Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 166/2018-T
Data da decisão: 2018-12-02  IVA  
Valor do pedido: € 24.775,32
Tema: IVA – Direito à dedução – Ónus da prova.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1. No dia 03-04-2018, a sociedade A..., S.A. apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação do IVA e dos correspondentes juros compensatórios, referentes ao período 2015/12.

2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, notificando as partes.

3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:

4.1. A liquidação impugnada resultou das correcções aritméticas realizadas no âmbito de Inspecção Tributária, com a Ordem de Serviço OI2016..., referente ao exercício de 2015, cujo Relatório Final foi notificado em Abril de 2017.

4.2. Desta liquidação resultou um imposto adicional de €23.000 acrescido de juros no valor de €1.775,32 que originou uma dívida total de €24.775,32, a qual foi paga já no âmbito de processo de execução fiscal (donde resultaram acréscimos) por forma a obstar a diligências de cobrança mais gravosas e na impossibilidade de ser apresentada garantia bancária pelo montante legal.

4.3. A referida liquidação oficiosa considera este montante devido por desconsideração do direito a dedução do IVA autoliquidado pela requerente sobre quatro facturas que lhe foram emitidas por uma entidade não residente que totalizaram o montante de €100.000.

4.4. Esta operação tem por base um valor facturado pela entidade não residente B..., com o NIF atribuído de não residente ..., referente a comissões de intermediação das negociações e contratos concretizados com o grupo angolano C... .

4.5. O Grupo C... integra, pelo menos, três sociedades que nos anos anteriores a 2015, adjudicaram equipamentos e prestações de serviços à requerente num valor que ascende a € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros).

4.6. As exportações realizadas para aquelas sociedades angolanas só aconteceram porque, aquando a negociação das mesmas, foram combinadas comissões com os respectivos intermediários.

4.7. A A... procedeu a diligências para poder liquidar o valor das comissões acordadas, sendo certo que, por email datado de 2015-05-30, o referido responsável remete as facturas em causa.

4.8. Posteriormente, foram trocadas algumas mensagens entre os mencionados responsáveis de ambas as empresas, precisamente com respeito ao enquadramento fiscal das facturas, em especial quanto à questão da dupla tributação.

4.9. A requerente tem como actividade principal a instalação de máquinas e de equipamentos industriais (CAE 33200).

4.10. A actividade que desenvolve é sujeita a IVA, estando enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, o que lhe confere o direito à dedução do IVA liquidado nas facturas que lhe são emitidas.

4.11. No entanto, a AT procedeu à desconsideração da validade das quatro facturas acima referidas para efeitos de IVA, por forma a não conferir o direito à dedução do IVA suportado em diversas prestações de serviços que lhe foram facturadas.

4.12. A desconsideração destas facturas implicou para a requerente uma correcção no valor do IVA devido no período aqui em causa de €23.000, ao qual acresceram juros (e coimas).

4.13. O relatório de inspecção concluiu que a prestação de serviços de intermediação aqui em causa é sujeita a IVA, por efeito conjugado dos artigos 2. °, n.º 1, alínea e) e 6. °, n.º 6, alínea a), ambos do CIVA, o que a requerente não contesta.

4.14. Ora, não contestando a incidência do imposto, a requerente entende que é igualmente aplicável o disposto no art.° 19, n.º 1, alínea c), do mesmo código que determina que o sujeito passivo tem o direito de deduzir o IVA referente aos serviços previstos na acima referida alínea e) do n.º 1 do art.° 2; e, bem assim, ao invés do mencionado pelos serviços inspectivos, a presente operação preenche as condições da alínea b), I), do n.º 1 do artigo 20.° do CIVA.

4.15. Dos exemplos apresentados referentes à facturação da requerente para os seus clientes em Angola, consta a menção de isenção ao abrigo da alínea a) do n.° 1 do art.º 14 do CIVA.

4.16. Considera por isso a requerente ter direito à dedução do IVA, não sendo correcta a invocação da alínea a) do n.° 1, do art.º 20.º, do CIVA.

