DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
Em 07/06/2018, A... e B..., respectivamente contribuintes fiscais com o número ... e..., (doravante designado por Requerentes), vieram, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e da Portaria n.º 112-A, de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º 2018..., referente ao ano de 2014, no valor total a pagar de € 19.963,37.
Os Requerentes optaram por não designar árbitro.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 08/06/2018 e notificado à Requerida em 11/06/2018. O Conselho Deontológico designou como árbitro o ora signatário que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 24/07/2018, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 13/08/2018.
Notificada para se pronunciar, a AT apresentou resposta em que peticionou que o pedido de pronúncia arbitral fosse julgado improcedente, defendendo-se ainda por excepção de inimpugnabilidade do enquadramento do Requerente marido no regime simplificado de tributação, devendo, nessa medida, manter-se na ordem jurídica o acto tributário impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido.
O Requerente apresentou alegações no respectivo prazo, tendo a AT optado por não o fazer.
Síntese da posição das Partes
a. Do Requerente:
Do pedido efectuado e alegações apresentadas resulta, no entender dos Requerentes, o seguinte:
O Requerente marido exerce a profissão de advogado desde 11/05/1983, tendo, em 30/03/2004, optado pelo regime da contabilidade organizada para efeitos de determinação da matéria colectável em sede de IRS.
No ano de 2005, o Requerente marido passou a estar oficiosamente enquadrado no regime de contabilidade organizada por imposição legal.
No ano de 2013 o rendimento anual ilíquido da categoria B do Requerente marido ascendeu ao montante de € 159.093,42.
Sem prejuízo da opção exercida pelo Requerente marido em 30/03/2004, a Requerida passou a enquadrar o Requerente marido no regime simplificado de tributação, a partir de 2014, por ter este, no ano de 2013, auferido proveitos ilíquidos de categoria B inferiores ao limite acima do qual, nos termos da lei, os contribuintes ficavam obrigados a colectar-se no regime de contabilidade organizada e, cumulativamente, não ter exercido a opção por esse mesmo regime.
Em 31/05/2015, os Requerentes apresentaram a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2014, a qual foi identificada pela Requerida como contendo erros de preenchimento, respeitando um ao Requerente marido e outro à Requerente mulher.
Aceite a rectificação proposta quanto à Requerente mulher, entendem os Requerentes não ser de aceitar a correcção proposta relativamente ao Requerente marido.
No entender dos Requerentes, a referida correcção, de que resultou a liquidação que ora se contesta, resulta de erróneo enquadramento oficioso, pela Requerida, do Requerente marido no regime simplificado de tributação.
E isto porque entendem os Requerentes que, ao estar o Requerente marido enquadrado no regime de contabilidade organizada por opção, exercida em 30/03/2004, deveria o mesmo ter continuado a enquadrar-se nesse regime de contabilidade organizada (por via dessa opção e não por imposição legal), sem necessidade de nova opção, a não ser que, preenchendo os requisitos para tal, exercesse a opção pelo regime simplificado de tributação.
Nestes termos, entendem os Requerentes, o Requerente marido, por estar enquadrado no regime de contabilidade organizada por opção, não precisava de exercer qualquer opção (adicional) para se manter naquele regime no caso de – como aconteceu – no ano anterior ter tido proveitos ilíquidos de categoria B inferiores ao limite acima do qual, nos termos da lei, os contribuintes ficam obrigados a colectar-se no regime de contabilidade organizada.
Ou seja, não teria o Requerente marido que renovar anualmente a sua intenção de tributação pelo regime de contabilidade organizada, bastando-lhe manifestar essa vontade uma só vez e deixando de ser tributado por esse regime apenas quando comunicasse diversa opção.
Assim, vêm os Requerentes requerer, não só a declaração de ilegalidade da referida liquidação, como a restituição do valor liquidado e pago, bem como o pagamento de juros indemnizatórios e ainda nova liquidação de IRS de acordo com o regime de contabilidade organizada.
b. Da Requerida:
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta e fez juntar o processo administrativo (PA), defendendo a legalidade e a manutenção da liquidação objeto do presente PPA.
A título prévio, a Requerida aduziu na sua resposta uma excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, arguindo que o pedido dos Requerentes se encontra excluído da jurisdição arbitral tributária, nos termos do artigo 2.º RJAT.
A este respeito entende a Requerida que o acto objecto do litígio não pode ser qualificado como um acto de fixação de matéria tributável que dê origem à liquidação de tributo.
Entende, outrossim, a Requerida, que o que está aqui em causa é o confronto do regime de determinação da matéria colectável relativamente aos rendimentos empresariais e profissionais nos termos do artigo 28.º do Código do IRS.
