.
II. SANEAMENTO
1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
III. MATÉRIA DE FACTO
Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental junta aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:
III.1. Factos provados
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A A... é uma sociedade anónima que tem por objeto a promoção e a gestão imobiliária e compra para revenda ou arrendamento de bens imóveis;
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A A... é proprietária do prédio urbano classificado como terreno para construção inscrito sob o artigo U-... da freguesia de..., Porto;
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Na respetiva caderneta predial urbana, o tipo de coeficiente de localização aplicável ao prédio é o de habitação;
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A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma liquidação de imposto do selo, referente ao ano de 2015 e ao prédio em questão, no valor de € 21.151,10, à qual foi atribuído o n.º 2016... .
III.2. Factos não provados
Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.
IV. THEMA DECIDENDUM
A questão essencial em causa no presente processo passa por determinar se a norma constante da verba 28.1 da TGIS, na parte em que sujeita a tributação os prédios habitacionais e os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se traduz numa inconstitucionalidade por violação do princípio da capacidade contributiva decorrente do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição.
V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A primeira questão suscitada pela Requerente prende-se com a alegada violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição, na vertente da igualdade tributária, pela interpretação da norma prevista na verba 28.1 da TGIS nos termos da qual a mesma incide sobre terrenos para construção para os quais não esteja prevista a edificação de unidades habitacionais de valor superior a € 1.000.000,00.
Foi sobre esta questão que incidiu a decisão do Tribunal Constitucional, a qual, por remissão para os fundamentos constantes do Acórdão n.º 378/2018, de 04 de julho, julgou não inconstitucional a norma constante da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000.
Assim, impõe-se decidir a questão da inconstitucionalidade suscitada pela Requerente em seu desfavor, isto é, não conferindo provimento ao argumento suscitado nos exatos termos que constam do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 378/2018, para os quais remete a decisão sumária proferida no presente caso.
Relativamente à questão, também suscitada pela Requerente, de saber se, no caso concreto, o ato de liquidação se baseou numa aplicação ilegal da norma constante da verba 28.1 da TGIS por não estar em causa um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, na medida em que no terreno não nascerão apenas edifícios habitacionais, mas também edifícios destinados a outros fins, importa analisar.
A norma em que se fundamenta a tributação é a norma que resulta da alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, à verba 28 da TGIS. O texto legislativo faz incidir a tributação sobre “terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação” e cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000. No caso presente, não está em dúvida que o valor patrimonial tributário do terreno suscita a tributação. O que está em causa é saber se a coexistência de mais do que uma afetação prevista para os edifícios a construir – habitação e outras – é suscetível, por si só, de afastar a norma de incidência.
Ora, se não contestamos que essa poderia, em tese, ser ponderada como uma das interpretações possíveis do enunciado normativo em questão, entendemos que ela não deve ser, por um conjunto de razões, a interpretação a adotar em função dos critérios interpretativos estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, designadamente: (i) letra da lei; e (ii) reconstituição, a partir dos textos, do pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta (ii1) a unidade do sistema jurídico, (ii2) as circunstâncias em que a lei foi elaborada e (ii3) as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Com efeito, quanto ao elemento literal, a norma não se refere apenas a terrenos cuja edificação, presente ou futura, seja exclusivamente habitacional. A norma apenas exige que venha a existir uma edificação afeta a habitação. Ou seja, o elemento “edificação para habitação” não aparece no texto normativo em termos exclusivos, o que não nos permite excluir com segurança da norma de incidência casos como o presente, em que, a par da edificação habitacional, poderão vir a existir outras.
