DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Dr. Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr.ª Mariana Vargas (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 6 de março de 2018, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
Em 29 de dezembro de 2017, A...– Sociedade Gestora de Investimento Imobiliário, SA, com o NIPC ... e sede na ..., n.º ..., ..., ...-..., na qualidade de sociedade gestora e em representação do B...- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, com o NIPC ... (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de vinculação), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
A. Objeto do pedido:
A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e a consequente anulação da liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) com o n.º 2017..., emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) em nome do B...- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, com referência ao ano de 2017, no montante total de € 169 217,29.
B. Da petição inicial:
Reporta-se a petição inicial, anexa ao pedido de constituição do tribunal arbitral, à liquidação de AIMI n.º 2017..., emitida pela AT em nome do C...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, com o NIPC..., pela quantia de € 116 874,15, conforme os documentos a ela juntos.
Nela é formulada a pretensão de anulação do ato tributário da liquidação de AIMI identificada, por erro nos pressupostos de facto e de direito, bem como a condenação da Requerida no reembolso do montante de € 116 874,15, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, até à data da restituição integral daquela quantia.
Como fundamentos do pedido, invoca a Requerente, em suma:
. O regime legal do AIMI, instituído pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, exclui da incidência do imposto os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), apenas sendo abrangidos os prédios urbanos afetos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos naquele artigo 6.º;
. Foi intenção legislativa proceder à criação de um imposto sobre a fortuna imobiliária, em que os prédios urbanos afetos às atividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, reconhecendo que a mera detenção desses imóveis não constitui um fator demonstrador de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos respetivos titulares;
. A ratio legis que esteve na génese da regra de exclusão de incidência objetiva, consagrada no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, assentou, essencialmente, na intenção de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, por força das suas atividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respetivo objecto social;
. Deste modo, não pode incidir AIMI sobre os imóveis do Fundo.
Subsidiariamente, pede a Requerente que seja parcialmente anulado o ato de liquidação que identifica, pelo montante de € 27 260,15, por entender que não pode ser considerado no apuramento do valor patrimonial tributário sujeito a AIMI, o dos “terrenos para construção” cuja potencial utilização coincida com fins “comerciais, industriais ou serviços”, por violação do princípio constitucional da igualdade.
Subsidiariamente, a Requerente entende que o regime legal do AIMI é contrário ao princípio constitucional da igualdade e ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP, pedindo a desaplicação, ao caso concreto, dos artigos 135.º-A e seguintes, do Código do IMI, com a consequente anulação do ato tributário impugnado.
C. Da Resposta da Requerida:
Na sequência do despacho de notificação nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta, em 20 de abril de 2018, notificada ao Tribunal Arbitral e à Requerente na mesma data, na qual a Requerida colocou, como questão prévia, a falta de junção dos quatro documentos (da liquidação e do comprovativo de pagamento do imposto) a que a Requerente alude a final da petição inicial, e que não constam dos autos.
Invocou ainda a Requerida o facto de, quer a petição inicial, quer os documentos que lhe vêm anexos, respeitarem a outro ato de liquidação de AIMI e a outro sujeito passivo, que não os identificados no pedido de constituição do tribunal arbitral.
No entanto, para o caso de a Requerente vir a juntar a documentação pertinente, a AT manifestou a intenção de não prescindir do direito ao exercício do contraditório.