Conclui assim a Requerida, a este respeito, que o acto impugnado não integra o elenco potencial dos actos de fixação da matéria tributável ou matéria colectável, localizando-se antes a montante da fixação da matéria tributável.
Não obstante, e entrando na discussão material do litígio como composto pelos Requerentes, entende a Requerida que não lhes deverá, ainda assim, ser dada razão.
E isto porque, entende a Requerida, não obstante ter o Requerente marido exercido a opção pela contabilidade organizada para os exercícios de 2003 a 2005, passou o mesmo a estar abrangido por esse regime por imposição legal entre 2005 e 2014, uma vez que os rendimentos anuais ilíquidos da categoria B naqueles anos ultrapassavam o limite legal previsto no n.º 2 do artigo 28.º do Código do IRS, e a opção pelo regime da contabilidade organizada não foi renovada.
Assim, de acordo com a Requerida, por ter ficado inserido no regime de contabilidade organizada, desde 2005, por imposição legal, e não por opção, deverá entender-se que o Requerente marido “regressou” ao regime simplificado em 2014 por, no exercício anterior, os rendimentos ilíquidos da categoria B terem ficado aquém do limite a partir do qual se aplica obrigatoriamente o regime de contabilidade organizada e por não ter sido exercida a opção por esse regime.
II. SANEAMENTO
1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 5.º e 6.º, ambos do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
4. Quanto à excepção invocada pela Requerida, caberá dizer o seguinte:
i) Invoca a Requerida a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria por, em seu entender, estar em causa a declaração de ilegalidade da decisão oficiosa de enquadramento no regime simplificado, daqui retirando que essa apreciação se encontraria excluída do elenco de actos a apreciar em sede arbitral de acordo com o artigo 2.º do RJAT;
ii) Discordam os Requerentes deste entendimento, assinalando que o objeto do presente processo consiste na liquidação de IRS n.º 2018..., relativa ao ano de 2014, com um valor de imposto a pagar de € 19.963,37, pretendendo ver apreciada a sua conformidade legal à luz, nomeadamente, do artigo 28.º do Código do IRS.
Vejamos a quem assiste razão.
iii) Como explanado na decisão arbitral proferida no Processo 97/2017-T, que por acompanharmos integralmente aqui transcrevemos, “Em regra, os atos interlocutórios do procedimento tributário, sendo meramente instrumentais ou preparatórios da respetiva decisão final, não são lesivos dos direitos ou interesses legalmente protegidos do contribuinte, uma vez que não definem nem resolvem a sua situação tributária.
Com efeito, sendo o procedimento de liquidação do imposto formado por uma série de atos preparatórios e instrumentais dirigidos à liquidação propriamente dita, tendencialmente só esta, na qualidade de ato tributário em sentido estrito, é suscetível de causar uma lesão objetiva, imediata e atual na esfera do contribuinte, constituindo por isso o ato contenciosamente impugnável.
Porém, se lesivos nos termos expostos (objetiva, imediata e atualmente) ou mediante disposição expressa em sentido diverso, os atos interlocutórios do procedimento poderão ser objeto de impugnação contenciosa autónoma, assim o prevendo, a contrario sensu, o regime ínsito no artigo 54.º, primeira parte, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), nos termos do qual «salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do procedimento [...]».
Não obstante, prevê ainda a parte final do mesmo preceito legal que a não impugnabilidade autónoma em geral, ou a não impugnação autónoma in casu, ocorre sempre «[...], sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida».
Assim, independentemente do que se possa aportar quanto à eventual lesividade do ato interlocutório de alteração oficiosa do enquadramento cadastral do contribuinte (passagem do regime de contabilidade organizada ao regime simplicado), ou à possível existência de disposição expressa que preveja a sua impugnação autónoma, o certo é que o referido preceito legal não assaca à inércia do contribuinte qualquer efeito preclusivo do direito à impugnação da decisão final do procedimento (...).
Pelo contrário, o artigo 54.º do CPPT expressamente prevê que qualquer ilegalidade cometida na pendência do procedimento possa ser invocada na impugnação da decisão final do procedimento.
Perante o exposto, nenhum reparo merece a pretensão manifestada pelo Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral, no sentido de ver declarada a ilegalidade da liquidação adicional de IRS acima identificada, porquanto, constituindo esta o ato final do procedimento tributário em referência, pode ser contestada com fundamento em quaisquer ilegalidades, incluindo as respeitantes a atos interlocutórios, tais como o de alteração oficiosa do enquadramento cadastral do Requerente em sede de IRS.
Sem prejuízo dos fundamentos (causa de pedir) alicerçantes do pedido de pronúncia arbitral, o certo é que este pedido tem por objeto a mencionada liquidação de imposto e não qualquer outro ato, pelo que o Tribunal Arbitral é competente para a apreciação da sua (i)legalidade nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, não se verificando a exceção de incompetência absoluta, em razão da matéria, alegada pela Entidade Requerida.”
