Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 580/2015-T
Data da decisão: 2019-01-14  Selo  
Valor do pedido: € 58.193,46
Tema: Verba 28.1 da TGIS – Terrenos para construção – Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão). - Substitui a Decisão Arbitral de 13 de março de 2016
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Decisão Arbitral

 

  1. REABERTURA DE PROCESSO

 

Por decisão datada de 13-03-2016, este Tribunal deu provimento ao pedido de anulação das liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (“TGIS”) do ano de 2014, nos seguintes termos:

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral recusar a aplicação da verba 28.1 da TGIS com fundamento em inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade (assente na capacidade contributiva) previsto no art. 13.º da CRP. Em consequência, declaram-se ilegais por ausência de norma legitimadora, as liquidações de Imposto do Selo contestadas, no valor de € 16.789,95 (referente ao prédio inscrito sob o artigo...) e € 41.403,51 (referente ao prédio inscrito sob o artigo...), que deverão ser anuladas, com consequente reembolso à Requerente dos montantes que tenha pago.”

O Ministério Público interpôs o competente recurso da decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 280.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa e arts. 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da Lei n.º 25/82, de 15 de Novembro, e 25.º, n.º 1, do RJAT, que foi admitido por este tribunal despacho de 15-06-2016.

Por decisão sumária n.º 608/2018, de 18-09-2018, proferida pela Ex.ma Juíza Conselheira Relatora Maria de Fátima Mata-Mouros, nos termos do art. 78.º-A da Lei n.º 25/82, de 15 de Novembro, transitada em julgado a 04-10-2018, foi proferida a seguinte decisão:

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Não julga inconstitucional a norma constante da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00;

b) E, em consequência, julgar procedentes os recursos interpostos, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade.

Na sequência desta decisão, é reaberto o presente processo arbitral para que, em conformidade com o determinado pelo Tribunal Constitucional, seja proferida nova decisão sobre o litígio, mantendo-se, por não alterados, os pontos da anterior decisão no que se refere à matéria de facto, nomeadamente a identificação dos factos provados e a respectiva fundamentação.  

 

II.          MATÉRIA DE DIREITO – NOVA APRECIAÇÃO

 

Analisando a petição inicial, pode suscitar-se a dúvida sobre qual o efectivo objecto do pedido de pronúncia arbitral: (i) se as liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014, efectuadas em Março de 2015 ou (ii) se as notas de cobrança da segunda prestação do Imposto do Selo do ano de 2014, a pagamento durante o mês de Julho de 2015. A dúvida justifica-se pela referência que é feita ao valor dos actos contestados - e consequente valor económico do pedido - que corresponde ao montante total da segunda prestação do Imposto do Selo. Sucede, no entanto, que o pedido deduzido pela Requerente é muito claro: “Termos em que se requer que o pedido da Requerente seja julgado procedente e anuladas as liquidações do imposto acima mencionadas”. Resulta evidenciado deste pedido que o que a Requerente pretende é a anulação das liquidações de imposto efectuadas em Março de 2015 e não das notas de cobrança que, aliás, como vem sendo reconhecido pelos árbitros deste Centro de Arbitragem, não podem sequer ser objecto de qualquer pedido arbitral de anulação. Face ao exposto, este tribunal considera o pedido de pronúncia arbitral admissível, corrigindo-se o valor económico do pedido para o total das liquidações contestadas, no montante de € 58.193,46.

Passando-se à análise do pedido de pronúncia arbitral, conclui-se que a Requerente contesta a legalidade dos actos de liquidação impugnados com base numa interpretação e aplicação da redacção inicial da verba 28 da TGIS, tal como introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

Como bem refere a Requerida, a liquidação do imposto de 2014 foi efectuada com base na redacção da verba 28 da TGIS introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que passou a ser a seguinte (sublinhado nosso):

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI: 1%

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%

Nessa medida, considerando que a norma de incidência, na redacção em vigor à data dos factos tributários, se refere expressamente a terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja habitação, deixa de se justificar a discussão teórica sobre o que se deveria entender por “prédio urbano habitacional”. Por essa razão, as alegações da Requerente quanto à legalidade de liquidar Imposto do Selo sobre terrenos para construção com valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000 são injustificadas face à redacção da norma de incidência com base na qual foram efectuadas as liquidações contestadas.

