Decisão Arbitral
I - Relatório
1. A..., contribuinte n.º..., e B..., contribuinte n.º..., casados, ambos com domicílio fiscal na Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa (doravante designados por “Requerentes”) apresentaram, em 21-03-2018, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pedido de pronúncia arbitral no qual solicitam a anulação do ato tributário de liquidação n.º 2017..., do IRS relativo ao período de tributação de 2016, e consequentemente o reembolso do valor indevidamente pago, no montante de € 25.140,05, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal.
2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 21-03-2018.
4. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.
5. As partes foram notificadas, em 11-05-2018, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 01-06-2018.
7. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 12-06-2018, apresentou, em 27-07-2018, a sua Resposta e remeteu, em 30-07-2018, o Processo Administrativo.
8. O Tribunal Arbitral por despacho, de 23-08-2018, determinou: (i) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (artigos 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT), atendendo a que não foi invocada matéria de exceção, nem suscitadas questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido; (ii) determinar o prazo simultâneo de 10 dias para as partes, se pretenderem, proferirem alegações escritas; (iii) designar o dia 27 de Setembro como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
9. Os Requerentes apresentaram as suas alegações em 10-09-2018. A Requerida não apresentou alegações.
10. A posição dos Requerentes, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações escritas, é, em síntese, a seguinte:
10.1. Os Requerentes não concordam com o entendimento constante da nota de liquidação supra identificada no que diz respeito ao método de aplicação da sobretaxa de IRS aos rendimentos do trabalho dependente auferidos pelo Requerente pelo exercício de atividade de alto valor acrescentado.
10.2. De acordo com o n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 159-D/2015, de 30 de dezembro, a sobretaxa aplicável aos rendimentos auferidos em 2016 incide “(…) sobre a parte do rendimento coletável de IRS que resulte do englobamento nos termos do artigo 22.º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, acrescido dos rendimentos sujeitos às taxas especiais constantes dos n.ºs 3,6, 11 e 12 do artigo 72.º do mesmo Código, auferido por sujeitos passivos residentes em território português, que exceda, por sujeito passivo, o valor anual da retribuição mínima mensal garantida”.
10.3. Uma vez determinado o valor ao qual deve aplicar-se a taxa de sobretaxa (i.e a base de incidência), cumpre determinar a taxa de sobretaxa concretamente aplicável. Resulta claro do disposto no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 159-D/2015, de 30 de dezembro que a taxa de sobretaxa aplicável varia em função do montante do rendimento coletável, sendo esta a única variável a considerar para efeitos de determinação da taxa de sobretaxa aplicável.
10.4. Existe uma diferença entre, por um lado, o rendimento sobre o qual incide a sobretaxa (i.e. rendimento coletável acrescido dos rendimentos aos quais se apliquem determinadas taxas especiais) e, por outro, o rendimento relevante para efeitos da determinação da taxa de sobretaxa aplicável (i.e. rendimento coletável).
10.5. Estando a taxa de sobretaxa aplicável inteiramente dependente do montante do rendimento coletável e sendo este, no caso sub judice, € 0,00, não resta outra conclusão que não seja a de que a taxa de sobretaxa aplicável é de 0%.
10.6. Assim, sendo aplicável a taxa de 0%, independentemente da base de incidência, não será devido qualquer valor a título de sobretaxa de IRS, em virtude da regra da absorção da multiplicação.
10.7. Constata-se que a demonstração de liquidação em causa assenta em erro sobre os pressupostos de fato e de direito, designadamente no que se refere à forma de determinação da sobretaxa extraordinária aos rendimentos do trabalho dependente obtidos no âmbito de uma atividade de elevado valor acrescentado. Nesta conformidade deverá a Requerida proceder ao pagamento do restante reembolso, uma vez que este montante foi reembolsado por defeito.
10.8. Deverá ainda ser ordenada à Requerida o pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos nos termos do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.
11. A posição da Requerida, expressa na Resposta, pode ser sintetizada no seguinte:
11.1. À data de 31/12/2016, o Requerente tinha o estatuto de residente não habitual em Portugal, ou seja, para efeitos de imposto sobre o rendimento, no que concerne ao ano de 2016, o Requerente estava sujeito à taxa especial prevista no nº 6 do artigo 72.º do Código do IRS (a seguir “CIRS”).