No mesmo sentido, vejam-se também os argumentos e explanação invocada, a título de exemplo, nas decisões arbitrais proferidas nos Processos 295/2017-T e 114/2017-T.
Face ao argumentado pela Requerida, importará ainda afastar a aplicação da argumentação expendida na decisão arbitral proferida no Processo 118/2012-T, uma vez que aí, como expressamente se indica, “(...) é formulado um pedido de declaração de ilegalidade de acto de fixação da matéria tributável que não origina a liquidação de qualquer tributo.”
Nestes termos desde já se julga improcedente a excepção dilatória invocada, inexistindo obstáculos à apreciação do mérito da causa.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta à petição inicial, do processo administrativo, da resposta e das alegações dos Requerentes, fixa-se como segue:
A – Factos Provados
1. O Requerente marido exerce a profissão de advogado desde 11/05/1983;
2. Em 30/03/2004 optou pelo regime da contabilidade organizada para efeitos de determinação da matéria colectável em sede de IRS;
3. O Requerente marido não renovou essa opção nos anos seguintes;
4. A partir do ano de 2005, o Requerente marido ficou oficiosamente enquadrado no regime de contabilidade organizada por imposição legal;
5. No ano de 2013 o rendimento anual ilíquido da categoria B do Requerente marido ascendeu ao montante de € 159.093,42;
6. Relativamente ao exercício de 2014, o Requerente marido foi enquadrado no regime simplificado de tributação por ter auferido, no ano anterior, rendimentos ilíquidos da categoria B em montante inferior ao mínimo legal a partir do qual se aplicaria obrigatoriamente o regime da contabilidade organizada e porque não exerceu a opção por esse regime.
B – Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
III.2. MOTIVAÇÃO
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido apresentado pelos Requerentes.
No tocante à apreciação da prova, o Tribunal formula o seu juízo, em atenção ao princípio da livre apreciação, a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência.
Assim a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelos Requerentes e pela Requerida.
III.3. DO DIREITO
1. A questão decidenda:
Considerando as posições dos Requerentes e da Requerida, bem como a factualidade assente, a questão a que cumpre dar resposta será, em suma, a de saber se, in casu, o imposto a pagar em 2014, relativamente aos rendimentos profissionais auferidos pelo Requerente marido, deveria ter sido calculado de acordo com o regime simplificado de tributação ou de acordo com o regime de contabilidade organizada.
Ou seja, em particular, cumprirá apreciar se a referida liquidação poderia ter sido levada a cabo, como foi, no pressuposto de que o Requerente marido passou a estar enquadrado no regime de contabilidade organizada a partir de 2005 por obrigação legal, e não por opção, com a consequência de passar ao regime simplificado de tributação em 2014 por, em 2013, ter auferido rendimentos ilíquidos da categoria B inferiores ao limite legal para a inclusão obrigatória no regime da contabilidade organizada e não ter exercido a opção pela aplicação do regime de contabilidade organizada.
A análise da questão colocada implica, antes de mais, a análise da evolução legislativa que o preceito relevante nesta sede – o artigo 28.º do Código do IRS – sofreu ao longo dos tempos, até por ser aí que a Requerida se alicerça para defender a sua posição.
Assim, à data do exercício da opção pelo regime da contabilidade organizada (2004), e para o que aqui nos interessa, dispunha o artigo 28.º do Código do IRS que o período mínimo de permanência no regime simplificado era de 3 anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicasse a alteração de regime.
Apenas posteriormente, com o Orçamento de Estado para 2007, veio o mesmo artigo consagrar a solução de que tal solução – da vigência por um mínimo de 3 anos e prorrogabilidade automática por períodos iguais no silêncio do contribuinte – valeria também para o regime da contabilidade organizada.
Ou seja, desta dicotomia parece retirar a Requerida a conclusão de que tendo o Requerente marido optado pelo regime da contabilidade organizada em 2004, aí apenas permanece por opção pelo período de um ano (na falta de prazo mínimo pré-definido parece a Requerida assumir o mínimo possível).
Assim, daí parece retirar a Requerida a conclusão subsequente de que, não havendo para o regime de contabilidade organizada uma regra de prorrogabilidade automática, essa opção teria que ser realizada novamente no(s) ano(s) seguinte(s), levando a que, tal não ocorrendo, se aplicasse o regime legal supletivo tendo em conta os rendimentos ilíquidos da categoria B no exercício anterior.
Levando este raciocínio ao seu extremo, entende a Requerida que, não tendo o Requerente marido exercido novamente a opção pelo regime da contabilidade organizada em 2005, passou a ficar sujeito ao regime legal aplicável na falta de escolha, ou seja, a ficar enquadrado no regime de contabilidade organizada, já não por opção, mas sim por imposição legal, tendo em conta os rendimentos auferidos.
