Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 648/2017-T
Data da decisão: 2018-09-19  IRC  
Valor do pedido: € 112.045,35
Tema: IRC – Dedutibilidade de Gastos Financeiros – Art. 23.º, n.º 1 e al. c) do CIRC.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros José Poças Falcão (árbitro presidente), Manuel Alberto Soares (árbitro vogal) e Américo Brás Carlos (árbitro vogal), acordam no seguinte:

 

 

1 – RELATÓRIO

 

A..., SA, com o NIPC..., e sede na Rua ... , nº..., ... -... ..., doravante designada por Requerente, veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, requerer a constituição do tribunal arbitral coletivo, tendo deduzido os seguintes pedidos:  

 

a) Declaração de ilegalidade da liquidação de IRC do Grupo B..., de que a Requerente é a sociedade dominante nos termos e para efeitos do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) previsto nos artigos 69º e seguintes do Código do IRC (CIRC), relativa ao exercício de 2012, que, no âmbito do procedimento de inspeção interno determinado pela ordem de serviço OI2015..., refletiu a não dedutibilidade fiscal de encargos financeiros no montante de € 2.152.229,19 suportados pela Requerente enquanto sociedade integrante do Grupo B... decorrente do procedimento de inspeção externo determinado pela ordem de serviço OI2014... . A importância da liquidação controvertida é de € 112.045,35, com data limite de pagamento de 10.02.2017.

 

b) Consideração para efeitos do cálculo do IRC de 2012, da dedução à colecta que a Requerente tem direito no âmbito do SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial).

 

A Requerente designou o árbitro Manuel Alberto Soares nos termos do artigo 11.º, n.º 2 do RJAT.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

A AT designou o árbitro Américo Brás Carlos ao abrigo do nº 3 do artigo 11º do RJAT.

Na falta do acordo previsto no nº 6 do artigo 11º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro-presidente o Senhor Juiz José Poças Falcão.

As partes, oportunamente notificadas, aceitaram as designações.

O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 5 de março de 2018.

A Requerente pede que o Tribunal declare:

 

«a) A ilegalidade da controvertida liquidação por ter sido utilizado um método indireto, presuntivo, de afetação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT, não tendo invocado expressamente a AT que no caso concreto havia lugar a recurso a um método de avaliação indireto, o que lhe competia nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 3 da LGT.

  1. A ilegalidade da desconsideração dos encargos financeiros suportados que foram repercutidos nos empréstimos concedidos à C..., por serem encargos dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do CIRC.
  2. A ilegalidade da desconsideração dos encargos financeiros suportados para realização de prestações suplementares, por serem encargos dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do CIRC ou, subsidiariamente, que devia ter sido aplicado o regime de preços de transferência.
  3. A ilegalidade da desconsideração dos encargos financeiros suportados para a aquisição de participações sociais, por serem encargos dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do CIRC.
  4. No caso de haver uma anulação parcial, a ilegalidade da liquidação por se tratar, no caso, de uma ato indivisível.
  5. Que deva ser considerada para efeitos do cálculo do imposto, a dedução à coleta que a Requerente tem direito no âmbito do SIFIDE.».

 

A AT respondeu no prazo legalmente previsto, advogando a improcedência total do pedido de pronúncia arbitral, remetendo para o relatório de inspeção tributária (RIT) da ordem de serviço OI2014... e para a fundamentação nele constante, sintetizando a final que:

«Os encargos financeiros cuja dedução é controvertida respeitam a capitais alheios que não foram aplicados na exploração da A...» (…) «…os encargos financeiros suportados, não representam para a A..., um gasto indispensável à realização dos proveitos sujeitos a imposto nem para a manutenção da sua fonte produtora, destinando-se apenas à eventual manutenção da fonte produtora das suas participadas e só nestas poderia ser considerado como gasto.».

Ainda, segundo a Requerida:

«Não houve, assim, nem tinha que haver, por parte da AT, a utilização de métodos indiretos para o cálculo dos juros a desconsiderar» e

 «no que respeita à aplicabilidade do artigo 63º do CIRC (Preços de transferência) ao caso em apreço (…) nunca foi colocada em causa a razoabilidade das taxas aplicáveis face às praticadas no mercado, ou qualquer violação do princípio do plena concorrência»..

 

Por despacho de 20 de Abril de 2018, foi:

  1. Dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT;
  2. Fixado prazo para a produção de alegações escritas das partes;
  3. Fixado o dia 3 de Setembro de 2018 como data limite para prolação e notificação da decisão arbitral;
  4. Solicitado às partes o envio de cópias dos articulados em Word.

 

As partes apresentaram alegações escritas dentro do prazo fixado.

 

Por despacho de 4 de Setembro de 2018, foi, fundamentadamente, prorrogado por 2 meses o prazo previsto no artigo 21º, nº 1 do RJAT, fixando como limite para a decisão arbitral o dia 4 de Outubro de 2018.

 

 

2 - SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas questões prévias.

 

 

3 – MATÉRIA DE FACTO

 

3.1 Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

 

a) A Requerente, enquanto sociedade integrante do Grupo B..., tem por objeto social a edição e comercialização de livros e ensino à distância através de plataformas de “e-learning” e, enquanto sociedade dominante do Grupo, está enquadrada no RETGS previsto nos artigos 69º e segs. do Código do IRC (CIRC).

 

b) Em 13 de Setembro de 2010 foi assinado um contrato (Facility Agreement) entre as entidades:

  • D... S.A.R.L., designada como E... ou Mutuante, sediada no ... do Luxemburgo, detentora de 71,13% do capital da Requerente;
  • F... B.V., sediada na Holanda, designada como Global ou Mutuário, detentora de 18,87% do capital da Requerente e
  • A..., SA, Requerente, NIF ... (antes designada por G..., S.A.), designada como H... .

Pelo qual,

  • A entidade E..., mutuante, obrigou-se a financiar a entidade “F...”, através de um empréstimo no “…montante máximo de € 50.000.00,00.”;
  • A A..., S.A., Requerente, “…irá receber da F... parte do montante emprestado pela E... para realização das suas atividades comerciais.”
  • Segundo o esclarecimento da Requerente sobre o motivo e interesse económico deste empréstimo “…o grupo B... queria crescer e expandir o seu negócio naquele que era o mercado natural para a concretização do seu objetivo, o Brasil, ao mesmo tempo que desejava apostar numa 3ª área de actividade complementar às existentes: o e-learning ou educação à distância através do canal online.”(RIT- OI2014..., p. 16);
  • De acordo com o descrito no ponto 7 da Cláusula 3ª “…as Partes concordam que a E... deve receber uma taxa de juro de 10,85% sobre o montante total de cada Desembolso realizado (…) como alguns Desembolsos não comportam juros, a taxa de juro sobre os elementos que contêm juros foi ajustada para refletir isto mesmo de modo a que a taxa de juro geral seja mantida em 10,85%”.
  • O ponto 7.7. da Clausula 3ª do contrato refere ainda que “caso o Mutuário não pague quaisquer montantes na Data de Reembolso Programada, deve considerar-se que os Montantes Não Pagos serão capitalizados.”

 

 

c) Em 26 de abril de 2012, foi assinado um contrato de mútuo entre as entidades:

A..., SA, Requerente, NIF ...(antes designada por G..., S.A.), como Mutuário;

e

F... B.V., sediada na Holanda; D...S.A.R.L., sediada no ... do Luxemburgo; I..., NIF...; J..., NIF...; K..., NIF ... e L..., NIF..., como Mutuantes.