Quanto à reconstituição do pensamento legislativo tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, conduzem-nos à mesma conclusão. Recorde-se o contexto de dificuldades financeiras do Estado português em que a norma foi elaborada, a necessidade de aumento das receitas fiscais e o recurso a esta forma de tributação “extraordinária” como forma de auxílio financeiro ao Estado por parte daqueles contribuintes que se entendeu estarem em condições mais privilegiadas para o fazer. É verdade que, na alteração ocorrida por via do Orçamento do Estado para 2014, se quis ajustar a tributação ao abrigo da verba 28.1, nomeadamente em face dos problemas suscitados pela redação anterior. Mas os seus fundamentos não se alteraram, nem se alterou a perspetiva de que, quem era, grosso modo, proprietário de prédios habitacionais ou que pudessem vir a tornar-se prédios habitacionais de valor superior a € 1.000.000 deveria ser chamado a ajudar o Estado através desta forma de tributação. A introdução de referência explícita aos terrenos para construção visou dar resposta às dúvidas interpretativas que se haviam suscitado quanto à respetiva inclusão, ou não, na norma de incidência originária. Ou seja, visou eliminar dúvidas de que os terrenos para construção de valor igual ou superior a € 1.000.000 que pudessem vir a dar origem a habitações, deveriam ser tributados da mesma forma que os edifícios já construídos. Não nos parece, portanto, face também a este elemento, que se deva considerar que o legislador quis excluir os terrenos para construção que permitissem a coexistência de edificações para habitação e para serviços.
Assim, não existem motivos para se considerar inconstitucional ou ilegal a tributação ocorrida no presente caso, pelo que os atos impugnados deverão manter-se na ordem jurídica.
VI. DECISÃO
Em conformidade com que fica exposto supra, decide-se julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação de imposto do selo impugnada.
Valor: em conformidade com o disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 21.151,10.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, a suportar integralmente pela Requerente nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 16 de janeiro de 2019
A Árbitro,
Raquel Franco
Decisão Arbitral
A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 01 de agosto de 2016, decide nos termos que se seguem:
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RELATÓRIO
1. No dia 05-05-2016, a sociedade “A..., S. A”, NIPC..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 06-06-2016.
3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 20-07-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.
5. Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 01-08-2016.
6. No presente processo, pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade de um ato de liquidação do imposto do selo praticado ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referente ao ano de 2015, no montante total de € 21.151,10, com referência ao prédio urbano (terreno para construção) inscrito sob o artigo U-... na matriz predial urbana da freguesia de ..., no Porto.
7. Os fundamentos apresentados pela Requerente são os seguintes:
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A A... é uma sociedade anónima que tem por objeto a promoção e a gestão imobiliária e compra para revenda ou arrendamento de bens imóveis;
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No âmbito da sua atividade, pretendia destinar o terreno para construção que deu origem à liquidação que é objeto do presente processo à construção de edifícios a constituir em propriedade horizontal, para venda ulterior de frações por via de uma atividade de promoção imobiliária;
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O prédio que foi objeto de liquidação não é uma habitação, é um terreno para construção, ou seja, não obstante possuir aptidão para nele serem construídas habitações, não é, ele próprio, um prédio suscetível de ser habitado;
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Nem a A... o destina, no estado em que se encontra, a habitação de quem quer que seja, nem o mesmo está em condições de ser habitado, uma vez que se trata de um terreno;
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No terreno em questão não serão construídos apenas edifícios destinados a habitação, o que pode deduzir-se da elevada área bruta dependente do mesmo – 1.768,50m2;
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O prédio constitui uma mera matéria-prima do processo produtivo da A..., tendo em vista a produção de bens novos. É portanto, um fator de produção;
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Assim, mesmo que se conclua que a propriedade do imóvel é um indício da capacidade contributiva da A..., não se trata da capacidade contributiva que o legislador pretendeu atingir através do averbamento das verbas 28 e 28.1 à TGIS, pois isso seria tributar o investimento produtivo em vez de tributar bens de luxo;
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Com a alteração operada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, à verba 28.1 da TGIS, o legislador trata agora de maneira diferente os donos de terrenos para construção com edificação, autorizada ou prevista, para habitação, e os donos de terrenos para construção, com edificação, autorizada ou prevista, para comércio ou serviços. Este tratamento desigual é arbitrário uma vez que, independentemente da finalidade da edificação, ulterior e eventual, pretendida por cada proprietário, nenhuma diferença existe no destino que atualmente cada um dá ao seu terreno;