Destarte, no entendimento da Requerida, deixando de se verificar a exigência de enquadramento legal no regime de contabilidade organizada, e na ausência de opção pela manutenção desse regime, deveria o Requerente marido “regressar” ao regime simplificado em 2014.
Importa assim, apreciar a linha de raciocínio da Requerida, começando, como se impõe, pelo início.
De facto, seguindo o iter cognoscitivo da Requerida, facilmente se detecta que a resolução da presente disputa está na questão de saber se o Requerente marido tinha que, em 2005 (e nos anos seguintes, pelo menos até 2007) voltar a requerer o seu enquadramento no regime de contabilidade organizada.
De facto, da letra da lei não resultava, de forma expressa (como agora resulta), que a opção pelo regime da contabilidade organizada, uma vez exercida, se mantinha até indicação do sujeito passivo em contrário.
Contudo, quererá isso dizer que a lei impunha, à data dos factos, uma caducidade automática e anual da opção pelo regime de contabilidade organizada?
Ao referir-se, no número 5 do artigo 28.º do Código do IRS, (apenas) ao regime simplificado de tributação, estaria a lei a impôr que a opção pelo regime da contabilidade organizada fosse renovado de forma anual?
Parece que não.
À data dos factos, referia o número 2 do artigo 28.º do Código do IRS que os sujeitos passivos ficavam abrangidos pelo regime simplificado se (i) no ano anterior não tivessem ultrapassado os limites objectivamente fixados e (ii) se não tivessem optado pelo regime da contabilidade organizada.
Mais referia o número 4 do mesmo artigo que a opção (pelo regime da contabilidade organizada) se deveria concretizar (i) na declaração de início de actividade ou (ii) mediante declaração de alterações.
Ou seja, resulta claro da conjugação dos regimes legais à data que o regime simplificado, se aplicável, pressupunha que não tivesse havido opção pelo regime da contabilidade organizada e que essa opção seria efectuada através de uma declaração de alterações. Ou seja, de alteração do regime (de simplificado para contabilidade organizada).
Tendo a opção pelo regime de contabilidade organizada sido já validamente exercida no ano anterior, e ainda que não houvesse, na altura, uma obrigação de permanência no regime por 3 anos com prorrogabilidade expressa, que sentido faria exigir-se a entrega de uma declaração de alterações para manutenção do regime do ano anterior?
Certamente que o anacronismo da pergunta induz à resposta que se impõe.
De facto, pouco sentido faria que tendo o sujeito passivo optado pelo regime da contabilidade organizada, se lhe exigisse uma declaração de alterações para se manter esse mesmo regime.
Destarte, nem a letra da lei impunha tal exigência, nem a base legal utilizada pela Requerida deverá ter o efeito que propugna.
Com o regime (imperfeito) então vigente, o que se pretendia era, isso sim, evitar flutuações entre regime simplificado e contabilidade organizada, por uma questão de estabilidade e eficiência administrativa.
Impor um ónus declarativo, confirmativo e anual, para submissão a um regime legal – o da contabilidade organizada – que é reconhecidamente o que melhor se coaduna com os princípios basilares do próprio imposto seria certamente incompreensível, principalmente não se vislumbrando qualquer questão técnica ou de política fiscal que o justificasse.
De facto, no caso que aqui se discute, o Requerente marido não ficou abrangido pelo regime de contabilidade organizada por imposição legal. Ficou, isso sim, porque optou por esse regime.
Em lado nenhum o regime legal vigente à data impunha a confirmação anual dessa opção (até parecendo sugerir que apenas haveria essa obrigação para alteração de regime).
Como tal, e principalmente atenta as alterações legislativas subsequentes que passaram a consagrar a prorrogabilidade automática também da opção pelo regime da contabilidade organizada, deverá, em conclusão, considerar-se que o Requerente marido deveria, também no exercício de 2014, e não obstante ter auferido rendimentos ilíquidos da categoria B em montante inferior ao limiar legal para aplicação obrigatória do regime da contabilidade organizada, ter sido tributado de acordo com o regime da contabilidade organizada por ter exercido essa opção já em 2004, sem nunca a ter alterado.
IV. DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide o Tribunal Arbitral:
I) Julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares com o n.º 2018..., referente ao ano de 2014, com um valor de imposto a pagar de € 19.963,37;
II) Condenar a Requerida na restituição do valor do imposto anulado;
III) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, ambos da LGT; e
IV) Condenar a Requerida no pagamento da totalidade das custas, atenta a procedência integral do pedido.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 19.963,37 (dezanove mil, novecentos e sessenta e três euros e trinta e sete cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros).
Lisboa, 21 de Dezembro de 2018
José Calejo Guerra
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.