Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Jorge Bacelar Gouveia e Luís Menezes Leitão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
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No dia 15 de Fevereiro de 2018, A..., LDA., NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2016..., no valor de €135.423,06 e da correspondente liquidação de juros compensatórios, no valor de €10.739,83, relativas ao exercício de 2013, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve aquelas correcções, e o imposto com base nelas liquidado, como objecto.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
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vício de fundamentação substantiva ou material;
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erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
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violação do princípio da tributação pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), da capacidade contributiva, da proporcionalidade, da legalidade e da justiça.
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No dia 15-02-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 04-04-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 24-04-2018.
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No dia 28-05-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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No dia 11-09-2018, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
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Foi igualmente prorrogado o prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, e foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo de tal prazo.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 2/a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A Requerente foi inscrita no Registo Comercial em 29-09-1966 com o CAE 47112 – comércio de mercearia a retalho, representações, comissões e consignações.
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A Requerente foi constituída com um capital social de € 10.000,00, dividido em duas quotas:
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uma no valor de €5.000, detida pelo sócio B...;
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e outra no valor de €5.000, detida pela sócia C...,
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Posteriormente, a sócia C... cedeu a sua quota ao outro sócio, que a unificou com a quota já detida.
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O sócio B... procedeu a uma divisão da quota em duas, sendo uma no valor nominal de €9.000,00, que reservou para si, e outra no valor nominal de €1.000 que cedeu ao seu filho D... .
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A Requerente exerce a sua actividade no R/C do prédio sito na Rua ..., n.º..., ... -... ..., com área útil de 162 m2, tomado de arrendamento.
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O quadro de pessoal era composto por dois empregados, com a categoria profissional de “Caixeiro”, admitidos em 01-05-1999.
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A Requerente estava, em 2013, enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral.
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No período de 2013, a Requerente era sujeito passivo de IRC nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, encontrando-se os lucros obtidos sujeitos a IRC nos termos do artigo 3.º, n.º1, alínea a) e artigo 17.º do CIRC.
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A Requerente procedeu à entrega das declarações anuais de IES e Modelo 22 de IRC, mencionando os seguintes valores:
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Em 31-12-2012, a Requerente revelava na conta 56 “Resultados transitados” prejuízos acumulados no montante de €224.054,58.
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A situação patrimonial da Requerente, declarada à data de 31-12-2012 era, em síntese, a seguinte:
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A situação patrimonial declarada no período 2009-2012 foi a seguinte:
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No período de 2009-2012, a actividade evoluiu negativamente, atingindo no ano de 2012, vendas médias mensais de €6.550,00.
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O volume de negócios decresceu de €285.000,00, em 2009, para €78.000,00, em 2012.
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O nível das existências (inventários) era, em 2009, de €294.000,00 e, em 2012, de €279.000,00.
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As disponibilidades eram, em 2009, de €224.000,00 e, em 2012, de €218.000,00.
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Em 2013, a Requerente não tinha crédito junto dos fornecedores e possuía conta bancária, mas não possuía depósitos à ordem ou a prazo.
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A Requerente não possuía, em 31-12-2012, as existências que constam do balanço, do montante de €279.000,00, nem as disponibilidades no montante de €218.000,00.
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A Requerente incorreu, ao longo dos tempos, em perdas que não reconheceu nas suas contas.
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Nos anos de 2012 e 2013, a Requerente declarou Custos com Existências Vendidas e Consumidas no montante de €61.954,73 e de €229.716,98, respectivamente.
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No ano de 2012, foram declaradas existências finais no valor de €279.302,50, e no ano de 2013, as existências iniciais declaradas foram nulas.
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As declarações periódicas de IVA entregues pela Requerente para o ano de 2013, mencionam os seguintes valores:
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Por documento particular de cessão de quotas, em 25-01-2013, as quotas da Requerente foram cedidas da seguinte forma:
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uma, no valor de €9.000, a E...;
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e outra, no valor de €1.000, a F... .
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Através de acordo escrito, com data de 25-01-2013, os sócios cessionários aceitaram o encargo e assumiram a obrigação relativamente a dívidas que a Requerente detinha perante fornecedores e outros credores, no valor total de €31.630,63.
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As quotas foram cedidas por preço igual ao valor nominal das mesmas, no montante de €10.000, “livres de ónus e encargos, com todos os correspondentes direitos e ou obrigações a ela inerentes”.