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Todos os atos tributários devem respeitar o critério da capacidade contributiva, que fornece a base para aferir do respeito pela igualdade tributária que emana do artigo 13.º da CRP;
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Se o legislador visa a capacidade contributiva revelada pela detenção de terrenos para construção não pode tributar os destinados à construção de edifícios para habitação e poupar os destinados à construção de edifícios para comércio e serviços, pois não é possível encontrar diferenças na capacidade contributiva dos contribuintes reveladas por “intenções” ou “previsões” relativas ao aproveitamento de bens com virtualidades iguais;
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A desigual tributação é especialmente censurável quando estão em causa empresas que detêm os imóveis como matérias primas do seu processo produtivo, pois a tributação não deve discriminar atividades, sob pena de violar, além do princípio da igualdade, o princípio da neutralidade fiscal que flui do artigo 81.º, alínea e) da CRP e encontra expressão no artigo 7.º, n.º 3 da LGT;
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Assim, a norma em que se baseia a tributação em causa no presente processo é inconstitucional e a liquidação de imposto do selo impugnada é ilegal.
8. A Requerida respondeu à pretensão da Requerente defendendo-se por impugnação e apresentando os seguintes argumentos:
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A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.
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Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do n.º 2 do art. 45.º do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art.º 41.º do CIMI.
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Assim, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido esta ordem de considerações:
a. Na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condiçãoindispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art. 9.º do Código Civil (CC), ex vi art.º 11º da Lei Geral Tributária - LGT.
b. O n.º 2 do art.º 67.º do CIS manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI.
c. A afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;
d. A própria verba 28.1 TGIS remete para a expressão “prédios com afectação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI.
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Assim, ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.
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Note-se que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional”, expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas na alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIMI.
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Efectivamente, a verba 28.1 da TGIS respeita a uma tributação do património, sem visar especificamente empresas, pois compreende toda a espécie de sujeitos passivos que sejam titulares dos direitos reais enunciados sobre os prédios habitacionais em causa, independentemente de assumirem carácter empresarial ou não, abrangendo, assim, para além de sociedades, fundações, associações, pessoas singulares, em suma toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos habitacionais de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000.
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Ademais, sempre se dirá que o facto de os imóveis sobre o qual incidiu a liquidação impugnada serem bens de investimento, afeto a operações imobiliárias habitualmente desenvolvidas pelo proprietário, não afetando a capacidade contributiva revelada, determinará que a tributação pela Verba n.º 28.1, da TGIS, seja suscetível de alguma atenuação no âmbito empresarial, já porque constitui custo da atividade, já pela possibilidade de repercussão (nos preços) que, em maior ou menor grau, sempre existe mesmo nos impostos sobre o rendimento das empresas.
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Encontra-se portanto legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade se resultasse manifestamente indefensável.
II. SANEAMENTO
1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
III. MATÉRIA DE FACTO
Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental junta aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:
III.1. Factos provados
-
A A... é uma sociedade anónima que tem por objeto a promoção e a gestão imobiliária e compra para revenda ou arrendamento de bens imóveis;
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A A... é proprietária do prédio urbano classificado como terreno para construção inscrito sob o artigo U-... da freguesia de ..., Porto;
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Na respetiva caderneta predial urbana, o tipo de coeficiente de localização aplicável ao prédio é o de habitação;
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A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma liquidação de imposto do selo, referente ao ano de 2015 e ao prédio em questão, no valor de € 21.151,10, à qual foi atribuído o n.º 2016... .
III.2. Factos não provados
Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.
IV. THEMA DECIDENDUM
A questão essencial em causa no presente processo passa por determinar se a norma constante da verba 28.1 da TGIS, na parte em que sujeita a tributação os prédios habitacionais e os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se traduz numa inconstitucionalidade por violação do princípio da capacidade contributiva decorrente do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição.
