Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
A -PARTES
A..., portador do Bilhete de Identidade número …, com data de validade ate 06/09/2017, contribuinte número …, com residência na Avenida …, doravante designado de Requerente ou sujeito passivo,
AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA (que sucedeu à Direcção-Geral dos Impostos, por meio do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro) doravante designada por Requerida ou AT.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Pretende do CAAD, e o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, no dia 13-01-2014, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, e automaticamente notificado a Autoridade Tributaria e Aduaneira no dia 13-01-2014, conforme consta da respetiva ata,
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou o Exmo. Dr. Paulo Ferreira Alves, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
Em 26-02-2014 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular fica regularmente constituído em 18032014.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu atempadamente ao pedido da requerente, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.
No dia 15-05-2014, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, nas quais foi dada a palavra aos representantes da requerente e da requerida.
O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (art.ºs 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
B – PEDIDO
-
O ora Requerente, pretende a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto de Selo, n.º …, que fixou um imposto global a pagar de €10.894,80 (dez mil oitocentos e noventa e quatro euros e oitenta e cêntimos).
C – CAUSA DE PEDIR
-
A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto de Selo, n.º …, síntese, o seguinte:
-
O ato de liquidação em crise e manifestamente ilegal por enfermar de manifesto erro nos pressupostos de direito que tem origem errada qualificação das frações de que é proprietária a Requerente como prédio com afetação habitacional de valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00, para efeitos de tributação da verba 28.1 do TGIS, pelo que deve ser declarada a sua anulação.
-
O Prédio urbano de que a Requerente é proprietária, corresponde prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetiveis de utilização independente, sito na Rua Não foi comunicado recurso Setúbal, inscrito na matriz predial sob o n.º ... da União de Freguesias de Setúbal (Não foi comunicado recurso).
-
Indica a requerente que é um prédio urbano constituído por oito pisos e treze divisões com utilização independente.
-
As treze divisões com utilização independente, foram avaliadas individualmente em Março de 2013, sendo atribuído um valor patrimonial tributário a cada uma, não superior a individualmente a 100.000,00€.
-
O valor apurado de Imposto de selo resulta da soma de varias frações destinas a habitação mas com utilização independente, de um prédio com afetação a comercio e habitação.
-
A requerente indica que parte das divisões se encontram arrendadas, com algumas rendas de carater social e inferiores aos preços praticados no mercado.
-
A Requerente apresentou em 20/12/2013, o pedido de constituição de propriedade horizontal do prédio.
-
A Requerente alega que a alteração introduzida pela Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro a Verba 28 da Tabela Geral, a base tributável passa a ser constituída pelo valor patrimonial tributário considerado nos termos do CIMI à taxa de 1% por prédio com afetação habitacional.
-
Para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis(IMI), a ora Requerente é tributada nos termos do artigo 12.º, n.º 3 do ClMI, e cada fração que compõe o prédio foi avaliada individualmente. Sendo que nenhuma das frações autónomas ,afetas à habitação, de que o ora Requerente é proprietário tem na inscrição matricial um valor patrimonial tributário igual ou superior, a € 1.000.000,00.
-
Mais refere a requerente que a norma de incidência foi utlizada a expressão " prédio com afetação habitacional", sem que esta se encontre devidamente definida, e no âmbito da aplicação dessa norma de incidência para efeitos da verba 28.1 da TGIS, devendo o prédio ser considerado na sua totalidade, existe uma fração afeta a atividades comerciais para efeitos do CIMI, sendo que o prédio de que é proprietária a ora requerente não pode ser qualificado, na integra como Habitacional.
-
O próprio prédio está inscrito na caderneta predial como destinado à habitação e comércio.
-
Entende a requerente que para se considere a norma da incidência o imóvel tem de dispor de um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, sendo que o VPT é determinado a cada uma das partes do prédio, ao se, ao invés, é determinado pelo VPT do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPTs dos andares que o compõem.
-
A requerente alega que é proprietário, a data das liquidações, de um predito materialmente idêntico a um predito em regime de propriedade horizontal.
-
Mais sustenta, que são emitidas doze notas de cobrança, relativas a cada uma das frações suscetiveis de utilização independentes, e não uma, relativa ao prédio considerado no seu todo.