Defendendo a legalidade das liquidações, tece a Requerida considerações sobre o enquadramento jurídico-tributário do AIMI e respetivas normas de incidência pessoal e real, defendendo, em síntese:
. A natureza real da tributação do AIMI, no que concerne às pessoas colectivas e estruturas equiparadas;
. A opção expressa do legislador pela tributação dos prédios classificados como habitacionais ou como terrenos para construção, ainda que integrem o ativo das empresas, por não os incluir na delimitação negativa da incidência que apenas abrande os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”;
. O âmbito da incidência real do AIMI define-se somente pela classificação dos prédios e não pela sua ligação a uma determinada atividade económica;
. A Requerente pretende uma interpretação ab-rogante da norma, introduzindo-lhe um sentido diferente do consagrado pelo legislador na letra da lei, ainda que de forma imperfeitamente expressa, ampliando, assim, o âmbito da exclusão de tributação de forma a abranger a totalidade dos prédios detidos pelos Fundos;
. Mas, a ser acolhida, tal interpretação ab-rogante da lei violará o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes, consagrado nos artigos 2.º e 111.º da CRP, constituindo-se o mesmo como referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cf. artigos 202.º e 203.º da CRP);
. O AIMI visa atingir uma parcela do património dos sujeitos passivos, incidindo sobre os bens imóveis constitutivos de um património, reconhecível juridicamente como capital de uma determinada entidade (singular ou coletiva), independentemente de estar afeto a qualquer processo produtivo ou gerador de rendimentos (n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI);
. O legislador optou no n.º 2 do artigo 135.º-B, do Código do IMI, por uma delimitação negativa da incidência, excluindo do AIMI imóveis que, pela sua potencial afetação, podem ser economicamente reconhecidos como fatores de produção, a título de capital, ou seja, como bens intermediários que, conjugados com os demais fatores de produção, produzem novas utilidades;
. O critério adotado pretende ser universalmente objetivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efetivo dos prédios;
. A preocupação em assegurar “a ausência de impacto na atividade económica” não levou à exclusão da incidência do imposto das sociedades comerciais e de outras entidades equiparadas que, por terem por objeto a prossecução de atividades económicas seriam afetadas em maior ou menor grau pelo ónus do imposto;
. Aliás, a delimitação negativa de incidência foi consagrada na incidência objetiva e não, na incidência subjetiva;
. Os bens em causa, especialmente os terrenos para construção, não são meramente instrumentais ao exercício da atividade do Fundo, antes integram o próprio núcleo da atividade económica, são o objeto do comércio ou indústria, pois se destinam a revenda ou, no caso dos terrenos para construção, também à transformação em caso de neles serem erigidas construções para subsequente venda;
. Os imóveis excluídos da sujeição ao AIMI, nos termos do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, é que desempenham uma função instrumental às atividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, na medida em que constituem edificações que servem de suporte ao funcionamento das referidas atividades, e não são por si mesmos geradores de rendimentos;
. Os Fundos como aquele aqui representado pela Requerente, são estruturas de investimento coletivo de capitais obtidos junto dos investidores e o paradigma que subjaz ao regime fiscal que lhes é aplicável tem sido orientado pelo princípio da neutralidade, que consiste no desenho da tributação dos Fundos, tanto quanto possível, nos mesmos termos em que seriam tributadas as pessoas que investem diretamente nos ativos imobiliários ou mobiliários que constituem os respetivos patrimónios;
. Sendo o substrato da atividade dos Fundos de Investimentos Imobiliários constituído por direitos reais sobre imóveis, se o legislador lhes concedesse um regime de exceção, estaria a privilegiar o investimento indireto em ativos imobiliários através do recurso a este produto financeiro e a abrir a porta a comportamentos de evasão fiscal;
. O legislador, ao alargar o âmbito de incidência a entidades cujo objeto social coincide com o exercício de atividades económicas, demonstrou que não era sua intenção deixar fora do alcance do AIMI todos os imóveis cuja titularidade pertence a tais entidades, sob pena de criar um incentivo fiscal à transferência dos imóveis por parte de pessoas singulares, tendo como destino, nomeadamente Fundos de Investimento Imobiliário Fechados;
. Não ocorre a inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva;
. Nem a Autoridade Tributária e Aduaneira pode deixar de aplicar a lei com fundamento em inconstitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade;
. Caso se venha a concluir pela inconstitucionalidade do regime legal do AIMI não são devidos juros indemnizatórios.
Suscita ainda a AT, nos artigos 94.º e seguintes da sua Resposta, a questão da competência do Tribunal Arbitral para conhecer da questão da tributação em AIMI de terrenos para construção cuja afetação potencial seja a edificação de um prédio urbano destinado a comércio, indústria ou serviços.