V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A verba 28 da TGIS previa, à data dos factos, o seguinte:
28 Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: (Aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro)
28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI (Redação da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro) - 1%
De acordo com a verba 28.1 da TGIS, na sua redação inicial, estavam sujeitos a esse imposto a propriedade, o usufruto e o direito de superfície sobre prédios urbanos com afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, fosse igual ou superior a € 1.000.000. Mais tarde, com a alteração ocorrida em 2013 e que se repercutiu nos exercícios de 2014 e seguintes – nomeadamente ao exercício de 2015, ao qual respeita a liquidação impugnada -, os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI, passaram a estar também sujeitos a tributação à taxa de 1%.
No âmbito de vigência dessa anterior redação da verba 28.1 da TGIS, concluiu-se em diversos processos de arbitragem tributária que a expressão “afetação habitacional”, constante do texto da norma então em vigor, se referia a uma “utilização” habitacional, ou seja, a prédios urbanos que tivessem uma efetiva utilização para fins habitacionais (cf., nomeadamente, os processos 42/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T, 53/2013-T, 75/2013-T, 144/2013-T e 158/2013-T).
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu um conjunto de alterações nos diplomas codificadores de três impostos – IRS, IRC e Imposto do Selo – assim como na Lei Geral Tributária, entre as quais a norma constante da verba 28.1 da TGIS, todas norteadas à obtenção de receita fiscal suplementar e, em geral, a contrariar o desequilíbrio orçamental então vivido de forma extrema pelo país. Introduziram-se medidas de reforço do combate à fraude e evasão fiscal e criou-se, no âmbito do Imposto do Selo, a tributação de situações jurídicas (expressão aditada ao n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo), que se entendeu serem demonstrativas da capacidade dos respetivos titulares para suportar um esforço fiscal acrescido, distribuindo desse modo mais equitativamente o sacrifício para atingir a consolidação orçamental exigido aos contribuintes. É isto que resulta da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, que esteve na origem da referida Lei n.º 55-A/2012:
«A prossecução do interesse público, em face da situação económico-financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.
Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de setores da sociedade portuguesa.
Nestes termos, será agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, passando as respetivas taxas de 25% para 26,5% em sede de IRS. As taxas de tributação aplicáveis aos rendimentos obtidos de, ou transferidos para, os paraísos fiscais são também agravadas para 35%.
Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.
Finalmente, este diploma introduz uma medida de reforço de combate a fraude e a evasão fiscais, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos (IRS) e às transferências de e para paraísos fiscais. Em primeiro lugar, reforça-se a operacionalização da liquidação do IRS com base em manifestações de fortuna, reduzindo-se o diferencial de 50% para 30% entre as manifestações de fortuna e os rendimentos declarados em sede de IRS. Por outro lado, as transferências de e para paraísos fiscais efetuadas entre contas do sujeito passivo, não declaradas nos termos da lei, passam a ser consideradas uma manifestação de fortuna e, nessa medida, sujeitas a tributação em sede de IRS por métodos indiretos.»
A simples extensão de uma norma de incidência a situações para as quais ela não foi pensada inicialmente encerra o risco de se passar a sujeitar a um mesmo regime de tributação situações que são em si mesmas distintas e que mereceriam, portanto, diferenciação na tributação. No caso da verba 28.1 da TGIS, se a tributação de imóveis de luxo com afetação habitacional poderá ser considerada constitucional justamente porque, havendo uma efetiva utilização dos mesmos pelos respetivos proprietários, essa situação revela um comportamento materialmente relevante do ponto de vista da aferição da riqueza do proprietário, o mesmo não se poderá dizer do caso da tributação dos terrenos para construção, em que, enquanto não existirem quaisquer construções suscetíveis de utilização para habitação e como tal licenciadas pelas autoridades competentes, os terrenos em si se encontram, objetivamente, impossibilitados de ter tal afetação. Ora, coisa totalmente diferente da utilização efetiva de um imóvel para habitação é a expetativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma “afetação habitacional” – sendo justamente essa expetativa que carateriza os terrenos para construção. Com efeito, os terrenos para construção, porque não estão edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios “com afetação” (seja ela qual for). Neles não existe mais do que a expetativa, ou potencialidade, de um prédio poder, após a respetiva edificação, vir a ter uma “afetação”. Por conseguinte, somente quando essa “afetação” se concretizar, o que nunca sucederá antes da sua edificação, é que poderemos considerar que o terreno para construção passa a apresentar alguma semelhança com o prédio urbano, nomeadamente por permitir ao respetivo titular dele retirar algum proveito.
