Acórdão Arbitral
Os Árbitros, José Poças Falcão, (Presidente), Ana Teixeira de Sousa e Fernando Miranda Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:
I– RELATÓRIO
1. A... (doravante Requerente), contribuinte fiscal n.º..., residente na ..., n.º..., ...-..., ..., apresentou, no dia 24 de Outubro de 2017, pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida").
2. Fá-lo na na qualidade de sócio-gerente revertido no processo de execução fiscal nº ...-2009..., instaurado à devedora originária, a sociedade B... - Sociedade Imobiliária, Lda, expondo que a liquidação adicional de IMT, cuja execução foi para si revertida no processo de execução fiscal, referido, padece de vício material de violação de lei, devendo, em consequência ser declarada ilegal ou, em alternativa e sem conceder, ser corrigida a liquidação por erro na determinação da matéria colectável – tudo, com as legais consequências.
3. Junta nove documentos, para efeitos probatórios, pretendendo, relativamente a alguns deles, ver reproduzido o seu teor para todos os efeitos legais. Não requer produção de prova testemunhal.
4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 30 de Novembro de 2017. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. O Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 08 de Janeiro de 2018, em conformidade com o previsto nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1 do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).
5. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente invoca, essencialmente, em seu favor, que:
a. No caso em apreço, foi posto em causa o requisito que proíbe que os prédios adquiridos para revenda sejam revendidos novamente para revenda, com o beneficio de isenção respetivo, porquanto foi celebrada escritura de compra e venda entre a Recorrente e a sociedade C... quando a verdade é que nenhuma das sociedades tinha intenção de que esse benefício fosse aplicado.
Com efeito, em 16/01/2007, foi concluído o contrato-promessa de compra e venda do imóvel, o qual continha uma cláusula que fazia depender a concretização do negócio da aprovação de uma licença de construção de novos lotes, com a consequente demolição dos barracões existentes nos imóveis. Sendo certo que, nos termos dessa escritura, ficou estipulado que parte do preço ficaria condicionado à obtenção da licença de construção.
Foram mesmo emitidos Alvarás de Construção referentes ao imóvel em causa, em nome da sociedade C..., Lda., concluindo-se assim o processo de licenciamento pretendido por aquela empresa.
É, pois, manifesto, refere a Requerente, que a C... não poderia de forma alguma beneficiar da isenção de IMT sobre aquisição de imóveis para revenda.
Mesmo que a sociedade adquirente do imóvel pretendesse beneficiar daquela isenção de IMT, nunca poderia condicionar o pagamento do preço do imóvel à emissão de uma licença de construção, a qual iria transformar totalmente a natureza do imóvel, já que de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 11º do CIMT, não pode ser dado um destino diferente aos prédios adquiridos para revenda, sob pena de caducidade da isenção prevista no artigo 7º do CIMT.
Aliás, continua a Requerente, a adquirente C... não declara na escritura que destina o imóvel a revenda, salientando, apenas que exercia a actividade de compra e venda de imóveis. Supõe-se que, apenas com base nessa menção, foi a referida transmissão isenta de IMT o que só pode, certamente, constituir um lapso do adquirente.
Os prédios em causa não foram revendidos pela C..., foram transformados em lotes para construção onde foram construídos dois prédios e, se estes últimos foram alienados ao D..., foram-no para extinguir uma obrigação e nunca como revenda.
Seria manifestamente injusto e ilícito que fosse a devedora originária a perder a isenção de IMT e acarretar com o ónus do pagamento do imposto, quando cumpriu todos os requisitos para beneficiar da isenção do IMT.
O facto de a sociedade C... ter junto na escritura pública uma certidão, emitida pelo Serviço de Finanças do ..., de acordo com a qual exercia a actividade de compra de imóveis para revenda e que o fazia no ano transacto não constitui, por si só, facto suficiente para fazer caducar a isenção de que, a montante, beneficiou a B... .
Conclui a Requerente, dever considerar-se que a isenção de IMT não caducou, devendo a mesma manter-se por reunir os requisitos respetivos, (incluindo não ter sido o imóvel destinado novamente a revenda).
Caso assim não se entenda,
b- Nos termos do n.º 2 do artigo 18º do CIMT, quando ocorra a caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação.
No presente caso, deveria ter sido, nessa razão, liquidado IMT sobre o valor do contrato constante da escritura de 09/03/2004, i.é, € 1.251.980 e não sobre € 2.069.920,00.
Pelo que a liquidação é manifestamente ilegal por violar o disposto no n.º 2 do artigo 18º do CIMT.
Com efeito, no caso, é patente que, após a aquisição dos bens por parte da B..., os mesmos foram alterados na sua natureza – os prédios adquiridos e revendidos pela B... eram prédios urbanos, e aqueles sobre o qual foi, ilegalmente, liquidado o IMT, já eram lotes de terrenos para construção
Pretender liquidar IMT por caducidade na isenção do imposto na aquisição de um prédio urbano, fazendo incidir o imposto sobre lotes de terreno para construção, é uma impossibilidade lógica e material – a que corresponde a previsão do nº 3 do artº 18º do CIMT.
