DECISÃO ARBITRAL [1]
O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 17 de Maio de 2017, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A..., Lda., contribuinte nº..., com sede na Rua ..., nº..., na Amadora (doravante designada por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular no dia 9 de Fevereiro de 2018, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. No pedido arbitral apresentado, entende a Requerente que não existe qualquer fundamento para ter sido notificada das seguintes liquidações relativas ao ano 2014:
1.2.1. Liquidações emitidas em matéria de IVA, no total de EUR 25.424,23, como a seguir se identificam:
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Liquidação nº 2017..., no montante de EUR 11.910,62;
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Liquidação nº 2017..., no montante de EUR 1.292,22;
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Liquidação nº 2017..., no montante de EUR 10.926,93;[2]
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Liquidação nº 2017..., no montante de EUR 1.294,46.
1.2.2. Liquidação nº 2017..., no montante de EUR 1.446,71, emitida em matéria de IRC.
1.3. Adicionalmente, no mesmo pedido, entende a Requerente que é “(…) de relevar a aplicação de coima” no que diz respeito “(…) à utilização dos empréstimos de sócios de forma direta sem passar primeiro pela conta bancária (…)”.
1.4. Por último, solicita ainda a Requerente no pedido arbitral que sejam “(…) devolvidos os valores das garantias entregues na Tesouraria da Fazenda Pública e os respetivos juros compensatórios”.
1.5. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 12 de Fevereiro de 2018 e notificado à Requerida na mesma data.
1.6. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 4 de Abril de 2018 tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.7. Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com o disposto nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.8. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 24 de Abril de 2018, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, “(…) em 30 dias, responder, juntar cópia do processo administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional”.
1.9. Em 29 de Maio de 2018, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção (invocando a cumulação ilegal de pedidos) e por impugnação, solicitando ainda a dispensa da produção de prova testemunhal, tendo concluído que “(…) deverá ser notificada a Requerente para indicar o pedido que pretende ver apreciado no processo” e “em qualquer caso, deverá ser proferida decisão que determine a improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a Requerida dos pedidos, com todas as consequências legais”.
1.10. Na mesma data, por despacho deste Tribunal Arbitral, foi a Requerente notificada para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a matéria de excepção invocada pela Requerida na Resposta apresentada e para anexar, no mesmo prazo, procuração forense.
1.11. A Requerente, em 4 de Junho de 2018, veio apresentar requerimento no sentido de se pronunciar sobre a matéria de excepção referida no ponto 1.9., supra, bem como anexar a procuração em falta.
1.12. Neste âmbito, a Requerente veio referir que “o espírito do (…) Decreto-Lei é bem claro e agregador e visa inequivocamente a celeridade processual e o princípio da economia processual, os quais estão bem plasmados nos termos e fundamentos do seu Art° 3° (…)” nos termos qual se permite “(…) a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores (…) quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
1.13. Assim, entende a Requerente que “(…) se fossemos dividir e subdividir processos estaríamos a cometer (…)” a violação de um “(….) dos Princípios básicos do Direito que é o da economia processual”, pelo que conclui que “(…) este Tribunal Arbitral, tem total competência em razão da matéria para julgar todas as questões que são colocadas e invocadas para a sua douta decisão”, pelo que “neste sentido, e nos demais de Direito, deve (…) improceder a excepção invocada pela Recorrida”.
1.14. Em 6 de Junho de 2018, a Requerida anexou aos autos o processo administrativo.
1.15. Em 7 de Junho de 2018, foi proferido despacho arbitral (para cujo teor integral aqui se remete e se dá por integralmente reproduzido), nos termos do qual se concluiu que, verificando-se no caso que as circunstâncias de facto que estão na base das referidas correcções (em matéria de IRC e de IVA) são essencialmente muito diversas entre si, a cumulação de pedidos relativa aos actos tributários de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral se revela inadmissível face ao disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT.
1.16. Assim, sendo de julgar procedente a excepção de cumulação ilegal de pedidos, formulada pela Requerida, e para efeitos de dar cumprimento ao disposto no artigo 4º, nº 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) [por remissão do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c) do RJAT], notificou-se a Requerente para, no prazo de dez dias, indicar qual o pedido que pretendia ver apreciado no processo (sob cominação de, não o fazendo, haver absolvição da instância quanto a todos os pedidos), tendo ainda sido a Requerente notificada para, no mesmo prazo, se pronunciar sobre se mantinha o interesse na inquirição do Perito e das Testemunhas apresentadas no pedido arbitral, relativamente ao pedido que pretendia ver apreciado neste processo devendo, em caso afirmativo, identificar os factos relativamente aos quais pretenderia que incidisse a prova testemunhal.
1.17. A Requerente, em 18 de Junho de 2018, veio apresentar requerimento no sentido de prosseguir o pedido no que diz respeito à apreciação da legalidade das correcções verificadas em matéria de IVA e das subsequentes liquidações em sede deste imposto, mantendo o interesse na inquirição do perito e das testemunhas apresentadas no pedido, “(…) respondendo os mesmos a toda a matéria”.
1.18. Por despacho arbitral de 27 de Junho de 2018, “(…) decidiu este Tribunal, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º do (…) (RJAT), da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)] e da livre condução do processo consignado nos artigos 19º e 29º, nº 2 do RJAT, agendar a reunião (a que alude o artigo 18º do RJAT) para o (…) dia 10 de Julho de 2018, pelas 14:30, a realizar nas instalações do CAAD, em Lisboa, para efeitos de (a) inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, relativamente aos factos respeitantes às liquidações de IVA objecto do pedido arbitral e (b) decidir da possibilidade de dispensa da apresentação de alegações”, tendo a referida reunião sido posteriormente reagendada, a pedido das partes, para o dia 26 de Setembro de 2018.
1.19. Em 26 de Setembro de 2018 foi realizada no CAAD, nos termos do disposto no artigo 18º do RJAT, a reunião arbitral agendada para inquirição do perito e das testemunhas arroladas pela Requerente, com reprodução sonora dos depoimentos prestados e da qual foi lavrada a corresponde acta, que faz parte integrante do presente processo.
1.20. No âmbito da referida reunião, dado que as Partes não prescindiram da apresentação de alegações escritas, o Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para apresentarem, de modo simultâneo, alegações escritas no prazo de 10 dias.
1.21. Adicionalmente, e de acordo com o disposto no artigo 21º, nº 2 do RJAT, foi prorrogado o prazo previsto no nº 1 daquele artigo por um período de mais dois meses, a contar do término daquele.
1.22. Nestes termos, em cumprimento do disposto no artigo 18º, nº 2 do RJAT, foi referido que a decisão arbitral seria proferida até ao fim do prazo fixado no ponto anterior.
1.23. Por último, o Tribunal advertiu a Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a efectuar em 4 de Outubro de 2018).
1.24. Em 4 de Outubro de 2018, a Requerente apresentou as suas alegações escritas, no sentido de reiterar a argumentação apresentada no pedido arbitral, no que diz respeito à apreciação da legalidade das correcções verificadas em matéria de IVA e das subsequentes liquidações em sede deste imposto, concluindo nos mesmos termos.
1.25. Em 8 de Outubro de 2018, a Requerida apresentou as suas alegações escritas, no sentido de reiterar a argumentação apresentada na Resposta, concluindo que “deve ser julgada procedente a excepção invocada devendo, em todo o caso, ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida dos pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.
1.26. Em 10 de Outubro de 2018, a Requerente veio apresentar requerimento no sentido de responder às alegações da Requerida, dado entender que as mesmas “consubstanciam claramente novas matérias e deduzem (…) novos factos”.
1.27. Em 15 de Outubro de 2018, foi proferido despacho arbitral no sentido de apreciar e decidir o alegado pela Requerente no requerimento referido no ponto anterior, no sentido de se entender que, “em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)] e da livre condução do processo consignado nos artigos 19º e 29º, nº 2 do RJAT (…)”, “(…) não estar legalmente justificada a necessidade de conceder à Requerente prazo para oferecer contra-alegações, por não haver motivos legais que o justifiquem, não sendo de admitir ao processo o Requerimento apresentado pelo Requerente em 10 de Outubro de 2018”.
1.28. Por requerimento datado de 23 de Outubro de 2013, a Requerida veio apresentar Despacho de Designação de Substituição de uma das Juristas.
2. CAUSA DE PEDIR
2.1. A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral, em 9 de Fevereiro de 2018, no sentido de ser declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IRC e de IVA, e correspondente liquidação de juros compensatórios, relativos ao exercício de 2014, que a seguir se identificam:
LIQUIDAÇÃO Nº
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IMPOSTO
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MONTANTE (EUR)
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2017 ...
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IVA
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11.910,62
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2017 ...
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JC
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1.292,22
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2017 ...
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IVA
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10.926,93[3]
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2017 ...
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JC
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1.294,46
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2017 ...
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IRC
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1.446,71
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TOTAL
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26.870,94
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2.2. Alega a Requerente, em síntese, que foi objecto de uma acção inspectiva, efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT), respeitante ao exercício de 2014, em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2016..., cujo âmbito foi inicialmente parcial, em sede de IRC sendo que, posteriormente, foi alargado o âmbito da acção para parcial em sede de IRC e de IVA.
2.3. No âmbito do procedimento inspectivo, os SIT recolheram e analisaram diversos elementos, os quais terão permitido, alegadamente, evidenciar (i) que o volume de negócios deveria ser suportado por faturação emitida superior ao registado na contabilidade e declarado fiscalmente, bem como (ii) a existência de gastos que foram desconsiderados para efeitos fiscais, tendo os SIT identificado uma alegada omissão de contabilização de prestações de serviços de pastelaria e restauração, sujeita a IRC, no montante de EUR 100.455,32 e uma alegada contabilização de gastos não aceites fiscalmente, em sede de IRC, no valor de EUR 4.461,59, perfazendo um total de correcções, em matéria de IRC, de EUR 104.916,91.