Nas palavras de JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expetativa jurídica, consubstanciada num direito de nele vir a construir um prédio com determinadas caraterísticas e com determinado valor.” (cf. “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, Almedina, 2010, p. 101). Um terreno para construção, não obstante a sua classificação como prédio urbano para efeitos de IMI, é caraterizado sobretudo pela sua viabilidade construtiva, a qual mais não dá ao seu proprietário do que a possibilidade de nele vir a construir um prédio com as caraterísticas permitidas pelos instrumentos de gestão urbanística aplicáveis.
Deste modo, se é verdade que o titular de um terreno para construção de valor superior a € 1.000.000,00 tem na sua esfera jurídica um bem de elevado valor, também é verdade que a sua situação é diferente da do proprietário de um prédio com afetação habitacional, que efetivamente tira partido do prédio de que é titular. Poderia dizer-se, a este propósito, que o facto de o proprietário do prédio com afetação habitacional poder retirar um rendimento do prédio enquanto o proprietário do terreno para construção não pode não é relevante neste âmbito por se tratar de tributação do património e não do rendimento. Porém, não é verdade que isso seja irrelevante. Por um lado, no caso do proprietário do prédio habitacional que não arrenda o imóvel, mas dele usufrui diretamente, o valor dos patrimónios de ambos é o mesmo, mas temos, ainda assim, duas situações totalmente distintas: a de um proprietário que usufrui de uma habitação de luxo, por um lado, e a do proprietário do terreno para construção, que não usufrui de nada. Poderá dizer-se ainda que o proprietário do terreno para construção pode vender o prédio de que é proprietário e realizar rendimento dessa forma e que é essa possibilidade que justifica a tributação em sede de imposto do selo. É verdade que pode. Porém, esse rendimento já será tributado em sede de IRS ou de IRC, conforme os casos. Além disso, também o proprietário do prédio rústico de valor igual ou superior a 1 milhão de euros pode vender o prédio e não é por isso que é tributado pela verba 28.1 da TGIS.
É inegável que o que o legislador pretendeu, quando criou a verba 28.1 da TGIS, foi tributar as propriedades habitacionais de luxo; no entanto, estamos em crer que, ao introduzir-se os terrenos para construção no âmbito de aplicação da norma, se desvirtuou o regime inicial, alargando-o a situações totalmente distintas das que o mesmo inicialmente visava. A alteração introduzida na verba 28.1 da TGIS em 2014 tem, aliás, a virtualidade de clarificar a distinção entre a realidade “prédio habitacional” e a realidade “terreno para construção”, demonstrando que uma e a outra não são a mesma.
O alargamento da norma de incidência aos terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, não veio acompanhado de uma distinção atinente ao valor da construção edificada, razão pela qual, aplicando-se as normas gerais, mesmo quando a construção autorizada ou prevista para o terreno seja habitação em várias frações, é o valor patrimonial do terreno, o único que existe antes de ser concretizada a edificação e que é «utilizado para efeito de IMI», que é relevante para aferir da incidência do imposto.
Esta circunstância coloca questões de constitucionalidade da norma em questão, as quais aqui se analisam de forma muito próxima à constante do acórdão proferido no âmbito do processo 507/2015-T. Assim, em termos sintéticos:
- o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação», sendo que «o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas» (artigo 45.º, n.ºs 1 e 2, do CIMI).