11.2. Mas o facto do Requerente ter o estatuto de residente não habitual em Portugal, não significa – como se dispõe no artigo 16.º do CIRS - que não seja residente em Portugal. Com efeito, o estatuto de residente não habitual permite aos respetivos sujeitos passivos uma tributação diferente da que decorre do estatuto de residente, tributação aquela que, no caso de rendimentos decorrentes de atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, resulta da aplicação de uma taxa especial prevista no artigo 72.º, n.º 6, do CIRS (taxa de 20%).
11.3. Por seu turno, a sobretaxa extraordinária, em sede de IRS foi aprovada, com carácter temporário, pela Lei n.º 49/2011.
11.4. No que concerne ao ano de 2016, a sobretaxa manteve-se em vigor, sendo que, por força da Lei n.º 159-D/2015, e atento o propósito do legislador de extinguir a sobretaxa, o rendimento a tributar, ficou limitado aos rendimentos inferiores a 7.070,00€, mantendo-se a taxa de 3,50% para os rendimentos superiores a 80.000,00€.
11.5. Contudo, a realidade do rendimento sobre que incide a sobretaxa, não foi alterada com a Lei n.º 159-D/2015, que, aliás, deixou isso expresso no seu artigo 3.º (tal como o tinha feito no artigo 72.º-A do CIRS) – rendimento coletável acrescido dos rendimentos sujeitos às taxas especiais constantes dos nºs. 3, 6, 11 e 12 do artigo 72.º do CIRS.
11.6. A sobretaxa incide, ou melhor, incidia, sobre o rendimento coletável acrescido dos rendimentos sujeitos às taxas especiais constantes dos nºs 3, 6, 11 e 12 do artigo 72º do CIRS – este era o regime à data da entrada em vigor da Lei que aprovou a sobretaxa (Lei nº 49/2011) e era este o regime aplicável aos rendimentos auferidos em 2016 (Lei nº 159-D/2015).
11.7. No caso concreto, e dentro do quadro legal definido pelos mencionados normativos (uma vez que o rendimento coletável é “0,00€”, aos rendimentos dos Requerentes sujeitos à taxa especial de 20%, nos termos do n.º 6 do artigo72.º do CIRS, após as deduções das contribuições para a segurança social e dos valores anuais da retribuição mínima garantida, como os Requerentes entregaram uma declaração conjunta, o valor é multiplicado por dois), foi aplicada a sobretaxa, nos termos constantes do artigo 2.º da Lei nº 159-D/2015 – a qual é devida e foi bem aplicada.
11.8. Razão pela qual não há lugar ao pagamento pela AT de quaisquer juros indemnizatórios.
II - Saneamento
12. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades.
Não foram suscitadas exceções.
Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
III - Mérito
III.1. Matéria de facto
13. Factos provados
13.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
-
O Requerente está inscrito como Residente Não Habitual, período de 2013 a 2022; País de Residência Estrangeira: Brasil; Comprovativo de Residência Estrangeira: Certificado de residência, (conforme Situação Cadastral Atual, de 23-04-2018, Sistema de Gestão e Registo dos Contribuintes, a fls. 24 do Processo Administrativo e Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral, documentos que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).
-
O Requerente está inscrito nas seguintes atividades de elevado valor acrescentado: (i) Engenheiros (Código Atividade 102), desde 28-11-2016; (ii) Quadros Superiores de Empresas (Código Atividade 802), desde 01-01-2013 (conforme Situação Cadastral Atual, de 23-04-2018, Sistema de Gestão e Registo dos Contribuintes, a fls. 24 do Processo Administrativo e Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral. Vd., Portaria n.º 12/2010 de 7 de Janeiro, que aprovou a tabela de atividades de elevado valor acrescentado)
-
O Requerente no ano de 2016 desempenhou uma atividade de elevado valor acrescentado como Quadro Superior de Empresa na C... S. A., contribuinte fiscal n.º..., tendo auferido o rendimento de € 773.858,10 (conforme Declaração da C... S.A., de 20-01-2017, relativa ao ano de 2016, emitida ao abrigo do artigo 119.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, que consta como Documento n.º 3 anexo ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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Os Requerentes na qualidade de residentes fiscais em Portugal procederam à entrega, em 17-08-2017, da Declaração de Rendimentos – IRS – Modelo 3 relativa ao ano de 2016 (conforme Documento n.º 4 anexo ao pedido de pronuncia arbitral, e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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Na Declaração de Rendimentos, identificada na alínea anterior, os Requerentes inscreveram os montantes seguintes:(i) €773.858,10 rendimento de trabalho dependente obtido em território nacional – código de atividade 102 - Engenheiros; (ii) €263.669,00 retenção na fonte, a título de IRS; (iii) €27.198,74 contribuições para a segurança social; (iv) €16.689,00 retenção da Sobretaxa (vd., Anexo A – Quadro 4 A e Anexo L – Quadro 4 A da Declaração de Rendimentos – IRS – Modelo 3 que consta como Documento n.º 4 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).