Sem prejuízo, e face ao pedido deduzido pela Requerente no sentido de declaração de ilegalidade das liquidações contestadas, cumpre analisar da validade das mesmas.

Assim sendo, haverá que avaliar se, no caso em apreço, se verificam os pressupostos de incidência objectiva elencados na verba 28.1 da TGIS, a saber:

(i) tratar-se de um terreno para construção;

(ii) com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00; e

(iii) cuja edificação, prevista ou autorizada, seja para habitação.

 Tendo em conta o elenco de factos provados, não há qualquer dúvida que os pontos (i) e (ii) se verificam, dado que ambos os prédios objecto de tributação são terrenos para construção com valores patrimoniais tributários superiores ao mínimo legal referido.

Quanto ao ponto (iii), ou seja, quanto ao tipo de edificação, prevista ou autorizada, para os referidos terrenos, dos autos resulta apenas o que foi considerado provado: aos prédios foi atribuído o coeficiente de localização previsto para habitação.

Ora, como decidido no processo arbitral n.º 150/2017-T, “Não é a simples inscrição matricial como “terreno para construção” que acarreta a inelutável aplicação da verba 28.1 da TGIS, já que ela não constitui, por si só, demonstração cabal de que um determinado prédio tem uma edificação para habitação prevista. Veja-se a este propósito JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES, (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo. Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2015, págs. 110 a 112): “O direito a construir não está ínsito no direito de propriedade, mas só nasce ex novo no património do proprietário quando um ato administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear. [...] só quando esse direito se constitui na esfera jurídica do proprietário é que o Código do IMI estabelece que estamos perante um terreno para construção”.

Assim, parece claro que para a verificação da previsão normativa não basta a mera inscrição matricial de um prédio como terreno para construção afecto a habitação, porquanto o recorte da incidência objectiva ora em apreço não abdica da demostração de uma efectiva potencialidade de edificação, necessariamente revelada pela existência de suportes documentais que a autorizam. O mesmo é dizer que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, só se materializa, e mesmo assim não em termos definitivos ou completos, com a verificação de uma “afectação efectiva”, para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507). (…)

Ora, sem a demonstração dessa efectiva potencialidade de edificação não se mostra aplicável a verba 28.1 da TGIS. Contudo, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS não basta essa efectiva potencialidade de edificação. É necessário provar que a edificação, autorizada ou prevista, é para habitação. O mesmo é dizer que não pode ser para fim diverso do de habitação, já que, segundo nos parece, a edificação para comércio ou indústria não dará lugar à aplicação da norma a que vimos fazendo referência.”

Sucede que, nos presente autos, nem a Requerida logrou comprovar que a edificação, prevista ou autorizada, para os terrenos em causa se destinava a habitação (limitando-se, apenas, a invocar os coeficientes considerados para efeitos de determinação dos respectivos valores patrimoniais e constantes da matriz), como a Requerente não alegou, nem comprovou o contrário.

Dos autos nada mais resulta do que a informação constante das matrizes prediais e que, como supra referido, não poderá considerar-se suficiente para efeitos de verificação dos pressupostos de incidência objectiva.

Assim, no entender deste tribunal, a ausência de prova concreta quanto à eventual afectação das edificações previstas ou autorizadas para os terrenos em causa terá que operar em desfavor da Requerida, nos termos do art. 74.º da LGT, que determina, expressamente, que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Como se refere na decisão arbitral proferida no processo n.º 418/2016-T[1], que subscrevemos: “Como se referiu já, quer no processo administrativo, quer nos autos, apenas se alega e somente fica demonstrado ser o “Coeficiente de localização: habitação” e a “Afectação: habitação”, o que nos termos acima citados é insuficiente para fundamentar a liquidação pretendida. Isto porquanto a prova daqueles pressupostos legitimadores da tributação competia à Requerida. Sucede que não o demonstra por não evidenciar a autorização ou a previsão de construção destinada a habitação, não se mostrando assim preenchida a norma de incidência do imposto que serve de fundamento à liquidação. É que ter sido autorizada, projectada ou prevista uma edificação para habitação, constitui facto cuja prova cabe à Requerida, por constituir um facto essencial à integração da norma, enquanto elemento de incidência real do imposto e ser, portanto, constitutivo do direito a liquidá-lo”.