2.4. Ora, segundo os SIT, estando as prestações de serviços/vendas efectuadas pelo sujeito passivo sujeitas à incidência de IVA, à taxa reduzida (6%) e à taxa normal de 23%, no apuramento do IVA em falta (como consequência da correção efectuada ao volume de negócios), foram consideradas as prestações de serviços/vendas corrigidas, tendo os SIT proposto uma correcção, em sede de IVA, no montante de EUR 22.836,04.
2.5. Das correcções propostas e efectuadas pelos SIT decorreram, para a Requerente, os actos de liquidação adicional, em sede de IRC e IVA, acima identificados nos pontos 1.2. e 2.1., actos que a Requerente pretende ver anulados neste processo arbitral, tendo em consideração entender “(…) que não existe fundamentação para as liquidações emitidas, dado que os saf-t submetidos ao E-fatura coincidem com o saf-t entregue no ato inspetivo, depois de introduzidas as anulações da faturas já referenciadas, exceto as NC que não foram refletidas na DP´s, em prejuízo do sujeito passivo”, atentos os argumentos que a seguir se reproduzem.
Procedimentos de Facturação
2.6. Nesta matéria, começa a Requerente por referir que “(…) tem como objeto social a atividade de pastelarias, confeitaria, restaurante e snack-bar, explorando no ano de 2014 dois estabelecimentos, um localizado em ... e outro na ... (…)”, sendo que o seu sistema de facturação “(…) é simples e divide-se em dois momentos: a venda, com registo em POS's de faturação nos estabelecimentos e o tratamento administrativo pela gerência”.
2.7. Prosegue a Requerente referindo que “cada estabelecimento envia diariamente a respetiva documentação (…) para tratamento pela gerência e posterior envio para a contabilidade (…)”, admitindo que “o sistema informático (…) tem alguns bloqueios nas funcionalidades disponibilizadas aos funcionários, embora, para evitar dificuldades com os clientes, permita corrigir algumas situações como sejam (…)” as de substituição de “(…) uma fatura/fatura simplificada que foi emitida sem número de contribuinte por outra com número de contribuinte”, as de substituição de “(…) uma fatura simplificada por uma fatura quando o consumidor o solicita”, bem como a “emissão das notas de devolução de produtos de pastelaria e padaria ao fornecedor (…)”.
2.8. Reitera a Requerente que “nos procedimentos de gestão, a anulação direta de faturas está bloqueada no sistema de faturação aos utilizadores sem permissões de administrador, caso contrário a gerência corria o risco de haver anulação de faturas sem qualquer justificação e de forma indiscriminada”, pelo que sustenta que “dentro do mesmo sistema informático, no escritório não são alterados os ficheiros saf-t, mas sim, feitas as anulações de faturas incorretamente emitidas, remetidas pelos estabelecimentos nos documentos diários”.
2.9. Por outro lado, afirma a Requerente que “os estabelecimentos devolvem diariamente ao fornecedor de pastelaria e padaria, a CIPP, os produtos que não foram consumidos, os quais, se reunirem condições de serem consumidos são entregues a uma Associação sem fins lucrativos (…), que os distribui por pessoas carenciadas”.
2.10. Assim, não pode a Requerente concordar com a afirmação constante do Relatório emitido no âmbito do procedimento inspectivo de que “a justificação apresentada pelo sujeito passivo para a necessidade de alterar os ficheiros saf-t extraídos dos terminais POS dos estabelecimentos comerciais, alegando falta de permissões informáticas dos funcionários em serviço nas pastelarias para proceder à anulação no local de faturas emitidas indevidamente, obrigando a que essas anulações fossem efetuadas no escritório pelo administrador do sistema em operações de encerramento do mês é destituída de fundamento”, porquanto entende que é demonstrável que, “(…) pelo momento de emissão (…), temos o documento emitido, e o documento de correção a ser emitido (…) e depois o documento corrigido (…)” sendo um “(…) processo (…) automático, desde que se enquadre nos procedimentos instituídos”.
2.11. Nestes termos, conclui a Requerente que “não existe qualquer propósito de alterar a faturação, nem se percebe como é que este objetivo seria atingido através da anulação de faturas”.
Anulação de facturas
2.12. Nesta matéria, refere a Requerente que “(…) as facturas incorretamente emitidas, unicamente podem ser anuladas no escritório, dado que aos funcionários não lhes compete realizar o procedimento de anulação, devendo sim anexar os documentos incorretamente emitidos aos diários de caixa, datados e rubricados”.
2.13. Assim, esclarece a Requerente que “as faturas anuladas de valores elevados estão associadas a erros de emissão por parte dos funcionários, aquando da emissão das guias de devolução de produtos de pastelaria e padaria que sobram no final do dia e são devolvidos ao fornecedor (…)”, sendo que, “nesta tarefa os funcionários por engano procederam à emissão de uma fatura, que amplia o erro (…), sendo perfeitamente visível que se trata de erro de emissão, seja pelo momento de emissão, seja pelos valores em presença”.
NC emitidas
2.14. Nesta matéria, não concorda a Requerente com a posição assumida pelos SIT porquanto, “embora sendo verdade que a retificação do imposto só deve ocorrer, nos termos do artigo 78°, n° 5 do CIVA, a situação em presença não tem a referida configuração, dado que estas operações ocorreram no ato de venda direta a um consumidor final, a quem não foi entregue a fatura incorreta que esteve na origem da emissão da Nota de Crédito, ou seja, não se enquadra nos termos do artigo 78°, n° 4 do CIVA (…)”, sendo que “o sujeito passivo esteve sempre na posse da fatura incorretamente emitida, da respetiva NC de anulação, pelo que se trataram de movimentos contabilísticos internos e consequentemente cumpre todos os requisitos do CIVA para dedução do IVA”.
Gastos não dedutíveis
2.15. Neste âmbito, não concorda a Requerente com o entendimento dos SIT apresentado no RIT (no sentido de desconsiderar os gastos com tabaco, porquanto “de acordo com o registado na contabilidade (…), não houve venda de produtos derivados de tabaco ao balcão, não havendo por isso qualquer justificação para a sociedade incorrer em gastos com produtos que não comercializa”, entendendo que “eles não são necessários para garantir ou obter rendimentos sujeitos a IRC, não sendo assim possível a sua consideração para efeitos fiscais”).
2.16. Com efeito, defende a Requerente que a legislação exige que “(…) os mesmos estejam relacionados com a atividade da empresa ou o fim lucrativo da empresa (…)” e que apesar de “(…) os gastos em causa não se enquadrarem nem nenhuma das situações tipificadas do artigo 23º A do CIRC, podendo afirmar-se que cumprem os requisitos para que sejam considerados dedutíveis do ponto de vista fiscal (…) os gastos em apreço não podem ser considerados excessivos relativamente às necessidades e capacidades da empresa, nem são destituídos de critérios de racionalidade económica”, entendendo que “(…) são um gasto da sociedade dedutível do ponto vista fiscal”.
Suprimentos
2.17. Nesta matéria, a Requerente não concorda com a posição dos SIT apresentada no RIT, no sentido de que era utilizado, de forma regular, o procedimento de efectuar pagamentos aos funcionários através da conta de suprimentos, alegando a Requerente em sua defesa que tal procedimento era utilizado de forma pontual com o objectivo de “assegurar que os salários eram pagos (…) no prazo habitual” tendo em consideração “(…) situações de maior dificuldade de liquidez da empresa (…)”
Ficheiros saf-t
2.18. A Requerente não concorda com a posição dos SIT assumida no RIT quanto ao facto de serem gerados “dois ficheiros saf-t na pastelaria de ... (…)” originando “(...) a emissão de faturas com o mesmo número, no mesmo período económico, que corresponderam a prestações de serviços diferentes” porquanto considerada que “estão a ser cumpridos os requisitos estabelecidos pela portaria (…)” aplicável.
2.19. Face ao exposto no pedido, conclui a Requerente que tem “implementados procedimentos de gestão claros (…) que têm como objectivo, designadamente, faturar e devolver produtos de pastelaria e padaria que sobrem diariamente, com restrições ao perfil de utilização dos funcionários”, entendendo que “(…) não existe qualquer fundamento para as liquidações emitidas por falta de IVA, no exercício económico de 2014 (…)”.
2.20. Adicionalmente, e em matéria de IRC, entende ainda a Requerente que “(…) os gastos incorridos com tabaco (…), são dedutíveis (…)” não devendo haver lugar à respectiva liquidação de imposto.
2.21. Por último, conclui a Requerente que deverá relevar-se a aplicação de coima no que diz respeito à utilização de suprimentos para garantir o pagamento pontual de salários aos funcionários.
Suspensão da Liquidação
2.22. Alega ainda a Requerente que tendo tido conhecimento “(…) das liquidações já com o processo de execução fiscal em curso”, foi “(…) obrigada a mobilizar fundos (…) para suspender os processos de liquidação (….)”, pelo que “(…) pretende ver devolvidos os valores das garantias entregues na Tesouraria da Fazenda Pública e os respetivos juros compensatórios”.
2.23. A Requerente conclui o pedido arbitral peticionando que o mesmo tenha total provimento.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. A Requerida apresentou Resposta, em 29 de Maio de 2018, tendo-se defendido por impugnação e por excepção.
Por Excepção: Da cumulação ilegal de pedidos
3.2. Neste âmbito, entende a Requerida que a Requerente efectua, no pedido de pronúncia arbitral, uma cumulação ilegal de pedidos, ao cumular naquele os pedidos de anulação das liquidações de IRC e de IVA, não concordando a Requerida com o alegado pela Requerente de que a procedência daqueles pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e de direito e da interpretação e aplicação das mesmas normas legais.