Invoca nesse sentido o Acórdão do STA 0244/15, de 9 de Setembro de 2015, onde se sumaria:
(...)I - Tendo caducado a isenção de IMT por o prédio não haver sido revendido nos três anos que se sucederam à sua aquisição por uma entidade exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda, e, entretanto haver o prédio sofrido alteração na sua natureza, visto que foi sobre ele constituída a propriedade horizontal, aquele imposto será liquidado, tendo em conta o disposto no artº 18º, nº 3 do CIMT, com base nas taxas e valores vigentes à data da transmissão para o adquirente que beneficiou dessa isenção.(...).
6. Nos termos da notificação, para o efeito, a AT apresentou a sua Resposta, acompanhada do Processo Administrativo, sustentando a total improcedência do pedido da Requerente, arguindo em seu favor, entre o mais, o específico entendimento plasmado na Decisão Arbitral proferida no processo 475/2014-T deste CAAD. Alega, fundamentalmente, o seguinte:
a- Pese embora o Requerente pretenda que o imóvel vendido à C... não se destinava a revenda na medida em que tal não constava na Escritura Pública, resulta expressamente, no entanto, da escritura outorgada em 2007, que a sociedade compradora exerceu normal e habitualmente no ano anterior a actividade de compra e venda e revenda dos imóveis adquiridos para esse fim, conforme Certidão do SF do ..., razão pela qual ficou isenta nos termos do disposto no art. 7º do CIMT.
Nessa medida, não pode o Requerente pretender que desconhecia a isenção de IMT que beneficiou a compradora do imóvel, tendo em conta a actividade de compra e venda de imóveis que a C... exercia, e por consequência, das inúmeras escrituras decorrentes dessa actividade, onde habitualmente consta o benefício daquela isenção.
Aliás, atendendo à actividade económica que exerce, seria natural, senão mesmo exigível ao Requerente um maior cuidado na realização de vendas para sociedades com objecto social similar ao seu.
A verdade é que a sociedade C... também usufruiu da isenção constante no art. 7.º do CIMT, não tendo ocorrido qualquer lapso, pois, conforme é referido na escritura de compra e venda, todos os intervenientes entenderam e aceitaram os termos da escritura que foi lida e explicada a todos os presentes.
O teor da Certidão emitida pelo SF do ... conjugada com a expressa isenção de IMT ao abrigo do art. 7º do Código do IMT, constantes da Escritura Pública celebrada em 09.03.2007, põem em evidência que a aquisição do imóvel se integrava no âmbito da actividade normal da C..., destinando-se por conseguinte, àquela data, a revenda.
Assim sendo, face às obrigações do Requerente e às obrigações tributárias da sociedade C..., temos que face aos factos trazidos aos autos, a sociedade ora Requerente, ao revender um imóvel que foi adquirido novamente para revenda, preenche efectivamente os pressupostos da caducidade da isenção de IMT conforme os termos do n.º5 do artigo 11º do Código do IMT, não podendo a AT deixar de liquidar o imposto devido.
Por seu turno, a sociedade C..., sendo igualmente uma sociedade imobiliária, que também tem no seu objecto comercial a compra e venda de imóveis para revenda, reunia ela própria os pressupostos para beneficiar da isenção do art. 7.º do CIMT.
Ou seja, ao adquirir o imóvel em causa para revenda, a sociedade C... também estava obrigada a cumprir os pressupostos de revenda no prazo de 3 anos como condição de isenção, cfr nº5 do art. 11º do referido Código do IMT.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente, com as legais consequências.
b- Relativamente ao alegado erro de interpretação e aplicação do art. 18º do CIMT, alega a Requerida:
O facto tributário que está na base da liquidação de IMT impugnada é o facto que determinou a caducidade da isenção, nos termos do art. 11º, nº5 do Código do IMT, ou seja, o ato de revenda do imóvel à C... novamente para revenda. Ou seja, foi a venda realizada em 09.03.2007.
Acresce que os prédios urbanos adquiridos pela B... foram exactamente os mesmos que posteriormente esta revendeu à C..., com a mesma descrição e natureza, conforme se retira do cotejo das duas Escrituras. Portanto, entre as duas Escrituras de Compra e Venda, a celebrada em 09.03.2004 e 09.03.2007, não ocorreu nenhum facto que alterasse a natureza dos referidos prédios urbanos.
Tal alteração apenas ocorreu com a apresentação das respectivas declarações mod. 1, em 12.11.2007, o que afasta a aplicação do nº3 do art. 18º do Código do IMT.
Assim sendo, tal como se refere na Informação que fundamenta o despacho impugnado, “a caducidade da isenção de IMT ocorreu na data em que foi celebrada a escritura publica de compra e venda, com intuito de revenda, a 09.03.2007. Ora, nessa data, o valor patrimonial tributário a ter em conta ( e efectivamente tido em conta pela administração fiscal), no cálculo do IMT é € 2.069.920,00.”