4.17. Isto porque as exigências feitas pelos serviços inspectivos, para além de não serem, desde logo, aqui aplicáveis, demonstram distanciamento (e desconhecimento) quanto à forma e métodos de angariar e realizar operações comerciais em mercados exteriores (nomeada e especialmente o angolano).

4.18. Com efeito, não estamos perante uma espécie de concurso público onde a requerente, para provar o nexo causal entre as operações e o respectivo montante, ou sequer para ver o seu direito à dedução reconhecido, tivesse que apresentar um "esquema comparativo dos preços de serviços análogos no mercado" ou explicar "o processo selectivo" que justifique a escolha deste "fornecedor em detrimento de outros".

4.19. Conforme referido, e como consta das mensagens electrónicas trocadas entre a requerente e a C..., as comissões resultam das operações realizadas com aquele grupo.

4.20. E o valor em causa está perfeitamente adequado aos valores de comissões praticados, sendo, aliás, e tendo em conta o mercado angolano, um valor que estará aquém de muitos outros praticados e considerados adequados aos intervenientes naquele mercado.

4.21. Tratando-se de operações entre sujeitos passivos, a requerente tem a obrigação de auto-liquidar o IVA (o que fez), mas simultaneamente deduzir esse mesmo imposto, por aplicação (além do mais) do princípio da neutralidade.

4.22. A possibilidade de promover a dedução do imposto suportado tem como ponto de partida a recepção, por parte de um sujeito passivo, de facturas emitidas nos termos legalmente requeridos pela sua contraparte.

4.23. A complexidade inerente ao regime das facturas e os limites impostos à dedução que daí têm resultado na sequência da actuação das administrações fiscais dos Estados-Membros tem levado a que o TJCU se tenha pronunciado em sucessivas decisões sobre esta matéria e num sentido muito claro - o da prevalência da substância sobre a forma, sempre que isso se mostre necessário para garantir a neutralidade do IVA.

4.24. Resulta do art. 168 da Directiva IVA que quem seja sujeito passivo de IVA é titular do direito à dedução, pois a qualidade de sujeito passivo tem inerente o exercício do direito à dedução.

4.25. Conforme vimos, a AT reconhece que a requerente é sujeito passivo de IVA, termos em que se lhe verifica o requisito subjectivo habilitante do direito à dedução.

4.26. Por outro lado, da alínea a) do mesmo art° 168 resulta o direito à dedução do IVA incorrido na aquisição dos bens e serviços efectuados a outros sujeitos passivos, desde que sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, ficando apenas excluídos do direito à dedução os bens e serviços que suscitam confusão entre a esfera pessoal e esfera empresarial, conforme expresso pelo art. 176 da Directiva IVA - requisito objectivo da dedutibilidade.

4.27. Ora, também aqui o requisito se verifica, dado que o serviço em causa é uma comissão de intermediação em negócio referente à actividade da requerente com clientes angolanos.

4.28. Estas normas do documento base do IVA têm tradução no artigo 20.º do CIVA, no qual se determina que a dedutibilidade do IVA ocorrerá desde que este seja um custo inerente à realização das suas próprias operações tributadas ou relacionadas com a sua actividade.

4.29. Assim, quando a AT declara que a razão da recusa da dedutibilidade reside na requerente não ter demonstrado a sua efectiva realização, está a incorrer em erro de interpretação legal, pois o que a lei exige é que os serviços sejam relacionados com a sua actividade económica.

4.30. Significa isto que a recusa do direito à dedução do IVA determinada peia AT é ilegal, por violação do art.° 20, n.° 1, alínea b) I), do CIVA.

4.31. À AT, o    que competia  era simplesmente verificar se em face dos elementos apresentados pela requerente estava assegurada a inexistência de fraude, traduzida num custo não suportado efectivamente pela requerente para a produção das suas próprias prestações de serviços tributáveis.

4.32. Quando a AT entende que não é possível o exercício do direito à dedução nos termos do art.° 20.º, do CIVA, está a violar o regime IVA, na medida em que tendo sido incorrido o custo com o IVA o que lhe competia era demonstrar a existência de uma situação fraudulenta ou abusiva da parte da requerente.