3.3. Com efeito, entende a Requerida que “(…) a Requerente parece incorrer num erro essencial: o de considerar (…) sem fundamento legal, que por ter sido apurada na mesma acção inspectiva factualidade que fundamenta correcções em sede de IVA e em sede de IRC, tal circunstância não encerraria nenhuma especificidade para efeitos de impugnação das liquidações”.
3.4. Reitera a Requerida que “(…) os pedidos formulados ao tribunal indubitavelmente reportam-se à anulação de liquidações de diferentes impostos, fundamentados em diferente causa de pedir”, “(…) pelo que, a apreciação da legalidade das liquidações pressupõe a apreciação de factos com relevância díspar em cada caso”.
3.5. E, sendo inquestionável, para a Requerida, “(…) que a apreciação da legalidade das liquidações impugnadas depende da decisão de questões de direito completamente diversas”, entende a Requerida que “(…) a cumulação efectuada pela Requerente é ilegal, não devendo ser a mesma admitida por parte do Tribunal Arbitral (…)”.
Por Impugnação
3.6. Refere a Requerida que, inicialmente, “(…) a ação de inspeção externa (…) tinha âmbito parcial, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), sendo que, após deteção de irregularidades em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), alargou-se o âmbito desta ação para parcial em sede de IRC e IVA, tendo sido dado conhecimento ao representante legal do sujeito passivo (…)”, tendo resultado desta “(…) acção inspectiva (…) correcções em sede de IVA e IRC (…)”, as quais “(…) traduziram-se em correcções à matéria tributável de €22.836,04, em sede de IVA, e € 104.916,91 em sede de IRC (…)”.
Faturação - Duplicação de número de documento
3.7. Ora, no âmbito da referida acção inspectiva, foi constatado pelos SIT, uma divergência no valor anual das vendas/prestações de serviços realizadas, no ano de 2014, de EUR 170.892,92, alegadamente devido a vendas/prestações de serviços tituladas por facturas com o mesmo número.
3.8. Segundo a Requerida, pelo facto da “(…) A... ter dois estabelecimentos comerciais e um deles ter dois terminais POS, a pastelaria de ..., os mesmos poderão não gerar um único ficheiro SAF-T caso o sistema de faturação não esteja centralizado”, pelo que “(…) a existência de dois terminais POS na pastelaria de ... que originam a exportação de dois ficheiros SAF-T, constitui uma infração (…)”.
Divergências entre e-Factura, SAF-T e DP’s de IVA
3.9. Adicionalmente, foram identificadas “(…) diferenças entre os valores declarados nas bases tributáveis dos ficheiros SAF-T da faturação com o comunicado no e-fatura e nas declarações periódicas (DP) de IVA, referentes ao período económico de 2014 (…)”, tendo os SIT concluído que “o IVA liquidado declarado pela sociedade nas correspondentes DP’s de IVA com periocidade trimestral resultante das operações ativas que efetuou, é superior ao IVA liquidado comunicado através do e-fatura (….)”.
3.10. Nestes termos, “no apuramento do IVA em falta, como consequência da correção efetuada ao volume de negócios, consideram-se as prestações de serviços/vendas apuradas (…) e propôs-se a sua correcção no valor de € 22.836,04”.
Gastos não dedutíveis (IRC)
3.11. Por outro lado, ainda no âmbito da inspecção, os SIT entenderam que os gastos associados com a aquisição de produtos derivados do tabaco, à sociedade B..., S.A., por não cumprirem com a totalidade os requisitos elencados no artigo 23º-A do Código do IRC, não deveriam ser considerados como necessários para garantirem ou obterem rendimentos sujeitos a IRC, não sendo possível, segundo sustenta a Requerida, a sua consideração para efeitos fiscais, tornando-se necessário “(…) expurgar esse gasto no valor de € 4.461,59 (…)”.
Suprimentos
3.12. Nesta matéria, de acordo com o trabalho realizado pelos SIT, verificaram que alegadamente haviam irregularidade na conta de suprimentos, tendo concluído que teria havido “(…) uma conversão de hipotéticos créditos dos sócios sobre a A... relacionados com o processamento de salários (…) em suprimentos (…)”, tendo sido efectuados pagamento a funcionários por contrapartida de suprimentos e efectuado o lançamento contabilístico em que são constituídos suprimentos por contrapartida de penhoras a funcionários, assumindo estes procedimentos, segundo os SIT, uma natureza regular, traduzindo uma prática habitual.
3.13. Neste âmbito, concluíram os SIT que se estaria “(…) perante uma infração do nº 1 e nº 2, do artigo 63º-C da LGT, que refere que todos os movimentos relativos a suprimentos devem ser efetuados através de contas bancárias exclusivamente afetas à sociedade”.
3.14. Prosseguindo, conclui a Requerida a sua Resposta no sentido de terem de decair “(…) os argumentos invocados pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, (…), bem como os documentos juntos, por não corresponderem à verdade ou deles não se poder extrair os efeitos jurídicos almejados pela Requerente”, concluindo que terão de improceder “(…) integralmente as razões e argumentos expendidas pela Requerente em prol da (…) ambicionada anulação dos actos tributários”.
Da dispensa de prova testemunhal
3.15. Por último, a Requerida por entender que “as questões a dirimir são no essencial questões de direito, não se vislumbrando a necessidade da produção de prova testemunhal (…)” veio apresentar pedido de dispensa da mesma.
4. SANEADOR
4.1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.
4.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
4.3. Foi suscitada, pela Requerida, na Resposta apresentada em 29 de Maio de 2018, a ilegalidade da cumulação de pedidos feita pela Requerente, por entender não se encontrar verificada a existência das mesmas circunstâncias de facto, porquanto “(…) os pedidos formulados ao tribunal (…) reportam-se à anulação de liquidações de diferentes impostos, fundamentados em diferente causa de pedir”.
4.4. Na mesma data, por despacho deste Tribunal Arbitral, foi a Requerente notificada para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a matéria de excepção invocada pela Requerida, tendo apresentado, em 4 de Junho de 2018, requerimento no sentido de referir que é permitida “(…) a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos (…) quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”, pelo que “(…) se fossemos dividir e subdividir processos estaríamos a cometer (…)” a violação de um “(….) dos Princípios básicos do Direito que é o da economia processual”, concluindo que “(…) este Tribunal Arbitral, tem total competência em razão da matéria para julgar todas as questões que são colocadas e invocadas para a sua douta decisão”, devendo “(…) improceder a excepção invocada pela Recorrida”.
4.5. Por despacho arbitral de 7 de Junho de 2018 concluiu-se que, as matérias que estão na base das referidas correcções (em matéria de IRC e de IVA) são essencialmente muito diversas entre si, pelo que a cumulação de pedidos relativa aos actos tributários de liquidação de IRC e de IVA, objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, se revela inadmissível face ao disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT.
4.6. Assim, para efeitos de dar cumprimento ao disposto no artigo 4º, nº 3 do CPTA [por remissão do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c) do RJAT], notificou-se a Requerente para, no prazo de dez dias, indicar qual o pedido que pretendia ver apreciado no processo (sob cominação de, não o fazendo, ter de haver a absolvição da instância quanto a todos os pedidos arbitrais formulados, tendo a Requerente, em 18 de Junho de 2018, apresentado requerimento no sentido de manifestar vontade de que prosseguisse o pedido arbitral no que diz respeito à apreciação da legalidade das correcções verificadas em matéria de IVA e das subsequentes liquidações em sede deste mesmo imposto.
4.7. Neste âmbito, cumpre preliminarmente analisar a eventual procedência da excepção invocada pela Requerida.
4.8. De acordo com o disposto no artigo 3º, nº1 do RJAT, “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos (…) são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
4.9. Recorde-se que a existência desta regra especial para os Tribunais Arbitrais afasta a aplicabilidade das regras do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do CPTA, que apenas são de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 29º, nº 1, alínea c), do RJAT.
4.10. Segundo a norma transcrita, a cumulação de pedidos exige que se mostrem preenchidos dois requisitos cumulativos - que a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
4.11. Na jurisprudência e na doutrina tem sido entendimento pacífico que a viabilidade da cumulação de pedidos não exige uma identidade absoluta das situações factuais, bastando que essas situações sejam semelhantes nos aspectos relevantes para a decisão, conforme se extrai do termo "essencialmente" utilizado naquela norma.
4.12. Mas, a utilização do advérbio “essencialmente” não pode deixar de significar que não é exigida a total coincidência das circunstâncias de facto e das normas aplicáveis.
4.13. Com efeito, conforme se refere na Decisão Arbitral nº 225/2014-T, de 9 de Outubro de 2014, que aqui se acompanha nesta matéria, “(…) para aferir da identidade dos factos relevantes será pois necessário considerar a factualidade da qual resulta, no entender do contribuinte, a ilegalidade dos actos objecto do processo. Neste contexto, será necessário considerar os elementos materiais dos factos tributários subjacentes aos actos tributários controvertidos ou a actuação da Administração Tributária no procedimento tributário subjacente à emissão desses actos. Na medida em que, para aferir da legalidade de ambos os actos tributários seja necessário considerar uma única realidade material transversal aos diversos factos tributários em questão, ou a uma única actuação procedimental da Administração Tributária da qual resultam os vários atos tributários em litígio, a matéria de facto a apreciar para aferir a ilegalidade desses actos poderá ser essencialmente a mesma. Assim, as diligências probatórias necessárias para aferir a legalidade de um dos actos poderão ser aproveitadas para aferir a legalidade de outro acto objecto do processo, assim potenciando a uniformidade das decisões relativamente à mesma questão de facto em benefício da segurança jurídica que deve nortear a resolução de litígios no âmbito do processo de arbitragem tributária”.