Conclui a Requerida pela total improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências.
7. Em 30 de Abril de 2018 foi exarado despacho dispensando a realização da Reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, já que não havia prova a produzir ou outra conveniência, decretando que o processo seguisse para a fase de alegações finais, (escritas), que o Requerente e Requerida, efetivamente, apresentaram.
II- SANEAMENTO
a) O Tribunal é competente.
b) As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e beneficiam de legitimidade processual, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artº 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, assim como nº5 dos art.s 22º da LGT , 70º, nº1 e 99º do CPPT.
c) A AT procedeu à designação dos seus Representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes, devidamente representadas.
d) O processo não enferma de nulidades.
e) Não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.
III. MÉRITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
1§. FACTOS PROVADOS
No que diz respeito à factualidade com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
a- O Requerente foi sócio-gerente até 20.07.2009, da sociedade B..., LDA., inscrita na actividade económica com o CAE nº 68100 – Compra e Venda de Bens Imobiliários, enquadrada no regime de isenção de IVA, nos termos do art. 9º do Código do IVA e no regime geral de IRC, desde 01.01.2009.
b- Em 09.03.2004, a B... adquiriu o prédio urbano, sito na R. ..., freguesia de ..., concelho de Odivelas, e inscrito sob os artigos..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., da matriz predial daquela freguesia, por escritura pública de compra e venda, onde consta, designadamente:
“Que, para a sua representada, aceita a presente venda nos termos exarados, destinando o referido imóvel a revenda.”
“A compradora está colectada ..., pela actividade de compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, tendo exercido aquela actividade normal e habitualmente no ano transacto, pelo que esta aquisição está isenta de IMT, nos termos do artigo sétimo do respectivo Código,”.
c- A B... vendeu à C..., Lda., o referido prédio urbano, por Escritura Pública de Compra e Venda de 09.03.2007, onde se constata:
- VPT global: 295.630,86
- Preço: €2.000.000,00
- Que do referido preço será pago neste acto a quantia de setecentos e sessenta e três mil euros, devendo o restante preço ou seja, um milhão duzentos e trinta e sete mil euros ser pagos aquando da emissão da respectiva licença de construção.
- Teor: “Certidão emitida pelo Serviço de Finanças do ..., comprovativa de que a sociedade compradora se encontra colectada com a actividade de ‘COMPRA E VENDA DE IMOVEIS E REVENDA DOS ADQURIDOS PARA ESSE FIM’, actividade que exerceu normal e habitualmente no ano transacto, pelo que a presente aquisição está isenta do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, nos termos do artigo 7º do respectivo Código.”;
d- A referida escritura de compra de 09/03/2007, não inclui a menção expressa de que a mesma é feita para revenda.
e- Em 12.11.2007, mediante a declaração mod.1 apresentada pela “C...”, os artigos adquiridos com os nºs..., ..., ..., ..., ... e ..., deram origem ao artigo ... da matriz predial da freguesia de ..., descrito para terreno para construção;
f- Em 12.11.2007, mediante a declaração mod. 1 apresentada pela C..., os artigos adquiridos com os nºs ..., ... e ... deram origem ao artigo ... da matriz predial da freguesia de ..., descrito para terreno para construção.
g- Em 27.07.2009 foi instaurado o processo de execução fiscal nº ...2009..., no qual é devedora originária, a sociedade B..., no valor de €134.544,80, acrescida de juros compensatórios no montante de €8.773,06, resultante da liquidação por caducidade da isenção de IMT, nos termos do nº5 do art. 11º do Código do IMT.
h- Por despacho do Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de ..., datado de 29 de Abril de 2014, foi proferido ato de reversão contra o Requerente, na qualidade de responsável subsidiário, pela divida referida. De acordo com a Informação do Serviço de Finanças de ..., de 08/04/2014, anexa ao projecto de reversão e notificada ao ora Requerente:
“Os presentes autos foram instaurados por dívida de Imposto Municipal sobre as Transmissões (IMT), proveniente da liquidação do IMT, no montante de € 134.544,80, acrescido de €8.773,06 de Juros compensatórios, totalizando € 143.317,86, ao qual acrescem juros de mora (desde 06-01-2009) e custas processuais, por ter caducado isenção prevista no artigo 7º do CIMT, devido pela aquisição dos artigos urbanos inscritos na matriz predial sob os n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... todos da freguesia de ..., concelho de Odivelas, adquiridos em 09/03/2004 para revenda. Em 09-03-2007 foi transmitido para a sociedade C..., Lda. novamente para revenda.
i- Foi, em 16/01/2007, celebrado um contrato-promessa de compra e venda, entre a B... e a C..., relativamente aos imóveis em causa, onde se refere que o imóvel a vender será objecto de um pedido para um alvará para construção e que o pagamento do preço fica condicionado à obtenção de licença para construção.
j- A escritura inclui uma cláusula que condiciona o pagamento da totalidade do preço á obtenção da licença/alvará de construção.
l- O pagamento do preço nunca chegou a ser efectuado na sua integralidade acabando a “B...” por intentar uma acção de execução contra a C..., para conseguir saldar a divida.
m- Os imóveis em causa, após transformação em lotes de terreno para construção, foram adquiridos, em 30-05-2013, pelo D... .