-
Não se entreveem razões para que haja discrepância entre os dois regimes tributários, , sobretudo quando na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo é feita referencia expressa ao valor patrimonial tributário apurado nos termos do CIMI. Impõe-se, então, como critério que incidência da norma só esteja preenchida quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente tenha um VPT superior a €1.000.000,00.
-
Alega a Requerente que expressão "prédio com afetação habitacional", da verba 28.1 da TGIS, não abrange os casos em que o prédio tem mais do que um fim normal, nem tão-pouco abrange a soma das partes de prédios afetas a habitação. Neste sentido a liquidação feita pela Administração Tributaria é ilegal, já que considera, como "prédio", as frações habitacionais de um prédio constituído, tanto por frações habitacionais, como por frações afetas à atividade comercial, com VPT que não ultrapassa 100.000,00€ por fração.
-
Alias, e por fim, no sentido da ilegalidade da liquidação do IS relativamente a questão idêntica, emitidas nos termos do disposto na Verba 28 da TGIS - aditada pela Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, já se pronunciou este Venerando Tribunal em decisão arbitral proferida no âmbito dos processos 50/2013, 132/2013.
-
Termina a Requerente sustentando, a anulabilidade dos atos de liquidação em sede imposto de Selo por violação de lei, e violação do principio da proporcionalidade.
D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA
-
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
-
A verba 28 da Tabela Geral dispões recair imposto de selo sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a 1.000.000,00€, segundo a verba 28.1, em caso de prédios urbanos com afetação habitacional, o imposto recai sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.
-
Mais diz a requerida, que segundo a verba 28.1, em caso de prédio com afetação habitacional, o imposto recai sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI, e para efeitos do art.º 2º, n.º 4 do Código do Imposto de Selo, são sujeitos passivos de IMI, por aplicação do art.º 3º, n.º 3 alínea u) do CIMI os previstos no art 8 do CIMI,
-
Alega a requerida que o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quanto suscetiveis de utilização independentes.
-
Nestes termos, a liquidação sub judicie não viola o teor da verba 28.1 da Tabela Geral.
-
Mais refere que o art 80, n.º 2 do CIMI, declara que salvo o disposto nos art 84º e 92º, a cada prédio corresponde um único artigo inscrito na matriz, pelo que o principio de que cada prédio corresponde um só artigo matricial apenas é excecionado, assim, relativamente aos prédios mistos em que, segundo o artigo 84.º do CIMI, cada uma das partes distintas é inscrita na matriz na parte que lhe competir e relativamente aos prédios constituídos em propriedade horizontal em que , apesar de, nos termos do art 2.º n.º 4 do CIMI, cada fração autónoma ser havida como constituído um prédio, a cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição.
-
Sendo que no entender da requerida o prédio urbano algo das liquidações, não esta se encontra em regime de propriedade horizontal, caso em que cada uma das frações autónomas seria havida como prédio urbano, incluído para efeitos da sujeição de imposto de selo da verba 28.1 da tabela geral, mas em regime de propriedade vertical.
-
Mais refere, que como consta da respetiva matriz predial de andares ou divisões independentes, avaliadas nos termos do art.º 12.º, n.º 3 do CIMI, que diz que cada andar ou prédio suscitável de utilização independentes é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina igualmente o respetivo valor patrimonial tributário sobre o qual é liquidado IMI.
-
A requerida, alega que tal norma não é inédita, tendo correspondência no corpo do art.º 232º, regra 1ª, do Código de Contribuição predial e do imposto sobre a Indústria Agrícola, que dispunha cada habitação ou parte de prédio ser tomada automaticamente para efeitos de determinação do rendimento calcetável sobre o qual deva incidir a liquidação.
-
A requerida sustenta a sua posição, no sentido de que a unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afetada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetiveis de utilização económica independente. Tal prédio não deixa, pelo fato de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às frações autónomas em regime de propriedade horizontal.
-
No presente caso, o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto da verba 28.1 da Tabela Geral tinha de ser, o valor patrimonial tributário e não o de cada uma das suas partes independentes.
-
O fato de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afeta igualmente a aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral.