4.33. A não ser assim, põe-se em causa a natureza estruturante do princípio da neutralidade no regime do IVA, que constitui princípio fundamental deste regime, o que significa que tem de se sobrepor às regras específicas, devendo as normas do regime IVA ser interpretadas de acordo a serem compatíveis com os seus princípios fundamentais, sob pena de se perder a coerência do próprio regime.

4.34. Assim, e com base na jurisprudência dos acórdãos do TJUE, entende a requerente que a AT interpretou erradamente o disposto no artigo 20, n.º 1, alínea b) I), do CIVA, na medida em que considerou não ser dedutível o custo incorrido pela requerente com o IVA que lhe foi liquidado nas facturas emitidas por um seu prestador de serviços.

4.35. Esse IVA, tendo inequívoca relação com a produção dos seus proveitos, tem de ser objecto de dedução, nos termos da alínea b), do n.º 1 do art.° 20, do CIVA, dado que referente a operações isentas ao abrigo do art.° 14.

4.36. Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 43. ° da LGT o direito ao ressarcimento através de juros indemnizatórios, calculados sobre o montante do imposto e correspondentes juros compensatórios indevidamente pagos, e contados desde a data do pagamento indevido até ao integral reembolso do mesmo.

4.37. Uma vez que o vício de que padecem as liquidações ora impugnadas resultas de erro dos serviços (de direito), tendo a requerente pago o imposto liquidado aqui contestado, terá direito a que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, no prazo e nas condições fixadas no artigo 61. ° do CPPT, ou seja, calculados até ao efectivo reembolso do imposto (e juros compensatórios correspondentes).

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:

5.1. Nos termos do artigo 20.º, nº 1 do CIVA, só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens e serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isentas.

5.2. Sendo certo, porém, que compete ao sujeito passivo a prova dos pressupostos de que depende o seu direito à dedução de IVA.

5.3. Conforme, aliás, decorre do artigo 74.º da LGT: sobre a Requerida recai o ónus da prova do direito à tributação, ao passo que sobre os sujeitos passivos recai o ónus da prova dos factos impeditivos daquele direito.

5.4. Transpondo para o caso vertente, a Requerente pretendeu deduzir o montante de € 23.000,00, a título de gastos por si suportados com comissões devidas ao intermediário B... pelo fornecimento de equipamentos ao grupo C... .

5.5. Todavia, tais factos tributários impeditivos do direito de tributação da Requerida só poderiam ser aceites se a Requerente demonstrasse a efectividade das operações de intermediação.

5.6. Ora, a Requerente não logrou demonstrar a efectividade das operações de intermediação da B..., quer inicialmente em sede do procedimento inspetivo quer posteriormente em sede do procedimento de Reclamação Graciosa.

5.7. Efetivamente, perante os indícios apurados pela Requerida impunha-se à Requerente cumprir o ónus da prova que sobre si impendia mediante algo mais do que a apresentação de meras afirmações – como fez no âmbito dos dois procedimentos – devendo ter antes juntado documentos minimamente aptos a corroborar as suas afirmações.

5.8. Apenas em sede de Reclamação Graciosa veio a Requerente juntar impressões (vulgo “prints”) de mensagens de correio electrónico trocadas entre aquela e o grupo angolano C..., trocadas entre 2015-03-12 e 2015-09-17.

5.9. Contudo, nenhum documento ou outro meio de prova atinente à concreta relação contratual entre a Requerente e a B... foi ali junto, como, aliás, também havia sucedido em momento anterior.

5.10. Pelo que, perante a falta de prova minimamente apta a demonstrar o direito à dedução, obviamente não foram afastados os indícios concretos e ponderosos que levaram a Requerida a não aceitar a dedução do IVA e a indeferir a Reclamação Graciosa.

5.11. Consequentemente, a decisão de indeferimento colocada em crise pela Requerente não padece de qualquer erro, seja no plano dos factos seja no plano do direito.

5.12. Efectivamente, à Requerente competia o ónus da prova da efetividade da intermediação, não lhe bastando criar a mera dúvida sobre a sua veracidade, pois que o artigo 100.º do CPPT não tem aqui aplicação.