2.º § FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
3.º § FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, (à luz do artigo 110.º/7 do CPPT), o processo administrativo e a demais prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, todos os factos acima elencados, não havendo matéria factual dada como não provada.
III.2 – MATÉRIA DE DIREITO
QUESTÃO A DECIDIR
No caso em análise, a questão que ao Tribunal importa solucionar e baseia a divergência entre o Recorrente e a AT, manifesta-se na posição de esta ter entendido que, devido ao facto de os prédios adquiridos com isenção de IMT, com destino a revenda, terem sido novamente adquiridos para revenda, caduca a isenção por força do n.º 5 do artigo 11.º do CIMT.
Ou seja, sendo certo que a compra para nova revenda teve formalmente lugar, com a realização da escritura e isenção de IMT respetiva, há que ponderar e decidir se tal basta, sem mais, para, automaticamente, fazer caducar a isenção que beneficiou a primeira compra, ou se são de levar em conta os referidos argumentos do Requerente, considerando que essa formal direta e automática caducidade da isenção prevista no nº5 do art. 11º do Código do IMT não deverá proceder.
Mais, importa decidir, (atento o sentido da decisão), qual deve ser considerado o valor tributável do imóvel e respetiva taxa a aplicar, nos termos do artº 18º do CIMT. Quando ocorra a caducidade da isenção, por nova aquisição para revenda, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da primeira aquisição, como defende o Requerente ou da segunda que consequência tal caducidade, como afirma a Requerida?
Vejamos, pois, e antes de mais, o quadro legal aplicável.
Dispõe o artigo 7º, nº 1 do CIMT que: “[s]ão isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda”.
Por sua vez o nº 2 do referido normativo estabelece que “[a] isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda”.
E o seu n.º 3 dispõe que “para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim”.
No que respeita à caducidade da isenção, o artigo 11.º, nº 5 do CIMT estatui que “a aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda”.
Nos termos do n.º 1 do artigo 7.º são isentas de IMT as aquisições de prédios para revenda, quando o sujeito passivo (pessoa coletiva ou singular) exerça normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda.
Da conjugação do n.º 1 do artigo 7.º e n.º 5 do artigo 11.º do CIMT caduca a isenção de IMT, na aquisição de prédios para revenda, por sujeito passivo (pessoa coletiva ou singular) para tal previamente habilitado, quando for vendido novamente para revenda.
Seguindo de perto o disposto no Acórdão do TCA Norte no processo nº 00005/07, de 12/12/2014 entende o presente tribunal arbitral o seguinte sobre a interpretação deste art. 7º nº 1 do CIMT:
Vulgarmente, o conceito de revenda é entendido como a operação iniciada com a aquisição de um bem imóvel e a posterior venda desse mesmo bem.
O bem imóvel, para efeitos de IMT, é entendido como uma mercadoria que se transaciona tal como se de um artigo comercial se tratasse.
No âmbito desta isenção prevista no nº 1 do artigo 7º a compra de um bem com o intuito de o revender em seguida não é encarada pelo legislador, como uma verdadeira aquisição, na medida em que o atual comprador não irá ser o futuro proprietário do bem em questão.
O objetivo da revenda é a obtenção de margem de lucro num determinado espaço de tempo, entre o preço de compra e o preço de venda.
O legislador dispensa o revendedor do pagamento de IMT, porque o bem não se lhe destina, no entanto tributa-o em sede de rendimento (IRC/IRS).
A lei estabelece um conjunto de pressupostos do regime de isenção em IMT dos prédios adquiridos para revenda que constituem mecanismos preventivos da sua utilização abusiva e da prática de operações de fraude fiscal.
Para beneficiar desta isenção contemplada pelo artigo 7.ºdo CIMT, é necessário preencher os seguintes requisitos:
-
apresentar a declaração prevista nos códigos de IRS e IRC que comprove que o objecto social do sujeito passivo inclui a «compra e venda de imóveis/revenda de imóveis»;
-
resultar da escritura pública de compra e venda a indicação que os bens a transacionar têm o intuito de revenda;
-
contabilizar nos serviços de contabilidade a respectiva aquisição numa conta de existências;
-
apresentar uma declaração emitida pelo serviço de finanças indicando que o sujeito passivo desenvolve essa actividade de forma regular (sendo que se considera que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda quando adquire ou revende um imóvel com esta finalidade no ano anterior à data de escritura).
Por outro lado, esta isenção caduca logo que se verifique alguma das seguintes situações ou circunstâncias:
-
que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente, ou que
-
os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou,
-
o foram novamente para revenda
Ora o artigo 7º nº 1 configura uma isenção, no sentido em que afasta a aplicação da sujeição a IMT ao sujeito passivo que pratica uma transmissão de um imóvel. De facto, esta não aplicação da norma de sujeição poderia até não ser técnicamente considerada como uma isenção ou como um benefício fiscal, por não lhe estar subjacente a protecção de um interesse público extra fiscal ou seja, poderia ser aproximada a uma exclusão de sujeição ou delimitação negativa de incidência uma vez que o legislador assume que uma compra e venda nestas condições não deve ser tributada em IMT mas sim em imposto sobre o rendimento, pela margem da revenda.