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No referido documento não é feita qualquer referência a suprimentos.
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Os cedentes mantinham, contabilisticamente, à data de 25-01-2013, crédito relativo a suprimentos sobre a empresa, no montante de €470.502,87.
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Após a cessão de quotas realizada em 25-02-2013, ocorreu uma autonomização das contabilidades afectas às duas gerências.
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No movimento de “abertura” da contabilidade” após a cessão de quotas, foram usados os valores constantes do balancete relativo ao mês de Janeiro de 2013, apresentado pela anterior gerência.
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No movimento de “abertura” o valor das existências finais em armazém, de €279.302,50 foi ignorado e anulado deixando, por isso, de figurar a débito na conta 32-Mercadorias em armazém e a soma do valor destas existências com o valor de €1.246,99 registado na conta 441-Goodwill, que também foi anulado, no total de €280.549,49 foi contabilizado, a débito, na conta 2532-suprimentos levando a que o saldo credor da mesma passasse de €470.502,67 para €189.953,18.
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Antes da cessão de quotas, em Janeiro de 2013, a conta 2532111- Suprimentos –B... foi contabilizada, a débito, pelo valor de €218.468,29, por contrapartida, a crédito, da conta 121 – Depósitos à ordem.
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A conta 2532111 – Suprimentos –B... apresentava, em 25-01-2013, saldo credor no montante de €470.502,67.
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A contabilidade da empresa, relativa ao ano de 2012, apenas foi entregue aos novos sócios e gerentes no decurso da acção inspectiva, infra referida.
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A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva de âmbito parcial, ao IRC do exercício de 2013, credenciada pela ordem de Serviço n.º OI2015....
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Em 24-05-2016, foi alterado o âmbito do procedimento inspectivo de parcial para geral.
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À data de início da acção inspectiva, a conta 263201 – Suprimentos –B... não reflectia qualquer registo contabilístico desde a data de 31-12-2013, mantendo o saldo credor de €189.953,16.
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No decurso da acção inspectiva, os serviços de inspecção notificaram o sócio-gerente cedente B... para prestar esclarecimentos e apresentar elementos, nomeadamente:
- identificar o valor das existências à data da cedência das quotas e, caso exista, enviar cópia do respectivo inventário;
- justificar a classificação atribuída a parte das existências identificadas no inventário de 31-12-2012 de “stock fora da validade/em más condições de consumo/estragados”;
- justificar o facto de tais existências estarem valoradas e de o valor que lhe corresponde se encontrar reflectido na contabilidade e nas declarações fiscais;
- sendo caso disso, apresentar elementos probatórios do destino dado àquelas existências, nomeadamente no que concerne a qualquer destruição e/ou inutilização em virtude de sinistros, deterioração e/ou obsolescência;
- identificar o valor dos suprimentos em dívida à data da cedência das quotas em 25-01-2013;
- descrever os efeitos da cessão de quotas sobre o saldo dos suprimentos em débito, ou seja, se os mesmos se mantêm ou se sobre os mesmos deixou de deter qualquer direito;
- identificar o valor dos suprimentos em dívida à data da cedência de quotas em 25-01-2013;
- esclarecer o alcance da expressão “lapso contabilístico”, nomeadamente quanto à responsabilidade pela elaboração do inventário final de existências subjacente ao lançamento contabilístico processado;
- identificar, para cada um dos sinistros e/ou eventos que estão na base dos documentos de indemnizações e/ou reparações que foram remetidos, as mercadorias deterioradas, juntando os documentos comprovativos;
- identificar os alegados eventos, passíveis de verificação pelos “registos contabilísticos”, que sustentem a existência de qualquer destruição e/ou inutilização de mercadorias em virtude de sinistros, deterioração e/ou obsolescência, juntando os documentos comprovativos;
- esclarecer se o crédito relativo aos suprimentos que detinha na empresa A..., Lda. foi cedido a terceiros, juntando documento comprovativo dessa operação;
- sendo caso disso, identificar o cessionário daquele crédito e o preço acordado, juntando documento comprovativo do valor recebido pelo mesmo.