Termina a AT por requerer que, caso a Requerente proceda à junção dos documentos em falta, seja concedido prazo para a entidade Requerida exercer o direito ao contraditório; que o presente pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente por não provado, absolvendo-se a Requerida de todos os pedidos, com as devidas e legais consequências ou, caso assim não se entenda, que, por apelo ao disposto nos artigos 280.º, n.º 3 da CRP e 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, seja determinada a notificação ao Ministério Público do acórdão arbitral.
D. Da competência do Tribunal Arbitral
Quanto à alegada incompetência do material Tribunal Arbitral para decidir sobre a questão da inconstitucionalidade da sujeição a AIMI dos terrenos para construção cuja potencial utilização coincida com fins “comerciais, industriais ou serviços” invocada pela Requerida, diga-se, desde já, que lhe não assiste razão, porquanto os tribunais arbitrais em matéria tributária têm a competência a legalmente definida pelo artigo 2.º, do RJAT, em que cabe, nos termos da alínea a) do seu n.º 1, a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, como é o caso dos autos, independentemente dos vícios que lhes sejam imputados pelos sujeitos passivos.
Sendo a questão colocada no âmbito da apreciação da legalidade de um ato de liquidação, para que o Tribunal Arbitral é competente, estamos perante uma fiscalização concreta da constitucionalidade, pois aos Tribunais é vedada a aplicação de “normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”, conforme o artigo 204.º, da CRP.
E. Da falta de junção dos documentos que fundamentam o pedido
A Resposta da entidade Requerida deu entrada nos autos em 20 de abril de 2018 e foi notificada ao Tribunal Arbitral e à Requerente na mesma data.
Em 6 de junho de 2018, foi inserido no processo e notificado à Requerida e ao Tribunal Arbitral, um requerimento da Requerente, enviado por e-mail, cujo teor se transcreve:
“Na sequência da Resposta apresentada pela AT no passado dia 20.04.2018, vimos, pelo presente, informar que não pretendemos produzir alegações, orais ou escritas, no âmbito do processo em referência.
Adicionalmente, informamos que nada temos a opor relativamente à dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
Por fim, e no âmbito do princípio de colaboração das partes no processo, envio, em anexo, o pedido de pronúncia arbitral em formato word”.
O pedido de pronúncia arbitral em formato word não foi rececionado pelo Tribunal Arbitral conjuntamente com a notificação do requerimento acima transcrito.
Em 8 de junho de 2018, foi proferido Despacho Arbitral, notificado às Partes em 11 de junho de 2018, no qual foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, se convidaram ambas as Partes à apresentação, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias – artigos 29.º, do RJAT, 91.º, n.º 5 e 91.º-A, do CPTA, – alegações escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito, se fixou a data de 3 de setembro de 2018 para prolação da decisão final, solicitando-se às Partes, ao abrigo do princípio da cooperação, o envio dos articulados e alegações em formato editável (Word) com vista a facilitar e abreviar a elaboração da decisão final.
Em resposta ao Despacho Arbitral a que acabou de se aludir, enviou a Requerente aos autos o requerimento cujo teor se reproduz:
“Na sequência do despacho arbitral proferido hoje, e conforme já mencionado no nosso email do passado dia 06.06.2018, informamos que não pretendemos produzir alegações, orais ou escritas, no âmbito do processo em referência.
Adicionalmente, reenviamos, em anexo, o comprovativo de pagamento da taxa de arbitragem remanescente que fora já remetido ao CAAD em 18.05.2018.
Por fim, e conforme solicitado, enviamos, em anexo, o pedido de pronúncia arbitral em formato word.”.
O pedido de pronúncia arbitral junto ao requerimento da Requerente, de 11 de junho de 2018, em nome do B...- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, corresponde ao pedido de constituição do tribunal arbitral, de 29 de dezembro de 2017, sem que a ele viessem anexos os documentos comprovativos dos factos alegados.