5.13. Para isso era preciso algo mais do que a junção de correspondência entre a Requerente e a C..., quando aquilo que está aqui em causa é a relação comercial entre a Requerente e a B... .

5.14. A ausência de documentação relativa à relação entre a Requerente e a B..., designadamente à total falta de uma troca de correspondência direta entre aquelas duas entidades, em contraponto àquilo que é a prática mundana, às regras da experiência e aos indícios recolhidos pela Requerida, os quais traduzem uma elevadíssima probabilidade de as operações de intermediação não terem tido lugar.

5.15. Para mais, quando a própria Requerente reconhece que «foram combinadas comissões» (cfr. artigo 14.º da p.i.).

5.16. No que concerne aos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios quando o erro em causa é imputável à Requerida.

5.17. Logo, à luz de todos os elementos carreados no Processo Administrativo, naturalmente que nenhum erro sobre os pressupostos existiu, uma vez que a nenhuma conclusão se poderia chegar, ou extrair (leia-se, afastar os indícios apurados), senão àquela que a Requerida chegou.

5.18. Ainda que o Tribunal Arbitral Singular venha a concluir pela efetividade da intermediação, obviamente que tal entendimento apenas poderá decorrer da valoração da prova testemunhal a produzir em audiência pela Requerente, uma vez que os documentos até hoje subministrados não permitem corroborar minimamente aquilo que aquela afirma, face à prática mundana, às regras da experiência e aos indícios recolhidos pela Requerida.

5.19. Consequentemente, terá de se concluir que o erro sobre os pressupostos é uma decorrência da inércia da própria Requerente, uma vez que, somente em sede jurisdicional, resolveu, de vez, dar cumprimento a um ónus que sobre ela impendia desde o procedimento inspetivo e ao qual nunca deu observância até ao momento em que decidiu recorrer ao CAAD.

5.20. Como tal, não deve assistir à Requerente qualquer compensação a título de juros indemnizatórios, sob pena de, assim, ser premiada a inércia e o dispêndio de meios.

6. No dia 11-10-2018, as partes apresentaram requerimento conjunto, em que requereram o aproveitamento da prova gravada no âmbito do processo nº 167-2018-T, pelo que foi dada sem efeito a audiência de julgamento, inicialmente agendada para o dia 08-10-2018, às 15h, e posteriormente reagendada para o dia 11-10-2018, às 15h, a pedido da Requerente.

7. No dia 11-10-2018, foi proferido despacho arbitral, deferindo o referido requerimento e notificando as partes para apresentar alegações sucessivas em 15 dias para cada uma das partes.

8. As partes apresentaram alegações escritas, onde reiteraram o previamente alegado.

 

II – Factos provados

9. Com base na documentação junta aos autos e na valoração pelo Tribunal Arbitral da prova gravada no âmbito do processo nº 167-2018-T, referente aos depoimentos das testemunhas D... e E..., consideram-se provados os seguintes factos:

9.1. A requerente tem como actividade principal a instalação de máquinas e de equipamentos industriais (CAE 33200).

9.2. A actividade que desenvolve é sujeita a IVA, estando enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, o que lhe confere o direito à dedução do IVA liquidado nas facturas que lhe são emitidas.

9.3. A liquidação objecto de contestação no presente pedido resultou das correcções aritméticas realizadas no âmbito de Inspecção Tributária, com a Ordem de Serviço OI2016..., referente ao exercício de 2015, cujo Relatório Final foi notificado em Abril de 2017.

9.4. Desta liquidação resultou um imposto adicional de €23.000 acrescido de juros no valor de €1.775,32 que originou uma dívida total de €24.775,32, a qual foi paga já no âmbito de processo de execução fiscal.

9.5. A liquidação oficiosa considera este montante devido por desconsideração do direito a dedução do IVA autoliquidado pela reclamante sobre 4 facturas que lhe foram emitidas por uma entidade não residente que totalizaram o montante de €100.000.

9.6. Esta operação reporta a um valor facturado pela entidade não residente B..., com o NIF atribuído de não residente ... .

9.7. O Grupo C... integra, pelo menos, três sociedades que nos anos anteriores a 2015, adjudicaram equipamentos e prestações de serviços à requerente num valor que ascende a € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros).