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O sócio gerente cedente B... respondeu o seguinte:
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Os serviços de inspecção notificaram a Requerente, na pessoa do sócio-gerente cessionário E... para:
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descrever o processo negocial que envolveu a aquisição em 25-01-2013, das quotas que compõem o capital da empresa A..., Lda. e identificar os contornos que levaram à formação do preço da sua cedência, juntando os respectivos documentos comprovativos;
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contextualizar temporalmente as fases do processo negocial prévias à outorga da cedência das quotas no que concerne ao conhecimento da realidade associada à empresa A..., Lda. relativamente às rubricas de imobilizado, existências e débitos e relatar as negociações que envolveram esses aspectos, juntando os respectivos documentos comprovativos;
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informar se houve qualquer omissão/sonegação por parte dos anteriores sócios e/ou gerentes quanto à realidade patrimonial, financeira e/ou fiscal da empresa A..., Lda. juntando os respectivos documentos comprovativos;
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apresentar as razões para que a análise física do imobilizado e das existências apenas tenha ocorrido em data posterior à cedência das quotas, juntando os documentos comprovativos;
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identificar e valorar as existências consideradas como “não tendo qualidade para venda” e apresentar elementos probatórios do destino que lhes foi dado, nomeadamente no que concerne a qualquer destruição e/ou inutilização
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tendo sido informado que “o desreconhecimento dos activos e do resultado transitado absorveu o crédito que os sócios detinham na sociedade”, esclarecer os efeitos da cessão de quotas quanto aos suprimentos registados na conta 2532111 – Suprimentos – Dr. B..., no valor de €470.502,67, nomeadamente se os mesmos foram cedidos gratuitamente a alguns dos actuais detentores de capital ou se foram extintos.
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O sócio-gerente cessionário E... respondeu o seguinte:
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Em 01-07-2016, a Requerente foi notificada, através do Ofício n.º..., de 30-06-2016, do projecto de relatório de inspecção e para, querendo, exercer o seu direito de audição.
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A Requerente exerceu o direito de audição e pugnou pela não emissão, com fundamento em ilegalidade, dos actos tributários projectados.
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Em 01-08-2016, a Requerente foi notificada do relatório final de inspecção tributária, através do ofício n.º 2016... de 28-07-2016.
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A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2016... .
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A Requerente aderiu, em Dezembro de 2016, ao Programa Especial de Redução ao Endividamento do Estado (PERES), na modalidade de pagamento prestacional.
A.2. Factos dados como não provados
1- Os suprimentos constantes da contabilidade da Requerente a 25/01/2013 traduzem o nível das perdas efectivamente registadas ao longo dos 46 anos de vida da Requerente, não reveladas nos capitais próprios, em consequência da sobreavaliação dos ativos (existências e disponibilidades).
2- Em 31-12-2012, os prejuízos acumulados eram de €742.196,16, calculados da seguinte forma: Resultados transitados e do período (€245.023,85) + Perdas em inventários (€278.704,02) + disponibilidades (€218.468,29).
3- Estas perdas totais justificam o saldo da conta de “Empréstimos obtidos” de sócios, que à data de 31-12-2012 ascendia a €688.970,96.
4- Foram os sócios que ao longo dos anos “cobriram” o deficit anual de exploração.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal, e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Os factos dados como não provados decorrem, essencialmente, da insuficiência de prova a seu respeito. Com efeito, embora tenham sido afirmados de maneira genérica pelas testemunhas, julga-se que a certeza necessária a um juízo de prova com a precisão dos números indicados apenas poderia ser feita com o apoio de prova de documental, que não foi apresentada.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
A questão principal que se apresenta a decidir no presente processo arbitral prende-se com aferir da legalidade da correcção operada pela AT relativa ao exercício de 2013, correspondente a um acréscimo ao resultado líquido declarado pela Requerente naquele exercício do valor de € 470.502,67, tendo por base um perdão de dívida de suprimentos, naquele montante, da Requerente ao seu ex-sócio B... .
Cumpre, portanto, face aos factos dados como provados e não provados, e ao Direito aplicável, apurar se a correcção em crise assenta suficientemente, ou não, em fundamentos de facto e de direito que a legitimem.
Vejamos, então.
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Conforme resulta da matéria de facto, por documento particular de cessão de quotas, em 25-01-2013, as quotas da Requerente foram cedidas por B... e D..., respectivamente, a E... e a F..., tendo os cessionários aceite o encargo e assumido a obrigação relativamente a dívidas que a Requerente detinha perante fornecedores e outros credores, no valor total de €31.630,63.