Em face do exposto, conclui este tribunal que não se verifica um pressuposto essencial para efeitos de incidência objectiva – tratar-se de um terreno cujo edificação, prevista ou autorizada, seja para habitação - e consequente tributação, não podendo tal pressuposto presumir-se unicamente do teor da inscrição matricial do prédio.

O pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente merece, pois, provimento, concluindo este tribunal que os actos de liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, com referência ao ano de 2014, são ilegais, devendo ser anulados, com as demais consequências legais.

           

III.         DECISÃO

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral declarar ilegais as liquidações de Imposto do Selo contestadas, no valor de € 16.789,95 (referente ao prédio inscrito sob o artigo ...) e € 41.403,51 (referente ao prédio inscrito sob o artigo...), que deverão ser anuladas, com consequente reembolso à Requerente dos montantes que tenha pago.

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 58.193,46, correspondente ao valor total das liquidações impugnadas.

 

Custas: Nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, 14-01-2019

 

O Árbitro Singular

(Maria Forte Vaz)

 

 

 

 

 

 

  1. RELATÓRIO

 

A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ... (doravante apenas designada por Requerente), apresentou, em 02-09-2015, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com as alíneas a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

A Requerente pede a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) do ano de 2014, com referência aos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de..., concelho da Figueira da Foz, sob os artigos ... e ... .

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 03-09-2015 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 03-11-2015 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 17-11-2015.

Notificada para se pronunciar, a Requerida apresentou requerimento em que sustenta a legalidade dos actos de liquidação impugnados, pugnando, assim, pela improcedência do pedido deduzido pela Requerente.

Por despacho de 24-01-2016 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido concedido às partes prazo para apresentação de alegações escritas sucessivas.

 

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A Requerente pede a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) do ano de 2014, com referência aos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho da Figueira da Foz, sob os artigos ... e ... .

A Requerente sustenta o pedido alegando que a norma de incidência se refere a “prédios urbanos com afectação habitacional” pelo que não abrangerá os prédios qualificados como terrenos para construção dado que estes são uma categoria própria dentro do conceito de prédio urbano. Como refere a Requerente “No tocante à definição das diferentes espécies de prédios urbanos, o referido Código prevê, no n.º 1 do seu art. 6.º, a distinção clara entre prédios habitacionais e terrenos para construção. Os primeiros são classificados em função da respectiva licença autárquica, ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal. Os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal” (cfr. art. 24.º da p.i.). Sustenta, ainda, a Requerente que “(…) a circunstância de para um determinado terreno para construção estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado” (cfr. art. 37.º da p.i.). Nessa sentido, conclui a Requerente que “Nestes termos, resultando do art. 6.º do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência de imposto do selo, como prédios com afectação habitacional, razão pela qual se impõe a anulação das liquidações em causa, o que se requer” (cfr. art. 38.º da p.i.).

Na resposta apresentada, a Requerida contesta as alegações da Requerente, fazendo notar que a redacção da verba 28 da TGIS com base na qual foram efectuadas as liquidações contestadas foi introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31-12-2013. Assim, na sequência dessa alteração, a verba 28.1 passou a referir-se, expressamente,  a terrenos para construção cujas edificações autorizadas ou previstas se destinem a habitação. Assim sendo, as alegações da Requerente quanto à interpretação da letra da lei são injustificadas e não têm qualquer relevância para a situação em apreço. Sem prejuízo, a Requerida sustenta, ainda, que a anterior redacção da verba 28 da TGIS, ao recorrer à expressão “prédios urbanos habitacionais” pretenderia abarcar outras realidades para além dos prédios urbanos com afectação habitacional. Nessa medida, já à luz da anterior redacção, os terrenos para construção cuja edificação autorizada se destinasse a habitação estavam abrangidos pela referida norma de incidência, pelo que se o valor patrimonial tributário fosse superior a € 1.000.000 a Autoridade Tributária estaria obrigada a proceder à competente liquidação de imposto.