Não obstante o artigo 7º nº 1 insere-se formalmente nas “isenções” previstas no CIMT. E a doutrina e jurisprudência interpretam-na à luz dos princípios que enformam e delimitam o âmbito e objectivo de um verdadeiro benefício fiscal (veja-se entre outros o Acórdão do STA no processo 0456/17, de 21/06/2017 e o Acórdão do STA no processo 01245/16, de 22/02/2017).
É, pois, à luz destes princípios que o tribunal irá interpretar e aplicar, ao caso sub judice, a isenção de IMT em causa.
Uma isenção de tributação, tem carácter excecional, pois consubstancia -se na revogação dos princípios gerais que norteiam à tributação, nomeadamente, os princípios da capacidade contributiva, e da igualdade da tributação.
Mantendo o mesmo escrito da lei do Código da Sisa, o CIMT preservou a isenção de imposto para aquisição de bens imóveis para revenda.
É entendido como revenda a operação iniciada com a aquisição de um bem imóvel e a posterior venda desse mesmo bem, sem que este tenha sofrido qualquer alteração de fundo.
Neste âmbito, compreende-se que o agente económico considera o bem imóvel como uma mercadoria e que o transacional tal como se de um artigo comercial se tratasse. Esta noção implica que o sujeito passivo não imprime qualquer modificação ou alteração ao estado imóvel, sendo o único valor acrescentado criado o valor da margem comercial do agente económico.
Não obstante, esta visão está sujeita a condições que restringem o espírito da lei e as quais, desde que não cumpridas, apontam para os limites da caducidade pelo que, face às suas características, é necessário avaliar cada caso em concreto.
No caso de revenda a lei estipula expressamente que, para beneficiar da isenção do IMT, é necessário que o imóvel a adquirir para futura revenda não tenha sido igualmente comprado anteriormente com o mesmo intuito, o de revenda ou não venha ser, no futuro, igualmente adquirido para revenda.
Esta delimitação surge para anular as evasões fiscais e evitar transacções faltosas em que os imóveis passam de activo em activo de empresas do mesmo grupo (ou entre empresas com relações especiais entre si), de forma a ajustarem balanços e afastarem-se da liquidação do imposto.
Nestes casos, o legislador não conseguindo controlar as aquisições de revenda sobre revenda, anula a possibilidade de isenção numa actividade económica que depende e assenta sobre a lógica de «transparência fiscal» documentada numa secção anterior. Este é um dos casos que o esforço na limitação da atribuição de isenções pode, em alguns casos, prejudicar a actividade de vários contribuintes no mercado imobiliário.
O legislador previu, com vista a evitar práticas abusivas e de fraude fiscal, a caducidade da isenção do IMT, nos casos em que aos bens para revenda foi dado destino diferente, não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.
Ora a questão que nos ocupa é a de saber se o contrato celebrado entre a sociedade B... e a sociedade C..., em 09/03/2007 configura uma venda para revenda, conduzindo à caducidade da isenção de IMT prevista no n.º 11 do artigo 7º do CIMT.
Resulta da matéria assente que a Requerente foi sócio-gerente até 20.07.2009, da sociedade B..., LDA., inscrita na actividade económica com o CAE nº 68100 – Compra e Venda de Bens Imobiliários, enquadrada no regime de isenção de IVA, nos termos do art. 9º do Código do IVA e no regime geral de IRC, desde 01.01.2009.
Que em 09.03.2004, a B... adquiriu o prédio urbano, sito na R..., freguesia de ..., concelho de Odivelas, e inscrito sob os artigos..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., da matriz predial daquela freguesia, por escritura pública de compra e venda, onde consta, designadamente:
“Que, para a sua representada, aceita a presente venda nos termos exarados, destinando o referido imóvel a revenda.”
“A compradora está colectada ..., pela actividade de compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, tendo exercido aquela actividade normal e habitualmente no ano transacto, pelo que esta aquisição está isenta de IMT, nos termos do artigo sétimo do respectivo Código,”.
Que a B... vendeu à C..., Lda., o referido prédio urbano, por Escritura Pública de Compra e Venda de 09.03.2007, onde se constata:
- VPT global: 295.630,86
- Preço: €2.000.000,00
- Teor: “Certidão emitida pelo Serviço de Finanças do..., comprovativa de que a sociedade compradora se encontra colectada com a actividade de ‘COMPRA E VENDA DE IMOVEIS E REVENDA DOS ADQURIDOS PARA ESSE FIM’, actividade que exerceu normal e habitualmente no ano transacto, pelo que a presente aquisição está isenta do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, nos termos do artigo 7º do respectivo Código.”.