4.14. Mas, então, o que não deve entender-se por “mesmas circunstâncias de facto”?
4.15. Por “mesmas circunstâncias de facto” não deve, salvo melhor opinião, entender-se restritivamente e exatamente “os mesmos factos”, porquanto, segundo esta interpretação restritiva, poderia apenas existir cumulação de pedidos quando o mesmo facto estivesse em causa em relação a várias liquidações de imposto, relativas a vários anos.
4.16. Entende este Tribunal Arbitral, à semelhança de outra jurisprudência arbitral na matéria, que não deve interpretar-se assim, desta forma restritiva, a norma em causa porque a expressão “circunstâncias de facto” não é equivalente a “factos”.
4.17. Para encontrar o preciso alcance da norma será útil ter em conta a interpretação que a doutrina tem feito do preceito que se refere à cumulação de pedidos no processo tributário.
4.18. Dispõe sobre esta matéria o artigo 104º do CPPT, nos termos do qual, “na impugnação judicial podem, nos termos legais, cumular-se pedidos (…) em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente”.
4.19. Quanto à “identidade dos fundamentos de facto”, defende o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (in “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, Anotado e Comentado, 6ª ed., Vol. II, Áreas, Lisboa, 2011, p. 183) que “não é necessário para ser viável a cumulação e a coligação que haja uma identidade absoluta das situações fácticas, bastando que seja idêntica a questão jurídico-fiscal a apreciar”.
4.20. Sobre a mesma questão, em comentário ao artigo 71º do CPPT (cumulação de pedidos na reclamação graciosa), o mesmo Autor reafirma que “não é necessária para a cumulação de pedidos uma identidade absoluta das situações fácticas, bastando que seja idêntica a questão jurídico-fiscal a apreciar”, acrescentando que “para essa identidade, o que será necessário é que a questão jurídica a apreciar seja fundamentalmente a mesma e que a situação fáctica seja semelhante nos pontos que relevem para a decisão (…)” (sublinhado nosso).
4.21. Mas poderá esta interpretação aplicar-se ao disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que nesta disposição fala-se em “mesmas circunstâncias de facto”, enquanto no preceito do CPPT se refere “fundamentos de facto”?
4.22. A este respeito, não pode deixar de se considerar que as “circunstâncias de facto” a que o artigo 3º, nº 1 do RJAT se refere são as circunstâncias de facto que relevam para a causa de pedir, e apenas essas e, nessa medida, uma vez que as circunstâncias de facto que relevam para a causa de pedir são aquelas em que assenta a fundamentação de facto, as expressões são equivalentes.
4.23 Portanto, o que deve relevar para a questão da admissibilidade da cumulação de pedidos no âmbito do RJAT não são quaisquer características dos factos alegados no pedido, mas apenas as características que têm conexão com a causa de pedir.
4.24. Existirá, assim, identidade das circunstâncias de facto quando as circunstâncias factuais sejam tão similares que a fundamentação de facto seja idêntica para todos os pedidos, de modo que a apreciação que o julgador tenha que fazer sobre a matéria de facto seja idêntica em todos eles.
4.25. Neste âmbito, o citado Conselheiro vai ainda mais longe, afirmando ser necessário que, ao provarem-se os factos que servem de base a um dos pedidos, fique provado o “suporte fáctico total ou parcialmente necessário para a procedência de todos eles”, sendo que esta interpretação se justifica pela própria ratio da norma, a qual reside na economia de meios e uniformidade de decisões (vide Acórdão do STA de 16-11-2011, proc. n.º 0608/11).
4.26. Ora, tal economia de meios e uniformidade de decisões só será realizada quando o julgador esteja perante diferentes pedidos para os quais valham os mesmos juízos quer sobre a matéria de facto quer sobre a matéria de direito, ou seja, dito por outras palavras, “embora colocado perante uma multiplicidade de factos, o julgador tem que realizar os mesmos juízos para todos os factos” (sublinhado nosso).
4.27. Assim, quando é impugnado mais do que um acto de liquidação, apenas nos casos indicados no artigo 3º, nº 1, do RJAT haverá possibilidade de cumular pedidos, ou seja, “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos (…)” só é admissível “(…) quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
4.28. No caso em apreço, são impugnados actos de liquidação diferentes, de IRC e de IVA, relativos a situações distintas entre si porquanto, ainda que decorram do mesmo procedimento inspectivo, efectuado pelos SIT:
4.28.1. No caso do IVA, as liquidações de imposto no montante total de EUR 22.836,04 dizem respeito às diferenças de IVA apuradas pelos SIT entre os valores de IVA liquidado por trimestre, registados nos ficheiros SAF-T da faturação e o IVA liquidado declarado nas respetivas DP´s;
4.28.2. No caso do IRC, a liquidação que se menciona no pedido (nº 2017..., no montante de EUR 1.446,71), deveria dizer respeito à desconsideração de gastos, no valor de EUR 4.461,59, que os SIT entenderam como não indispensáveis à manutenção da fonte produtora e, por isso, entenderam expurgar esse valor para efeitos fiscais.[4]
4.29. Assim, são invocadas quanto aos referidos actos de liquidação de IRC e de IVA ilegalidades que em nada se relacionam.
4.30. Nestes termos, verifica-se, no caso, que as circunstâncias de facto que estão na base das referidas correcções são essencialmente muito diversas entre si, pelo que a cumulação de pedidos relativa aos actos tributários de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral se revela inadmissível face ao disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT.
4.31. Em conclusão, sendo de julgar procedente a excepção de cumulação ilegal de pedidos, confirma-se o teor do despacho arbitral datado de 7 de Junho de 2018, prosseguindo o pedido arbitral no que diz respeito à apreciação da legalidade das correcções verificadas em matéria de IVA e das subsequentes liquidações em sede deste imposto, em conformidade com a vontade expressa da Requerente, manifestada no seu requerimento datado de 18 de Junho de 2018.[5]
4.32. Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
5. MATÉRIA DE FACTO
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Tendo presente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cf. artigo 123º, nº 2, do CPPT e artigo 607º, nºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT], atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida, consideram-se provados os seguintes factos:[6]
Dos factos provados
5.2. A Requerente tem como objecto social a “actividade de pastelarias, confeitaria, cafetaria, restaurante e snack-bar”, encontrando-se registada, para o exercício da actividade económica, desde 02/01/2008, com o “CAE Principal 56303 Pastelarias e casas de chá”.
5.3. Para efeitos de IVA, a Requerente é, desde a data de início da actividade, um sujeito passivo que se encontra enquadrado no regime normal com periocidade trimestral.
5.4. Para efeitos de IRC, a Requerente está enquadrada no regime geral por exercer, a título principal, uma actividade de natureza comercial.
5.5. A actividade da Requerente é exercida em dois estabelecimentos comerciais, a Pastelaria de ... (sita na ..., nº ... –..., na Amadora), e a Pastelaria da ... (sita na..., Rua ..., na ...), ambas funcionando em instalações arrendadas, sendo a loja da ... arrendada pelo sócio gerente da Requerente, senhor C... e, a loja de ..., arrendada pela sociedade D..., Lda.
5.6. A pastelaria da ... tem um terminal POS e a pastelaria de ... tem dois terminais POS.
5.7. A emissão de facturas pela Requerente não está centralizada, sendo gerado um ficheiro SAF-T mensal, autonomamente, por cada um dos POS.
5.8. A Requerente efectua procedimento de fecho de mês no escritório, que consistem na conferência do caixa, na anulação de facturas incorrectamente emitidas pelos funcionários das pastelarias.
5.9. Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2016..., de 22/08/2016, foi realizada uma acção inspectiva externa à Requerente, ao ano de 2014, inicialmente de âmbito parcial (IRC).
5.10. Esta acção inspectiva externa decorreu no âmbito do “projecto de restauração .../...”, direcionado a sujeitos passivos desta área que tenham declarado prejuízos sucessivos durante 3 exercícios.
5.11. No âmbito da referida OI, a Requerente foi notificada do Ofício nº..., de 26/08/2016 para, na data do início da acção inspectiva, disponibilizar aos serviços inspectivos da Direção de Finanças de Lisboa, os seguintes elementos relativos ao exercício de 2014:
• Balancetes analíticos reportados a 31/12/2014;
• Dossier Fiscal do exercício de 2014 (para consulta);
• SAF-T da contabilidade do exercício de 2014;
• SAF-T da faturação anual, com descrição dos produtos vendidos, relativamente ao exercício de 2014.
• Inventário das existências do exercício de 2014;
• Extratos bancários que atestassem os saldos contabilísticos reportados a 31/12/2014.
5.12. O procedimento de inspecção externo teve início em 24/11/2016 e, nesta data, foi a Requerente notificada ( na pessoa de um dos seus sócios-gerentes) para justificar, no prazo de 10 dias, o(s) motivo(s) pelo(s) qual(is) a sociedade apresentou, no exercício de 2014, prejuízos fiscais no montante de EUR 84.753,66, tendo ainda sido informada que a falta de justificação constituía fundamento para a determinação da matéria coletável e IVA presumido com recurso a métodos indiretos.
5.13. A Requerente enviou, em 05/12/2016, aos SIT, declaração justificativa dos prejuízos.
5.14. O âmbito da acção inspectiva externa foi alargado, em 22/03/2017, para IRC e IVA, relativamente ao ano de 2014, tendo em consideração as irregularidades detectadas pelos SIT em sede de IVA.