9.8. Por email datado de 2015-05-30, o responsável da C... remeteu à Requerente as facturas relativas à B... .

9.9 Foram trocadas mensagens entre os responsáveis da C... e da requerente, com respeito ao enquadramento fiscal das facturas, em especial quanto à questão da dupla tributação.

 

III – Factos não provados

 

10. Por não ter considerado suficiente a prova testemunhal apresentada para convencer o Tribunal da existência de uma efectiva relação de intermediação, o Tribunal não considera provados os seguintes factos:

10.1. As exportações realizadas para aquelas sociedades angolanas só aconteceram porque, aquando a negociação das mesmas, foram combinadas comissões com os respectivos intermediários.

10.2. As comissões resultam das operações realizadas com aquele grupo.

10.3. O valor em causa está perfeitamente adequado aos valores de comissões praticados, sendo, aliás, e tendo em conta o mercado angolano, um valor que estará aquém de muitos outros praticados e considerados adequados aos intervenientes naquele mercado.

10.4. A relação entre a requerente e o grupo C... ocorreu através de intermediação efectuada pela empresa B... .

 

 

IV – Do Direito

 

11. Em termos de Direito há apenas que examinar duas questões: a eventual ilegalidade dos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios e o eventual direito a juros indemnizatórios por parte da requerente.

Examinar-se assim essas duas questões:

 

A) Da ilegalidade dos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios

 

12. A primeira questão a examinar consiste na averiguação da eventual ilegalidade dos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios. Neste ponto, cabe examinar se, conforme afirma a requerente, os actos praticados implicaram violação do princípio da neutralidade vigente em sede de IVA, conforme imposto pela Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Directiva IVA):

Refere o artigo 168º da Directiva IVA:

“Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

b) O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18º e o artigo 27º;

c) O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade como artigo 2º, nº 1, alínea b), subalínea i);

d) O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21º e 22º;

e) O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado–Membro”.

 

Em execução da referida Directiva, refere o artigo 20º do Código do IVA:

“1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:

I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;

II) Operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas no território nacional;

III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;

IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos nºs 8 e 10 do artigo 15.º;

V) Operações isentas nos termos dos nºs 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;

VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.

2 - Não confere, porém, direito à dedução o imposto respeitante a operações que dêem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º”

 

Relativamente ao ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução dispõe o artigo 74º, nº 1, da Lei Geral Tributária:“O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

 

Cabe, portanto, à Requerente, o ónus da prova do direito à dedução, ou seja, da efectividade das operações de intermediação da B..., no negócio celebrado entre a Requerente e o grupo C... .

Verifica-se, através da prova documental apresentada, que as facturas emitidas pela B... (Documento nº 4 junto pela Requerente) apresentam como descrição “Management fee AI1”, “Management fee AI2”, “Management fee AI3” e “Management fee AI4”.

A única indicação que as facturas apresentam relativamente à relação entre a Requerente e o grupo C... é manuscrita e assinada por “F...”, presumindo-se corresponder a assinatura a F..., que enviou e-mails em nome da Requerente (Vide Documentos nºs 8 e 9 juntos pela Requerente), pelo que as indicações manuscritas nas facturas da B... terão sido efectuadas pela Requerente.

Inexiste qualquer outra documentação que possa comprovar a existência de uma relação entre a Requerente e a B... ou entre a B... e o grupo C... .

No que se reporta aos depoimentos testemunhais, as testemunhas não conseguiram convencer o Tribunal de que a B..., empresa com sede no Dubai, terá tido qualquer intervenção no negócio celebrado entre a Requerente e o grupo C..., em Angola.

Sendo certo que, de acordo com os depoimentos das testemunhas, o grupo C... é que procurava um fornecedor, tendo alegadamente através de uma pessoa individual, em Angola, (Senhor G...) entrado em contacto com a Requerente.