-
No entender da requerida, é o que resulta de o fato determinante da aplicação dessa verba da tabela geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas, pelo que, outra interpretação violaria, a letra e o espirito da verba 28.1 da Tabela Geral e o principio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no art.º 103.º n.º 2 da CRP.
-
A requerida alega que a propriedade horizontal e propriedade vertical são dois institutos jurídicos diferenciados.
-
A requerente termina a sua resposta, sustentando que a 28.1 da Tabela Geral incide sobre os prédios urbanos com afetação habitacional, e o valor patrimonial tributário que depende a aplicação dessa norma legal, é como resulta da norma o V de cada prédio e não das duas partes distintas, ainda que suscetiveis de utilização independente, pelo a unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afetada pelo fato de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetiveis de utilização económica independente. Neste sentido as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, sendo que o ato tributário em causa não violou qualquer preceito legal ou constitucional, e devendo ser assim mantido.
E- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
-
Antes de entrar na apreciação destas questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, efetuou-se com base na prova documental, e tendo em conta os factos alegados.
-
Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
-
A Requerente é proprietária de um prédio urbano correspondente a um prédio em propriedade total (não horizontal) com andares ou divisões suscetiveis de utilização independente, sito na Rua …Setúbal, inscrito na matriz predial sob o n.º ... da União de Freguesias de Setúbal (…).
-
O mencionado prédio urbano é constituído por oito pisos e treze divisões com utilização independente.
-
O valor patrimonial das referidas treze divisões com utilização independente, que compõem o prédio urbano, foi determinado separadamente, nos termos do disposto no art. 7.º, n.º 2, al. b), do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), sendo atribuído um valor patrimonial tributário a cada uma, respetivamente:
Andar
|
VPT Atribuído em 21/03/2013
|
Cave
|
89.610,00 €
|
R/C
|
90.790,00 €
|
R/C
|
90.790,00 €
|
1º
|
90.790,00 €
|
1º
|
90.790,00 €
|
2º
|
90.790,00 €
|
2º
|
90.790,00 €
|
3º
|
90.790,00 €
|
3º
|
90.790,00 €
|
4º
|
90.790,00 €
|
4º
|
90.790,00 €
|
5º
|
90.790,00 €
|
5º
|
90.790,00 €
|
-
Das trezes divisões, dozes são afetas a utilização habitacional e uma de afetação de armazéns e atividade industrial, conforme documento de avaliação e caderneta predial.
-
O valor global do prédio urbano, correspondente as somas dos VPT das treze divisões, é respetivamente de 1.179.090,00€.
-
A somo do valor das frações destinadas a habitação é de 1.089.480,00€, sendo que nenhuma das partes ou andares com afetação habitacional tem um valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00.
-
O valor das frações destinadas a armazéns e atividade industrial ou outra função que não habitacional é de 89.610,00€.
-
A AT liquidou o imposto do selo previsto na verba n.º 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), na redação introduzida pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, à taxa de 1%, considerando como "VPT – total sujeito a imposto", o valor de 1.089.480,00€, que corresponde a soma do VPT das doze frações independentes e habitacionais.
-
A requerida foi notificada para pagamento de imposto de selo, composto por 12 notificações individuais calculada sobre a o valor global das 12 frações e tributada individualmente sobre cada fração, com a exceção da fração destinada a armazéns e atividade industrial a qual não foi alvo de tributação e de calculo do VPT do prédio.
-
A Requerente procedeu ao pagamento do imposto no valor de €10.894,80 (dez mil oitocentos e noventa e quatro euros e oitenta e cêntimos), correspondente a 907,09€ por cada nota de liquidação correspondente a cada uma das 12 frações habitacionais.
-
Algumas das frações encontram-se sob contratos de arrendamentos, de baixo valor e utilidade social.
F- FACTOS NÃO PROVADOS
-
Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos os objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
G- QUESTÕES DECIDENDAS
-
Atenta as posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimendas a seguinte, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:
a) A alegada pela Requerente, da declaração de ilegalidade declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto de Selo, n.º 2013….