5.15. Os actos externos de inspecção foram concluídos em 12/04/2017.
5.16. A Requerente foi notificada, através do Ofício nº ... de 04/05/2017, do projeto de conclusões do Relatório de Inspecção, nos termos do qual, em matéria de IVA, os SIT identificaram e concluíram o seguinte:
5.16.1. “O IVA liquidado declarado pela sociedade nas correspondentes DP´s com periodicidade trimestral resultante das operações ativas que efetuou, é superior ao IVA liquidado comunicado através do e-fatura”;
5.16.2. “Considerando (i) a duplicação do número de faturas (…) evidenciada (…), (ii) as faturas emitidas (sem o efeito das notas de crédito), (iii) a não consideração do IVA declarado nas DP´s referente à auto-faturação emitida pela B..., S.A., uma vez que esse montante não consta dos ficheiros SAF-T gerados com base na faturação emitida pelos terminais POS da sociedade, temos que não foram declarados nas referidas DP´s de IVA € 100.220,91 (base tributável) e € 22.836,04 (IVA liquidado), apurados pela diferença entre os valores de IVA liquidado por trimestre registados nos SAF-T da facturação e o IVA liquidado declarado nas respectivas DP´s (…), que configuram omissões aos rendimentos sujeitos a (…) IVA (…)”.
5.17. Adicionalmente, foi a Requerente notificada para exercer o direito de audição prévia sobre o teor do projecto de conclusões do RIT supra referido.
5.18. A Requerente exerceu, em 23/06/2017, o respectivo direito de audição, no sentido de referir que:
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“O Sistema de faturação da sociedade é composto por três terminais POS;
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A emissão de faturas não é centralizada sendo gerado autonomamente um ficheiro saf-t por cada POS;
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São efetuados procedimento de fecho do mês no escritório, que consistem na conferência de caixa, anulação de faturas que tenham sido incorretamente emitidas pelos funcionários em serviços nas pastelarias e geração de um ficheiro […] Saf-t mensal finalizado, no qual estão refletidos os documentos de anulação das facturas, devidamente justificados e efectuados na aplicação;
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Os funcionários em serviço nas pastelarias não têm permissão para efectuar a anulação de faturas, podendo, no entanto, emitir notas de crédito;
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Apenas no escritório, o administrador do sistema, tem perfil para anular facturas[…];
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A divergência entre os valores comunicados à AT através da aplicação e-fatura e os contidos nos ficheiros saf-T são efetivas e decorrem do facto de terem sido remetidos no âmbito do procedimento inspectivo pelo prestador de serviços de informática da sociedade, os ficheiros saf-t extraídos de cada um dos equipamentos instalados nas lojas e não o ficheiro saf-t resultante das operações de encerramento do mês efectuadas no escritório”.
5.19. Os SIT, após análise das explicações dadas pela Requerente no referido direito de audição, decidiram manter os fundamentos e os montantes das correções, em sede de IVA, propostas naquele projeto de relatório, porquanto entenderam que:
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“A justificação apresentada pelo sujeito passivo para a necessidade de alterar os ficheiros saf-t extraídos dos terminais POS dos estabelecimentos comerciais, alegando falta de permissões informáticas dos funcionários em serviço nas pastelarias para proceder à anulação no local de faturas emitidas indevidamente, obrigando a que essas anulações fossem efetuadas no escritório pelo administrador no sistema de operações de encerramento do mês é destituída de fundamento” porquanto “(…) existem registos de faturas anuladas nas pastelarias em todos os terminais POS (…), ficando assim demonstrado que a anulação de faturas no escritório também poderia ser feita pelos funcionários nas pastelarias. Assim fica por justificar qual o propósito das anulações de faturas em escritório, cuja consequência foi a alteração significativa dos valores de faturação comunicados à AT”.
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“Esta evidência é ainda reforçada pelo facto de, devido à obrigatoriedade de serem transmitidos à AT até ao dia 25 do mês seguinte através da aplicação e-fatura, os montantes faturados no mês anterior (…)” pelo que “(…) as operações de encerramento do mês que o sujeito passivo menciona, teriam obrigatoriamente de ser efetuadas entre o encerramento do mês que o sujeito passivo menciona, teriam obrigatoriamente de ser efetuadas entre o primeiro e o vigésimo quinto dia do mês seguinte ao da emissão das faturas e consequentemente a data das anulações efetuadas no escritório teriam de estar compreendidas nesse intervalo temporal”. Contudo, “(…) essas faturas foram anuladas no intervalo temporal compreendido entre os dias 26 a 31, ou seja, antes do mês estar terminado (logo ainda não enviado o backup do ficheiro
saf-t desse mês para o escritório para as operações de encerramento”.
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Adicionalmente, “analisando ainda os relatórios de entrega que comprovam a submissão dos ficheiros saf-t gerados nos terminais POS da pastelaria de ... através da aplicação e-fatura referente ao mês de maio de 2014 (…), verificamos que ambos foram submetidos a 19/06/2014, o que comprova que a anulação da fatura (…) efetuada a 30/05/2014 (logo antes do envio do backup do ficheiro saf-t de maio de 2014 ao escritório para a operação de encerramento do mês), nunca poderia ter sido feita no escritório mas sim em loja”, tendo identificado os SIT outras situações com esta semelhantes pelo que, neste âmbito concluíram que “(…) as anulações de faturas evidenciadas no quadro 23, foram feitas nos estabelecimentos comercias. Logo, as alterações produzidas posteriormente no escritório aos ficheiros saf-t gerados pelos terminais POS instalados nas duas pastelarias, ao não serem efetuados pelos funcionários nas pastelarias, como ficou demonstrados que poderiam ter sido feitas, teve como propósito outros objectivos que o sujeito passivo não conseguiu justificar”.
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Por outro lado, “analisando com detalhe a faturação ocorrida nesses meses que segundo o sujeito passivo se deve a algo anormal, mais concretamente às faturas emitidas indevidamente e que depois foram anuladas no escritório, ao contrário do evidenciado no quadro 2 remetido pelo sujeito passivo, existem faturas anuladas no escritório e expressas no quadro 24, em que o cliente está perfeitamente identificado, não aparecendo apenas como consumidor final”. Com efeito, “(…), as faturas com consumidor identificado materialmente relevantes que foram anuladas no escritório em procedimento de encerramento do mês, tinham como cliente a sociedade CIPP (…)”, não se tratando as operações subjacentes de “(…) operações de venda/prestações de serviços que habitualmente são praticadas ao balcão das pastelarias (…)”. São sim transações comerciais entre duas sociedades perfeitamente identificadas, que operam no mesmo ramo de atividade, que têm relações comerciais entre si e cujos órgãos de gerência integram elementos comuns”.
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Por outro lado, e no que diz respeito à Margem Bruta das Vendas (MBVII) “(…) associada ao CAE do sujeito passivo é inferior à média da margem bruta das vendas do setor no distrito de Lisboa (…)” pelo que “(…) podemos inferir que o contexto de normalidade em relação à faturação que o sujeito passivo tentou demonstrar no (…) direito de audição, apesar de apresentar prejuízos fiscais sucessivos desde 2011, não tem aderência à realidade”.
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Por último, e no que diz respeito às notas de crédito “(…) referidas no (…) direito de audição (…) as mesmas não foram contabilizadas como o sujeito passivo afirmou, apesar de consideradas (…) no saf-t de faturação de março (…). Sobre esta matéria, importa ainda referir que as notas de crédito não cumprem os requisitos tipificados no artigo 78º, nº 5 do CIVA (…) pelo que se mantém os valores considerados pela AT no projecto de relatório (…)”.
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“Também em relação ao valor de IVA incluído nas notas de crédito (…), as mesmas ao não serem contabilizadas e não cumprindo os referidos requisitos nunca permitiriam a correspondente regularização a favor da empresa nas DP de IVA, pelo que se mantém o valor de IVA em falta apurado pela AT (…)”.
5.20. A Requerente foi notificada do respectivo Relatório Final, através de Ofício datado de 08/08/2017, nos termos do qual se notificou à Requerente o despacho de 6 de Setembro de 2017, do Chefe de Divisão dos SIT, da Direcção de Finanças de Lisboa, “por subdelegação da DFA”, que confirmou a manutenção de todas as correções propostas.
5.21. Foram instaurados dois Autos de Notícia (processos nº ...2017... e nº ...2017..., referentes à OI 2016...), e, 17 de Agosto de 2017, pelo Serviço de Finanças ... 3, relativos aos processos de contra-ordenação respeitantes às infracções identificadas no âmbito do procedimento inspectivo.
5.22. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.
Motivação quanto à matéria de facto
5.23. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes, na análise do processo administrativo anexado pela Requerida, bem como na prova produzida em sede de inquirição de perito e testemunhas apresentadas pela Requerente.
Dos factos não provados
5.24. Não se dá como provada a razão pela qual as anulações de facturas, realizadas no escritório da Requerente, pelo administrador do sistema, em operações de encerramento mensal, não foram atempadamente consideradas para efeitos de elaboração dos ficheiros SAF-T mensais.
5.25. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
6. FUNDAMENTOS DE DIREITO
6.1. O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (nº 2 do artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril) é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2º do RJAT e 99º e 124º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT].
6.2. Por isso, os actos impugnados têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (irrelevância da fundamentação a posteriori).[7]
6.3. Assim, é face à fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária que há que apreciar a legalidade das liquidações impugnadas.
6.4. Efectuada a ressalva preliminar, para que não haja dúvidas, prosseguindo o pedido relativamente à apreciação da legalidade das liquidações de IVA identificadas nos autos, relativas ao ano 2014, a questão fundamental a decidir é a de se saber se as mesmas enfermam da ilegalidade que lhe é imputada pela Requerente.
6.5. Com efeito, no âmbito de um procedimento inspectivo, que teve início em 24/11/2016, relativo ao ano de 2014, foram identificadas, em matéria de IVA, as seguintes situações:
6.5.1. Duplicação do número de documento – neste âmbito, verificaram que existiam divergência, em todos os meses do ano 2014, entre os valores constantes do SAF-T remetidos pela Requerente e os valores mensais por ela comunicados através do e-Factura;
6.5.2. E-Factura versus SAF-T – neste âmbito, verificaram os SIT que os valores das bases tributáveis em IVA declaradas nas correspondentes declarações periódicas trimestrais não correspondiam aos valores extraídos, quer da aplicação e-Factura, quer aos valores registados nos ficheiros SAF-T de facturação.