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Os Requerentes foram notificados do ato de liquidação de IRS n.º 2017..., de 2017-08-18, relativo ao período de 2016-01-01 a 2016-12-31, através do Documento n.º 2017... (conforme Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral, e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
-
No Documento de Demonstração de Liquidação do IRS, referido na alínea anterior, constam os seguintes valores (conforme Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).
1- Rendimento global
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0,00
|
2- Deduções específicas
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0,00
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3- Perdas a recuperar
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0,00
|
4- Abatimentos
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0,00
|
5- Deduções ao rendimento
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0,00
|
6- Rendimento coletável
|
0,00
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7- Quociente rendimento anos anteriores/Propriedade intelectual
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0,00
|
8- Rendimentos isentos englobados para determinação da taxa
|
0,00
|
9- Total do rendimento para determinação da taxa
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0,00
|
10- Quociente familiar
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-----------------------------------------
|
11- Importância apurada
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0,00
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12- Parcela a abater
|
0,00
|
13- Imposto anos anteriores/Propriedade intelectual
|
0,00
|
14- Imposto correspondente a rendimentos isentos
|
0,00
|
15- Taxa adicional
|
0,00
|
16- Excesso em relação ao limite de quociente familiar
|
|
17- Imposto relativo a tributações autónomas
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149.331,87
|
18- Coleta total
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149.331,87
|
19- Deduções à coleta
|
0,00
|
20- Benefício municipal
|
0,00
|
21- Acréscimos à coleta
|
0,00
|
22- Coleta líquida
|
149.331,87
|
23- Pagamentos por conta
|
0,00
|
24- Retenções na fonte
|
263.669,00
|
25- Imposto apurado
|
114.337,13
|
26- Juros de retenção poupança
|
0,00
|
27- Sobretaxa resultado
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8.924,68
|
28- Juros compensatórios
|
0,00
|
29- Juros indemnizatórios
|
473,63
|
Valor a Reembolsar
|
105.886,08
|
-
No Documento identificado na alínea F) constam relativamente à sobretaxa os seguintes valores (conforme Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral):
Base
|
€ 731.819,36 Taxa de 3,5% = € 25.613,68
|
Deduções
|
0,00
|
Retenção na Fonte
|
€ 16.689,00
|
Resultado
|
€ 8.924,68
|
-
O montante de € 105.886,08, relativo ao reembolso do IRS de 2016, foi transferido para os Requerente em 15-12-2017 (vd., Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).
-
Os Requerentes não apresentaram reclamação graciosa da liquidação (vd., Informação do Serviço de Finanças Lisboa..., de 23-04-2018, a fls. 30 do Processo Administrativo).
13.2. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
13.3. Fundamentação da matéria de facto
Quanto à matéria de facto dada como provada a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação da prova documental junta aos autos, cuja autenticidade não foi colocada em causa, bem como na análise do processo administrativo remetido pela Requerida.
III.2. Matéria de Direito
14. A questão em causa nos presentes autos arbitrais consiste em saber como deve ser calculada a sobretaxa de IRS relativamente aos residentes não habituais que exerçam atividade de elevado valor acrescentado.
Os Requerentes consideram que o rendimento relevante para efeitos da determinação da taxa da sobretaxa de IRS é apenas o rendimento coletável. Contrariamente, a Requerida entende que é o rendimento coletável acrescido dos rendimentos sujeitos às taxas especiais previstas nos n.ºs 3, 6, 11 e 12 do artigo 72.º do CIRS.
Cumpre apreciar.