Resulta também da matéria de facto provada que a conta 2532111 – Suprimentos – Dr. B... apresentava, em 25-01-2013, saldo credor no montante de €470.502,67.
É este valor que a AT considerou que foi objecto de perdão, integrante de uma variação patrimonial positiva a acrescer ao lucro tributável da Requerente, no referido exercício de 2013.
Ora, conforme é jurisprudência pacífica dos Tribunais superiores da jurisdição tributária, “Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.”[2].
É, portanto à luz do referido critério, que há que verificar se os factos constitutivos do direito à liquidação adicional se encontram demonstrados e, em caso de resposta afirmativa, se se encontram demonstrados factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação.
Nesta linha, haverá, então, que apurar, em primeiro lugar, se está demonstrada a ocorrência de uma variação patrimonial positiva, no montante de €470.502,67, no ano de 2013, correspondente a um perdão de crédito por suprimentos, naquele valor, do ex-sócio B... .
Não está, portanto, em causa nesta sede aferir ou valorar as manobras contabilísticas efectuadas pela Requerente após a cessão de quotas, nem a lisura da sua contabilidade, mormente no que diz respeito à contabilização de existências ou outras situações, de que a matéria de facto provada dá conta, a não ser na medida em que tenham relevo para a aferição daquela circunstância a demonstrar, ou seja, da ocorrência de um perdão de crédito por suprimentos, no valor de €470.502,67, efectuado pelo ex-sócio B..., em 2013.
Dentro deste parâmetros, e lido com a devida atenção o RIT que fundamenta a correcção contra a qual a Requerente se insurge, haverá que concluir que não se encontra demonstrada, para lá de qualquer dúvida razoável, a ocorrência do referido perdão de dívida.
Efectivamente, considerou o RIT que estaria evidenciado que:
i. o anterior sócio e gerente mantinha, à data de 25/01/2013, crédito, relativo a suprimentos, sobre a empresa A..., Lda., no montante de € 470.502,67;
ii. que tal crédito não foi cedido, gratuita ou onerosamente, a nenhum terceiro;
iii. tendo, ao invés, sido extinto com o negócio da cessão das quotas realizada em 25/01/2013.
Ora, ressalvado o respeito devido a opiniões contrárias, julga-se que não se encontra suficientemente fundado, para lá de qualquer dúvida razoável, a ocorrência de qualquer desses factos.
Assim, e desde logo, a AT concluiu pela verificação do primeiro facto, unicamente com base na contabilidade da Requerente, contabilidade essa que, conforme o RIT e a matéria de facto provada dá conta, se encontrava fortemente desorganizada, acumulando erros, imprecisões e omissões de várias décadas.
Tal circunstância transparece cristalinamente do RIT, onde se exarou que “a contabilidade (conta 2532111 - Suprimentos - Dr. B...) e as declarações fiscais ( campo A5698 do quadro 05111-A e campo A0672 do quadro 063 da IES ) da empresa A..., Lda. apontam para que B... tenha realizado, até ao fim do exercício de 2012, empréstimos, com a natureza de suprimentos, à sociedade da qual foi sócio e gerente até Janeiro de 2013, no valor global de € 688.970,96”, não tendo sido feito qualquer esforço de cruzamento dos dados contabilísticos com a realidade, nem sendo mencionada a conferência de quaisquer documentos de suporte, de modo a poder aferir se, efectivamente, o registo contabilístico em questão tem qualquer aderência à realidade, nem se justificando, minimamente, porque razão merecerá, nessa parte, a contabilidade da Requerente credibilidade, sobretudo quando é notório que a mesma não se encontraria organizada “de acordo com a legislação comercial e fiscal”.
Acresce que a indiferença evidenciada pelos intervenientes relativamente ao crédito de suprimentos em causa, que foi valorada pela AT como um indício ou evidência de que o mesmo teria sido perdoado (questão a que se voltará adiante), pode ser lida, até com mais pertinência, sobretudo quando conjugada com os termos e valores do contrato de cedência, como evidência de que o crédito em questão seria meramente contabilístico, para não dizer fictício, ou seja, que o mesmo não tenha na sua génese qualquer disponibilização efectiva de meios financeiros do sócio para a sociedade.
