Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 310/2018-T
Data da decisão: 2018-12-10  IMI  
Valor do pedido: € 19.620,15
Tema: AIMI – Inconstitucionalidade.
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DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

Em 4 de julho de 2018, A..., SA, com o NIPC ... e sede no ..., ..., ...-... ... (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de vinculação), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

A. Objeto do pedido:

A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., bem como do ato tributário objeto daquele procedimento, a liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) com o n.º 2017..., emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) com referência ao ano de 2017, no montante total de € 19 620,15 (dezanove mil, seiscentos e vinte euros e quinze cêntimos), cuja anulação requer.

Mais pede a Requerente a condenação da Requerida na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 100.º e 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT) e 61.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

B. Síntese da posição das Partes:

1. Da Requerente:

Como fundamentos do pedido, invoca a Requerente, em suma, o seguinte:

  1. A impugnante é uma sociedade comercial do setor imobiliário que tem como atividade principal a compra e venda de imóveis (CAE 068100), nomeadamente terrenos para construção, que adquire para neles promover edificações, destinando-se este património predial, única e exclusivamente, à exploração da sua atividade económica, seja por venda ou por arrendamento;
  2. O regime legal do AIMI, instituído pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, configura este imposto como um imposto complementar ao IMI, tendo em vista tributar o “património imobiliário habitacional de muito elevado valor”;
  3. De acordo com o Relatório do Orçamento do Estado para 2017, a ratio legis do AIMI, seria a introdução de um imposto que alargasse a base de financiamento da Segurança Social e recaísse “sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade do sistema”;
  4. O regime do AIMI, vertido nos artigos 135.º-A a 135.º-K, do Código do IMI, incide sobre a soma dos VPT dos imóveis do contribuinte; no entanto, o n.º 2 do artigo 135.º-B, do Código do IMI, exclui da incidência do imposto os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º, do mesmo Código, ficando sujeitos a imposto os prédios urbanos habitacionais, bem como os terrenos para construção, independentemente da sua afetação, na medida em que os mesmos não constam expressamente da norma de delimitação negativa da incidência;
  5. O AIMI veio substituir o anterior modo de tributação do “património imobiliário de luxo”, previsto na verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, se bem que os seus contornos apresentem diversas divergências do regime inicial;
  6. Sendo inegável o paralelismo entre a verba 28 e a configuração atual do AIMI, ambos os impostos padecem dos mesmos vícios, no que respeita aos imóveis essenciais à obtenção de rendimentos no âmbito de uma atividade económica, sendo que o ato tributário impugnado materializa a violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e capacidade contributiva;
  7. Em matéria de tributação do património, estabelece o n.º 3 do artigo 104.º, da CRP que “A tributação do património [como é o caso do AIMI] deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”;
  8. Na situação concreta em apreço, há que avaliar da legitimidade do AIMI e se este passa o crivo do princípio da capacidade contributiva: o terreno para construção da propriedade da Requerente, sobre o qual incidiu a liquidação impugnada, é essencial para a obtenção de rendimentos no âmbito da sua atividade económica, eles próprios também sujeitos a tributação;
  9. Efetivamente, no caso das sociedades do tipo da Requerente, a propriedade de terrenos para construção consiste no substrato patrimonial da sua atividade económica, sendo um meio essencial à produção do rendimento, assim falhando em absoluto o pressuposto de que a propriedade sobre tais imóveis constitua, por si só, índice de capacidade contributiva acrescida;
  10. Atendendo à atividade exercida, é habitual que a Requerente mantenha no seu ativo circulante, durante vários anos, terrenos destinados à edificação para exploração ou revenda, de acordo com as condições de mercado e outras, alheias à vontade das sociedades de escopo imobiliário;
  11. Conforme a corrente jurisprudencial formada quanto à inconstitucionalidade da verba 28, da TGIS, a tributação dos terrenos para construção em sede de AIMI agrava as condições económicas dos sujeitos passivos, sem que exista qualquer nexo de justificação material entre a capacidade contributiva manifestada pelos respetivos proprietários e o pagamento de um imposto que, de forma vaga e genérica, contribui para a progressividade do sistema fiscal;
  12. O que cria uma gritante desigualdade material entre as empresas cuja atividade pressuponha a propriedade de imóveis e aquelas outras cuja atividade não decorra da detenção de imóveis ou as que os detêm, neles prosseguindo uma atividade comercial, industrial ou de prestação de serviços;
  13. Aquando da discussão na especialidade da Proposta do Orçamento do Estado para 2017, estabeleceu-se que ficariam excluídos da incidência do AIMI, além dos classificados como industriais e os licenciados para a atividade turística, os prédios urbanos “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”;
  14. No entanto, a configuração do facto tributário em função da destinação dos prédios e da atividade económica neles exercida não se encontra minimamente justificada face à finalidade da medida fiscal adotada, pois não se vislumbra qualquer motivo para discriminar negativamente os imóveis que constituem “stock” de uma empresa que tenha por escopo social a realização de operações imobiliárias, excluindo da tributação imóveis afetos a outras atividades económicas;
  15. A norma em causa é manifestamente desequilibrada, desconforme e desadequada à prossecução do fim legal, o que a torna materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade;
  16. Em suma: o artigo 135.º-B, n.º 1, do CIMI, deve ser desaplicado pelo Tribunal, atenta a sua inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e capacidade contributiva, na medida e que incide sobre imóveis com afetação comercial, detidos por empresas que prosseguem uma atividade imobiliária;
  17. Ainda que se não entenda a inconstitucionalidade material da referida norma com a sobredita abrangência, afigura-se clara a sua inconstitucionalidade material no que respeita aos terrenos para construção, face à isenção de prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” – tudo determinando a anulação da liquidação impugnada.