Não ficou demonstrado que as facturas em causa correspondam a um serviço de intermediação (nem as próprias facturas o referem), que a Requerente tenha contratado a B... para tal serviço, que o referido Senhor G... seja funcionário ou sócio da referida empresa, ou que tenha havido qualquer intermediação, uma vez que a relação descrita pelas testemunhas mais se assemelha a uma recomendação informal de uma empresa por parte de uma pessoa individual, e não a qualquer tipo de negócio.

Como refere o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30 de Novembro de 2017, Proc. Nº 1081/09.7BELRS: “No artº. 20, do C.I.V.A., consagram-se limitações ao direito à dedução, ao determinar-se que apenas pode ser deduzido o I.V.A. que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização dos seus fins próprios (v.g. objecto social). Se relativamente a certos bens ou serviços a empresa age como consumidor final não pode, obviamente, beneficiar da dedução do imposto. Por outras palavras, com este normativo pretende-se que o imposto que onerou a montante determinados bens e serviços só seja dedutível se os mesmos foram utilizados para a obtenção de receitas objecto de tributação a jusante. Especificamente a al. a), do nº.1, dá direito a dedução o I.V.A. suportado a montante que se concretize na aquisição de bens e serviços que se destinem à realização de operações tributáveis, isto é, os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade do sujeito passivo de imposto. Trata-se, portanto, de “inputs” para fins empresariais, operando-se através do mecanismo da dedução do imposto a transferência obrigatória para a frente do tributo pago a montante. Tal direito à dedução igualmente subsiste, desde que se verifique uma ligação directa e imediata com o conjunto da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo, na medida em que esta o confira (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5173/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/1/2015, proc.8165/14; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.511; Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.250 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.159). Revertendo ao caso dos autos, é manifesto que não estão reunidos os requisitos do direito à dedução de imposto (I.V.A.) por parte da sociedade impugnante/recorrida, dado que os serviços adquiridos pela mesma e objecto do pedido de reembolso (custos de natureza “Outros Bens e Serviços” identificados acima), não estão directamente relacionados com o exercício da actividade do sujeito passivo de imposto, não têm qualquer ligação directa e imediata com o conjunto da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo e, por último, embora não menos importante, não foram utilizados para a obtenção de receitas objecto de tributação a jusante.”

 

Para ter direito à dedução, seria necessário que os bens ou serviços invocados como base desse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, os bens ou serviços sejam entregues ou prestados por outro sujeito passivo.

No caso em concreto, não resultou provado que o serviço de intermediação adquirido à B... fosse necessário para que a requerente pudesse desenvolver a sua actividade. Aliás, não resulta sequer dos documentos juntos que tenha sido adquirido um serviço de intermediação, referindo as facturas emitidas pela B... apenas uma “taxa de administração” (ou management fee), não sendo possível verificar, com segurança, de que serviço efectivamente se trata.

Ainda que entendamos que, face ao serviço prestado, que a Requerente intitula de “facilitação de negócios”, não se mostra necessária a existência de documentação (ex. contratos) trocada entre as partes, o certo é que os depoimentos testemunhais apresentados não demonstram que a B... tenha tido intervenção neste negócio, uma vez que as testemunhas apenas demonstram ter conhecimento da existência de uma pessoa individual, que falou com o grupo C... (e não à Requerente), não sendo perceptível em que termos é que essa pessoa, que se encontrava em Angola, teria uma relação com uma empresa sediada no Dubai.

Não se demonstrando existir uma operação de intermediação efectivamente realizada pela sociedade B..., que possibilitou a realização de negócios entre a Requerente e o grupo C..., não se pode considerar estarem cumpridos os requisitos para a dedutibilidade.

 

B) Do direito a juros indemnizatórios

 

Uma vez que não se verifica existir fundamento para a anulação das liquidações de IVA, improcede também, por esse motivo o pedido relativamente a juros compensatórios.

 

 

V – Decisão

 

Pelos fundamentos acima expostos, julga-se improcedente o pedido de anulação das liquidações de IVA e juros compensatórios, no valor total de € 24.775,32.

 

Fixa-se ao processo o valor de € 24.775,32 (valor indicado e não contestado) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 1.530,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas pela entidade requerente.

 

 

 

 

Lisboa, 2 de Dezembro de 2018

 

 

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

(Luís Menezes Leitão)