 

II.          SANEADOR

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III.         MATÉRIA DE FACTO

 

                        A. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na ..., ..., freguesia de ..., concelho da Figueira da Foz, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo..., com valor patrimonial tributário de € 1.678.995,42.
  2. A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na ..., ..., freguesia de ..., concelho da Figueira da Foz, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo..., com valor patrimonial tributário de € 4.140.351,18.
  3. Cada um dos prédios vem descrito na matriz como “terreno para construção”.
  4. Da matriz resulta que foi atribuído aos prédios o coeficiente de localização previsto para habitação.
  5. A 20-03-2015 a Autoridade Tributária procedeu à liquidação do Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS com referência aos prédios indicados, no valor total de € 58.193,46.
  6. Para pagamento da segunda prestação do imposto referido foram emitidas as notas de cobrança com os n.ºs 2015... e 2015..., com vencimento em Julho de 2015.

 

B. Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

 

C. Fundamentação da matéria de facto

 

A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada e não contestada.

 

IV.         MATÉRIA DE DIREITO

 

Analisando a petição inicial, pode suscitar-se a dúvida sobre qual o efectivo objecto do pedido de pronúncia arbitral: (i) se as liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014, efectuadas em Março de 2015 ou (ii) se as notas de cobrança da segunda prestação do Imposto do Selo do ano de 2014, a pagamento durante o mês de Julho de 2015. A dúvida justifica-se pela referência que é feita ao valor dos actos contestados - e consequente valor económico do pedido - que corresponde ao montante total da segunda prestação do Imposto do Selo. Sucede, no entanto, que o pedido deduzido pela Requerente é muito claro: “Termos em que se requer que o pedido da Requerente seja julgado procedente e anuladas as liquidações do imposto acima mencionadas”. Resulta evidenciado deste pedido que o que a Requerente pretende é a anulação das liquidações de imposto efectuadas em Março de 2015 e não das notas de cobrança que, aliás, como vem sendo reconhecido pelos árbitros deste Centro de Arbitragem, não podem sequer ser objecto de qualquer pedido arbitral de anulação. Face ao exposto, este tribunal considera o pedido de pronúncia arbitral admissível, corrigindo-se o valor económico do pedido para o total das liquidações contestadas, no montante de € 58.193,46.

Passando-se à análise do pedido de pronúncia arbitral, conclui-se que a Requerente contesta a legalidade dos actos de liquidação impugnados com base numa interpretação e aplicação da redacção inicial da verba 28 da TGIS, tal como introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

Como bem refere a Requerida, a liquidação do imposto de 2014 foi efectuada com base na redacção da verba 28 da TGIS introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que passou a ser a seguinte (sublinhado nosso):

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI: 1%

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%

Nessa medida, considerando que a actual norma de incidência se refere expressamente a terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja habitação, deixa de se justificar a discussão teórica sobre o que se deveria entender por “prédio urbano habitacional”. Por essa razão, as alegações da Requerente quanto à legalidade de liquidar Imposto do Selo sobre terrenos para construção com valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000 são injustificadas face à actual norma de incidência (com base na qual foram efectuadas as liquidações contestadas).

Assim, considerando que os prédios propriedade da Requerente são terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista se destinará a habitação (daí que, em sede de determinação do valor patrimonial tributário, tenha sido considerado o coeficiente de localização dos imóveis destinados a habitação) e que têm valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000, as liquidações contestadas são legalmente admissíveis.

Não obstante, este tribunal entende que as liquidações contestadas são inválidas pelo que não poderão manter-se na ordem jurídica.