Que a referida escritura de compra de 09/03/2007, não inclui a menção expressa de que a mesma é feita para revenda.
Que em 12.11.2007, mediante a declaração mod.1 apresentada pela “C...”, os artigos adquiridos com os nºs..., ..., ..., ..., ... e ..., deram origem ao artigo ... da matriz predial da freguesia de ..., descrito para terreno para construção.
Em 12.11.2007, mediante a declaração mod. 1 apresentada pela C..., os artigos adquiridos com os nºs..., ... e ... deram origem ao artigo ...º da matriz predial da freguesia de ..., descrito para terreno para construção.
Por força do nº 5 do artigo 11.º, do CIMT a aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foram destinados novamente para revenda.
A Requerente celebrou, por escritura pública, um contrato de compra e venda pelo qual transmitiu a propriedade do bem, mediante um preço tendo sido junto a esse documento público Certidão emitida pelo Serviço de Finanças do ..., comprovativa de que a sociedade compradora se encontra colectada com a actividade de ‘COMPRA E VENDA DE IMOVEIS E REVENDA DOS ADQURIDOS PARA ESSE FIM’, actividade que exerceu normal e habitualmente no ano transacto, pelo que a presente aquisição está isenta do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, nos termos do artigo 7º do respectivo Código.
Pretende a Requerente fazer crer que houve um lapso e que a entidade que adquiriu o imóvel teve como intenção a sua aquisição para construção e não para revenda.
Contudo a Requerente beneficiou da isenção nos termos do artigo 7º nº 1 do CIMT em 2004.
Tratando-se de uma isenção fiscal condicionada ao cumprimento de um conjunto de requisitos a entidade que benefícia da isenção na compra para revenda está sujeita a um dever de diligência especial na medida em que é essa entidade, Requerente no presente processo, que participou nos dois contratos de compra e venda, o primeiro de compra e o segundo de venda, pelo que lhe cabe a ela assegurar a manutenção das condições materiais e procedimentais fixadas na lei para beneficiar da isenção na compra do imóvel e não serem preenchidos os requisitos que conduzem à caducidade dessa isenção.
É verdade que, tal como a Requerente alega, houve pedidos de licenças de construcção para o prédio (ou prédios em causa) e que a própria escritura pública de venda, em 2007, refere a intenção de se pedirem essas licenças de construcção.
No entanto, essa menção não desonera a Requerente do dever de “vigilância” relativamente à verificação dos requisitos previstos pela lei fiscal para a isenção em causa e requisitos que operam a respectiva caducidade.
A Requerente, tendo conhecimento através da escritura de compra e venda em que participou na qualidade de vendedora, em 2007, que a compradora beneficiava da isenção prevista no artigo 7º nº 1 do CIMT, com base na “compra para revenda” e tendo conhecimento de que foi junto à escritura Certidão emitida pelo Serviço de Finanças do..., comprovativa de que a sociedade compradora se encontra colectada com a actividade de ‘COMPRA E VENDA DE IMOVEIS E REVENDA DOS ADQURIDOS PARA ESSE FIM’, actividade que exerceu normal e habitualmente no ano transacto, teria que saber que a não caducidade da isenção fiscal de que tinha beneficiado em 2004 estava sujeita a que o imóvel que beneficiou da isenção não pudesse ser novamente vendido para revenda.
Para desfazer este resultado, a Requerente poderia ter-se socorrido dos mecanismos legais – rectificação da escritura – salvaguardando assim, todos efeitos da transação que punham em causa a isenção fiscal de que tinha beneficiado em 2004.
Efectivamente, a realização da escritura pública tem exigências formais e substâncias que obrigavam os seus intervenientes a perceber que estavam a cometer um erro.
A Requerente não demonstrou que tenha efectuado qualquer diligência neste sentido.
Também não demonstrou, se o pudesse, que os prédios alienados em 2007 não foram contabilizados como “existências” ou qual a contabilização dos mesmos.
Como supra se disse a norma do n.º5 do artigo 11.º do CMT pretende evitar evasões fiscais e evitar transações em que os imóveis passam do ativo de uma empresa, para o ativo de outra empresa do mesmo grupo e de empresas com relações especiais entre si de forma a permitirem um ajustamento dos balanços e evitarem a liquidação de impostos de rendimento.
No direito tributário as regras do ónus da prova encontram-se no art. 74.º da LGT, não se aplicando as regras de ónus da prova previstas no Código Civil .
Como o ónus da prova em direito fiscal é objectivo ou material, tratando-se de determinar que factos devem ser dados como provados, e não quem terá de os alegar e de os provar, aquele preceito legal deve ser entendido como critério de decisão, a questão é decidida contra a parte onerada com o ónus da prova.
Nos termos do n.º 1 art. 74.º da LGT, aplicável quer ao procedimento, quer ao processo tributário, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Esta é a regra geral em matéria de ónus da prova a considerar no ordenamento jurídico tributário.