15. Importa começar por fixar o enquadramento legal da sobretaxa de IRS.
15.1. A Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, criou a sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos no ano de 2011. A referida Lei aditou ao CIRS os artigos 72.º-A e 99.º-A.
Os n.ºs 1 e 2 do artigo 72.º-A do CIRS têm o seguinte teor:
“1 — Sobre a parte do rendimento colectável de IRS que resulte do englobamento nos termos do artigo 22.º, acrescido dos rendimentos sujeitos às taxas especiais constantes dos n.ºs 3, 4, 6 e 10 do artigo 72.º, auferido por sujeitos passivos residentes em território português, que exceda, por sujeito passivo, o valor anual da retribuição mínima mensal garantida, incide a sobretaxa extraordinária de 3,5 %.
2 — À colecta da sobretaxa extraordinária são deduzidas apenas:
a) 2,5% do valor da retribuição mínima mensal garantida por cada dependente ou afilhado civil que não seja sujeito passivo de IRS;
b) As importâncias retidas nos termos do artigo 99.º-A, que, quando superiores à sobretaxa devida, conferem direito ao reembolso da diferença.
(…)”
15.2. De acordo com o artigo 2.º, n.º 3, da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, a sobretaxa foi criada para vigorar apenas no ano de 2011.
A Lei do Orçamento do Estado para 2013, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, no artigo 187.º consagrou a sobretaxa em sede de IRS não em aditamento ao CIRS, mas em norma da própria lei do orçamento. O mesmo sucedeu no ano de 2014, através do artigo 176.º da Lei n.º 82 -C/2013, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento do Estado para 2014, e no ano de 2015, através do artigo 191.º da Lei 83-B/2014, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento do Estado para 2015.
15.3. A Lei n.º 159-D/2015, de 30 de dezembro, determina a extinção da sobretaxa nos seguintes termos:
“Artigo 2.º
Extinção da sobretaxa
1 — A sobretaxa prevista no artigo anterior deixa de incidir sobre os rendimentos auferidos a partir de 1 de janeiro de 2017.
2 — Para os rendimentos auferidos em 2016, a sobretaxa aplicável observa o disposto na tabela seguinte:
Rendimento coletável
(euros)
|
Taxa
(percentagem)
|
Até 7 070
|
0
|
De mais de 7 070 até 20 000
|
1
|
De mais de 20 000 até 40 000
|
1,75
|
De mais de 40 000 até 80 000
|
3
|
Superior a 80 000
|
3,5
|
Artigo 3.º
Regime aplicável
1 — As taxas previstas no artigo anterior incidem sobre a parte do rendimento coletável de IRS que resulte do englobamento nos termos do artigo 22.º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 442 -A/88, de 30 de novembro, acrescido dos rendimentos sujeitos às taxas especiais constantes dos n.os 3, 6, 11 e 12 do artigo 72.º do mesmo Código, auferido por sujeitos passivos residentes em território português, que exceda, por sujeito passivo, o valor anual da retribuição mínima mensal garantida.
2 — À coleta da sobretaxa são deduzidas apenas, até à respetiva concorrência:
a) 2,5 % do valor da retribuição mínima mensal garantida por cada dependente ou afilhado civil que não seja sujeito passivo de IRS;
b) As importâncias retidas nos termos dos n.os 8 a 10, que, quando superiores à sobretaxa devida, após a dedução prevista na alínea anterior, conferem direito ao reembolso da diferença.
(…)”
16. Resulta da matéria provada que o Requerente, no ano de 2016, tinha o estatuto de residente não habitual, estava inscrito numa atividade de elevado valor acrescentado (Quadro Superior de Empresa) e auferiu rendimento proveniente dessa atividade (vd., alíneas A) e B) e C) do n.º 13.1. infra). Cabe, desde já, referir o respetivo enquadramento legal.
16.1. O regime fiscal de residente não habitual, em sede de IRS, foi introduzido no ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de Setembro.
16.2. O artigo 16.º do CIRS, sob a epígrafe “Residência fiscal”, com a redação em vigor à data da prática dos factos, estabelecia o seguinte:
“8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.”
16.3. O artigo 72.º do CIRS, sob a epígrafe “Taxas especiais”, no n.º 6, com a redação em vigor à data da prática dos factos, dispunha o seguinte:
“6 - Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em actividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %.”