Também a entidade Requerida remeteu aos autos, na mesma data anterior e no seguimento da notificação do requerimento da Requerente, um requerimento em que informou nada ter a acrescentar à resposta apresentada, a qual reitera e dá por reproduzida, assim nada tendo a opor também à dispensa da realização da referida reunião e da produção de alegações.
II. SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral é competente e foi regularmente constituído em 6 de março de 2018, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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O processo não padece de vícios que o invalidem.
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Não foram invocadas exceções que ao Tribunal Arbitral cumpra apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1 MATÉRIA DE FACTO
Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário [CPPT], subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), sob pena de nulidade, cominada pelo n.º 1 do artigo 125.º, do mesmo CPPT.
A. Factos Provados:
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A liquidação de AIMI n.º 2017... foi emitida pela AT em nome do B...- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, com referência ao ano de 2017, pelo montante total de € 169 217,29 (artigo 1.º da Resposta da AT);
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A soma do valor patrimonial tributário considerada como matéria coletável do imposto diz respeito a prédios classificados como “habitacionais” e “terrenos para construção” (artigo 2.º da Resposta da AT);
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O pedido subsidiário de anulação parcial da liquidação de AIMI n.º 2017 ... respeita à quantia de € 148 060,18 (artigos 1.º e 95.º da Resposta da AT).
B. Factos não provados:
a) Não se provou a identificação dos prédios urbanos da propriedade do B...- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado representado pela Requerente incidiu a liquidação de AIMI;
b) Não se provou que, de entre os dos prédios cujo valor patrimonial tributário integra a matéria coletável do imposto apurado na liquidação de AIMI n.º 2017..., figurem os classificados como “terrenos para construção”, cuja potencial utilização coincida com fins “comerciais, industriais ou serviços”, nem quais os respetivos valores patrimoniais tributários;
b) Não se provou que a Requerente tivesse procedido ao pagamento do imposto liquidado.
C. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração que a Requerente apenas juntou aos autos quatro documentos referentes a outra liquidação de AIMI e a outro sujeito passivo, documentos esses que a AT impugna (artigo 8.º da Resposta), consideram-se como provados e como não provados, respetivamente, os factos acima enunciados.
III.2 DO DIREITO
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Ordem de apreciação dos vícios
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 124.º, do CPPT, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, não existindo vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado, deverá o tribunal apreciar os vícios arguidos que determinem a sua anulabilidade, dispondo o n.º 2, alínea b), do mesmo artigo, que, quanto a estes últimos, a ordem do seu conhecimento será a indicada pelo impugnante, sempre que seja estabelecida entre eles uma relação de subsidiariedade, sem prejuízo de serem prioritariamente conhecidos os vícios cuja procedência assegure a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
A Requerente formula pedidos subsidiários, seguindo-se a sua apreciação pela ordem por si indicada.
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Do âmbito de incidência do AIMI. Prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção afetos a atividades económicas
Os artigos 135.º-A a 135.º-K, do Código do IMI, contêm o regime do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), criado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, tratando o artigo 135.º-A da incidência subjetiva e o artigo 135.º-B, da incidência objetiva.
Nos termos daquele primeiro artigo, “São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português”, sendo “equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis”, à “data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.”.
O âmbito da incidência real do AIMI, tal como delimitada pelo artigo 135.º - B, do Código do IMI, abrange “a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular” (n.º 1), à exceção dos que sejam “classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.” (n.º 2).
É a seguinte a redação do artigo 6.º, do Código do IMI:
“Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.”.
A Requerente defende que foi intenção legislativa proceder à criação de um imposto sobre a fortuna imobiliária, em que os prédios urbanos afetos às atividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, pelo que este não poderá incidir sobre os prédios propriedade do Fundo por si representado, padecendo a liquidação impugnada de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
É certo que na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 (Proposta de Lei n.º 37/XIII-2.ª), o n.º 2 do artigo 135.º-B estabelecia que “2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino.”, ao mesmo tempo que a alínea c) do n.º 2, do artigo 135.º-C, previa uma dedução base de “€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento”.