Com efeito, embora a questão não haja sido suscitada por qualquer das partes, cumpre avaliar se a norma em causa, na redacção actual e que esteve na origem das liquidações contestadas, pode ser aplicada ou se poderá ser recusada a sua aplicação com fundamento em inconstitucionalidade. É hoje pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, que a inconstitucionalidade é uma questão de conhecimento oficioso, impondo-se a ao decisor a não aplicação de norma que julgue inconstitucional, mesmo que tal não haja sido suscitado por qualquer dos intervenientes. Nesse sentido, ver os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14-05-2014, proc. n.º 0195/13, de 17-06-1998, proc. n.º 22421, de 25-10-1995, proc. n.º 15287, e de 03-02-1993, proc. n.º 13621.

Importa, pois, avaliar da conformidade constitucional da referida verba 28 da TGIS.

No entender deste tribunal, não obstante a justificação apresentada pelo legislador para a introdução deste imposto e o racional económico subjacente ao mesmo, não se encontra justificada a diferença de tratamento entre prédios afectos a habitação e os demais prédios urbanos com utilizações distintas.

Como refere José Casalta Nabais[2], “(…) o princípio da igualdade de tributação, assente no princípio da capacidade contributiva, diz-nos que as pessoas são tributadas em conformidade com a respectiva capacidade contributiva, o que significa, de um lado, que ficarão excluídos do campo da incidência dos impostos aquelas pessoas que não disponham dessa capacidade e, de outro lado, que face a detentores de capacidade contributiva, os contribuintes com a mesma capacidade pagarão o(s) mesmo(s) imposto(s) (igualdade horizontal) e os contribuintes com diferentes capacidades pagarão diferentes impostos, seja em termos qualitativos, seja em termos quantitativos (igualdade vertical).

            Sucede que este tribunal não consegue captar em que medida é que a capacidade contributiva revelada pelo proprietário de um prédio urbano afecto a habitação de valor superior a € 1.000.000 é diferente – e justificação para exigência de um contributo adicional para a consolidação das contas públicas – da de um proprietário que detenha um prédio urbano afecto a comércio ou serviços de igual valor patrimonial tributário. De facto, não foi demonstrada pelo legislador a justificação para esta diferença de tratamento.

            Se, como resulta da discussão pública do diploma que introduziu tal imposto, o objectivo era reequilibrar a repartição dos sacrifícios da austeridade, exigindo um esforço adicional aos contribuintes que revelassem maior capacidade contributiva por via da detenção de património imobiliário de valor elevado (superior a € 1.000.000) não se alcança a diferença de capacidade contributiva entre um contribuinte proprietário de imóvel para habitação de valor igual a € 1.000.000 e um contribuinte proprietário de imóvel para comércio ou serviço de igual valor.

            Contra este entendimento não procede a alegação de que é a própria lei – art.º 6.º do CIMI – que distingue entre prédios urbanos afectos a habitação, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção, etc., pelo que não se pode sequer admitir que essas situações devam ser objecto da mesma espécie de regulação; havendo diferenças de substância, seria imperativo tratar de maneira desigual aquilo que não é igual, dando cabal cumprimento do dispositivo constitucional da igualdade.

Embora se reconheça que a diferença material entre um prédio afecto a habitação e um prédio afecto a comércio / serviços justifique diferenças de regulação (nomeadamente em matéria de ponderação de áreas de construção e dos coeficientes aplicados, por exemplo), a verdade é que tal não se traduz numa diferença de tributação em sede de IMI, mais concretamente no que se refere à taxa de imposto. Com efeito, independentemente da utilização ou da afectação do imóvel, a taxa de imposto para os prédios urbanos, construídos ou não, é exactamente a mesma, pelo que um prédio afecto a habitação com determinado valor patrimonial pagará, à partida, exactamente o mesmo imposto que um prédio afecto a comércio com o mesmo valor patrimonial, sito no mesmo concelho.

Note-se que em sede de IMI, a diferença de tratamento ocorre ao nível da determinação dos valores de incidência fiscalmente relevantes, mas já não ao nível da tributação propriamente, não prevendo a lei diferenciação de taxas em função do tipo de afectação dos prédios urbanos.