H- MATÉRIA DE DIREITO
-
Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade dos atos de liquidação de imposto do selo, no montante global de €10.894,80, que incidiu sobre as doze frações habitacionais da requerente no prédio urbano supra descrito, por violação de lei, pela errónea interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS nas alterações introduzidas pelo artigo 4º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
-
No caso sub Júdice, cabe determinar se as frações alvo do imposto estão abrangidas pelos critérios de incidência imposto de selo, nos termos da verba n.º 28 da TGIS, nas alterações introduzidas pelo artigo 4º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
-
Compete verificar em primeiro lugar se as frações são de afetação habitacional, e em segundo lugar se o VPT das frações constante da matriz é igual ou superior a €1.000.000,00, para tal é necessário apreciar a questão fundamental, de qual o VPT de um prédio em propriedade vertical (ou seja não horizontal) a considerar para efeitos da referida verba. Se o VPT que corresponde de cada uma das partes do prédio com afetação habitacional individualmente, ou se, ao invés, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPTs das frações habitacionais que o compõem.
-
A posição da AT, entende que as frações com utilização independente de afetação habitacional é o somatório dos respetivos VPTs (global) que perfazem o valor de 1.089.480,00€, há assim lugar a incidência de imposto de selo, uma vez que para um prédio em propriedade vertical o critério para a determinação da incidência do imposto de selo é o VPT correspondente a soma dos VPTs dos andares e divisões destinadas a habitação.
-
A posição da requerida, entende que o prédio em regime de propriedade vertical ou total se equipara para efeitos CIMI a um predito em regime de propriedade horizontal, pelo que o VPT para efeito da norma 28 é o VPT individual de cada fração e não o VPT do somatório de todas as frações.
-
A matéria de facto está fixada e provada, razão pela qual vamos agora determinar o direito aplicável aos factos controvertidos, dando prioridade, em cumprimento do disposto na alínea a) do nº 2 do artº 124º do CPPT, aos vícios cuja procedência determine uma mais estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, quanto ao vício de lei por erro sobre os pressupostos do direito de liquidação, quanto a questão do enquadramento dos prédios urbanos em regime de propriedade total ou vertical, no âmbito de incidência do artigo 28º n.º .1 da TGIS, introduzida pelo Regime da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
-
A alteração do regime quanto a sujeição a imposto do selo dos prédios com afetação habitacional pelo aditamento da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, efetuada pelo artº 4º da Lei 55-A/2012, de 29/10, passou a tipificar os seguintes factos tributários, através da seguinte redação:
"28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 %;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %."
-
Constam do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, as disposições transitórias que, estabeleceram-se as regras atinentes à liquidação do imposto, previsto naquela verba:
" 1 – Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:
-
O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;
-
O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
-
O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
-
A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;
-
O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;
-
As taxas aplicáveis são as seguintes:
i)Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.
2 – Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.
3 – A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infração tributária, punida nos termos da lei."
-
Sobre a interpretação deste diploma já se pronunciou o acórdão 53/2013-T[1], o qual escreve:
"Utilizou-se na referida verba 28.1 e nas subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da º 55-A/2012, um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária nestes preciso termos que é o de “prédio com afetação habitacional”. Designadamente no CIMI, que em várias normas do CIS nos recursos introduzidas por aquela Lei é indicado como diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo previstos na referida verba n.º 28 [artigos 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 3, alínea u), 5.º, alínea u), 23.º, n.º 7, e 46.º e 67.º do CIS], não é utilizado um conceito definido naqueles termos."
-
Quanto ao conceitos de prédios, é para tal necessário recorrer aos conceitos de prédios utilizados no CIMI, no qual enumeram-se as espécies de prédios nos seus artigos 2.º a 6.º , o qual se transcreve:
Artigo 2.º
Conceito de Prédio
1– Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afetos a fins não transitórios.
3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 – Para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.
Artigo 3.º
Prédios rústicos
1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
Estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas estejam a ter, de facto, esta afetação.
3 – São ainda prédios rústicos:
Os edifícios e construções diretamente afetos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º
4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.
Artigo 4.º
Prédios urbanos
Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
Artigo 5.º
Prédios mistos
1. Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.
2. Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.
Artigo 6.º
Espécies de prédios urbanos
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
Habitacionais;
Comerciais, industriais ou para serviços;
Terrenos para construção;
Outros.
2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo comos planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. (Redação da Lei n.º 64-A/08, de 31-12)
4 – Enquadram se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.