- em relação a terrenos para construção relativamente aos quais esteja prevista ou autorizada edificação apenas com unidades habitacionais de valor inferior a € 1.000.000,00, a justificação da elevada capacidade contributiva revelada pela detenção de tal património não vale pois o facto de o terreno ter valor igual ou superior àquele não permite identificar um sujeito passivo com uma capacidade contributiva a nível dos «padrões mais elevados da sociedade portuguesa».
- a titularidade de direitos sobre um terreno para construção de frações suscetíveis de utilização independente até revela menos capacidade contributiva do que a revelada pela titularidade de direitos sobre o prédio já construído, pelo que não se pode encontrar uma justificação racional para ser tributada a titularidade de direitos sobre o terreno, quando este tiver valor igual ou superior a € 1.000.000,00, e não a titularidade dos direitos do mesmo sujeito passivo sobre o prédio já construído, quando todas as frações tenham valores inferiores àquele.
- carece de justificação racional tributar com base em hipotética capacidade contributiva elevada as situações em que há titularidade de direitos sobre terrenos para construção em que estão autorizadas ou previstas edificações exclusivamente constituídas por frações de valor individual inferior a € 1.000.000,00 e não aplicar a mesma tributação às situações em que no terreno já foram construídas essas edificações, com enorme aumento do valor patrimonial tributário da edificação, já que «o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas».
- quanto aos terrenos para construção destinados a edificação de habitações autónomas de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, a titularidade de direitos sobre terrenos com esta finalidade revela, só por si, uma situação de riqueza, a nível dos «padrões mais elevados da sociedade portuguesa».
A verba 28.1 da TGIS, na parte relativa a terrenos para construção, não faz qualquer distinção em função do valor das habitações autorizadas ou previstas, pelo que tem de se concluir que apenas faz depender a sua aplicação do valor patrimonial tributário do próprio terreno. Sendo assim, é de concluir que a norma da verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade, enunciado genericamente no artigo 13.º da CRP, por se aplicar a terrenos para construção de valor patrimonial tributário de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 para os quais a construção autorizada ou prevista não inclui qualquer fração suscetível de utilização independente com valor igual ou superior àquele.
Acresce que, no caso aqui em análise, o terreno não tem qualquer autorização, projeto ou previsão de construção com destino a habitação. A este respeito, assinala-se o referido na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 467/2015-T, de 4/2/2016:
“A questão essencial que, [no contexto da nova redação da verba 28.1 da TGIS, dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12,] se coloca, é a saber se, fazendo uso das palavras da ora Requerente, «sem [...] aquela previsão ou expectativa de ‘edificação para habitação’ [...] concretizada», se poderá aceitar a aplicação do imposto do Selo aqui em análise [...]. Para responder à referida questão, afigura-se como particularmente útil a ponderação do seguinte:
«No que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.» [vd. ANTÓNIO SANTOS ROCHA / EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44].» [Fim de citação.]
Ora, em face do supra exposto, conclui-se que o prédio ora em causa não pode, à data dos factos, ser sujeito a IS, nos termos da verba 28.1 da TGIS (na sua redação atual).
Em virtude da inconstitucionalidade material de que padece a norma contida na verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, por violação do princípio constitucional da igualdade, a liquidação que é objeto do presente processo enferma de vício de violação de lei, consubstanciado em erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d) do CPPT e, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, a restituição do imposto indevidamente pago.
Além disso, a não verificação, no presente caso, de um pressuposto legal de incidência implica, a anulação do ato de liquidação aqui impugnado.
VI. DECISÃO
Em conformidade com que fica exposto supra, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar a ilegalidade da liquidação de imposto do selo impugnada, com a consequente anulação.
Valor: em conformidade com o disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 21.151,10.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € € 1.224,00, a suportar integralmente pela Requerida nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 6 de fevereiro de 2017
A Árbitro,
Raquel Franco