  • Nos termos deste contrato “Os mutuantes detêm conjuntamente 100% do capital social do Mutuário. De modo a satisfazer as necessidades de tesouraria do mutuário, este solicitou aos seus acionistas um mútuo no montante de € 4.000.000,00. O mútuo assume a natureza de suprimentos”;
  • E, “trata-se de um contrato de suprimentos num valor total de € 4.000.000 com o objectivo de chegar ao Brasil para reforçar o investimento na actividade, concedido por todos os accionistas do Grupo à A..., onde está colocada a sua participação, e seguindo por via de suprimento subsequente à C... SGPS SA.”(RIT- OI2014..., p. 16);
  • De acordo com a Cláusula 3ª “Os juros serão calculados, sobre os montantes efectivamente mutuados (número efetivo de dias/360) e em divida nos termos do Mútuo, à taxa EURIBOR (1 mês) acrescida de 3% (três por cento).”

 

d) Em 12 de janeiro de 2011, foi assinado um contrato de suprimento, entre as entidades:

  • A..., SA, Requerente, (antes designada por G..., S.A.), NIF ... e
  • C...– SGPS, S.A., NIF…,

segundo o qual “a Creditante (A...) disponibilizará um crédito, para efeitos de cobertura de necessidades financeiras da Creditada (C...-SGPS), destinado a ser regulado e configurado como um suprimento…”.

Nos termos da cláusula 1ª deste contrato “… a creditante abre um crédito a favor da Creditada, num montante máximo global de € 50.000.000 (cinquenta milhões de euros), o qual, uma vez realizado, configurará um suprimento…”.

De acordo com o descrito na Cláusula 4ª “A taxa de remuneração dos suprimentos será de 10,85%…”.

 

e) Em 28 de maio de 2012, foi assinada uma adenda a este último contrato de suprimentos, revogando a cláusula 4ª do contrato e aditando a cláusula seguinte: Cláusula 4ª: Os juros serão calculados, em função do saldo diário que se encontrar em divida e vencer-se-ão no final do prazo do crédito. A taxa de remuneração dos suprimentos será de 3,5%...”

 

f) De acordo com os elementos contabilísticos e os esclarecimentos da Requerente (pp. 11 a 19 e 153 a 166 do RIT-OI2014...):

  • Do empréstimo obtido nos termos do contrato referido na alínea b) acima indicada, resultaram, no exercício de 2012, os seguintes montantes de dívida e respetivos juros suportados:

Empréstimo Obtido - Facility Agreement

 

Montante Total

Não Remunerado

Remunerado

Tx Juro

Juros

15.000.000,00

808.734,00

14.191.266,00

11,4683214

1.820.260,33

19.996.625,00

1.078.312,50

18.918.312,50

11,4703677

2.350.315,54

19.996.468,75

1.753.941,00

18.242.527,75

11,8952813

2.287.988,76

54.993.093,75

3.640.987,50

51.352.106,25

 

6.458.564,63

 

 

  • Dos empréstimos obtidos pela Requerente na sequência do contrato indicado na alínea c) supra resultaram as seguintes dívidas no exercício de 2012 e, no mesmo exercício, os respetivos juros suportados:

Empréstimo Obtido - Contrato Suprimentos

 

Conta

Designação

Montante

Tx juro

Juro

2531100097

Restantes acionistas

400.000,00

Tx Euribor + 3%

8.801,66

2531100098

D...

755.000,00

Tx Euribor + 3%

16.613,12

2531100100

F...

2.845.000,00

Tx Euribor + 3%

62.603,58

 

 

4.000.000,00

 

88.018,36

 

 

  • Pelo que, dos dois referidos contratos, resultaram em 2012 os seguintes encargos:

 

Empréstimos obtidos

 

 

Data mov

Montante

tx juro aproximada

Juros suportado

 

dez 2010 a julho 2011

51.352.106,25

11,5 a)

6.458.564,63

 

dez 2010 a julho 2011

3.640.987,50

s/juros a)

0,00

 

Abril/maio 2012

4.000.000,00

3,2

88.018,36

 

Total

58.993.093,75

 

6.546.582,99

 

 

a) de acordo com o contrato a taxa média sobre o total do empréstimo (tranches remuneradas e não remuneradas) situa-se em 10,85%.

 

  • Do montante obtido através destes empréstimos, a Requerente fez a seguinte afetação:

 

Data

Montante

Destino

30-12-2010

3.500.001,00

Prestações suplementares à entidade C...

30-12-2010

808.734,00

Aquisição ações O... SGPS

30-12-2010

10.000.000,00

Prestações suplementares à entidade O... SGPS

 

14.308.735,00

 

 

 

 

jan 2011 a maio 2012

39.673.460,00

Empréstimo à entidade C... remunerado à tx 10,85%

maio 2012 a dez 2012

3.552.000,00

Empréstimo à entidade C... remunerado à tx 3,5%

 

43.225.460,00

 

TOTAL

57.534.195,00

 

 

g) A conta 6911000001 – Juros suportados de financiamentos obtidos[1] da contabilidade da Requerente, bem como o extrato relativo aos empréstimos indicados nas alíneas b) e c) supra, revelam um montante de juros de € 6 577 337,86, embora a Requerente só tenha fornecido justificativos dos mesmos no montante de € 6 546 582,99.

 

h) Por outro lado, estão contabilizados como rendimentos financeiros, na conta 7914000001- Juros obtidos de financiamentos a subsidiárias, decorrentes dos empréstimos concedidos nos termos da alínea d) supra, no montante de € 4 425 102,54.

 

i) De entre os encargos financeiros com os empréstimos obtidos, refletidos na conta 691100001 – Juros suportados, no exercício de 2012, o montante de € 2 152 229,19 não foi aceite para efeitos fiscais de acordo com o artigo 23º do CIRC, “por não serem aplicados na própria exploração, não se considerando gastos relacionados com a atividade”(RIT-OI2014..., p. 24).

 

j) Esta correção ao lucro tributável da Requerente enquanto entidade individual, no valor € 2 152 229,19, resultou da diferença entre os juros suportados por força dos contratos mencionados nas alíneas b) e c) supra, no valor de € 6 577 331,73, refletidos na conta 691100001, e os juros, no montante de € 4 425 102,54, que foram recebidos da subsidiária C..., SGPS, SA na sequência do empréstimo efectuado pela Requerente, refletidos na conta 7914000001.

 

k) Por força da referida correção fiscal o lucro tributável da Requerente em 2012 passou de um prejuízo fiscal de € 2 513 394,24 para um prejuízo fiscal de € 361 165,05; e a matéria coletável do Grupo passou a ser de € 575 027,45, conforme o RIT-OI2015..., pp. 4 e 13, que concluiu:

Pelo exposto, a proposta de correção à soma algébrica os resultados fiscais para o exercício de 2012 é no montante de 2.152.229,19 € e os prejuízos fiscais a deduzir são no valor de 1.725.082,35 €, referente às empresas M..., SA, A..., SA e N..., Lda, o que origina uma matéria coletável de 575.027,45 €, como a seguir se indica:

 

Exercício

2012

Apuramento da Matéria Colectável do Grupo

Quadro 9 da declaração grupo

Soma algébrica dos resultados fiscais – campo 380

147.880,61 €

Correção proposta:

 

Correção nos termos do art.º 70º do CIRC

2.152.229,19 €

Valor líquido – campo 382

2.300.109,80 €

Prejuízos a deduzir – campo 396

1.725.082,35 €

Matéria coletável do Grupo – campo 311/346

575. 027,45 €

 

 

 l) Sobre a pretensão de dedução à coleta nos termos do nº 2 do artigo 90º do CIRC, correspondente ao benefício fiscal – SIFIDE, a Requerida reconheceu que «para efeitos de cálculo do imposto será tomada em conta a dedução à coleta nos termos do nº 2 do artigo 90º do CIRC, correspondente ao benefício fiscal – SIFIDE» (RIT – OI2015..., p. 13).