16.4. Em complemento ao regime estabelecido pelo CIRS, foi publicada a Portaria 12/2010, de 7 de janeiro, que aprovou a tabela de atividades de elevado valor acrescentado, para efeitos do disposto no artigo 72.º, n.º 6, e no artigo 81.º, n.º 4, do CIRS. Segundo a tabela anexa à Portaria, a mesma aplica-se a “Quadros Superiores de Empresas” sendo atribuído o código 802 à referida atividade.
17. Os rendimentos declarados pelo Requerente em 2016, resultantes do exercício de uma atividade de elevado valor acrescentado, ficam sujeitos a tributação em IRS à taxa especial prevista no n.º 6 do artigo 72.º do CIRS.
O n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 159-D/2015, de 30 de dezembro, estabelece expressamente que as taxas previstas no seu artigo 2.º, ou seja, as taxas da sobretaxa, constante da tabela aplicável aos rendimentos auferidos em 2016, incidem não só sobre a parte do rendimento coletável de IRS que resulte do englobamento, mas também sobre os rendimentos sujeitos às taxas especiais, nomeadamente o constante do n.º 6 do artigo 72.º do CIRS.
Assim, o legislador foi muito claro a determinar que as taxas da sobretaxa de IRS incidem também sobre os rendimentos sujeitos as taxas especiais. Consequentemente, as taxas da sobretaxa incidem sobre o rendimento coletável resultante do englobamento, “acrescido”, na terminologia utilizada pelo legislador, dos rendimentos sujeitos a taxas especiais. Este sentido, que resulta das normas legais supra citadas, respeita integralmente o disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, acerca da interpretação da lei fiscal.
18. Atendendo à factualidade objeto dos presentes autos arbitrais (vd., alíneas E), F), G) e H) do n.º 13.1. supra) o rendimento coletável é de 0,00%, mas existiram rendimentos sujeitos à taxa especial de 20%, prevista no n.º 6 do artigo 72.º do CIRS, relativamente aos quais deve incidir a taxa da sobretaxa, nos termos dos artigos 3.º, n.º 1, e 2.º, n.º 2, da Lei n.º 159-D/2015, de 30 de dezembro.
19. Importa acrescentar que a criação da sobretaxa surge fundamentada nas exigências de cumprimento do défice orçamental, no âmbito do PAEF, acordado com as instituições europeias e com FMI e vigora sucessivamente devido ao contexto das finanças públicas nacionais, marcado pela necessidade de obtenção de receita fiscal adicional[1]. A sobretaxa foi uma medida fiscal inserida num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental com a preocupação de reforçar o chamado princípio da equidade social no programa de ajustamento.
Neste contexto, seria muito questionável que os Requerentes já beneficiários de um regime fiscal muito favorável, devido ao estatuto de residente habitual e ao exercício de atividade de elevado valor acrescentado, quando comparado com os restantes contribuintes, obtivessem ainda uma ampliação das vantagens fiscais a nível da sobretaxa. Aliás, a posição defendida pelos Requerentes é suscetível de violar princípios constitucionais ao aprofundar uma diferenciação de tratamento, com os demais contribuintes, que não é razoável e objetivamente fundada[2].
20. De acordo com o exposto, os Requerentes foram sujeitos à tributação na sobretaxa do IRS nos exatos termos da lei e não se verificou qualquer desrespeito pelo princípio constitucional da legalidade tributária.
Em suma, a sobretaxa relativa ao ano de 2016 foi aplicada pela AT de acordo com o disposto na lei, não assentando em erro sobre os pressupostos de fato e de direito.
21. Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a questão da ilegalidade da liquidação. Dependendo o reembolso e os juros indemnizatórios da existência de um erro do Fisco que determine o pagamento indevido, como resulta do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, a improcedência do pedido principal relativo à anulação da liquidação implica a improcedência dos pedidos consequentes.
IV - Decisão
Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, absolver a Requerida do pedido, com as devidas consequências legais.
V - Valor do Processo
Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 25.140,05 (vinte e cinco mil, cento e quarenta euros e cinco cêntimos).
VI - Custas
Custas a cargo dos Requerentes, no montante de € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 28 de setembro de 2018
O Árbitro
Olívio Mota Amador
[1] A este respeito vd., n.º 108 do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2013
[2] J.C. Vieira de Andrade - Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299)