De resto, não se pode deixar de notar que a AT refute a anulação de valores de existências operada pela Requerente, por contrapartida do crédito de suprimentos, por “não ter ficado demonstrado que as mesmas tivessem sido transmitidas ou beneficiado o anterior sócio e gerente”, quando a própria AT não procurou, por qualquer forma, apurar se os suprimentos, cuja existência a correção que operou pressupõe directamente, correspondiam a efectivas prestações em benefício da sociedade tributada.
Conclui-se, deste modo, que a própria existência do crédito tido como perdoado pela AT, não está suficientemente sustentada, em termos de se poder concluir, para lá de qualquer dúvida razoável, pela sua verificação.
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De igual modo, julga-se que não se encontra suficientemente demonstrada a asserção de que o crédito de suprimentos em causa não foi cedido, gratuita ou onerosamente, a nenhum terceiro.
Com efeito, o que se constata é que a este respeito as declarações de cedente e cessionário são contraditórias.
Enquanto o cedente afirma peremptóriamente que os cedeu, o cessionário afirma que “Os vendedores não deram a conhecer aos compradores a existência de créditos a receber da sociedade (suprimentos), sem qualquer possibilidade de serem reembolsados por inexistência de bens activos que o permitissem” e que “O saldo registado na conta 2532111 - Suprimentos - Dr. B... foi por deliberação dos sócios cedentes utilizado para cobertura dos prejuízos apurados à data de cessão do montante atrás referido de € 742.794,64”.
Na apreciação das declarações em causa, deve-se, desde logo, atentar na sua desconformidade com a normalidade das coisas, já que é o cedente, ou seja, o detentor do suposto direito patrimonialmente valioso, a afirmar que se desfez dele, e o cessionário, que seria quem, supostamente, beneficiaria com tal cedência, a negar a mesma.
Ora, desde logo, o que daqui se retira é que nem uma nem outra das declarações merece especial credibilidade, denotando ambas terem sido influenciadas por outro tipo de considerações, que não a realidade ou efectividade da ocorrência de uma cessão de um crédito de suprimentos.
Por outro lado, considerando-se que não são merecedoras de credibilidade as referidas declarações, como fez a AT, não serão, de per si, as mesmas declarações aptas a provar o facto contrário, que foi a conclusão retirada pela AT.
Ou seja, e dito de outro modo: mesmo que as declarações do cedente no negócio de cessão de quotas, no sentido de que os suprimentos terão sido transmitidos com aquelas, não mereçam credibilidade, daí apenas será legítimo retirar que tais declarações não são aptas a provar que houve transmissão dos suprimentos, mas não que tal transmissão não ocorreu.
Do mesmo modo, mesmo que as declarações do cessionário, no sentido de que os suprimentos se terão mantido na titularidade do cedente das quotas não mereçam credibilidade, daí não se poderá retirar que o crédito de suprimentos tenha sido transmitido.
O mesmo se diga, de resto, relativamente à constatação do RIT, de que no “documento escrito de 25/01/2013 (...) não consta qualquer referência aos suprimentos”, de onde decorrerá que o mesmo documento não servirá para fazer prova de que ocorreu qualquer cessão, mas decorrerá, de igual forma, que tal documento não fará prova de que a cessão não ocorreu.
Na mesma linha, refere-se no RIT que “Nos débitos assumidos pela nova gerência não se encontra qualquer valor respeitante aos suprimentos em divida ao anterior sócio e gerente B... .”. Ora, tal afirmação nada importará para o assunto em questão, desde logo porque a assunção de débitos pelos cedentes não relevará, sob qualquer perspectiva, para a questão sub iudice, já que o que se questiona é a ocorrência, ou não, de uma aquisição de créditos. A ter existido a sugerida assunção de débitos relativamente aos suprimentos registados em nome do sócio cedente B..., ela confirmaria a hipótese propugnada pela AT. Ao não ter existido, nada se pode concluir, e se alguma coisa se pudesse seria, à luz da lógica da RIT, a de que não foram assumidos pelos cessionários os débitos correspondentes aos suprimentos registados a favor do sócio cedente, justamente porque este os cedeu conjuntamente com as quotas.
Por outro lado, o próprio RIT dá conta de que “após a cessão de quotas, no movimento de “abertura” da “nova” contabilidade, a conta 253201 - Suprimentos – B...( = à conta 2532111 na anterior contabilidade ) foi movimentada, a crédito, no valor de € 470.502,67 ( equivalente ao valor reflectido no balancete da anterior gerência ), mas também foi movimentada a débito, no valor de € 280.549,49, como forma de anular os saldos existentes, à data de 25/01/2013, na conta 3211 - Existência Final, no valor de € 279.302,50, e na conta 441 - Goodwill, no valor de € 1.246,99.”.