Porém, tendo na Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, sido suprimida a prevista dedução ao valor tributável dos imóveis diretamente afetos à atividade agrícola, industrial ou comercial das pessoas coletivas (e equiparadas), assim como a prevista alusão à afetação dos imóveis a excluir de tributação em sede de AIMI, deverá conclui-se que “Relativamente às pessoas coletivas o AIMI é um verdadeiro imposto geral sobre o património imobiliário, embora da sua aplicação estejam excluídas algumas classes de prédios (…) um imposto geral, mas parcial, sobre a fortuna imobiliária (…)”[1].
Nos termos gerais da hermenêutica jurídica, a letra da lei é não “só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação”, o que quer dizer que “o texto funciona também como limite da busca do espírito”[2].
Não sendo possível extrair da letra do n.º 2 do artigo 135.º-B, do Código do IMI, o sentido pretendido pela Requerente, de que os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, ainda que constituam o substrato de uma atividade económica exercida por pessoa coletiva ou equiparada se insiram na delimitação negativa da incidência de AIMI, não pode ter-se por verificado alegado erro sobre os pressupostos de facto e de direito da liquidação de AIMI em análise.
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Apuramento do valor patrimonial tributário sujeito a AIMI. “Terrenos para construção”, cuja potencial utilização coincida com fins “comerciais, industriais ou serviços”.
Subsidiariamente, pede a Requerente que seja parcialmente anulado o ato de liquidação que identifica, por entender que não pode ser considerado no apuramento do valor patrimonial tributário sujeito a AIMI, o dos “terrenos para construção” cuja potencial utilização coincida com fins “comerciais, industriais ou serviços”, por violação do princípio constitucional da igualdade.
Contudo, relativamente a esta questão, deverá o pedido ser julgado improcedente, por não provado, porquanto, conforme acima ficou referenciado, a Requerente não ofereceu meios de prova que permitam aferir se o valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação impugnada inclui o valor patrimonial tributário de terrenos para construção cuja potencial utilização seja a implantação de edifícios destinados a fins comerciais, industriais ou para serviços, pois os documentos que fez juntar respeitam a outra liquidação de AIMI e a outro sujeito passivo, que foram expressamente impugnados pela AT na sua Resposta, com o que a Requerente se conformou.
A instância arbitral tributária constitui-se com a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, dentro dos prazos e nos termos previstos no artigo 10.º, do RJAT; à semelhança do que acontece em caso de propositura de impugnação judicial, em que, juntamente com a petição, o impugnante “oferecerá os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes” (artigo 108.º, n.º 3, do CPPT), também de entre os elementos que devem constar do pedido de constituição de tribunal arbitral, se contam, entre outros, “Os elementos de prova dos factos indicados e a indicação dos meios de prova a produzir” (artigo 10.º, n.º 2, alínea d), do RJAT).
Vigora no processo judicial tributário, dominado pela legalidade, o princípio do inquisitório (artigos 99.º, da Lei Geral Tributária [LGT] e 13.º, do CPPT), tendo em vista a descoberta da verdade material e a justiça da decisão. Destarte, cabe ao tribunal “realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer” (artigo 99.º, n.º 1, da LGT), nomeadamente, “as diligências de produção de prova necessárias” (artigo 114.º, do CPPT).
A prova apenas é necessária quanto aos factos controvertidos e, tratando-se de factos constitutivos dos direitos, o respetivo ónus recai sobre quem os invoque, princípio de repartição contido no n.º 1 do artigo 74.º, da LGT, também aplicável ao processo tributário[3], se bem que subordinado ao princípio da proporcionalidade, face ao que o tribunal pode pedir a realização da prova à parte que com ela não é onerada, caso o esforço probatório da parte sobre quem recai o respetivo ónus se revele insuficiente ou difícil o acesso aos meios probatórios.
No caso concreto dos autos, não se afigura que o esforço probatório a realizar pela Requerente fosse excessivo ou que esta tivesse dificuldades acrescidas na obtenção dos documentos comprovativos dos factos que alega e aos quais faz referência no requerimento arbitral, sem que os tenha feito juntar.