 

3.2. Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

3.3 Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis para as questões de Direito, nos termos do artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, tendo por base a análise critica do Processo Administrativo junto aos autos e dos documentos apresentados pelas partes.

 

4 - MATÉRIA DE DIREITO

Passa a julgar-se de cada uma das ilegalidades apontadas à liquidação em causa.

 

4.1. Os encargos financeiros em causa e o artigo 23.º, n.º 1 e alínea c), do Código do IRC

A Requerente requer a «ilegalidade da desconsideração dos encargos financeiros suportados» para aquisição de ações, realização de prestações suplementares e realização de empréstimos, em sociedades participadas.  

A primeira questão que importa apreciar e decidir prende-se com a verificação dos requisitos exigidos pelo artigo 23.º, n.º 1 e alínea c) do Código do IRC, para efeitos da dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros em causa.

Os empréstimos concedidos à Requerente tiveram, portanto, os seguintes destinos:

  1. Aquisição de ações da sociedade O... SGPS, SA.
  2. Realização de prestações suplementares à sociedade O... SGPS, SA e à sociedade C... SGPS, SA.
  3. Suprimentos à sociedade C... SGPS, SA.

 

Tendo em vista cada uma destas aplicações, temos:

 

a) Relativamente à parte dos empréstimos que foi utilizada para aquisição de ações da sociedade O... SGPS, SA, no montante de € 808.734,00, a mesma não foi remunerada. Não houve, portanto, quaisquer encargos financeiros a influenciar as contas de gastos da Requerente e o seu lucro tributável, sendo esta parte irrelevante para o julgamento da questão.

 

b) No que respeita aos empréstimos dos acionistas da Requerente para a realização de prestações suplementares às sociedades participadas O... SGPS, SA e C... SGPS, SA, nos montantes de € 10.000.000,00 e € 3.500.001,00, respetivamente, foi demonstrado que os mesmos foram remunerados tendo os respetivos encargos sido contabilizados na conta de gastos da Requerente e considerados dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável. Note-se que, no caso sub judice, como assinala a Requerente, as prestações suplementares não vencem juros a pagar pela sociedade beneficiária (art. 210º, nº 5 do CSC). Todavia, esclarecem os autos que a Requerente, entidade prestadora, suportou juros relativamente aos capitais obtidos e são esses que agora relevam.

 

É, pois, necessário julgar do seu enquadramento nas normas do artigo 23º, nº 1 e alínea c) do CIRC. O que passa a fazer-se, convocando para a discussão o conceito da comprovada indispensabilidade dos gastos resultante destes preceitos, à luz da jurisprudência dos tribunais superiores, como decorre do artigo 8º, nº 3 do Código Civil, bem como do artigo 25º do RJAT, e da doutrina aplicável ao caso.

Aquelas normas do artigo 23º do CIRC dispunham à data dos factos:

  “1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

  1. (…)
  2. (…)
  3. De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

(…)”

 

 

A aferição da comprovada indispensabilidade dos gastos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, a que se refere o nº 1 do artigo 23º do CIRC, começa por só poder fazer-se relativamente à entidade que os contabiliza e suporta, como resulta de reiterada jurisprudência do STA,  de que é exemplo o seu Acórdão de 30.05.2012, proc. nº 171/11[2], que concluiu: «os custos não podem deixar de respeitar à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.», bem como o seu acórdão de 10.7.2002, proc. n.º 0246/02, que decidiu: “os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte”, pelo que “para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que em relação de domínio”,.

 

É pois claro que, para que se verifique o referido requisito da indispensabilidade, o gasto tem de respeitar à própria entidade contribuinte, em si mesma considerada, sendo evidente que a fonte produtora cuja manutenção se liga aos gastos na relação de “comprovada indispensabilidade” por força do nº 1 do artigo 23º do CIRC é a da sociedade participante que suporta os encargos e não a da sociedade participada que deles beneficia. Como afirma o acórdão do TCANorte de 14.3.2013, proc. n.º 01393/06.1, “só devem ser considerados custos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora mas da própria sociedade e não de um terceiro. Ou seja, os custos têm que ser reportados à atividade desenvolvida pela sociedade em causa e não por outra sociedade”.

 

Ora os empréstimos em causa não foram aplicados na própria empresa que os contraiu e suportou os respetivos encargos, mas em sociedades comerciais que, apesar de dominadas, têm personalidade e capacidade tributárias distintas e são por isso autónomas na prossecução dos seus objetos sociais próprios e na contabilização independente dos seus rendimentos, gastos e outras variações patrimoniais. Não se vê, pois, como possa considerar-se indispensável um gasto decorrente de um financiamento colocado na esfera jurídica e ao dispor de outra sociedade[3]. E, na verdade, a Requerente mantém-se como entidade jurídica com personalidade e capacidade jurídicas e tributárias próprias e autónomas em face das empresas a si associadas.

                                               

Por outro lado, a concretização da cláusula geral da indispensabilidade dos gastos, embora não implicando um juízo de oportunidade e mérito sobre a realização dos mesmos, não prescinde da ponderação do objeto societário da respetiva entidade, antes impõe que a apreciação de tal “indispensabilidade” seja feita do ponto de vista «do interesse da empresa, atento  o objeto societário do ente comercial em causa» (Acórdão do STA - pleno n.º 049/11, de 15.06.11).

Do mesmo modo, a averiguação da comprovada indispensabilidade dos gastos deve arrimar-se à ideia da comprovada «necessidade» dos mesmos (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, p. 83) «atento o objeto societário do ente comercial em causa» (Acórdãos TCA-Sul de 19.02.2015, proc. nº 8137/14 e de 22.01.2015, proc. nº 5327/12.). Como refere o mesmo autor «Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc. ) então tal custo não deve ser havido por indispensável» (ob. cit., p. 87). E, recorde-se, que foi, expressamente, para possibilitar o desenvolvimento da atividade de outras sociedades do grupo que foram assumidos pela Requerente os encargos em análise (vd. contratos de financiamento junto ao RIT- OI2014...). 

Também, no mesmo sentido, para serem fiscalmente dedutíveis, os gastos têm de ser imputados à «atividade da própria entidade delimitada pelo seu objeto social». (Ac. TCASul, de 16.10.2007, proc. nº 01276/06). É que é pressuposto da aplicação do artigo 23.º do CIRC «a consideração individualizada de cada empresa ou instituição pelo que não podem interferir aqui raciocínios daqueles em que se faz apelo a critérios de gestão do “grupo” ou mesmo dos financiamentos – ainda que gratuitos – dos seus sócios ou mesmo a vontade destes que nessa matéria é irrelevante, visto que se trata de um critério legal, sendo unicamente relevante a pessoa coletiva cujos custos estão em apreciação» (v. Acs. TCASul de 16.10.2007, proc. n.º 01276/06 e de 18.12.2008, proc. n.º 02515/08).