-
Sobre a interpretação das Normas tributarias, para o caso sub Júdice, diz-nos o artigo 11.º da Lei Geral Tributária, o qual estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias, o que o faz nos seguintes termos:
Artigo 11.º
Interpretação
Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.
Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetiveis de integração analógica.
-
A este preceito, é necessário igualmente recorrer aos princípios gerais da interpretação das leis, para que remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, são estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:
Artigo 9.º
Interpretação da lei
-
A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
-
Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
-
Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
-
Face a fundamentação de direito já exposta, e atendendo aos artigos transcritos e enunciados, surgem as seguintes hipóteses de interpretação do conceito de «prédio com afetação habitacional», quanto ao Conceito de «prédio com afetação habitacional» como reportando-se aos prédios habitacionais, e quanto ao Conceito de «prédio com afetação habitacional» como conceito distinto de «prédios habitacionais».
-
Resulta dos artigos 2.º a 6.º CIMI supra transcritas, não é utilizado pelo legislador, na classificação dos prédios o conceito de «prédio com afetação habitacional», igualmente não se encontra este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.
-
A falta de correspondência terminológica exata do conceito de «prédio com afetação habitacional» com qualquer outro utilizado noutros diplomas, podem originar várias hipóteses interpretativas.
-
O texto da lei, sendo o ponto de partida para a interpretação da expressão «prédios com afetação habitacional», sendo com base nele que há que reconstituir o «pensamento legislativo», como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, já transcritos.
-
Sobre a interpretação do conceito de «prédio com afetação habitacional», é importante citar o acórdão 53/2013-T[2] o qual já se pronunciou sobre esta matéria. Acórdão esse que igualmente sustenta duas hipóteses interpretativas ao conceito de «prédio com afetação habitacional», respetivamente no mesmo sentido da presente decisão, quanto ao conceito de «prédio com afetação habitacional» como reportando-se aos prédios habitacionais, e quanto ao Conceito de «prédio com afetação habitacional» como conceito distinto de «prédios habitacionais»
-
Escreve o acórdão 53/2013-T, sobre o conceito de «prédio com afetação habitacional» como reportando-se aos prédios habitacionais:
"O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.
A entender-se que a expressão «prédio com afetação habitacional» coincide com o de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».
Por isso, a adotar-se a interpretação de que «prédio com afetação habitacional» significa «prédio habitacional», as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida serão ilegais, por não haver em qualquer dos terrenos qualquer edifício ou construção.
No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito."
-
Sobre a interpretação da segunda hipótese: Conceito de «prédio com afetação habitacional» como conceito distinto de «prédios habitacionais», volta-se a citar o acórdão 53/2013-T, no qual escreve:
"A palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «ação de destinar alguma coisa a determinado uso». ( [3] )
«Quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e direto das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exato) de que o legislador soube exprimir com correção o seu pensamento». ( [4] )
A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre atos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.
A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global percetível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.
Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª ( [5] ), em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afetação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos, atinge muito mais alguns do que propriamente todos.
Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detetar coerência legislativa na solução adotada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adotada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
À face daqueles significados das palavras «afetação» e «afetar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados e aqueles cujo destino é desconhecido. (…)
Por isso, haverá que esclarecer quando é que se pode entender que um prédio está afetado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num ato de licenciamento ou semelhante, ou apenas quando a efetiva atribuição desse destino é concretizada.
Desde logo, o confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta manifestamente, no sentido de ser necessária uma afetação efetiva.
Na verdade, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, à face do n.º 2 daquele artigo 6.º um prédio habitacional.
Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil que se presuma), se pretendesse reportar-se a esses prédios já licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto teria utilizado o conceito de «prédios habitacionais», que expressaria perfeita e claramente o seu pensamento, à face da definição dada por aquele n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.
Consequentemente, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afetação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim.
Que é este o sentido da expressão «afetação», no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que «estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», que evidencia que a afetação é concreta, efetiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afeto a ela, o que evidencia que a afetação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante. ( [6] )
A correção desta interpretação no sentido de que só prédios que estejam efetivamente afetos à habitação, se inserem no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS é também confirmada pela ratio legis percetível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios com afetação habitacional, no contexto das «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», que o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil também erige em elementos interpretativos. ( [7] ).