Por outro lado, antes de o Tribunal Arbitral ter proferido despacho de aperfeiçoamento, ou outro, no processo, é a própria Requerente quem, após ter sido notificada da Resposta da AT, na qual se refere expressamente a falta de elementos probatórios dos factos alegados e se impugnam os documentos oferecidos, respeitantes a outra liquidação de AIMI e a outro sujeito passivo, em requerimento de 6 de junho de 2018, cujo teor foi reiterado pelo requerimento de 11 de junho de 2018, veio informar que prescindia de alegações, juntando cópia da petição inicial (até então desconhecida do Tribunal Arbitral), mas não dos meios probatórios adequados à fundamentação dos pedidos que formula.
Nem se diga que a improcedência do pedido de anulação do ato de liquidação impugnado, por não provado, contenda com o direito da Requerente à prova ou que constitua decisão surpresa para efeitos do artigo 3.º, n.º 3, do Código do Processo Civil, pois, devidamente notificada da Resposta da entidade Requerida, a Requerente com ela se conformou, prescindindo da produção de alegações.
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Inconstitucionalidade do AIMI, por incidir sobre prédios que constituem o substrato de uma atividade económica
Subsidiariamente, a Requerente entende que o regime legal do AIMI é contrário ao princípio constitucional da igualdade e ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP, pedindo a desaplicação, ao caso concreto, dos artigos 135.º-A e seguintes, do Código do IMI, com a consequente anulação do ato tributário impugnado, invocando, em síntese:
. O regime legal do AIMI, em concreto os respetivos artigos 135.º-A e 135.º-B, do Código do IMI, e a tributação resultante do mesmo, promovem um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em manifesta violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP;
. Ao instituir o AIMI, o legislador pretendeu tributar os prédios com fins habitacionais, enquanto efetivas manifestações de riqueza, mas foi clara a intenção de excluir do âmbito de aplicação do AIMI todos os prédios afetos a atividades económicas;
. No caso dos Fundos de Investimento Imobiliário, a propriedade de imóveis consubstancia o substrato patrimonial da própria atividade económica, sendo um meio essencial (quase único) para a prossecução da mesma, pelo que não se encontra verificado o pressuposto de tributação essencial, uma vez que a propriedade daqueles imóveis não constitui um indício de uma acrescida capacidade contributiva;
. Em face da atividade que os Fundos de Investimento Imobiliário estão legalmente autorizados a desenvolver, os imóveis são fatores produtivos e meios para o exercício da sua atividade económica e não indício de riqueza acrescida;
. A aplicação do AIMI a imóveis detidos por estas entidades penaliza de forma injustificadamente agravada este setor de atividade, em detrimento dos restantes;
. A imposição desta tributação não tem qualquer relação com o rendimento real da atividade desenvolvida por estas entidades – no limite, onerando-as mesmo que as mesmas tenham resultados negativos;
. O artigo 135.º-A do Código do IMI – quando interpretado no sentido de incluir no âmbito de aplicação subjetivo do AIMI entidades que desenvolvem uma atividade imobiliária –, promove um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em manifesta violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados no artigo 104.º, n.º 3 do mesmo diploma.