Também quanto ao volume de negócios declarado na IES/DA, na declaração modelo 22 e no balancete analítico de 2014, embora estes tivessem o mesmo valor, não tinham os mesmos correspondência com os valores extraídos, quer do e-Factura, quer do SAF-T.
6.6. Assim, concluíram os SIT que não foram declarados nas referidas DP´s de IVA
EUR 100.220,91, a título de base tributável e EUR 22.836,04, a título de IVA liquidado (montantes apurados pela diferença entre os valores de IVA liquidado, por trimestre, registados nos SAF-T da facturação e o IVA liquidado trimestralmente declarado nas respectivas DP´s do ano 2014), e que configuram omissões aos rendimentos sujeitos a IVA.
6.7. A Requerente, quer em matéria de direito de audição, quer em matéria de pedido arbitral, veio defender que tem “implementados procedimentos de gestão claros (…) que têm como objectivo, designadamente, faturar e devolver produtos de pastelaria e padaria que sobrem diariamente, com restrições ao perfil de utilização dos funcionários”, entendendo que “(…) não existe qualquer fundamento para as liquidações emitidas por falta de IVA, no exercício económico de 2014 (…)”.
6.8. Não obstante ser crucial analisar a posição sustentada por cada uma das Partes e determinar a qual delas assiste razão, cumpre analisar, preliminarmente, o enquadramento legal associado com as obrigações fiscais postas em causa no âmbito do RIT e que deram origem às liquidações em matéria de IVA.
Enquadramento legal Ficheiro SAF-T (PT)
6.9. A Portaria nº 321-A/2007, de 26 de Março (na versão em vigor à data dos factos subjacentes ao pedido arbitral), criou a obrigatoriedade de os sistemas de contabilidade e faturação passarem a estar dotados de mecanismos que possibilitassem a criação de um ficheiro normalizado contendo um conjunto predefinido de dados, num formato legível e comum, independente da origem do sistema que os produziu, designado por SAF-T (PT) (Standard Audit File for Tax Purposes).
6.10. No âmbito daquela Portaria é referido que (i) dado que “as empresas utilizam cada vez mais sistemas de processamento electrónico de dados para registo dos factos patrimoniais, nomeadamente para a facturação” e (ii) dado que “estes registos são objecto de verificação pelos serviços de inspecção no âmbito das suas competências de controlo da situação tributária dos contribuintes”, e ainda “tendo em vista facilitar tal tarefa (…), tem vindo a ser preconizada (…) a criação de um ficheiro normalizado com o objectivo de permitir uma exportação fácil, e em qualquer altura, de um conjunto predefinido de registos contabilísticos, num formato legível e comum, independente do programa utilizado, sem afectar a estrutura interna da base de dados do programa ou a sua funcionalidade” (sublinhado nosso).
6.11. Assim, “a adopção deste modelo proporciona às empresas uma ferramenta que permite satisfazer os requisitos de obtenção de informação dos serviços de inspecção e facilita o seu tratamento (…), simplificando procedimentos e impulsionando a utilização de novas tecnologias” pelo que “de forma faseada e começando pelas aplicações de facturação e de contabilidade, torna-se obrigatória a adopção deste modelo normalizado de exportação de dados” (sublinhado nosso).
6.12. De acordo com o disposto no artigo 1º da referida Portaria, “os sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e que organizem a sua contabilidade com recurso a meios informáticos ficam obrigados a produzir um ficheiro (…), sempre que solicitado pelos serviços de inspecção (…)”, sendo que, nos termos do artigo 2º, “o ficheiro deve abranger a informação constante dos sistemas de facturação e de contabilidade” (sublinhado nosso).
6.13. No que diz respeito à sua aplicação temporal, o exposto no ponto anterior “aplica-se, relativamente aos sistemas de facturação, às operações efectuadas a partir do dia 1 de Janeiro de 2008 e, relativamente aos sistemas de contabilidade, aos registos correspondentes aos exercícios de 2008 e seguintes”.
6.14. Contudo, “a utilização crescente de sistemas de processamento electrónico de dados, nomeadamente para facturação da transmissão de bens ou de prestações de serviços (…)” apesar de acarretar “(…) inegáveis vantagens em termos de celeridade do tratamento da informação” introduz também “(…) novos riscos em termos de controlo fiscal, pela possibilidade de subsequente adulteração dos dados registados, potenciando situações de evasão fiscal” (sublinhado nosso).
6.15. E assim, nesta perspectiva, o legislador procurou “definir regras para que os programas de facturação observem requisitos que garantam a inviolabilidade da informação inicialmente registada, permitindo-se, consequentemente, que apenas os programas que respeitem tais requisitos possam ser utilizados, após certificação (…)” pela AT.
6.16. Nestes termos, “com a Portaria nº 363/2010, de 23 de Junho, foram definidas as regras que os programas de faturação devem observar de forma a garantir a inviolabilidade da informação, definindo-se, em consequência, que apenas os programas que respeitem os requisitos aí enunciados possam ser utilizados, após certificação pela AT” (sublinhado nosso).[8]
6.17. No que diz respeito aos requisitos para a certificação dos programas de facturação, era referido na identificada Portaria que aquela certificação dependia da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
“a) Ter a possibilidade de exportar o ficheiro a que se refere a Portaria n.º 321-A/2007, de 26 de Março [ficheiro SAF-T];
b) Possuir um sistema que permita identificar a gravação do registo de facturas ou documentos equivalentes e talões de venda, através de um algoritmo de cifra assimétrica e de uma chave privada de conhecimento exclusivo do produtor do programa.
c) Possuir um controlo do acesso ao sistema informático, obrigando a uma autenticação de cada utilizador;
d) Não dispor de qualquer função que, no local ou remotamente, permita alterar, directa ou indirectamente, a informação de natureza fiscal, sem gerar evidência agregada à informação original” (sublinhado).
6.18. A utilização de programas certificados, em conformidade com o disposto na referida portaria, é obrigatória, desde 1 de Janeiro de 2011, para os sujeitos passivos que, no ano anterior, tenham tido um volume de negócios superior a EUR 250.000 e, desde 1 de Janeiro de 2012, para os sujeitos passivos que, no ano anterior, tenham tido um volume de negócios superior a EUR 150.000.
6.19. A garantia da qualidade dos ficheiros SAF-T (PT) produzidos pelos programas informáticos de faturação (proporcionada pela certificação de software de faturação), veio possibilitar o desenvolvimento de um conjunto de outras realidades, nomeadamente, a comunicação dos elementos das faturas e documentos de transporte ao sistema e-fatura.
Obrigações fiscais em matéria de IVA
6.20. Neste âmbito, o artigo 2º, nº 1, alínea a) do Código do IVA refere que são sujeitos passivos do imposto, entre outros aí elencados, “as pessoas (…) colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços (…)”.
6.21. De acordo com o disposto no artigo 29º, nº 1 do Código do IVA, “para além da obrigação do pagamento do imposto, os sujeitos passivos (…) devem (…)” entre outras obrigações e sem prejuízo do previsto em disposições especiais:
“(…)
b) Emitir obrigatoriamente uma fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços (…), bem como pelos pagamentos que lhes sejam efetuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços”;
c) Enviar mensalmente uma declaração relativa às operações efectuadas no exercício da sua actividade no decurso do segundo mês precedente, com a indicação do imposto devido ou do crédito existente e dos elementos que serviram de base ao respectivo cálculo;
d) Entregar uma declaração de informação contabilística e fiscal e anexos (…) relativos às operações efectuadas no ano anterior, os quais fazem parte integrante da declaração anual (…);
(…)
g) Dispor de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto;
(…)” (sublinhado nosso).
6.22. Assim, e no que diz respeito à emissão de facturas, dispõe o artigo 36º, nº 1, alínea c) do Código do IVA, no que ao caso aproveita, que as mesmas devem ser emitidas na data do recebimento, no caso em que o pagamento coincide com o momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7º, nº 1 do Código do IVA, ou seja, no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente, no caso das transmissões de bens e no momento da sua realização, no caso das prestações de serviços [alíneas a) e b)].
6.23. De acordo com o disposto no artigo 36º, nº 4 e nº 5 do Código do IVA, as facturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente, emitidas em duplicado e conter, nomeadamente, a identificação do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, o preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável, as taxas aplicáveis e o montante de imposto devido, a data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações (se essa data não coincidir com a da emissão da factura).[9]
6.24. No caso de a(s) operação(ões) à(às) qual(ais) se reporta a factura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, alguns elementos devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável.
6.25. Nas facturas processadas através de sistemas informáticos, todas as menções obrigatórias devem ser inseridas pelo respectivo programa ou equipamento informático de faturação, excepto quando o adquirente ou destinatário não foram sujeito passivo, relativamente a facturas de valor inferior a EUR 1.000, salvo se o adquirente ou destinatário solicitar que a factura contenha esses elementos, caso em que essa indicação será sempre obrigatória.
6.26. De acordo com o disposto no nº 7 do referido artigo 29º do Código do IVA, “quando o valor tributável de uma operação ou o imposto correspondente sejam alterados por qualquer motivo, incluindo inexatidão, deve ser emitido documento retificativo de factura” (sublinhado nosso).
6.27 Nestes termos, as facturas são substituídas por guias ou notas de devolução ou outros documentos (também emitidos em duplicado), quando se trate de devoluções de mercadorias (ou anulação de serviços) anteriormente transacionadas/prestados entre as mesmas pessoas.