Ora, esta circunstância colide frontalmente com a conclusão de que os novos sócios desconheceriam a existência dos suprimentos em causa, já que os mesmos foram transferidos para a “nova” contabilidade, o que não emerge como tendo sido ponderado no RIT, enfraquecendo, consequentemente, as declarações do cessionário nesta matéria, que foram especialmente valoradas pela AT, e reforçando as declarações do cedente, que foram por aquela desvalorizadas.
Assim, e em suma, no que a esta matéria diz respeito, o que se constata é uma contradição entre os vários meios de prova recolhidos, em termos de não se poder retirar uma conclusão definitiva sobre se ocorreu, ou não, cessão de créditos.
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Se, em relação à existência de suprimentos a favor do sócio cedente B..., no montante de € 470.502,67, à data de 25/01/2013, e à circunstância de tal crédito, existindo, não ter sido cedido, se deverá, nos termos acima desenvolvidos, concluir por uma situação de dúvida, que nos termos das regras do ónus da prova e do disposto no art.º 100.º/1 do CPPT sempre conduziriam à anulação da correcção assente em tais factos, relativamente à circunstância, essa sim verdadeiramente nuclear para a legalidade da correcção sub iudice, de que o crédito de suprimentos referido terá sido extinto com o negócio da cessão das quotas realizado em 25/01/2013, dever-se-á concluir que inexiste no RIT qualquer elemento que a permita confirmar, reduzindo-se tal circunstância a mera suspeita ou suposição.
Assim, e desde logo, verifica-se que nesta matéria a AT seguiu uma metodologia que não pode ser acolhida, por se reconduzir a uma efectiva inversão do ónus da prova, consistente em aventar uma hipótese, e remeter-se à infirmação da argumentação que lhe foi sendo apresentada, em sentido oposto, pelo sujeito passivo.
Ora, retomando o que de alguma forma já atrás se foi dizendo, a circunstância de determinada prova ser inconsistente ou inverosímil, ou de determinada alegação não ser, ou ser insuficientemente, provada, não legitima que se considerem provados os factos inversos ou contrários.
Voltando ao caso concreto, julga-se que o RIT é vazio de qualquer prova de que o crédito em questão haja sido extinto com o negócio da cessão das quotas realizada em 25/01/2013.
Assim, e retomando uma consideração já atrás transcrita, a constatação do RIT de que “Nos débitos assumidos pela nova gerência não se encontra qualquer valor respeitante aos suprimentos em divida ao anterior sócio e gerente B....”, nada permite concluir quanto a tal ter ocorrido por o crédito de suprimentos ter sido extinto, sendo certo que a circunstância referida será, pelo menos, tão compatível com a extinção do crédito de suprimentos, como com a sua cessão aos adquirentes das quotas, como, inclusive, com a sua manutenção na esfera do anterior sócio, já que sendo um débito da sociedade, não decorre, por qualquer forma, antes pelo contrário, que mantendo-se o crédito de suprimentos na esfera do cedente, os cessionários se houvessem de responsabilizar pelo mesmo.
Ainda retomando passagens do RIT já anteriormente realçadas, daquele consta que “após a cessão de quotas, no movimento de “abertura” da “nova” contabilidade, a conta 253201 - Suprimentos – B... ( = à conta 2532111 na anterior contabilidade ) foi movimentada, a crédito, no valor de € 470.502,67 ( equivalente ao valor reflectido no balancete da anterior gerência ), mas também foi movimentada a débito, no valor de € 280.549,49, como forma de anular os saldos existentes, à data de 25/01/2013, na conta 3211 - Existência Final, no valor de € 279.302,50, e na conta 441 - Goodwill, no valor de € 1.246,99.”, e “que à data de início da presente acção inspectiva a conta 253201 - Suprimentos – B... não reflectia qualquer registo contabilístico desde a data de 31/12/2013 mantendo o saldo credor de € 189.953,18”.