 

E, de facto, não se vislumbra como se possa prescindir da ponderação do objeto social de uma sociedade para julgar da “comprovada indispensabilidade” dos gastos incorridos. As sociedades comerciais são entes jurídicos balizados na sua atividade pelo objeto social. Veja-se o artigo 11º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC): «Como objeto da sociedade devem ser indicadas no contrato as atividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer» (art. 11º, nº 2 do CSC). As sociedades comerciais têm por objeto a prática de atos de comércio (art. 1º, nº 2 do CSC) e o seu objeto social é uma «certa atividade económica» que a sociedade virá a exercer (art. 980º do Código Civil). Atividade essa, previamente determinada e especificada em termos suficientemente precisos, sob pena de nulidade do contrato nos termos do artigo 42º, nº 1, al. b) do CSC [4]. E, por atividade económica, deve entender-se uma série ou sucessão habitual de atos dessa natureza e não a prática isolada de um ato, como a aquisição de uma participação social noutra sociedade[5]. Resulta, aliás da conjugação dos nºs 4 a 6 do artigo 11º do CSC, que a simples permissão estatutária para aquisição de participações sociais em sociedades de responsabilidade limitada, não configura uma extensão do seu objeto social. Situação distinta será a das sociedades incumbidas de gerir uma carteira de participações sociais, o que não é o caso da Requerente.  

 

A utilização do «objeto ou escopo social da entidade», como parâmetro decisório para aferir da indispensabilidade dos gastos para efeitos do artigo 23º, nº 1 do CIRC, permanece muito atual na jurisprudência dos nossos tribunais superiores em matéria tributária.

Na linha, por exemplo, do Acórdão do STA n.º 01046/05, de 07.02.07, que considerou não dedutíveis os encargos suportados por uma sociedade para fazer face à realização de prestações acessórias, por «não estarem relacionadas com o objeto social e atividade prosseguida pela sociedade»,  que se dedicava à «fabricação de azulejos e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco» e do Acórdão do STA n.º 0107/11, que à luz do artigo 23.º do CIRC, decidiu não serem dedutíveis os custos com juros e imposto do selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento de sociedades suas associadas, apesar da relação de domínio total[6], o STA, no seu recente Acórdão n.º 01206/17, de 28.02.18, reiterou de forma clara a ligação entre o conceito de indispensabilidade dos gastos de uma sociedade e o seu «objeto social».

 

Tendo presente que a Requerente não é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), analisam-se, seguidamente, as conclusões deste Acórdão nº 01206/2017.

Tratava-se de saber se os encargos financeiros suportados por uma sociedade (que prosseguia a atividade imobiliária) com empréstimos utilizados na realização de prestações suplementares em sociedades participadas eram dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC. Decidiu-se neste aresto:

«I - Sendo certo que a impugnante é um sócio da sociedade participada e a ela pode efectuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, o que aqui se não mostra em discussão, na sua esfera jurídica a decisão de efectuar a prestação suplementar não é exercício da sua actividade empresarial porque ela não tem por objecto, também, a gestão de participações sociais.

II - O acordo parassocial que celebrou e em cumprimento do qual veio a realizar as prestações suplementares, não altera/amplia o objecto social da impugnante, e, por não obter enquadramento legal neste, não é desenvolvimento da actividade  social da impugnante.


III - Não se trata de aferir da bondade dos actos de gestão realizados pela impugnante, mas de verificar que, sejam quais forem as operações financeiras que realize, fora do seu objecto social, não são um acto de gestão da sua actividade empresarial, pelo que não pode aportar a esta os custos que essa operação financeira produza.

IV - O reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares efectuadas pela impugnante não são exercício da actividade empresarial da impugnante, pelo que os custos que incorram com essas ou por causa das realizações de tais prestações não são custos dedutíveis em sede de IRC à luz do art.º 23.º do CIRC.»

 

Fundamentação que, com a devida vénia, se adota no presente caso.

 

Acresce que também a alínea c) do nº 1 do art. 23º do CIRC, faz depender a dedução fiscal de juros de capitais alheios da aplicação destes na sua exploração, a qual se deve entender como "a atividade produtiva da empresa.” (Acórdão do STA n.º 0627/16, de 28.06.17). O que não aconteceu com a aplicação que a Requerente fez dos capitais obtidos.

Finalmente, note-se que, contrariamente ao que ocorre na aquisição de participações sociais, onde existe a aquisição de um direito a uma maior percentagem dos dividendos, a maiores mais-valias ou a um maior valor atribuído em caso de liquidação da sociedade participada, não há na prestação de prestações suplementares uma "comprovada indispensabilidade” dos gastos inerentes às mesmas nos termos do nº 1 do artigo 23º do CIRC, uma vez que, no cenário mais favorável, o que a sociedade prestadora adquire é apenas o direito ao seu reembolso, nas circunstâncias previstas no CSC.

 

Assim, por não estarem preenchidos os requisitos do nº 1 e sua alínea c) do artigo 23º do CIRC, entende-se que não podem ser fiscalmente dedutíveis os encargos financeiros suportados pela Requerente para a realização das prestações suplementares apreciadas neste ponto, por se verificar inexistir um nexo de causalidade dos mesmos com a sua atividade económica que permita reconhecer que tais gastos são comprovadamente indispensáveis para a obtenção dos seus rendimentos ou para a manutenção da sua fonte produtora.

 

A Requerente refere ainda «subsidiariamente, que devia ter sido aplicado o regime de preços de transferência».  

 

Ora, quando a AT pretende levar a cabo qualquer correção fiscal com vista a uma liquidação corretiva é ela que, obviamente, escolhe o iter que àquela conduz. Depois, fundamenta-o e passa a sujeitar-se ao escrutínio que dessa opção e desse caminhar farão os contribuintes e os tribunais. É, pois, sobre o ato tributário praticado e não sobre o que, no entender dos sujeitos passivos, deveria ter sido praticado, que recai o julgamento do tribunal. E, tendo a AT sustentado a referida correção fiscal no artigo 23º, nº 1 do CIRC, nos termos atrás referidos, não merece a mesma, por isso, qualquer juízo de reprovação. Em face dos autos, reconhece-se razão à Requerida quando a este propósito, afasta a aplicação do regime dos chamados preços de transferência, respondendo: «no que respeita à aplicabilidade do artigo 63º do CIRC (Preços de transferência) ao caso em apreço (…) nunca foi colocada em causa a razoabilidade das taxas aplicáveis face às praticadas no mercado, ou qualquer violação do princípio do plena concorrência»..

 

Pelo que não se considera ilegal a decisão da AT de, com base no artigo 23º, nº 1 e alínea c) do CIRC, não considerar como gastos da atividade fiscalmente dedutíveis os encargos financeiros decorrentes das importâncias que a Requerente colocou à disposição de outras entidades do grupo sob a forma de prestações suplementares.

 

c) Quanto aos encargos decorrentes da obtenção dos empréstimos que foram utilizados pela Requerente na realização de suprimentos à C... SGPS, SA, é, mutatis mutandis, igualmente válida a argumentação acima expendida a propósito dos empréstimos obtidos para a realização de prestações suplementares, designadamente e em síntese, a que se pode encontrar na acima citada jurisprudência dos tribunais superiores em matéria tributária.

 

Como antes foi assinalado, não são dedutíveis, à luz do artigo 23.º do CIRC, os custos com juros e imposto do selo de empréstimos contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento de sociedades suas participadas, apesar da relação de domínio total. Também assim decidiu o Acórdão do STA n.º 0107/11, de 30.11.2011, onde pode ler-se:

«…os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades. A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação».

E ainda sobre os custos suportados pela sociedade participante «Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social que é o de compra e venda de bens imobiliários (empreendimentos e gestão de imóveis) e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco; e também não se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.

Por outro lado, também não estamos perante juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na al. c) do nº 1 do art. 23º do CIRC.
E a mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

E tal indispensabilidade está longe, neste caso, de ter sido demonstrada.».