Desde logo, a limitação da tributação em Imposto do Selo aos «prédios com afetação habitacional» deixa perceber que não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto os prédios com afetação a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afetos à atividade económica, o que se compreende num contexto em que, como é notório, a economia se encontra em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis máximos históricos, com avalanche de encerramento de empresas derivado de insustentabilidade económica. (negrito nosso)
Tendo em mente esta situação e sendo consabido e público que a reanimação da atividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que não se tomassem legislativamente medidas que dificultassem a atividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afeta a competitividade em termos internacionais.
Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas. ( [8] )"
-
Face ao exposto, verifica-se que as 12 frações destinadas a habitação, estão abrangias pela norma incidência de pela verba do 28.1, por se tratarem de prédios urbanos e de prédios com afetação habitacional, cujo conceito resulta do artigo 2.º do CIMI.
-
Acabe, contudo, agora decidir para efeitos de aplicação da verba n.º 28 da TGIS, qual o VPT a considerar nos prédios em regime vertical (ou seja não horizontal) se individualmente determinado pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afetação habitacional, ou se determinado pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPTs das frações habitacionais que o compõem.
-
Sobre este tema, já decidiu o Tribunal Arbitral do CAAD através da decisão n.º 50/2013-T, e 132/2013 - T.
-
Importa para efeitos do caso sub-judice, referir quanto a decisão 50/2013-T, que nos diz, sobre o tratamento a conferir para feitos da verba 28.1 do TGIS aos prédios em propriedade vertical e cumulativamente qual VPT (individual ou global) a considerar:
"Daqui podemos concluir que, na ótica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efetuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização."
-
Importa inda referir da respetiva decisão:
" Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente" .
Ora, sendo assim, considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respetivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo. (…)
Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.
Assim, só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a €1.000.000,00.
Não pode, assim, a AT considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, e este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 da TGIS
O critério pretendido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS.
Ao que acresce o facto da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o IS a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a €1.000.000,00 – “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.” .
Assim, a adoção do critério defendido pela AT viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.
O legislador fiscal no artigo 12º, nº3 do CIMI diz que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respetivo valor patrimonial tributário.” , não efetua nenhuma distinção quanto ao regime dos prédios que se encontrem em propriedade horizontal ou vertical, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto, pelo que não pode a AT, tratar situações iguais de forma diferente.
-
No mesmo sentido decidiu a decisão do tribunal arbitral do CAAD, n.º132/2013-T:
"Acresce, ainda, que admitir a diferenciação de tratamento poderia produzir resultados incompreensíveis do ponto de vista jurídico e atentatórios dos objetivos que o legislador dizia ter para aditar a verba n.º 28. A título exemplificativo, suponha-se a seguinte hipótese, que parece plausível à luz da interpretação que foi feita pela ora requerida: um cidadão que é proprietário de um prédio constituído em propriedade total destinado a habitação, sendo o valor global das unidades autónomas igual ou superior a €1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a €1.000.000,00, sujeita-se a uma tributação anual de 1% desse valor (como sucedeu na situação em análise); já um outro cidadão que detenha um prédio com as mesmas exatas características do anterior mas que tenha sido constituído em propriedade horizontal, sendo, igualmente, o valor global das frações autónomas igual ou superior a €1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a €1.000.000,00, não será sujeito a tributação nos termos da mencionada verba n.º 28...
Por outro lado, poder-se-ia perguntar: se tais frações têm o mesmo proprietário, por que é que não faz sentido agregar, para efeitos de tributação, os respetivos VPTs? A resposta pode ser ilustrada através de uma outra hipótese: um cidadão que é proprietário de um prédio em propriedade horizontal, em que cada uma das suas 20 frações possui um VPT inferior a €1.000.000,00, seria sujeito a tributação se – caso se admitisse tal agregação – oVPT global ultrapassasse aquele valor; já um outro cidadão com idênticas 20 frações distribuídas por 5, 10 ou 20 prédios não estaria sujeito a qualquer tributação nos termos da referida verba n.º 28...
Se esta linha de raciocínio faz sentido – justificando-se, portanto, a não agregação dos VPTs das frações de prédios em propriedade horizontal –, não se vê razão plausível para que a mesma não seja aplicada às unidades autónomas de prédios em propriedade total.