A esta argumentação, contrapõe a Autoridade Tributária e Aduaneira que:
. As escolhas subjacentes à delimitação da incidência objetiva do AIMI foram efetuadas dentro da margem de “liberdade de conformação legislativa” e não violam os princípios da igualdade de tributação em função da capacidade contributiva, à face da doutrina e da jurisprudência do Tribunal Constitucional;
. Está-se perante um “imposto parcelar sobre determinadas manifestações de capacidade contributiva”, pelo que não é “normativamente adequado proceder a uma comparação entre o valor global do património de outros contribuintes”, devendo, antes, tomar como base de comparação, para aferir da observância do princípio da igualdade, os patrimónios de outros Fundos com o mesmo objeto social;
. “a diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa, a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais”;
. Os fundos de investimento imobiliários são titulares de bens tidos pelo legislador como manifestação de particular fortuna;
. Os imóveis não são meramente instrumentais ao exercício da atividade dos Fundos, pois integram o próprio núcleo da atividade económica, são o objeto do comércio ou indústria, pois, destinam-se a revenda ou, no caso dos terrenos para construção, a transformação em caso de neles serem erigidas construções para subsequente venda;
. Diferentemente, os imóveis excluídos da sujeição ao AIMI, nos termos do n.º 2 do art.º 135.º-B do CIMI, desempenham uma função instrumental às atividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, na medida em que constituem edificações que servem de suporte ao funcionamento das referidas atividades, e não são por si mesmos geradores de rendimentos;
. A circunstância de um dado bem valer como “fator de produção de riqueza” não é suficiente para contrariar a constatação de que o correspondente titular detém um imóvel apenas acessível a detentor de peculiar riqueza e, assim, capacitado para suportar uma contribuição adicional para a desejada consolidação orçamental;
. O princípio da igualdade impõe uma igualdade horizontal, ou seja, que todos os que são titulares da mesma forma de riqueza sejam tributados da mesma maneira;
. Como qualquer imposto sobre o património, o AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda dos bens imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial dos prédios.
O princípio da igualdade tributária traduz uma expressão específica do princípio geral da igualdade ínsito no artigo 13.º, da CRP, devendo ser entendido não apenas como igualdade perante a lei (sentido formal), mas como igualdade na lei (sentido material), o que convoca o princípio da capacidade contributiva ou capacidade de contribuir para a satisfação dos encargos na medida da capacidade económica revelada pelo rendimento, pela despesa ou pelo património.
Este princípio da capacidade contributiva, enquanto medida e termo de comparação da igualdade no domínio dos impostos, apela para as ideias de “generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério – o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical).”[4].
No que respeita à tributação do património, o artigo 104.º, n.º 3, da CRP, estabelece que “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”, sem que até hoje tivesse sido criado entre nós um “imposto geral sobre o património” que, reforçando a progressividade geral do sistema, fosse apto a promover uma mais justa repartição da riqueza[5].
Por outro lado, no recorte das figuras tributárias, apesar da larga margem de conformação do legislador, se lhe proíbe o arbítrio, vedando-lhe a tomada de medidas legislativas que sejam manifestamente desproporcionadas ou inadequadas.
Por isso, o Tribunal Constitucional tem vindo a entender que “A violação do princípio constitucional da igualdade subentende uma concreta e efetiva situação de diferenciação injustificada ou discriminatória, sendo certo que, a este propósito, a jurisprudência constitucional tem insistentemente sublinhado não proibir aquele princípio que se criem distinções, desde que estas não sejam arbitrárias ou desprovidas de fundamento material bastante”[6].
Assim se justifica a diferença do regime de tributação do património das pessoas singulares e das pessoas coletivas em sede de AIMI, bem como a delimitação negativa da incidência estabelecida no n.º 2 do artigo 135.º-B, do Código do IMI, no concernente dos prédios urbanos destinados ao exercício de atividades produtivas, como são, designadamente, os classificados “comerciais, industriais ou para serviços”.
No que respeita à incidência de AIMI sobre os imóveis da titularidade dos Fundos de Investimento Imobiliário, maioritariamente destinados a habitação, e, atendendo às atividades desenvolvidas por estas estruturas de investimento coletivo, nos termos do artigo 210.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro (aquisição de imóveis para arrendamento ou destinados a outras formas de exploração onerosa; aquisição de imóveis para revenda; aquisição de outros direitos sobre imóveis tendo em vista a respetiva exploração económica; realização de obras de melhoramento, ampliação e de requalificação de imóveis; desenvolvimento de projetos de construção e de reabilitação de imóveis), não se afigura que devam merecer um tratamento mais vantajoso do que o concedido à generalidade dos proprietários de prédios urbanos que, individualmente, se encontram em situação idêntica, pois, tal como enfatiza a Autoridade Tributária e Aduaneira, “o paradigma que subjaz ao regime fiscal que lhes é aplicável tem sido orientado pelo princípio da neutralidade que consiste no desenho da tributação dos Fundos, tanto quanto possível, nos mesmos termos em que seriam tributadas as pessoas que investem diretamente nos ativos imobiliários ou mobiliários que constituem os patrimónios dos fundos”.