E isto deve-se, precisamente, ao facto de se considerar que, atento o ajustamento dos critérios de avaliação em função da afectação dos imóveis, os valores patrimoniais fixados por avaliação nos termos do CIMI corresponderão, efectivamente, à revelação de capacidades contributivas equiparáveis. Daí a sujeição à mesma taxa de imposto: a capacidade contributiva revelada é equiparável, estando por via do sistema de avaliação previsto nos arts. 37.º e seguintes do CIMI assegurado o tratamento diferenciado daquilo que, fiscalmente, terá relevância para justificar um tratamento diferenciado.

A diferença substantiva entre um prédio afecto a habitação, um prédio afecto a comércio ou um terreno para construção foi ponderada, em sede tributária, na fixação dos próprios critérios de avaliação, o que permite fixar uma taxa de IMI igual para os prédios urbanos, independentemente da respectiva afectação.

Assim sendo, os proprietários de prédios urbanos com valores patrimoniais superiores a € 1.000.000 revelarão exactamente a mesma capacidade contributiva, sendo para este efeito totalmente irrelevante a utilização ou afectação dos ditos imóveis.

A medida da capacidade contributiva do imposto sobre o património deverá ser sempre o valor desse mesmo património, não sendo a afectação um elemento suficientemente relevante para justificar um tratamento diferenciado. Um prédio urbano com valor de € 1.000.000 valerá, fiscalmente, exactamente esse mesmo valor independentemente de ser afecto a habitação, a comércio ou serviços. A afectação a habitação não é, nem pode ser, no nosso sistema jurídico um critério justificante de um imposto que exclui do seu âmbito os prédios afectos a comércio ou serviços do mesmo valor ou até de valor superior.

Esta diferença de tratamento não tem, no entender deste tribunal, qualquer racional que a legitime e que permita sustentar um juízo de conformidade constitucional da referida norma.

Como refere José Casalta nabais[3]Relativamente à tributação do património, a Constituição apenas exige que ela constitua um instrumento de igualdade entre os cidadãos. A diminuição das desigualdades é assim o objectivo constitucional da tributação do património, um objectivo que abre a porta ao legislador para proceder, nomeadamente, à discriminação de patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos ou adoptando taxas progressivas”. A discriminação constitucionalmente permitida é, pois, entre patrimónios de valor mais elevado face a patrimónios de valor menos elevado, e não entre patrimónios de igual valor, sendo irrelevante nesta sede a afectação ou utilidade retirada do património em concreto.

O que vem referido supra para a diferença de tratamento entre prédio afecto a habitação e prédio afecto a outros fins é plenamente aplicável à diferença de tratamento imposta pela verba 28.1 da TGIS entre terrenos para construção de edifícios afectos a habitação e terrenos para construção de edifícios afectos a outros fins. Esta diferenciação de tratamento em sede de Imposto do Selo entre uns e outros terrenos para construção não tem qualquer sustentação, nem legitimidade, consubstanciando uma efectiva violação do princípio constitucional da igualdade, assente na capacidade tributária.

Assim sendo, a verba 28.1 da TGIS não pode ser aplicada no caso concreto pelo que, carecendo os actos de liquidação contestados de base legal, terão que ser anulados por ilegal.

 

V.          DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral recusar a aplicação da verba 28.1 da TGIS com fundamento em inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade (assente na capacidade contributiva) previsto no art. 13.º da CRP. Em consequência, declaram-se ilegais por ausência de norma legitimadora, as liquidações de Imposto do Selo contestadas, no valor de € 16.789,95 (referente ao prédio inscrito sob o artigo...) e € 41.403,51 (referente ao prédio inscrito sob o artigo...), que deverão ser anuladas, com consequente reembolso à Requerente dos montantes que tenha pago.

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 58.193,46, correspondente ao valor total das liquidações impugnadas.

Custas: Nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, 13-03-2016

 

O Árbitro Singular

 

 

(Maria Forte Vaz)

 

 

 

 

 



[1] Nesta decisão é feita a remissão para diversas outras decisões arbitrais, nomeadamente as proferidas nos processos n.º 447/2016-T, n.º 415/2016-T, n.º 387/2016-T, n.º 294/2016-T, n.º 290/2016-T, e n.º 467/2015-T.

[2] O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, 2004, pág. 443.

[3] Direito Fiscal, Almedina, 3.ª Edição, pág. 182.