Quanto à satisfação do ónus da prova nas situações previstas no n.º 2, dispõe este preceito legal que se tratando de elementos de prova que estejam em poder da Administração “Existindo estas regras próprias do contencioso tributário sobre a repartição do ónus da prova em matéria de quantificação da matéria tributável, fica afastada a possibilidade de fundamentar tal repartição, neste âmbito, com base quer das regras dos artºs. 342.º a 344.º do CC e 516.º n.º 4 do CPC, quer o critério geral da repartição de tal ónus que tem vindo a ser usado no contencioso administrativo, apesar de, em regra, os resultados sejam semelhantes.” - Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, pp. 133. 34
Face à prova produzida pela Requerente o tribunal, não ficou convencido de que a compra do imóvel pela C..., em 2007, não teve como objectivo a sua revenda.
Da prova produzida não resulta que tenha havido lapso, uma vez que foram executados vários atos, nomeadamente a recolha dos documentos necessários à realização da escritura publica, o pagamento do preço, o acto de assinatura em que lhe foram explicados o negócio pelo notário e inserida na escritura a menção da atividade da C... e a isenção de IMT de que beneficiou precisamente por se considerar que estavam preenchidos os requisitos do nº 1 do artigo 7º do CIMT..
Atendendo a que a Requerente não usou os mecanismos legais, competia-lhe provar de forma clara e inequívoca que houve um lapso e demonstrar que a operação efetuada com a venda do imóvel à C... não teve por objetivo a revenda do mesmo.
Da conjugação do n.º 1 do artigo 7.º e n.º 5 do artigo 11.º do CIMT não são isentas de IMT as aquisições de prédios para revenda, por pessoas coletivas para tal previamente habilitadas, quando forem vendidos novamente para revenda.
Nesta conformidade e face ao exposto, não podem vingar as conclusões da Requerente uma vez que a alienação é relevante fiscalmente pois coloca a mesma fora da referida isenção.
Veja-se ainda, no que a esta matéria concerne, o acórdão TCAS_01137/06 de 04-07-2006:
(…) sendo a regra a da tributação em sisa das transmissões, perante a circunstância de a compradora e a vendedora, sabendo que não fora paga (previamente a esta escritura de compra e venda celebrada em 24/10/2000) nada terem dito (apesar de se ter feito constar na escritura que tal transmissão estava isenta de sisa ao abrigo do nº 3 do art. 11º e do art. 13º-A do CSisa) afigura-se-nos razoável concluir, tal como a sentença, que a primeira revelou, ao menos implicitamente, intenção de revender os prédios por tal acto transmitidos e a segunda aceitou tal circunstancialismo. Ou seja, não se concorda com a tese da recorrente (nos arts. 14º e sgts. das alegações do recurso), no sentido de que, atentando no conceito de declaração negocial tácita, dificilmente se pode, como pretende a sentença, reconstituir uma declaração negocial de compra para revenda a partir da conjugação do acesso do notário a uma certidão, da declaração notarial de isenção de sisa e da declaração de aceitação dos outorgantes, esta dirigida ao negócio de compra e venda como um todo.
Apesar de a adquirente (E... Construções SA) não ter proferido no acto dessa escritura (de 24/10/2000) qualquer declaração expressa no sentido da sua intenção de revender os prédios, ela não requerera a prévia liquidação da sisa (como impunha a lei), apresentara a dita certidão comprovativa do exercício normal e habitual da actividade de compra e venda de imóveis para revenda no ano anterior, e nada disse quanto àquela menção de que a transmissão estava isenta de sisa ao abrigo do nº 3 do art. 11º e do art. 13º-A do CSisa. Não se trata, pois, ao contrário do alegado pela recorrente (Conclusões 2ª a 4ª do recurso), de ter atendido apenas à certidão comprovativa do exercício normal e habitual da actividade de compra e venda de imóveis para revenda no ano anterior, para conferir, ou não, o direito à isenção.
E sendo certo que a escritura pública, como documento autêntico, faz prova plena dos factos que refere como praticados pelo oficial público respectivo, bem como dos factos que nela são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, sendo que os juízos pessoais do documentador valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador (art. 371º do CCivil), também não há que questionar que, aquando da citada escritura de 24/10/2000, a compradora E... SA entregou a Pública Forma da certidão ali referida nem que se fez constar que a transmissão ficava isenta de sisa, ao abrigo do nº 3 do art. 11° e art. 13°-A do CSisa.
Aliás, pesem embora as referências jurisprudenciais feitas pela recorrente, também não é de esquecer que, em jurisprudência posterior, se veio a afirmar (ac. do Pleno, do STA, de 17/6/92, rec. 12088, Apend. DR, de 30/9/94, pag. 102/105) que «Dos normativos transcritos é evidente que a intenção de compra para revenda há-de surgir da leitura da escritura e dos documentos que a acompanham, mas não é indispensável a consignação de que a compra se faz para revenda…». E que, referindo-se ao ac. de 12/7/89, também do Pleno do STA, rec. 5321, aquele aresto de 17/6/92 afirma que neste (ac. de 12/7/89) também «se aceita abertamente a desnecessidade de tal expressa referência ao admitir a possibilidade de na aquisição de prédios para revenda a destinação poder ser revelada implicitamente».