Ora, esta circunstância é também ela incompatível com a extinção do crédito de suprimentos a 25/01/2013, porfiada no RIT, sendo que a este respeito se limita ali a dizer, como também já se apontou, “não ter ficado demonstrado que as mesmas tivessem sido transmitidas ou beneficiado o anterior sócio e gerente”, quando é evidente que tal circunstância, se é susceptível de legitimar dúvidas acerca do acerto do movimento contabilístico, não infirma, por qualquer forma, que, à data, o crédito de suprimentos era tratado como estando activo e vigente, e não extinto.
Nada relevará, igualmente, no sentido de demonstrar a putativa extinção, por perdão, do crédito de suprimentos em questão, a circunstância de, nas palavras dos adquirentes, corroboradas pelos termos do negócio, o crédito de suprimentos do cedente B... não ter sido considerado para efeitos de fixação do valor do negócio, já que tal ocorreu, comprovadamente da mesma forma, com outros registos contabilísticos, como sejam o imobilizado ou o inventário, apenas se podendo retirar das circunstâncias referidas a constatação que o negócio foi encarado de um ponto de vista estritamente prático, abstraindo de registos contabilísticos que não encontrassem, na realidade, qualquer consistência patrimonial efectiva, sendo por isso desprovida de qualquer adesão à normalidade das coisas a asserção do RIT de que a “cessão de quotas (...) realizada pelo preço de € 10.000,00 “ ... livre de ónus e encargos, com todos os correspondentes direitos e ou obrigações a ela inerentes ... “, (...) face ao valor envolvido e às condições expostas, por si só, seria indicador suficiente para concluir que os créditos relativos a suprimentos haviam sido extintos”.
Tudo o quanto vem de se expor, todavia, justifica-se unicamente por um dever pedagógico, já que, no limite, e como se verá de seguida, o próprio RIT assume como dados factos que inviabilizam, inexoravelmente a conclusão em que assentam as correcções que determinou, de o crédito, relativo a suprimentos, sobre a empresa A..., Lda., no montante de € 470.502,67, que o anterior sócio e gerente mantinha, à data de 25/01/2013, foi extinto com o negócio da cessão das quotas realizado em 25/01/2013.
Efectivamente, pode ler-se no RIT que “os elementos recolhidos apontam para que a informação relativa aos suprimentos em dívida à data da cessão de quotas apenas tenha chegado ao conhecimento dos novos sócios e gerentes da empresa em Julho de 2014, o que, logicamente, se revê nas informações que estes prestaram, em sentido contrário às alegações do anterior sócio e gerente e sem nunca se referirem à cedência, seja onerosa ou gratuita, do débito em causa.”.
Passando, por cima da imprecisão que não estaria em causa a cessão de um débito, mas de um crédito (o que se discute é a cessão do crédito de suprimentos do anterior para o novo sócio, e não do débito correspondente da sociedade para quem quer que seja), assume, reafirmadamente, o RIT que os novos sócios e gerentes da Requerente apenas terão tido conhecimento da “informação relativa aos suprimentos em dívida à data da cessão de quotas”, em Julho de 2014.
Ora, conforme se escreveu no Acórdão proferido no processo arbitral 487/2017-T, do CAAD[3], “O perdão de suprimentos pode, ou não, ser uma liberalidade, consoante a contrapartida se integre, ou não, no negócio de alienação das participações sociais e seja, ou não, uma das parcelas do valor subjacente ao cálculo do preço correspondente.”.
Assim, caso se considere – o que a AT não faz explicitamente – o perdão de dívida em questão como uma liberalidade, dispõe o art.º 863.º do Código Civil que:
“1. O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor.
2. Quando tiver o carácter de liberalidade, a remissão por negócio entre vivos é havida como doação, na conformidade dos artigos 940.º e seguintes.”.
E dispõe o art.º 945.º do mesmo Código:
“1. A proposta de doação caduca, se não for aceita em vida do doador.
2. A tradição para o donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada, ou do seu título representativo, é havida como aceitação.
3. Se a proposta não for aceita no próprio acto ou não se verificar a tradição nos termos do número anterior, a aceitação deve obedecer à forma prescrita no artigo 947.º e ser declarada ao doador, sob pena de não produzir os seus efeitos.”.
Por fim, dispõe o art.º 947.º também do Código Civil que:
“A doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada de tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito.”
Da conjugação dos normativos referidos resulta que o perdão de dívida, com caracter de liberalidade, carece de aceitação do destinatário e deve ser feito por escrito.