6.28. As guias ou notas de devolução e outros documentos retificativos de facturas devem conter, além da data e numeração sequencial, a identificação do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como a referência à factura a que respeitam e as menções desta que são objeto de alterações.
6.29. Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 44º do Código do IVA, “a contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto” (sublinhado nosso).
6.30. Para este efeito, “(…) devem ser objecto de registo, nomeadamente, as transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas pelo sujeito passivo (…)” e “(…) as transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas ao sujeito passivo no quadro da sua actividade empresarial” (sublinhado nosso).
6.31. Ora, de acordo com o disposto no nº 3 do referido artigo 44º do Código do IVA, as transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas pelo sujeito passivo “(…) devem ser registadas de forma a evidenciar (…)” o valor dos diferentes tipos de operações (não isentas, isentas sem direito à dedução e isentas com direito à dedução).
6.32. De acordo com o previsto no artigo 45º do Código do IVA, o registo das transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas pelo sujeito passivo “(…) deve ser efectuado após a emissão das correspondentes facturas, até à apresentação (…)” das declarações periódicas, “(…) se enviadas dentro do prazo legal (…)”.
6.33. Para efeitos do referido no ponto anterior, “as faturas, guias ou notas de devolução e outros documentos retificativos de faturas, (…) são identificados através das referidas designações e numerados sequencialmente, em uma ou mais séries convenientemente referenciadas, devendo conservar-se na respetiva ordem os seus duplicados e, bem assim, todos os exemplares dos que tiverem sido anulados ou inutilizados, com os averbamentos indispensáveis à identificação daqueles que os substituíram, se for caso disso” (sublinhado nosso).
6.34. No que diz respeito à necessidade de centralização da escrita, estabelece o artigo 76º do Código do IVA que “os sujeitos passivos que distribuam a sua actividade por mais de um estabelecimento devem centralizar num deles a escrituração relativa às operações realizadas em todos”.
6.35. Já em matéria de regularizações, de acordo com o disposto no artigo 78º do Código do IVA, é referido que “(…) se depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável (…)”, “(…) a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos (…) e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais (…)”.
6.36. Face ao acima exposto, cumpre, pois, analisar se assiste razão à Requerente quando refere que “(…) não existe qualquer diferença entre o volume de negócios real e aquele que foi reportado para o E-fatura”, tendo ficado “provado que não existe qualquer fundamento para as liquidações emitidas por falta de IVA, no exercício económico de 2014 (…)”.
6.37. Como vimos, a Requerente admite que “o sistema informático do sujeito passivo tem alguns bloqueios nas funcionalidades disponibilizadas aos funcionários, embora, para evitar dificuldades com os clientes, permita corrigir algumas situações como sejam (…)” as de substituição de “(…) uma fatura/fatura simplificada que foi emitida sem número de contribuinte por outra com número de contribuinte”, as de substituição de “(…) uma fatura simplificada por uma fatura quando o consumidor o solicita”, bem como a “emissão das notas de devolução de produtos de pastelaria e padaria ao fornecedor (…)” (sublinhado nosso).
6.38. A Requerente afirma ainda que “nos procedimentos de gestão, a anulação direta de faturas está bloqueada no sistema de faturação aos utilizadores sem permissões de administrador (…)”, pelo que “dentro do mesmo sistema informático, no escritório não são alterados os ficheiros saf-t, mas sim, feitas as anulações de faturas incorretamente emitidas, remetidas pelos estabelecimentos nos documentos diários” (sublinhado nosso).
6.39. Por outro lado, afirma também Requerente que “os estabelecimentos devolvem diariamente ao fornecedor de pastelaria e padaria, a CIPP, os produtos que não foram consumidos (…)” sendo que “as facturas anuladas de valores elevados estão associadas a erros de emissão por parte dos funcionários, aquando da emissão das guias de devolução dos produtos de pastelaria e padaria que sobram no final do dia e são devolvidos (…)” ao fornecedor.
6.40. Contudo, segundo a Requerente, e relativamente à factura 1 A/28315, de 20.08.2014, no montante total de EUR 16.500,00, “nesta tarefa os funcionários por engano procederam à emissão de uma fatura (…) sendo perfeitamente visível que se trata de erro de emissão, seja pelo momento de emissão, seja pelos valores em presença”.
6.41. Neste âmbito, tentou a Requerente demonstrar, quer em sede de direito de audição, quer em sede de pedido arbitral, ou ainda em sede de inquirição de testemunhas de 26 de Setembro de 208, que com os procedimentos adoptados, no ano de 2014, não existiu “qualquer propósito de alterar a faturação (…)”, mas tão somente a intenção de substituir “(…) uma fatura/fatura simplificada que foi emitida sem número de contribuinte por outra com número de contribuinte”, a intenção de substituir “(…) uma fatura simplificada por uma fatura quando o consumidor o solicita”, “bem como a emissão das notas de devolução de produtos de pastelaria e padaria ao fornecedor (…)”.
6.42. Mas terá a Requerente sido bem-sucedida nesse propósito, demonstrando inequivocamente aquilo que defendia, ou seja, de que “(…) não existe qualquer diferença entre o volume de negócios real e aquele que foi reportado para o E-fatura”, não existindo “(…) qualquer fundamento para as liquidações emitidas por falta de IVA, no exercício económico de 2014 (…)”, conforme acima referido no ponto 6.36.?
6.43. Entende este Tribunal Arbitral que não, porquanto a Requerente não conseguiu explicar, nomeadamente, em sede de inquirição de testemunhas, porque razão as anulações de facturas, realizadas no escritório da Requerente, pelo administrador do sistema, em operações de encerramento mensal, não foram atempadamente consideradas para efeitos de elaboração dos ficheiros SAF-T mensais, tendo em consideração que essas facturas eram “(…) remetidas pelos estabelecimentos nos documentos diários” ou, mesmo admitindo que algumas não eram atempadamente anuladas, sempre o deveriam ser de modo a reflectir-se a sua anulação em sede de SAF-T anual.[10]
6.44. Ora, como vimos, a Requerente enquanto sujeito passivo de IVA está obrigada a adoptar um conjunto de procedimentos contabilístico-fiscal que, no caso, a Requerida alega não terem sido cumpridos (vide pontos 6.5. e 6.6., supra).
6.45. A Requerente contrapõe, invocando que a Requerida não fez prova do alegado incumprimento.
6.46. Ora, para efeitos da demonstração do cumprimento destes pressupostos, a Requerente beneficia, em princípio, da presunção legal de verdade e de boa-fé prevista no nº 1, do artigo 75º da Lei Geral Tributária (LGT).
6.47. Nesta matéria, conforme se refere na Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 4/2011-T, de 2 de Julho de 2012, “o preenchimento dos pressupostos deste preceito dispensa o contribuinte de provar a veracidade dos dados que constam das suas as declarações, contabilidade ou escrita, competindo à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua actuação, sobretudo a prova da existência dos factos tributários em que assentou a liquidação adicional impugnada”.[11]
6.48. “Porém, esta presunção cede, designadamente, quando as declarações, contabilidade ou escrita do contribuinte revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria real do sujeito passivo ou quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (cfr. n.º 2 do artigo 75.º da LGT)” (sublinhado nosso).
6.49. Na decisão arbitral acima referida, refere-se ainda que “importa (…) salientar que é à Administração Fiscal que cabe o ónus de elidir, rebater o efeito legal da presunção; e o de que não basta emitir juízos de presunção de erros, inexactidões, ou de outras razões de pretensa invalidade da presunção, sendo indispensável a (demonstração), mediante factos ou razões inequívocas, de que a declaração não é verdadeira, ou de que a contabilidade, a escrita, ou os apuramentos, são inexactos”.[12]
6.50. Ora, “elidindo a Administração Fiscal esta presunção legal, a prova dos factos ficará sujeita às regras gerais do ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT”.
6.51. E, neste âmbito, como refere Elisabete Louro Martins, na obra identificada (páginas 127-128), citada na decisão arbitral 4/2011-T, “esta sujeição traduzir-se-á numa inversão do ónus da prova material relativamente aos factos a que se refere a omissão uma vez que, à Administração Fiscal bastará provar as deficiências nos elementos declarativos e documentais ou a omissão no dever de colaboração, cumprindo o ónus dos factos constitutivos da sua actuação”.
6.52. Recorde-se que no que diz respeito ao procedimento inspectivo, realizado para o ano de 2014, efectuado pela Requerida (no caso, pelos SIT) no âmbito do “projecto de restauração .../DEP.B” e direcionado a sujeitos desta área que declarassem prejuízo sucessivos durante 3 anos (conforme ponto 5.10., supra), a Requerida (no caso, os SIT), solicitou à Requerente, para aquele efeito que, no início do procedimento inspectivo (24 de Novembro de 2016), disponibilizasse os elementos referidos no ponto 5.11., supra.
6.53. Iniciado o procedimento, e após terem sido identificadas alegadas irregularidades em sede de IRC, o âmbito da acção foi alargado para IRC e IVA tendo a Requerida identificado, no âmbito deste imposto, os aspectos acima descritos (vide ponto 5.16. no que diz respeito aos aspectos identificados no projecto de RIT e ponto 5.19. no que diz respeito à manutenção dos fundamentos e montantes das correções no relatório final.
6.54. Como também vimos, a Requerente exerceu o seu direito de audição, em 23 de Junho de 2017, no qual esboçou a sua defesa no sentido de tentar afastar a existência das irregularidades identificadas pela Requerida (vide pontos 5.17. e 5.18., supra).
6.55. Não obstante, a Requerida (no caso, os SIT) com as análises efectuadas no decurso da acção inspectiva demonstrou a existência de um conjunto de factos concretos que revelam omissões, inexatidões e irregularidades na contabilidade da Requerente, em conformidade com o descrito na versão final do RIT (vide ponto 5.19., supra).