Observando, agora, o caso em análise, constata-se que os VPTs dos andares (unidades autónomas) do prédio com afetação habitacional variam entre €104.140,00 e €113.780,00, pelo que qualquer um deles é inferior a €1.000.000,00. Daqui se conclui, em resultado do que foi referido, que sobre os mesmos não pode incidir o imposto do selo a que se refere a verba n.º 28 da TGIS, sendo, portanto, ilegais os atos de liquidação impugnados pelo requerente."
-
Face ao exposto, e subscrevendo a logica argumentativa das decisões supra transcrita, ao presente caso, resulta que para efeitos de aplicação da verba 28 do TGIS aos prédios em propriedade vertical, aplicam-se as mesmas regras do CIMI que ao prédios em propriedade horizontal, e no mesmo sentido o VPT para efeitos da aplicação da verba é o VPT individual de cada fração independente de habitacional, sendo que no presente caso nenhuma das frações ultrapassa o critério de incidência de 1.000.000,00€.
-
A verdade material é a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal do prédio, visto que constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio não impondo sequer uma nova avaliação que ora, tal constatação não se afigura coerente com a decisão da AT tributar as partes habitacionais de um prédio em propriedade vertical, em função do VPT global do prédio e não do que é efetivamente atribuído a cada parte.
-
O regime jurídico atual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal pelo que a atuação da AT traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal. Não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º, n.º da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.
-
Como nenhuma das doze frações destinadas a habitação tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do IS previsto na Verba 28 da TGIS.
-
Desta forma, a liquidação sub Júdice, cuja declaração de ilegalidade é pedida enfermam de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).
I – DECISÃO
Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide-se:
-
Julgar procedentes o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributário de liquidação em sede de Imposto de Selo, n.º 2013: …, por vício de violação de lei quanto a norma constante na verba 28º n.º1º, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação.
2 Fixa-se o valor do processo em €10.894,80 do valor da liquidação atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor das liquidações de imposto impugnadas, e em conformidade fixa-se as custas, no respetivo montante em 918,00€ (novecentos e dezoito euros), a cargo da requerida de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).
Notifique-se.
Lisboa, 20 de Maio de 2014.
O Árbitro
Paulo Renato Ferreira Alves
[1] Sobre este assunto os já decidiram os acórdãos do Tribunal Arbitral do CAAD, n.º 42/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T
[2] Sobre a interpretação do conceito de «prédio com afetação habitacional» para efeitos da verba 28.1 do TGIS, ver as decisões emitidas pelo Tribunal Arbitral do CAAD nos processos n.º 42/2013; 48/2013; 49/2013; 53/2013; 75/2013; 158/2013; 251/2013; 310/2013.
[3] Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, I volume, página 102.
[4] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.
[5] A Proposta de Lei n.º 99/XII/2.ª está disponível em http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=37245
[6] Outras normas do CIMI, deixam perceber que o termo «afetação» é utilizado para referenciar situações já existentes e não meramente futuras, mesmo que previsíveis, como o «destino». É o caso do artigo 9.º do CIMI, que, depois de estabelecer que «o imposto é devido a partir» «do 4.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a construção de edifícios para venda» ou «do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a sua venda» [alíneas d) e e) do n.º 1], determina que «para efeitos do disposto nas alíneas d) e e) do n.º 1, devem os sujeitos passivos comunicar ao serviço de finanças da área da situação dos prédios, no prazo de 60 dias contados da verificação do facto determinante da sua aplicação, a afetação dos prédios àqueles fins». A «afetação dos prédios àqueles fins», no contexto deste artigo 9.º, reconduz-se à atribuição concreta aos prédios do fim «para venda», materializado pela sua inventariação, não bastando que tenham sido construídos ou adquiridos tendo em vista a sua venda.
[7] Não se tem em mente, nesta abordagem, os casos especiais previstos na verba n.º 28.2, de titularidade dos prédios por pessoas coletivas residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças a que, como em outras normas, se atribui forte penalização tributária, por se tratar de situações normalmente associadas a evasão fiscal.
[8] Fora dos casos especiais previstos na verba n.º 28.2.