Como se explica no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-03-2006, proferido no processo 3900/05:
“I – A renúncia e a remissão de dívida são negócios distintos: a renúncia, enquanto negócio jurídico unilateral, não é reconhecida, em termos gerais e no domínio das obrigações, como causa de extinção de créditos.
II – No âmbito das relações creditórias deve falar-se, com maior rigor técnico-jurídico, em remitir uma dívida, para o que se torna necessário o consentimento do devedor, conforme dispõe o artº 863º, nº 1, do C. Civ.”
No mesmo sentido, entre outros, pode ver-se o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-12-2013, que refere que “A remissão é uma figura privativa nas relações creditórias que tem natureza contratual, exigindo o consentimento – aceitação – do devedor. Estando em causa um crédito de honorários não pode falar-se de renúncia, mas antes de remissão ou perdão que, para operar, carece da aceitação do devedor.”.
Ora, no caso, não só não existe, confessadamente, qualquer escrito que corporize o considerado, pela AT, perdão do crédito relativo a suprimentos sobre a empresa A..., Lda., no montante de € 470.502,67, que o anterior sócio e gerente mantinha, à data de 25/01/2013, aquando do negócio da cessão das quotas realizada em 25/01/2013, como, face aos factos dados como assentes pelo próprio RIT, não houve, nem nessa data, nem durante o restante ano de 2013, qualquer aceitação do putativo perdão, dado que, sempre segundo o RIT, os sócios e gerentes da Requerente apenas terão tido conhecimento da “informação relativa aos suprimentos em dívida à data da cessão de quotas”, em Julho de 2014.
Ou seja: se, conforme considerou o RIT, os novos sócios e gerentes da Requerente apenas terão tido conhecimento da “informação relativa aos suprimentos em dívida à data da cessão de quotas”, em Julho de 2014, não poderão ter aceite um perdão do crédito relativo aos mesmos, no ano de 2013.
Por outro lado, e caso se considere não estar em causa uma liberalidade, por o perdão de dívida aventado constituir uma contrapartida que se integra “no negócio de alienação das participações sociais e seja, ou não, uma das parcelas do valor subjacente ao cálculo do preço correspondente.”, também não se poderá concluir pela sua verificação – no quadro dos factos em que assenta o RIT – no ano de 2013, uma vez que, como se viu, ali se deu por assente que os novos sócios e gerentes da Requerente apenas terão tido conhecimento da “informação relativa aos suprimentos em dívida à data da cessão de quotas”, em Julho de 2014, pelo que em caso algum se poderá, face a tal circunstância em que objectivamente assenta a correcção sub iudice, considerar que o perdão de dívida considerado pela AT se integrou no negócio de alienação das participações sociais, constituindo uma das parcelas do valor subjacente ao cálculo do preço correspondente, dado que se os adquirentes não tinham conhecimento – segundo o próprio RIT – da existência dos suprimentos em causa, não o poderão ter integrado no preço do negócio.
Deste modo, repete-se, face à própria fundamentação do RIT, em caso algum se poderá ter como ocorrido no exercício de 2013 uma variação patrimonial positiva na esfera da Requerente, no valor de € 470.502,67, decorrente um perdão de dívida de suprimentos, naquele montante, pelo seu ex-sócio B... .
Tanto bastará, para que se considere a correcção operada pela AT, e ora contestada pela Requerente, como eivada de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, determinante da sua anulação, determinando, assim, a procedência do pedido arbitral.
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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Com efeito, dispõe aquele artigo 43.º/1 da LGT que:
“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
No caso, os erros que afectam os actos tributários anulados são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que os praticou, indevidamente, por sua iniciativa, incorrendo nos erros de facto e de direito acima assinalados.
Tem, pois, a Requerente direito a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT, desde a data do pagamento indevido, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
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Anular a liquidação adicional de IRC n.º 2016..., no valor de €135.423,06 e a correspondente liquidação de juros compensatórios, no valor de €10.739,83, relativas ao exercício de 2013, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve aquelas correcções, e o imposto com base nelas liquidado, como objecto;
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Condenar a AT no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, nos termos acima determinados;
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Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 135.423,06, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de Dezembro de 2018
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Jorge Bacelar Gouveia)
O Árbitro Vogal
(Luís Menezes Leitão)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[2] Ac. do TCA-Norte de 15-11-2013, proferido no processo 00201/06.8BEPNF.