 

Ora, também no caso sub judice, a personalidade e capacidade jurídica e tributária da Requerente, mutuante, e a sua atividade não se confundem com as da sociedade mutuária, ainda que por si totalmente detida.

 

E, à semelhança do referido para os juros do financiamento destinado à realização de prestações suplementares, aos custos contabilizados pela Requerente com a aquisição do financiamento destinado à realização de suprimentos na sociedade participada faltou também a necessária afetação dos mesmos à sua atividade produtiva própria para que pudessem ser fiscalmente dedutíveis, como impunha o nº 1 e a alínea c) do artigo 23º do CIRC, na redação à data dos factos.

 

Recorde-se que a Requerente tem como objeto social e desenvolve a atividade de edição e comercialização de livros e ensino à distância e não a de gestão de participações sociais, pelo que tais encargos financeiros não estão diretamente relacionados com a sua atividade. A possibilidade de, por força do recebimento dos suprimentos, haver lugar a uma maior capacitação para o desenvolvimento da atividade da sociedade mutuária é uma vantagem que só a esta comprovadamente respeita. Usando as palavras do citado Acórdão do STA nº 0107/11, «a mera possibilidade de (a sociedade participante) poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais».

 

Para serem dedutíveis na esfera da Requerente, seria, pois, necessário que tais encargos fossem comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da sua fonte produtora, e não fossem apenas indiretamente ligados a hipotéticos benefícios futuros, nem sequer mensuráveis, dependentes da manutenção futura da atual relação participante-participada e resultantes de um possível cenário favorável a verificar relativamente à sociedade participada.

 

É de concluir, portanto, que, em abstrato, também no caso da prestação de suprimentos, a afetação de capitais alheios à exploração de uma outra sociedade que não a que os adquiriu de terceiros e suportou os encargos de tais financiamentos, não confere a estes encargos, desde logo, a natureza de gastos indispensáveis para a sociedade prestadora. No limite, se assim fosse, seria aberta a porta à deslocação de resultados fiscais entre empresas na procura de vantagens fiscais indevidas. E, no caso, passaria a ser imputada à sociedade participante, ainda que dominante, os gastos do exercício da atividade da participada[7].  O que não se aceita como princípio geral.

 

Considerou, porém a AT que, em obediência a um princípio de relação entre os gastos suportados ou incorridos e os rendimentos obtidos, fossem fiscalmente dedutíveis os juros suportados pela Requerente na medida em que geraram rendimentos na sua esfera. Princípio que a Requerente não contestou, uma vez que o que esta contestou foi o método de apuramento do montante dos gastos dedutíveis, como se verá a seguir.

 

Na circunstância, para apuramento do lucro tributável individual da Requerente, a AT subtraiu aos encargos suportados ou incorridos por força da obtenção dos capitais alheios destinados a efetuar os referidos suprimentos e as prestações suplementares acima mencionadas – contabilizados na conta 691100001 no montante de € 6 577 331,73 -, os juros, no montante de € 4 425 102,54, contabilizados na conta 7914000001, que foram recebidos da subsidiária C..., SGPS, SA na sequência do suprimento efectuado pela Requerente. Isto é, não aceitou com gasto fiscal a componente dos juros contabilizados como gastos que não teve correspondência no valor dos juros contabilizados como rendimento.

 

Tal correção fiscal não suscita a reprovação do tribunal.

 

4.2 – Da pretensa aplicação de um método indireto em desrespeito dos artigos 87.º a 90.º da LGT e do artigo 74º, nº 3 do mesmo diploma.

A Requerente considera ter a AT «utilizado um método indireto, presuntivo, de afetação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT», sem invocar «o disposto no artigo 74º, nº 3 da LGT» porque «A quantificação dos encargos financeiros não dedutíveis foi feita de uma forma indireta, porque resultou da mera diferença entre os encargos financeiros dos empréstimos obtidos e os proveitos financeiros de empréstimos às suas participadas».

 

Vejamos se, como defende a Requerente, houve avaliação indireta de matéria coletável.

 

Como acima foi dito, a correção em análise resulta simplesmente da não aceitação fiscal de juros suportados que excedem o montante dos juros obtidos, no pressuposto de que a concessão de empréstimos gratuitos, no todo ou em parte, não é, em absoluto, indispensável para a atividade de uma sociedade como a Requerente, a qual não é uma SGPS nem uma sociedade de capital de risco.

 

O tribunal entende que esta é, de facto, uma simples “correção técnica” para efeitos fiscais[8] ao valor de juros suportados constante da declaração de rendimentos da Requerente (art. 16º, nº 3 do CIRC) determinada pela não dedutibilidade fiscal de parte dos juros contabilizados como gastos pelo Requerente. É de correções que se trata, como mesmo literalmente se retira da parte final do art. 17º, nº1 do CIRC «O lucro tributável (…) é constituído pela soma algébrica do (…) eventualmente corrigidos nos termos deste Código». Tal correção foi imposta pelo nº 1 e alínea c) do artigo 23º do CIRC em resultado do dever de controlo da declaração do sujeito passivo (art. 16º, nº 1 do CIRC) e de correção do resultado determinado com base na contabilidade (art. 17º, nº1 do CIRC).  

 

Independentemente de quer nos empréstimos obtidos quer nos financiamentos concedidos haver partes remuneradas e partes não remuneradas, de as remuneradas o serem a taxas diferentes e de haver diferenças estruturais nuns e noutros, designadamente no que respeita à capitalização ou não capitalização dos juros no caso de não reembolso do capital[9], de facto, o que existe é a seguinte realidade: a Requerente pretendeu conceder os citados empréstimos e prestações suplementares às participadas, e para isso, recorreu aos financiamentos por capitais alheios nos termos atrás mencionados. Há, portanto, no exercício de 2012, um valor de juros suportados em função da obtenção de tais financiamentos e um valor de juros recebidos em função dos suprimentos que foram concedidos (uma vez que as prestações suplementares não venceram juros). A correção fiscal efetuada teve o valor da diferença, evidenciada na contabilidade e na declaração de rendimentos da Requerente, entre os juros a pagar e os juros a receber.

 

O que a AT fez foi uma avaliação direta do lucro tributável. E não poderia sequer a AT proceder à sua avaliação indireta, por não se tratar de um «caso nem das condições expressamente previstas na lei» para tal, como, sem margem para dúvidas, determina o artigo 81º, nº 1 da LGT.  

Como refere o Acórdão do TCASul de 13.03.2014 (processo nº 07216/13) «O recurso ao método de avaliação direta só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correções técnicas se revele de todo impraticável». Ora não foi isso que ocorreu.

No caso sub judice, não foi questionada a veracidade da contabilidade da Requerente e não há dúvida que a contabilidade do sujeito passivo, quando não seja considerada falsificada ou viciada, é, claramente, um elemento da avaliação direta (v. art. 88º da LGT a contrario). Teria sido necessário que a AT tivesse posto em crise a veracidade da contabilidade para que pudesse deitar mão à avaliação indireta. Como, lapidarmente, refere RUI DUARTE MORAIS «a recusa, pela administração, da aceitação fiscal de um determinado custo pela invocação de ser desnecessário não põe em causa a verdade da escrita do sujeito passivo, mas apenas a qualificação por ele feita (em sede de auto-apuramento do lucro) desse custo (que se aceita ter realmente existido). Daí que tal não-aceitação não legitime o recurso a métodos de avaliação indireta, mas tão só aquilo que, normalmente, se chama de “correções técnicas” da matéria colectável declarada.»[10].      