Assim sendo, não se vislumbra ilegalidade do acto de liquidação impugnado, concluindo-se que foram preenchidos os requisitos previstos no artigo 11º do CIMT de caducidade da isenção fiscal atribuída à B... .
Relativamente ao valor do imóvel a atender na liquidação do IMT.
Subsidiariamente a Requerente defende que, nos termos do n.º 2 do artigo 18º do CIMT, quando ocorra a caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da transmissão.
No presente caso, deveria ter sido, nessa razão, liquidado IMT sobre o valor do contrato constante da escritura de 09/03/2004, i.é, € 1.251.980 e não sobre € 2.069.920,00.
Pelo que a liquidação é manifestamente ilegal por violar o disposto no n.º 2 do artigo 18º do CIMT.
Com efeito, no caso, a Requerente alega que, após a aquisição dos bens por parte da B..., os mesmos foram alterados na sua natureza – os prédios adquiridos e revendidos pela B... eram prédios urbanos, e aqueles sobre o qual foi, ilegalmente, liquidado o IMT, já eram lotes de terrenos para construção.
A Requerida entende que o facto tributário que está na base da liquidação de IMT impugnada é o facto que determinou a caducidade da isenção, nos termos do artigo 11º, nº5 do CIMT, ou seja, o ato de revenda do imóvel à C... novamente para revenda. Ou seja, foi a venda realizada em 09.03.2007.
Acresce que os prédios urbanos adquiridos pela B... foram exactamente os mesmos que posteriormente esta revendeu à C..., não tendo ocorrido nenhum facto que alterasse a natureza dos referidos prédios urbanos.
Ora, em 09.03.2007 o valor patrimonial tributário a ter em conta ( e efectivamente tido em conta pela administração fiscal), no cálculo do IMT é € 2.069.920,00.
O artigo 18.º, n.º 2, do CIMT estabelece que “se ocorrer a caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação”.
Só não será assim quando após a aquisição dos bens, tenham ocorrido factos que alterem a natureza do imóvel, caso em que o imposto será liquidado com base nas taxas e valores vigentes à data da transmissão, como resulta do n.º 3 do mesmo artigo 18.º.
A “data da liquidação” é, para este efeito, a “data em que, por força da caducidade, deve ser pedida a liquidação”, que é a data em que se constitui o facto tributário, a data da verificação dos pressupostos que determinam que ela deve ocorrer e não a data em que a Autoridade Tributária e Aduaneira a concretiza ou a data em que o contribuinte deve pedir que ela seja efectuada.
Na verdade, a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário e os seus elementos essenciais não podem ser alterados por vontade das partes (artigo 36.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).
Nos casos de caducidade da isenção o facto tributário ocorre na data em que a isenção fica sem efeito, como se infere do n.º 1 do artigo 35.º do CIMT.
A caducidade da isenção ocorre «logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente», com o que resulta do preceituado no artigo 11.º, n 5, do CIMT.
No caso em apreço, a caducidade da isenção ocorreu em 09-03-2007, data em que foi vendido o imóvel pela Requerente igualmente destinado a revenda, no âmbito da actividade comercial da compradora e da documentação junta à escritura.
Entre a data da aquisição, 09-03-2004 e a data da transmissão, 09-03-2007, não se verificaram alterações significativas que originem alterações na natureza do imóvel.
O prédio urbano adquirido pela B... em 2004, sito na Rua ..., nºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... foi o prédio transmitido por esta em 2007.
Assim, o valor a atender é o que o prédio tinha em 09-03-2007, devendo atender-se ao maior dos seguintes valores:
-
valor de aquisição que consta da escritura, ou
-
valor patrimonial tributário à data da transmissão
O valor patrimonial total em 2007 é de € 295.630,86 e não o valor de € 2.069.920,00, conforme alegado pela Requerida mas não demonstrado nem provado pela mesma.
Em 09-03-2007 a B... vendeu o imóvel à C... pelo valor de € 2.000.000,00.
Pelo que a liquidação do IMT que decorre da caducidade da isenção deve ser efectuada sobre o valor da escritura que é de € 2.000.000,00.
IV - DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
-
Julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência manter a liquidação impugnada por considerar que se verificaram os pressupostos da caducidade da isenção de IMT de que tinha usufruído a B...;
-
Julgar parcialmente procedente o pedido da Requerente relativo ao alegado erro de interpretação e aplicação do artigo 18º do CIMT, rectificando o valor base da liquidação do IMT que deverá ser de € 2.000.000,00.
-
Condenar, nos termos infra, ambas as partes no pagamento das custas do processo.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €143.317 86 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4º do citado Regulamento, a pagar na proporção de 95/5%, pela Requerente e Requerida, respetivamente.
Notifique.
Lisboa, 5 de Setembro de 2018
O Tribunal Arbitral Coletivo,
(José Poças Falcão - Presidente)
(Fernando Miranda Ferreira)
(Ana Teixeira de Sousa)