Será, pois, de concluir conforme o Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 668/2017-T (disponível em www.caad.pt) que “a titularidade de um património imobiliário de valor elevado pelos fundos de investimento imobiliário evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI, e que «corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social» (Relatório do Orçamento para 2017, página 57).
Por isso, a não incidência do AIMI sobre os valores dos prédios habitacionais ou terrenos para construção de habitação pertencentes a fundos de investimento imobiliário, constituiria um injustificado tratamento fiscal privilegiado em relação à generalidade dos restantes proprietários de imóveis com aquelas características.
Pelo exposto, a imposição aos fundos de investimento imobiliário do AIMI relativamente ao seu património constituído por imóveis habitacionais e terrenos para construção destinados a habitação não se afigura materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.”.
5. Questões de conhecimento prejudicado
Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Pelos mesmos motivos apontados no ponto 3 supra, para que se remete, fica prejudicado o conhecimento da questão relativa à inconstitucionalidade do AIMI quando incida sobre “terrenos para construção”, cuja potencial utilização coincida com fins “comerciais, industriais ou serviços”.
Efetivamente, não conhecendo o Tribunal Arbitral da questão concreta relativa à inclusão do valor patrimonial tributário daquele tipo de terrenos para construção no valor da matéria tributável para efeitos de AIMI, pelos motivos ali descritos, a apreciação da constitucionalidade suscitada pela Requerente não deixaria de traduzir-se numa apreciação abstrata da constitucionalidade, da exclusiva competência do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 281.º, da CRP.
Assim, devendo ser integralmente mantida na ordem jurídica a liquidação impugnada, pelos motivos indicados nos pontos 2 e 4 supra, para os quais se remete, fica igualmente prejudicado o conhecimento da questão relativa ao pedido de juros indemnizatórios.
A improcedência da questão relacionada com a invocada inconstitucionalidade do regime legal do AIMI, quando incidente sobre imóveis que constituem o substrato de uma atividade económica e o não conhecimento da questão relativa à inconstitucionalidade do mesmo Adicional, por incidir sobre “terrenos para construção”, cuja potencial utilização coincida com fins “comerciais, industriais ou serviços”, torna desnecessária a notificação da presente decisão arbitral ao Ministério Público.
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DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 169 217,29 (cento e sessenta e nove mil, duzentos e dezassete euros e vinte e nove cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 3 672,00 (três mil, seiscentos e setenta e dois euros), a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 6 de agosto de 2018.
Os Árbitros,
José Poças Falcão
(Presidente)
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Sérgio de Matos
(Vogal)
Mariana Vargas
(Vogal)
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.
[1] José Maria Fernandes Pires, “O Adicional ao IMI e a Tributação Pessoal do Património”, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 42.
[2] José de Oliveira Ascensão, “O Direito – Introdução e Teoria Geral”, 13.ª Edição refundida, Almedina, Coimbra, pág. 396.
[3] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado”, Vol. II, 6.ª Edição, 2011, pág. 131: “Embora esta regra esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário, tenha o respetivo ónus no processo judicial tributário”.
[4] - José Casalta Nabais, “Direito Fiscal”, Almedina, Coimbra, 2014, 7.ª Edição, pág. 155.
[5] De acordo com José Maria Fernandes Pires, obra citada, pág. 31, “O argumento mais utilizado na defesa da existência dos impostos gerais e pessoais sobre o património, e também aquele que a nossa Constituição consagra, é o da promoção de uma mais justa repartição da riqueza. (…) O incremento da progressividade produzido por este imposto, bem como as receitas fiscais que seria capaz de gerar, poderiam servir para diminuir as taxas aplicáveis aos rendimentos médios e mais baixos, baixando a carga fiscal aos respetivos cidadãos e aumentando a justiça social”.
[6] Cfr. O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/03, de 28/04, processo n.º 308/02.