 

Não foi, portanto, desrespeitado nenhum dos preceitos da LGT citados pela Requerente, porque não estavam verificados nenhum dos requisitos para a sua aplicação. Não ocorreu nenhuma das situações do universo que permite a avaliação indireta da matéria coletável (v. arts. 16º, nº 4 e 57º e segs. do CIRC e arts. 87º a 89º -A da LGT), nem, naturalmente, tal devia ter sido invocado pela AT.

 

Também do ponto de vista do elemento sistemático de interpretação, releva que o artigo 16º, nº 4 do CIRC disponha: «A determinação do lucro tributável por métodos indiretos só pode efetuar-se nos termos e condições referidos na secção V». Ora, a correção em causa resultou da aplicação do nº 1 e alínea c) do artigo 23º do CIRC, que se encontra na secção II – Determinação da matéria coletável - do mesmo capítulo e, portanto, dentro dos preceitos relativos à avaliação direta da matéria coletável.

 

O método de determinação da matéria colectável utilizado pela AT não foi, pois, um método de avaliação indireta, tendo-se, ao invés, baseado nos elementos contabilísticos do contribuinte e nos seus esclarecimentos, pelo que, também aqui não se reconhece qualquer ilegalidade no ato praticado.

 

 

4.3 – Da não consideração da dedução à coleta concedida como incentivo fiscal ao abrigo do SIFIDE.

Pede a Requerente que seja «considerada para efeitos do cálculo do imposto, a dedução à coleta que a Requerente tem direito no âmbito do SIFIDE».

Tal dedução já fora mencionada, sem a quantificar, no RIT-OI2015... (p. 13), nos seguintes termos «Para efeitos de cálculo do imposto será tomado em conta a dedução à coleta nos termos do nº 2 do artigo 90º do CIRC, correspondente ao benefício fiscal – SIFIDE.».

Pede-se, agora, o reconhecimento de um direito a uma dedução à coleta do IRC, o qual não foi exercido pela Requerente na sua declaração de rendimentos de IRC de 2012, não tendo por isso sido objeto de qualquer correção na liquidação corretiva impugnada; a que acresce o facto de ser uma dedução que, em caso de insuficiência de coleta no exercício em que as despesas foram realizadas, poder o saldo não deduzido sê-lo até ao 6º exercício imediato (art. 4º, nº 3 da Lei nº 40/2005).

Nestas circunstâncias, entende o tribunal que a apreciação de tal pretensão não está compreendida no âmbito da sua competência, circunscrita como está, à apreciação da legalidade dos atos referidos no nº 1 do artigo 2º do RJIT.

 

4.4 – Conclusão

Conclui-se, assim:

a) Que não se verificam as ilegalidades apontadas à liquidação impugnada no que respeita à desconsideração dos encargos financeiros suportados pela Requerente.

b) Não cabe na competência deste tribunal arbitral a consideração da dedução à colecta prevista no SIFIDE, solicitada pela Requerente.

 

5. DECISÃO

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte que pretendia a consideração fiscal dos encargos financeiros suportados pela Requerente para efeitos da determinação do seu lucro tributável em IRC do exercício de 2012, devendo manter-se a liquidação efetuada nos termos dos artigos 69º e segs. para o grupo económico de que a Requerente é a sociedade dominante;

b) Não se pronunciar sobre a consideração da dedução à colecta do IRC do exercício de 2012, resultante do SIFIDE, por, atento o nº 1 do artigo 2º do RJIT, estar tal julgamento fora do âmbito da sua competência.

 

6. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se ao processo o valor de € 112.045,35, nos termos dos artigos 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97º-A, nº 1, alínea a) do CPPT e 306º, nºs 1 e 2 do CPC.

 

Lisboa, 19 de Setembro de 2018

 

 

O Presidente

 

 

José Poças Falcão

 

                                                          

 

                                                           O Árbitro vogal

 

 

Manuel Alberto Soares

(vota vencido conforme declaração anexa)

 

 

O Árbitro vogal

 

 

Américo Brás Carlos

 

Declaração de Voto

 

Não acompanho a decisão que fez vencimento pelas razões que, ainda que de forma resumida, passo a explicitar.

A Requerente é a sociedade dominante de um Grupo, abrangido pelo RETGS, que a par da sua atividade de edição, distribuição e venda de livros escolares, tem no seu ativo participações financeiras de mais 11 empresas, detidas, direta ou indiretamente, na sua esmagadora maioria, a 100%.

Não se está perante investimentos passivos, isto é, de mera perceção de rendimentos, já que necessariamente, como acontece na generalidade dos grupos, a existência de diversas sociedades tem na sua génese razões de especialização por áreas de atividade, mas exercendo as participadas atividades económicas com maior ou menor grau de integração ou complementaridade, têm de obedecer a uma estratégia comum, assumida pela sociedade dominante, como aliás, o demonstra o financiamento das participadas assumido pela Requerente.

Portanto, a sociedade dominante gere, como acontece com qualquer outro ativo, as suas participações sociais, intervindo nas assembleias gerais, influenciando as decisões de gestão das participadas na sua área operacional, deliberando o reforço do capital próprio da participadas ou o aumento das suas disponibilidades de tesouraria. Isto é, de facto, gere estas participações sociais no exato quadro da prossecução do seu escopo social. Trata-se da participação em sociedades com objeto social idêntico ao que a dominante exerce – pelo que as referências que são feitas na decisão se revelam artificiosas e não atendem, no meu entender, às especificidades da lei comercial, no que toca à aquisição de participações em sociedades com objeto social idêntico ao que a dominante exerce e à aquisição de participações em sociedades com outro objeto social, tal como decorre dos nºs 4 e 5 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais.

Não acompanho, portanto, a decisão arbitral quando reconduz, no caso da Requerente, a aquisição de participações sociais à prática “isolada de um ato”, como se os títulos tivessem sido adquiridos, metidos num cofre (com a desmaterialização já nem isto pode ser feito) e nada mais tivesse acontecido. Como consta dos autos, foi a Requerente que, pelo menos, assegurou o financiamento externo do grupo, o que configura ato de gestão das suas participações financeiras, sendo que a gestão de participações sociais não é exclusivo das SGPS, como se sugere na decisão.

Por isso, nos termos permitidos pelos estatutos, a Requerente exerce de facto a gestão de participações sociais e fá-lo num quadro estratégico de desenvolvimento do seu negócio que é a atividade editorial, isto é do seu escopo social

Mas ainda que tal não acontecesse na aceção restrita do seu objeto social, assumida na decisão, tanto quanto decorre do artigo 23.º do Código do IRC, com a redação à data dos factos, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC e, nos termos do artigo 20.º consideram-se sujeitos os rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória.

O que significa que o Código do IRC sujeita a imposto todos os rendimentos decorrentes da atividade da empresa, conste ou não tal atividade das 3 ou 4 linhas com que tradicionalmente se sintetiza o objeto social de uma sociedade, insiste-se, em sentido estrito. O que significa igualmente que os rendimentos de participações financeiras (dividendos ou mais-valias), seja a sociedade ou não uma SGPS, tenha ou não no seu objeto social inscrita a gestão de participações sociais, tais rendimentos estão inequivocamente sujeitos a imposto. E, estando sujeitos a imposto, são dedutíveis os correspondentes gastos para a obtenção desses rendimentos, como claramente decorre do artigo 20.º do CIRC.    

Neste âmbito, como se refere no Acórdão do STA n.º 0627/16, de 28.06.17, citado na decisão, a AT “apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)”, o que não é manifestamente o caso.

Aliás, esta conceção de que o artigo 20º, que trata dos rendimentos (componente positiva do lucro), admite a tributação de quaisquer rendimentos ou ganhos e de que o artigo 23º, que trata dos gastos (componente negativa do lucro) apenas admite a dedução daqueles que estejam compreendidos no objeto social, transformando, quanto a este segmento o imposto sobre o rendimento num verdadeiro imposto sobre o volume de negócios revela-se uma aplicação  inconstitucional do  artigo 23º do Código do IRC.

De facto, o IRC dá cumprimento ao desígnio constitucional de tributação das empresas consagrado no nº 2 do artigo 103.º  da CRP e não se pode, por via do artifício das atividades compreendidas no (ou das supostamente realizadas para além do)  objeto social admitir a sua transformação num imposto sobre o volume de negócios, que mais não será do que uma tributação do consumo prevista no nº 4 do mesmo artigo 103.º e que é atingida primordialmente pelo IVA.

É minha opinião que uma tal aplicação do artigo 23º do Código do IRC configura uma ficção de rendimento. Ora, o estabelecimento de ficções de rendimento é inconstitucional por violação dos princípios do lucro real e da capacidade contributiva.

Não se podem confundir com esta aplicação os casos de gastos que o legislador fiscal desconsiderou para efeitos fiscais e de que é exemplo a enumeração contemplada no artigo 23º-A do Código do IRC.

Há um dever de interpretação conforme a Constituição das disposições legais que preveem e regulam a determinação do lucro tributável, não sendo admissível que gastos de natureza empresarial, como os que aqui estão em causa, possam ser desconsiderados pela ficção que não tem acolhimento legal de que o lucro tributável das empresas corresponde:

 

  1. Quanto às atividades compreendidas no objeto social à diferença entre rendimentos e ganhos e os respetivos gastos ou perdas; 
  2. Quanto às atividades não compreendidas no objeto social aos rendimentos ou ganhos dessas atividades;

Não se encontra na norma do artigo 23.º, nem em qualquer outra norma do Código do IRC, fundamento para uma tal interpretação, sendo claro que, à luz da Jurisprudência, como adiante se verá, as limitações impostas por aquele artigo 23º prendem-se com gastos de natureza não empresarial e não em questões artificiosas como o objeto social ou a diferença entre participações em sociedades com o mesmo objeto social e em sociedades com objeto social diverso.

Em meu entender, o sentido da decisão, ao alinhar nesta interpretação está a admitir ficções de rendimento não admitidas e que são suscetíveis de admitir uma aplicação não conforme com a CRP do artigo 23º do Código do IRC, pelo que, em consciência, não posso deixar de manifestar a minha oposição a uma tal interpretação.

Mas as razões da minha discordância com o sentido da decisão não se cingem a esta questão. De facto,

Os encargos financeiros em causa e o artigo 23.º, n.º 1 e alínea c), do Código do IRC

Neste âmbito, contrariamente ao que decorre da decisão que faz vencimento, seguimos a vasta jurisprudência formada no CAAD, constante, nomeadamente, das recentes Decisões nos Processos n.ºs 637/2017-T, 466/2017-T e 115/2017-T, bem como da Decisão no Processo n.º 715/2016-T, em que foram Árbitros o Sr. Dr. José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Dr.ª Mariana Vargas e Dr. Henrique Fiúza (Árbitros Vogais). Recorda-se que neste Processo acompanhou-se “a fundamentação da Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 12/2013-T, do CAAD, em que foi Árbitro único Tomás Tavares, nos termos da qual se considerou que Uma sociedade pode obter fundos (e pagar juros) e depois entregar esses fundos a uma filial sem qualquer remuneração causal e direta – e ainda assim exercer adequadamente a sua atividade, dentro da sua capacidade e escopo lucrativo: pode efetuar um aumento de capital (art.º 25.º do CSC), prestações suplementares ou acessórias sem juros (art.º 210.º e 287.º do CSC) ou suprimentos sem juros (art.º 243.º do CSC) – e em qualquer desses casos atua totalmente dentro da sua capacidade de exercício e com um ânimo lucrativo e no exercício da sua atividade”, que igualmente subscrevemos.

Por isso, não podemos é subscrever a decisão que faz vencimento quando procura fazer depender a dedução fiscal de juros de capitais alheios da aplicação destes na sua exploração, entendida, na transcrição efetuada do Acórdão do STA n.º 0627/16, de 28.06.17, como circunscrita à "a atividade produtiva da empresa”, quando as conclusões do Acórdão apontam em sentido diametralmente oposto, aceitando a dedutibilidade de um gasto (no caso, precisamente, uma menos-valia da venda de uma participação financeira) quenum juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa” (Bold nosso).

Por isso, considerar que “não há na prestação de prestações suplementares uma "comprovada indispensabilidade” dos gastos inerentes às mesmas nos termos do nº 1 do artigo 23º do CIRC, uma vez que, no cenário mais favorável, o que a sociedade prestadora adquire é apenas o direito ao seu reembolso, nas circunstâncias previstas no CSC” é exigir um nexo de causalidade entre custos e proveitos, que fere à saciedade o primado constitucional da tributação do rendimento real das empresas, sendo que, como também se refere no citado Acórdão já há muito foi recusado:“… esse entendimento da indispensabilidade reconduz-se à exigência de uma relação de causalidade necessária e directa entre custos e proveitos há muito recusada pela doutrina e pela jurisprudência”.

Para além disso, tal como acontece com o capital social, o n.º 5 do artigo 210.º do Código das Sociedades Comerciais, proíbe que as prestações suplementares possam vencer juros, sendo um custo do acionista, o que a Requerente alegou, omitindo o Tribunal qualquer pronúncia sobre esta questão.

Mas ainda admitindo que a legislação fiscal exige uma remuneração para o que o CSC determina que não seja remunerado, sempre a AT teria de fazer a imputação direta dos encargos financeiros suportados aos alegados financiamentos a título gratuito, quantificando os encargos financeiros em que a Requerente incorreu para financiar as prestações suplementares, o que manifestamente não fez (sublinhado nosso)

Isto é, não quantificou os gastos que deviam ser desconsiderados, como fundamentou, nos termos do artigo 23.º do CIRC. 

 

Encargos decorrentes da obtenção dos empréstimos que foram utilizados pela Requerente na realização de suprimentos à C... SGPS, SA

Também não podemos acompanhar a decisão quando refere que “é, mutatis mutandis, igualmente válida a argumentação acima expendida a propósito dos empréstimos obtidos para a realização de prestações suplementares”, já que, ao contrário das prestações suplementares, que foram efetuadas a título gratuito, os suprimentos em causa foram feitos a título oneroso. 

 Estamos, portanto, perante gastos com financiamentos que geraram rendimentos sujeitos a imposto.

E, consequentemente, a correção a efetuar nos termos do artigo 23.º, em consonância com a fundamentação utilizada, deveria corresponder à totalidade dos encargos financeiros suportados (€ 6 577 331,73) pela Requerente (excluindo a parcela utilizada para financiamento próprio, que a inspeção nunca quantificou).

Com efeito, o artigo 23.º permite a desconsideração de gastos que não sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (o que, repete-se, exigiria que a AT desconsiderasse, na sua perspetiva, todos os encargos financeiros), mas não consagra nenhum alegado “princípio de relação entre os gastos suportados ou incorridos e os rendimentos obtidos”, para desconsiderar gastos, resultantes, como fundamenta, do facto de “terem sido acordadas condições financeiras manifestamente favoráveis”, como expressamente consta do Relatório.

 

Isto é matéria de preços de transferência.

Daí que, por isso, a Requerente tenha contestado a forma de cálculo da correção e a inaplicabilidade dos preços de transferência, a meu ver bem, face à confusa fundamentação da correção.