6.56. Com efeito, e não obstante as diversas oportunidades que existiram para a Requerente prestar os esclarecimentos necessários e apresentar as provas documentais que entendesse pertinentes [nomeadamente, tivesse apresentado prova documental que demonstrasse que não subsistia qualquer diferença nos valores incluídos nos ficheiros SAF-T mensais de facturação (após neles se reflectirem as anulações de facturas efectuadas no escritório), quando comparados com os valores comunicados no e-Factura e os valores declarados nas declarações periódicas trimestrais de IVA), a Requerente não apresentou uma justificação adequada e congruente para essas diferenças (identificadas pelos SIT).
6.57. E, estes factos concretos e objetivos (isto é, as diferenças apuradas, no âmbito do procedimento inspectivo) entre os valores declarados nas bases tributáveis dos ficheiros SAF-T de facturação, os valores comunicados no e-Factura e os declarados nas declarações periódicas trimestrais de IVA, referentes ao ano de 2014, abalaram a presunção de veracidade da contabilidade da Requerente, indiciando fortemente a existência das irregularidade identificadas no âmbito do RIT (e que deram origem aos actos de liquidação de IVA objecto do pedido arbitral), logrando assim a Requerida inverter o ónus da prova.
6.58. Ora, passando a Requerente a ser a parte onerada com esse ónus, coube-lhe a apresentação de prova que permitisse concluir pela inexistência dos mencionados factos tributários, prova essa que pretendeu efectuar em sede de pedido arbitral, nomeadamente, quer com as explicações que deu no próprio pedido (na esteira do já reproduzido, em sede inspectiva, no âmbito do direito de audição), quer com a inquirição das testemunhas que apresentou na reunião de 26 de Setembro de 2018 mas, entenda-se, sem sucesso.
6.59. Com efeito, desde logo, e no que diz respeito aos procedimentos associados com os ficheiros SAF-T, os que foram mensalmente extraídos da contabilidade da Requerida não asseguraram o propósito da sua própria criação (nomeadamente, o de “abranger a informação constante dos sistemas de facturação e de contabilidade” de modo a facilitar o tratamento dessa informação pelos SIT).
6.60. Com efeito, no âmbito da inspecção tributária realizada na Requerente ao sistema de contabilidade e facturação desta, a garantia de que o SAF-T, enquanto ficheiro normalizado com o objectivo de permitir uma exportação fácil (e em qualquer altura), de um conjunto predefinido de registos contabilísticos, num formato legível e comum, independente do programa utilizado, sem afectar a estrutura interna da base de dados do programa ou a sua funcionalidade, simplesmente não funcionou nem garantiu o seu propósito.
6.61. Por outro lado, e no que diz respeito às obrigações fiscais em matéria de IVA que a Requerente, enquanto sujeito passivo deste imposto, não assegurou, pode desde logo destacar-se o facto de a Requerente não ter cumprido com o disposto no artigo 29, nº 1, alínea g) do Código do IVA porquanto não dispunha, em 2014, de acordo com as irregularidades identificadas, de uma contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto pois, caso contrário, não teriam sido apuradas diferenças entre os valores declarados nas bases tributáveis dos ficheiros SAF-T da facturação, entre os valores comunicados no e-Factura e entre os declarados nas declarações periódicas trimestrais de IVA do ano 2014.
6.62. E não cumpriu também a Requerente com o disposto no 44º do Código do IVA, nos termos do qual “a contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto”.
6.63. No que diz respeito ao “enganos na emissão das facturas”, que sempre seriam passíveis de anulação (apenas) pelo administrador do sistema (gerência), a Requerente para além de ter de dar cumprimento ao estabelecido no artigo 45º do Código do IVA (vide ponto 6.33., supra), no caso de haver necessidade de proceder a regularizações, a Requerente deveria observar os procedimentos descritos no artigo 78º do Código do IVA (vide ponto 6.35., supra).
6.64. Ou seja, existem na legislação aplicável ao caso diversos procedimentos que deveriam ter sido adoptados de modo as diferenças apuradas pelos SIT não existissem, de modo a que os “enganos” de que fala a Requerente não tivessem as repercussões indesejáveis, em conformidade com o descrito no RIT, e que levaram à emissão das notas de liquidação de IVA objecto do pedido arbitral.
6.65. Neste termos, face ao exposto, entende este Tribunal Arbitral que não assiste razão à Requerente quando afirma que tem “implementados procedimentos de gestão claros (…)” entendendo que “(…) não existe qualquer fundamento para as liquidações emitidas por falta de IVA, no exercício económico de 2014 (…)”, pelos motivos que ao longo do Capítulo 6. desta decisão foram sendo apresentados.
6.66. Daí que, face à improcedência das conclusões apresentadas pela Requerente, tendo em consideração o exposto nos pontos anteriores, se impõe declarar a legalidade dos actos de liquidação de IVA objecto do pedido arbitral e, em consequência, declarar improcedente o pedido arbitral no que diz respeito a essas liquidações, absolvendo-se a Requerida do pedido.
6.67. Em consequência, em face das conclusões apresentadas nos pontos anteriores, não se conhece do pedido de devolução dos valores das garantias e respectivos juros compensatório peticionados pela Requerente.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
6.68. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
6.69. Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC, [ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT], deve ser estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
6.70. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
6.71. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária impõe-se que seja atribuída à Requerente a responsabilidade integral por custas.
7. DECISÃO
7.1. Assim, face ao supra exposto, decide este Tribunal Arbitral:
7.1.1. Julgar procedente a excepção invocada pela Requerida sobre a ilegalidade da cumulação dos pedidos formulados pela Requerente;
7.1.2. Admitir o pedido respeitante às liquidações de IVA que a Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 4º, nº 3, do CPTA, declarou pretender ver apreciado no presente processo;
7.1.3. Julgar improcedente o pedido arbitral relativo ao pedido de anulação das liquidações de IVA identificadas, por não enfermarem estas da ilegalidade que lhe foi imputada pela Requerente, mantendo-se as mesmas na ordem jurídica;
7.1.4. Em consequência, não conhecer do pedido de devolução dos valores das garantias e respectivos juros compensatórios peticionados pela Requerente respeitantes às liquidações de IVA que se mantêm na ordem jurídica;
7.1.5. Condenar a Requerente no pagamento integral das custas do presente processo.
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Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 299º e 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 26.870,94.[13]
Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.530,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.
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Notifique-se.
Lisboa, 23 de Novembro de 2018.
O Árbitro,
Sílvia Oliveira
[1] Texto elaborado respeitando a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas, em que se manteve a ortografia do original.
[2] Por lapso, a Requerente indica neste caso o valor de EUR 10.962,93 (diferença imaterial de EUR 36), mas sem impacto no valor do pedido arbitral porquanto foi considerado o valor correcto deste liquidação
(EUR 10.926,93).
[3] Vide nota de rodapé nº 2.
[4] Contudo, refira-se ainda que, da análise dos autos de notícia anexados no procedimento arbitral (processos nº ...2017... e nº ...2017..., referentes à OI 2016...), não há referência a qualquer montante de IRC relativo à liquidação que a Requerente identifica e menciona no pedido (liquidação nº 2017..., cuja cópia não anexou).
[5] Adicionalmente, refira-se que este Tribunal Arbitral não seria também competente, face ao disposto no artigo 2º do RJAT, para apreciar o pedido para “relevar a aplicação da coima”, apresentado pela Requerente, no que diz respeito à utilização de suprimentos para garantir o pagamento de salários.
[6] Neste âmbito, cide AC TCAS de 19-03-2015 (processo nº 08300/14), nos termos do qual se refere que “relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr. artºs. 596, nº. 1 e 607, nºs. 2 a 4, do CPC) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artº. 123, nº. 2, do CPPT)”.
[7] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso - AC de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207; AC de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289; AC de 09/10/2002, processo n.º 600/02; AC de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.
Em sentido idêntico, podem ver-se MARCELLO CAETANO, in “Manual de Direito Administrativo”, volume I, 10.ª edição, página 479, em que refere que é “irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto”, e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que “não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa”.
No mesmo sentido, pode também ver-se MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, in “Direito Administrativo”, Volume I, página 472, onde escreve que “as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade”.
[8] Em consequência, os programas informáticos utilizados por sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento para emissão de facturas ou documentos equivalentes e talões de venda, nos termos dos artigos 36º e 40º do Código do IVA, deveriam ser objecto de prévia certificação pela AT..
[9] Nos documentos processados em duplicado, o original destina-se ao cliente e a cópia ao arquivo do fornecedor.
[10] Neste âmbito, inquirida nesse sentido a testemunha Dr. E... (TOC da Requerente de 1 de Julho de 2017 e consultor fiscal da Requerente desde meados de 2016 até àquela data), não foi obtida uma explicação coerente e comprovada relativamente ao facto de se terem verificado divergências de valores, no ano 2014, entre todas as DP´s de IVA, todos os valores comunicados no e-Factura e todos os valores declarados nos ficheiros SAF-T do mesmo ano.
[11] Neste âmbito, vide o Acórdão do STA de 29 de Abril de 2004 (processo nº 1680/03).
[12] Nesta matéria, vide o Acórdão do TCAS de 11 de Dezembro de 2006, citado por Elisabete Louro Martins, in “O Ónus da Prova no Direito Fiscal”, Coimbra Editora, 2010, pp. 127-128.
[13] De acordo com o disposto no artigo 299º do CPC, “na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta (…)”, sendo assim irrelevante que o pedido tenha, em consequência da excepção julgada procedente, continuada no que diz respeito apenas às liquidações de IVA (no montante total de EUR 25.424,23 [mantendo-se até no mesmo intervalo (EUR 24.000 – EUR 30.000) da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária].