DECISÃO ARBITRAL
Acordam em Tribunal Arbitral
I – Relatório
1. A...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliários, S.A; NIPC..., com sede na ..., n.º..., ..., Lisboa, gestora do Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado – B... e do Fundo Especial de Investimento Imobiliário Aberto – C..., com sede no mesmo local, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e segs. do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) n.º..., no valor de € 807.695,66, e n.º..., no valor de € 427.050,00, e, bem assim, do acto tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado perante a Autoridade Tributária, requerendo a anulação desses actos e o consequente reembolso do imposto indevidamente pago e a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
Os Fundos configuram-se como fundos de investimento imobiliário.
Em 17 de fevereiro de 2016, a Requerente, em representação do B..., adquiriu, por escritura pública de compra e venda, o prédio urbano denominado ..., no ..., que foi tributado em IMT no valor total de € 807.695,66.
Em 23 de novembro de 2016, a Requerente, em representação da C..., celebrou um contrato de compra e venda, tendo como objeto prédios localizados na Rua ..., na Rua ... e na ..., em Lisboa, que foram tributados em IMT no valor total de € 427.050,00.
No entanto, as referidas aquisições encontram-se cobertas pela isenção prevista pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, que declara “isentas de sisa as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora”, sendo que essa disposição foi ressalvada e mantida em vigor pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que procedeu à reforma da tributação do património e aprovou a criação do IMT e IMI, e, especialmente, pelo disposto no n.º 2 do artigo 28.º e no n.º 6 do artigo 31.º desse diploma.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que o artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redacção resultante da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, passou a regular os benefícios fiscais de IMT nas aquisições de imóveis pelos fundos de investimento, revogando tacitamente o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, sendo que os benefícios previstos nesse artigo 46.º, entretanto renumerado como artigo 49.º, foram feitos cessar por via da revogação operada pela Lei n.º 7-A/2016
Quanto aos juros indemnizatórios, a Autoridade Tributária considera que, a serem devidos, apenas poderão ser contabilizados um ano após o pedido de revisão oficiosa, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, visto que a Requerente não questionou a liquidação através de reclamação graciosa, ficando afastada a possibilidade de aplicação do n.º 1 desse preceito.
Concluiu pela improcedência do pedido.
2. Não foi requerida produção de prova testemunhal e, no seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, prosseguindo o processo para alegações.
As partes não apresentaram alegações.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 17 de setembro de 2018.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II -Fundamentação
Matéria de facto
4. A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte:
a) O Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado – B..., gerido pela Requerente, é um fundo de subscrição pública, com duração indeterminada, que iniciou a sua actividade em 20 de dezembro de 2007 e é gerido pela Requerente;
b) O Fundo Especial de Investimento Imobiliário Aberto – C..., gerido pela Requerente, é um fundo que se destina a ser comercializado junto de investidores qualificados e não qualificados, com duração indeterminada, que iniciou a actividade em 16 de julho de 2010;
c) Na qualidade de gestora do fundo B..., a Requerente, em representação do Fundo, adquiriu, por escritura pública de compra e venda, o prédio urbano denominado ..., no ..., inscrito na matriz predial urbana sob o n.º..., pelo preço de € 24.852.174,00;
e) Relativamente a essa aquisição, a Autoridade Tributária emitiu o acto de liquidação de IMT n.º ..., no valor de € 807.695,66;
d) A Requerente procedeu ao pagamento do imposto devido em 17 de fevereiro de 2017;
e) Na qualidade de gestora do fundo C..., a Requerente adquiriu, por escritura pública de compra e venda, pelo preço global de € 6.570.000,00, os prédios urbanos localizados na Rua ..., inscrito na matriz sob o n.º ... da freguesia de ..., na Rua ..., inscrito na matriz sob o n.º ... da freguesia de ..., e na ..., inscrito na matriz sob o n.º ... da União de freguesias de..., ... e ..., em Lisboa;
f) Relativamente a essa aquisição, a Autoridade Tributária emitiu o acto de liquidação de IMT n.º..., no valor de € 427.050,00;
g) A Requerente procedeu ao pagamento do imposto devido em 23 de novembro de 2016;
h) A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa junto do Serviço de Finanças de Lisboa –..., que deu entrada em 22 de dezembro de 2017 e não foi objecto de decisão expressa no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 1, das Lei Geral Tributária.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os constantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária com a sua resposta.
Questão de direito
5. A Requerente pretende que a aquisição dos bens imóveis efectuados para os Fundos de Investimento Imobiliário que estão sob a sua gestão se encontram abrangidos pela isenção de IMT, originariamente prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, como isenção de sisa, e que foi ressalvada pelo artigo 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, e mantida em vigor pelo artigo 31.º, n.º 6, desse diploma.
A Autoridade Tributária sustenta, no entanto, que a referida disposição do artigo 31.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 287/2003, que manteve em vigor os benefícios fiscais respeitantes ao imposto municipal de sisa, passando a reportá-los ao IMT, não implica que se mantenha ainda hoje essa isenção, tendo sobretudo em consideração que os fundos imobiliários vieram entretanto a ser abrangidos por um regime próprio de benefícios fiscais em matéria de IMT.
A questão que se coloca é, pois, a de saber se a evolução legislativa subsequente fez cessar a vigência da referida disposição do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.
Sobre essa matéria pronunciou-se já a decisão arbitral proferida no Processo n.º 622/2018-T - na linha do também decidido no Processo n.º 544/2016-T -, e que, por desnecessidade de quaisquer outras considerações, se passa agora reproduzir:
“O Decreto-Lei n.º 1/87 estatui, no seu artigo 1.º, que “são isentas de sisa as aquisições de imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora”. A estatuição surge na sequência da regulamentação dos fundos de investimento imobiliário, operada pelo Decreto-Lei n.º 246/85, de 12 de julho, e, como ressalta do respectivo preâmbulo, teve em vista definir um quadro fiscal adequado para a criação desses fundos a que o Governo reconhece um importante contributo para a formação de poupanças e mobilização de investimentos no sector imobiliário, com efeitos positivos na construção e no mercado de arrendamento de imóveis.
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que procedeu à reforma da tributação do património, aprovando em anexo o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), e o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), determinou, no seu artigo 28.º, n.º 2, que as remissões constantes dos textos legais para o imposto municipal de sisa se consideram como referidas ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.
Além disso, o mesmo diploma, no artigo 31.º - que incluiu diversas normas revogatórias - ressalvou, no seu n.º 6, a manutenção em vigor dos benefícios fiscais respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante.
Assim, de acordo com a interpretação conjugada das citadas disposições dos artigos 28.º e 31.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 287/2003, as isenções ao imposto de sisa constantes de quaisquer diplomas avulsos deveriam considerar-se reportadas ao IMT, e, por outro lado, as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário continuariam isentas de IMT por efeito do estabelecido no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.
Após a criação da isenção do imposto de sisa relativamente à aquisição de imóveis para os fundos de investimento imobiliário, em 1987, o Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, veio aprovar o Estatuto dos Benefícios Fiscais, com o claro propósito de sistematização dos princípios gerais a que deve obedecer a atribuição das situações de benefício. O EBF surgiu na sequência da reforma do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (CIRS), do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (CIRC) e da contribuição autárquica (CA), que já haviam introduzido alguns mecanismos estruturais de desagravamento do imposto, pelo que o Estatuto teve em vista caracterizar algumas outras situações de carácter menos estrutural mas que se revestissem de relativa estabilidade, deixando para as futuras leis de orçamento de Estado os benefícios com finalidades marcadamente conjunturais ou que exigissem um a regulamentação mais frequente (cfr. a respectiva nota preambular).
Na primitiva redação do EBF, e em relação às sociedades de gestão e de investimento imobiliário, apenas se contemplava um regime fiscal específico de tributação em matéria de IRC e, em sede de IRS, quanto aos lucros distribuídos por aquelas sociedades aos respectivos sócios (artigo 26.º). Esse regime manteve-se com diversas alterações e veio a transitar para o artigo 22.º com a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, sob a epígrafe “Fundos de investimento”, que foi igualmente objecto de diversas modificações legislativas.
É a nova redacção dada ao artigo 46.º do EBF pela Lei de Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro) que prevê, pela primeira vez, um regime de isenção fiscal a favor dos fundos de investimento imobiliário em matéria de contribuição autárquica, nos seguintes termos:
Ficam isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário e equiparáveis, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
Após a reforma da tributação do património, aprovada pelo referido o Decreto-Lei n.º 287/2003 – que revogou o Código da Contribuição Autárquica –, esse artigo 46.º, na redacção dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2007 (Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro) passou a estabelecer a isenção de imposto municipal sobre imóveis (IMI) e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) para os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, nas mesmas condições que já constavam da redacção anterior do preceito, e o Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, e manteve nos mesmos termos essa mesma isenção.
A Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril, sendo também uma lei orçamental, através de nova redacção dada ao artigo 49.º do EBF, passou a isentar de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis apenas os “prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos”, e a Lei do Orçamento de Estado para 2012 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro) alargou essa isenção aos “prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos ou fechados de subscrição pública”.
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, alterando esse artigo 49.º, suprimiu a isenção, passando a prever a redução para metade das taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis a prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos ou fechados de subscrição pública.
O artigo 49.º do EBF foi revogado pelo artigo 215.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.
[6.] Da evolução legislativa acabada de descrever ressalta a ideia de que os benefícios fiscais atribuídos aos fundos de investimento imobiliário não têm um carácter sistemático, assumindo antes uma natureza marcadamente conjuntural, assim se justificando que as sucessivas alterações ao regime legal tenha sido estabelecidas, em regra, por via de leis orçamentais.
]Basta notar que começou por prever-se a isenção da contribuição autárquica - e do IMI e do IMT - em relação a prédios integrados em qualquer tipo de fundo imobiliário, para depois se restringir essa isenção aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos. Mais tarde foi resposta a isenção quanto a prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos ou fechados de subscrição pública até que o benefício fiscal foi transformado em redução da taxa de imposto aplicável e, finalmente, foi suprimido.
Não é possível ver, por conseguinte, na aprovação do EBF e nas múltiplas alterações desse Estatuto um critério geral que permita definir um regime fiscal estável que possa sobrepôr-se a outras disposições avulsas que subsistiam já na ordem jurídica.
Para além disso, importa fazer notar que o âmbito aplicativo da isenção inicialmente criada pela Lei n.º 53-A/2006, mediante a alteração do artigo 46.º do EBF - que passou a prever a isenção de IMI e de IMT em relação a prédios integrados em fundos de investimento imobiliários -, não é coincidente com o da isenção contemplada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, que se refere a aquisições de imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora. Na verdade, por efeito da nova disposição do artigo 46.º do EBF, passaram a estar isentas do IMT os prédios já integrados nos fundos imobiliários, ao passo que a isenção a que se referia o diploma de 1987 abrangia as aquisições de bens imóveis efectuadas por sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário para passarem a integrar o património desses fundos. O que significa que o EBF veio ampliar a isenção, cobrindo não apenas as situações em que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel, mas também aquelas em que o fundo age na posição de alienante do imóvel (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 544/2016, em que se analisou a mesma questão).
[7.] Cabe agora enfrentar a questão de saber se a norma do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 se encontra revogada por qualquer das disposições do EBF que vieram a regular a isenção de IMT em relação a fundos de investimento imobiliário ou se houve lugar a uma revogação de sistema por efeito da nova regulação global da matéria dos benefícios fiscais.
Como decorre do artigo 7.º, n.º 2, do Código Civil, a revogação da lei “pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior”.
A revogação é expressa quando uma lei individualiza, numa declaração explícita, o objecto da cessação de vigência de uma lei anterior. A revogação tácita tem lugar quando, face ao silêncio do legislador sobre a identificação das normas revogadas, se registe uma incompatibilidade de conteúdo entre os preceitos de uma lei nova e os de um acto um legislativo cronologicamente precedente. A revogação global ocorre quando um complexo normativo passa a ser, no seu todo, sujeito a uma disciplina diversa da que anteriormente vigorava, independentemente do problema da sua compatibilidade com as regras anteriormente vigentes (cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, págs. 165-166; Carlos Blanco Morais, Leis Reforçadas – As Leis Reforçadas do Procedimento no Âmbito dos Critérios Estruturantes da Relações entre Actos legislativos, Coimbra, 1998, págs. 338, 341 e 343).
A revogação expressa não suscita especiais dificuldades. Ela consta de uma declaração feita na lei nova e pode limitar-se a extinguir a eficácia da lei velha ou a retomar um regime jurídico anterior que tinha sido revogado por esta, ou ser acompanhado de efeitos constitutivos ou modificativos, como se verifica quando a lei revogatória institui um complexo normativo novo ou opera a modificação do regime jurídico anterior.
A revogação tácita verifica-se na medida da contraditoriedade existente entre a lei precedente e a lei nova, pois onde essa contraditoriedade não tenha lugar é possível a coexistência ou compenetração entre as duas leis.
A revogação global tem em comum com a revogação tácita o facto de operar no eventual silêncio do legislador, o qual pode nada dizer sobre a supressão das leis antecedentes, mas diferencia-se dela pelo facto de não registar obrigatoriamente uma incompatibilidade geral de comandos entre a lei velha e a lei nova. A ratio desta modalidade de revogação ancora-se essencialmente em razões associadas à actualização do processo de inovação jurídica ou a políticas de sistematização e de consolidação legislativa (Carlos Blanco Morais, ob. cit., pág. 344).
[8.] Aplicando os princípios acabados de enunciar à situação sub juditio, facilmente se conclui que a norma do artigo 1.º do do Decreto-Lei n.º 1/87 não pode ter-se como revogada.
É ponto assente que a norma do artigo 1.º do do Decreto-Lei n.º 1/87 não foi objecto de revogação expressa. E, como se deixou entrever, não existe qualquer incompatibilidade entre essa norma e aquela que veio a ser introduzida no EBF (artigo 46.º depois renumerado como artigo 49.º), visto que essas disposições contêm diferentes âmbitos aplicativos e esta última limitou-se a ampliar a isenção já estabelecida pelo diploma de 1987.
Encontra-se também afastada a possibilidade de ter ocorrido uma revogação de sistema. Como se deixou exposto, o EBF, na sua versão originária, e em relação às sociedades de gestão e investimento imobiliário, apenas estabeleceu um regime fiscal específico em matéria de IRC e IRS. E só muito mais tarde, através de leis orçamentais, é que se estabeleceu relativamente aos fundos imobiliários, mediante a nova redacção dada ao artigo 46.º (depois renumerado como artigo 49.º), a isenção em matéria de tributação de património por referência à contribuição autárquica e, depois, ao IMI e ao IMT (Leis n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, e 53-A/2006, de 29 de dezembro). Esse regime sofreu ainda sucessivas alterações até que o benefício fiscal passou a traduzir-se na redução para metade das taxas de imposto sobre imóveis e de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro) e foi finalmente extinto mediante a revogação do artigo 49.º operada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.
Com a aprovação do Estatuto dos Benefícios Fiscais, os benefícios fiscais com carácter estrutural aplicáveis ao sistema financeiro e ao mercado de capitais, aqui se incluindo os fundos de investimento, incidiram sobre a tributação dos rendimentos. A ulterior introdução de uma isenção de IMI e IMT aplicável aos fundos de investimento, na categoria de benefícios fiscais relativos a imóveis, mediante a mera alteração de disposição já existente, não evidencia um qualquer critério geral definidor do regime de benefícios fiscais em matéria de tributação do património e a evolução legislativa posterior revela que a isenção foi instituída por razões meramente conjunturais e sem um propósito claro de sistematização regime legal.
Neste condicionalismo, não pode falar-se de uma revogação global do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.”
Todos estes considerandos mantêm plena validade e são aplicáveis à situação do caso concreto, levando a concluir que os actos tributários de IMT relativos à aquisição de bens imóveis pela Requerente como representante dos Fundos de Investimento Imobiliário são ilegais por violação do disposto no citado artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.
Juros indemnizatórios
A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IMT, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
Sustenta, no entanto, a Requerida que os juros indemnizatórios apenas poderão ser contabilizados a partir de um ano após o pedido de revisão oficiosa, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, visto que a Requerente não deduziu reclamação graciosa, ficando afastada a possibilidade de aplicação do n.º 1 desse preceito.
Ora, o que prescreve o artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da Lei Geral Tributária é que “são também devidos juros indemnizatórios (…) quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”. Trata-se, portanto, de juros indemnizatórios que são devidos quando, por iniciativa do sujeito passivo, haja lugar à revisão do acto tributário, mas ela apenas tenha ocorrido mais de um ano depois de ter sido deduzido o pedido e que, por isso, visam ressarcir o interessado da demora na prolação da decisão favorável. Entende-se, nesse caso, que os juros são devidos a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão, o que se compreende visto que é nesse momento que a Administração Tributária entra em mora.
Esse regime opera ainda no domínio do procedimento tributário e pressupõe uma decisão favorável em relação ao pedido de revisão.
O que sucede, porém, no caso vertente, é que a Administração Tributária não chegou a se pronunciar-se sobre o pedido de revisão, o que determinou que o sujeito passivo deduzisse impugnação judicial mediante a apresentação do pedido arbitral, pelo que a regra aplicável não é a da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º, mas a da n.º 1 desse artigo, que se refere às situações de pagamento indevido de imposto por erro imputável aos serviços quando o erro venha a ser verificado em reclamação graciosa ou em impugnação judicial. Os juros indemnizatórios são, pois, os devidos pela decisão favorável proferida na impugnação judicial e sem dúvida que são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular os actos tributários de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis n.ºs n.º ... e ...;
b) Condenar no pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento do imposto até à data da emissão da nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 1.234.745,66, que não foi contestado pela Requerida, e corresponde ao valor da liquidação a que a se pretendia obstar (artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT).
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 16.830,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 7 de dezembro de 2018
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Vasco Valdez
O Árbitro vogal
Miguel Patrício