 

Inaplicabilidade dos preços de transferência

Com efeito, como muito bem se refere na decisão “é sobre o ato tributário praticado que recai o julgamento do tribunal”. Mas se a AT sustentou mal a correção fiscal, deve a mesma merecer, por isso, um juízo de reprovação do Tribunal.

Como se salientou, o artigo 23.º do CIRC permite fundamentar a desconsideração de gastos, mas havendo manifestas relações especiais e tendo sido acordadas, como se afirma no Relatório, “condições financeiras manifestamente favoráveis” relativamente aos financiamentos, incluindo, os suprimentos, então a correção devia ter sido fundamentada no artigo 63.º do CIRC.

A Requerente suportou encargos financeiros para financiar as suas participadas, obteve proveitos financeiros decorrentes dos financiamentos efetuados, mas foram fixadas condições financeiras manifestamente favoráveis, o que significa que não está em causa a indispensabilidade dos gastos (que foram suportados para obter rendimentos), mas a insuficiência da remuneração acordada, o que significa estão verificados os pressupostos de aplicação dos preços de transferência.

E, neste caso, como foi decidido no Acórdão do STA, de 21.09.2016, no Processo n.º 571/13, a Administração Tributária não pode eximir-se à aplicação do regime legal e de fundamentação previsto no artigo 57.º (atual artigo 63.º) do CIRC e 77º, n.º 3, da LGT, escudando-se na aplicação do artigo 23º do CIRC. Isto é, se estamos perante a indispensabilidade de um gasto pode aplicar o artigo 23.º, mas se estamos perante a insuficiência da remuneração de financiamentos efetuados a título oneroso, a correção deve corresponder à remuneração que devia ter sido contratada entre entidades independentes em operações comparáveis, nos termos do artigo 63.º do CIRC.

Em consequência, a liquidação sindicada padece de erro nos pressupostos de direito.

 

A aplicação de um método indireto

O juro é por definição a remuneração de um capital, dependendo do tempo durante o qual foi cedido e da taxa fixada.

Como consta dos factos provados, a Requerente contraiu empréstimos ao longo dos anos de 2010 a 2012, que foram utilizados para suprir necessidades próprias de tesouraria, para adquirir participações financeiras, e, em momentos diferentes, para efetuar suprimentos remunerados a diferentes taxas, e prestações suplementares não remuneradas.

Se a inspeção tributária pretendia desconsiderar, nos termos do artigo 23.º, os encargos financeiros suportados relacionados com os financiamentos gratuitos, então, face à diferente afetação dos empréstimos contraídos, devia ter determinado o montante dos juros de empréstimos contraídos que foram efetivamente canalizados para o financiamento de prestações suplementares não remuneradas, o que não fez. (sublinhado nosso)

De facto, a inspeção limitou-se a presumir que se os proveitos financeiros são inferiores aos encargos financeiros, então a diferença corresponde aos encargos financeiros relacionados com as prestações suplementares não remuneradas.

E, assim sendo, tendo tido os empréstimos contraídos múltiplas utilizações, incluindo financiamento próprio e financiamento remunerado das participadas, o cálculo dos encargos financeiros desconsiderados resulta de uma mera presunção. Quando devia corresponder aos encargos financeiros efetivamente suportados correspondentes aos empréstimos que foram canalizados para o financiamento, a título gratuito, de prestações suplementares, relação que a inspeção não estabeleceu no Relatório e que permitiria, de forma direta, determinar os encargos financeiros a desconsiderar com alegado fundamento no artigo 23.º do CIRC.

Recorda-se que, como foi decidido no citado Processo n.º 715/2016-T, em que foram Árbitros o Sr. Dr. José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Dr.ª Mariana Vargas e Dr. Henrique Fiúza (Árbitros Vogais), como a falta de indicação do critério de repartição dos encargos financeiros suportados pela Requerente, imputáveis aos empréstimos concedidos às participadas deixa fundadas dúvidas sobre a sua quantificação, o ato tributário devia ser anulado( sublinhado nosso) :Na falta de elementos que permitam a exata quantificação dos encargos financeiros suportados com a concessão de financiamentos não remunerados a sociedades de que a Requerente não é sócia, assistindo ao Tribunal Arbitral a fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário, deve o ato de liquidação ser, nessa parte, anulado”.

É essa anulação que é peticionada pela Requerente quando refere que “deve ser declarada a ilegalidade da liquidação já que não cabe aos tribunais, substituindo-se à Administração, determinar a taxa de juro, o capital e o prazo, correspondente aos encargos financeiros que possam ser considerados não dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do CIRC”, porque, como é evidente, tendo os suprimentos sido remunerados, a questão da indispensabilidade só poderia colocar-se quanto ao financiamento gratuito das prestações suplementares, cujos correspondentes encargos financeiros, repete-se, a inspeção tributária não calculou de forma direta.

 

E, por isso, tendo os encargos financeiros desconsiderados sido calculados de forma presumida (que não permite a exata quantificação dos encargos financeiros suportados com a concessão de financiamentos não remunerados), assiste razão à Requerente e, assim, não acompanho a decisão.

 

Da não consideração da dedução à coleta concedida como incentivo fiscal ao abrigo do SIFIDE

Também não acompanho a decisão quanto à não consideração da dedução à coleta do incentivo relativo ao SIFIDE.

É um facto provado que a Requerente tem direito à controvertida dedução à coleta e que a própria inspeção assumiu no Relatório que iria tomar em conta essa dedução, o que, por eventual lapso, acabou por não concretizar.

Não é pelo facto de o saldo poder ser deduzido até ao 6º exercício imediato, que não deve ser considerado no período em que haja coleta de IRC à qual possa ser feita a dedução, como, aliás a inspeção reconhece.

As correções favoráveis ao contribuinte, não concretizadas na liquidação, também constituem uma ilegalidade da liquidação, pelo que a sua apreciação cabe, obviamente, na competência do Tribunal.

O árbitro do CAAD

 

 

Manuel Alberto Gaspar Soares

 

 

 

 



[1] Do quadro de Contas do Sistema de Normalização Contabilística

[2] Na linha de múltiplas decisões anteriores deste tribunal superior (v.g. Ac. de 10.07.2002, proc. nº 246/02; Ac. de 12.07.2006, proc. 186/06; Ac de 07.02.2007, proc. nº 1046/05; Ac. de 20.05.2009, proc. nº 1077/08; Ac. de 30.11.2011, proc. nº 107/2011). 

 

[3] Ver no mesmo sentido e para uma situação de detenção de 100% do capital da participada, o Acórdão do STA de 12 de Julho de 2006, processo nº 186/06.

[4] Sobre a necessidade legal de «concretizar a actividade ou actividades (não actos) em que consiste o objeto da sociedade», ver Jorge Coutinho de abreu e Outros, Código das Sociedades Comerciais, Vol. I, Almedina, 2010, p. 226. 

[5] «A actividade económica supõe série ou sucessão de actos», Jorge Coutinho de abreu e Outros, ob. cit., p. 32.

[6] Ver também, com decisões no mesmo sentido, os Acórdãos do STA n.º 1077/08, de 20.05.09, e n.º 0171/11, de 30.05.12, sobre questões idênticas.

 

[7] v. Ac. TCASul de 23.05.2006, proc. 01028/06.

[8] A AT classifica-a de «correção meramente aritmética (…)» e sem recurso a métodos indiretos (pp. 10, 24 e 25/27 do RIT-...). 

[9] Conforme pp. 15 a 19/27 do RIT-OI2014... .

[10] Ob. cit., p. 89.