 

C. Da Requerida:

Na sequência do despacho de notificação nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta, na qual defendendo a legalidade da liquidação impugnada, pede a absolvição do pedido, invocando, em síntese:

  1. O objeto do pedido reporta-se ao indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., apresentada contra a liquidação de AIMI n.º 2017..., referente ao ano de 2017, no valor de € 19 620,15, peticionando a Requerente a final que “…seja anulada a liquidação de AIMI aqui impugnada, com as legais consequências”;
  2. A Requerente é uma pessoa coletiva, proprietária em 01.01.2017 dos prédios identificados na liquidação impugnada, não abrangidos pelas exclusões previstas no n.º 2 do artigo 135.º-B, nem pelo n.º 3 do artigo 135.º-C do CIMI, tendo o VPT sido apurado de acordo com o inscrito na matriz, conforme n.ºs 1 e 2 do art.º 135.º-C do CIMI;
  3.  Como decorre do artigo 135.º-B, do CIMI, o AIMI incide sobre os prédios classificados como habitacionais e como terrenos para construção, independentemente da sua afetação potencial, na medida em que os mesmos não constam expressamente da norma de delimitação negativa de incidência;
  4. No que concerne às pessoas coletivas e estruturas equiparadas, o AIMI tem natureza de tributação real e não pessoal, na medida em que a modelação do quantitativo a pagar abstrai da dimensão económica das entidades e não atinge a totalidade do seu património líquido, refletindo a ideia de que os elementos do património imobiliário destas entidades desempenham, em regra, uma função económica, não representando uma mera acumulação de riqueza;
  5. O legislador optou expressamente pela tributação dos prédios classificados como habitacionais ou como terrenos para construção, ainda que integrem o ativo das empresas, não os incluindo na delimitação negativa da incidência;
  6. A Requerente pretende estabelecer um paralelismo entre o regime do AIMI e o da anterior verba 28.1, da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013; porém, o Tribunal Constitucional veio reiteradamente a “Não julgar inconstitucional a norma constante na Verba 28.1 da TGIS (redação OE2014), na parte que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00”;
  7. O AIMI, diferentemente da verba 28.1, da TGIS, incide sobre os bens imóveis independentemente da sua afetação a qualquer processo produtivo ou gerador de rendimentos (n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI) e independentemente das classes do ativo em que se encontram inscritos: inventários, ativo fixo tangível ou ativo não corrente detido para venda;
  8. O legislador optou, no n.º 2 do artigo 135.º-B, do Código do IMI, por uma delimitação negativa da incidência, excluindo do AIMI imóveis que, pela sua potencial afetação, podem ser economicamente reconhecidos como fatores de produção, a título de capital;
  9. A preocupação em assegurar “a ausência de impacto na atividade económica” não levou à exclusão da incidência do imposto das sociedades comerciais e de outras entidades equiparadas que, por terem por objeto a prossecução de atividades económicas, seriam afetadas em maior ou menor grau pelo ónus do imposto;
  10. A delimitação negativa de incidência foi consagrada na incidência objetiva e não na incidência subjetiva, nada existindo na letra da lei que indicie que a exclusão de tributação possa estender-se aos demais prédios aí não incluídos, quando estejam afetos a determinada atividade económica do sujeito passivo;
  11. Contrariamente ao que a Requerente pretende fazer crer, não pode a ratio legis da exclusão de tributação prevista no artigo 135.º-B, n.º 2, do CIMI, ter o alcance de abranger os prédios urbanos classificados como habitacionais e terrenos para construção que constituam objeto da atividade económica dos sujeitos passivos;
  12. Os bens em causa não são meramente instrumentais ao exercício da atividade, antes integram o próprio núcleo da atividade económica, são o objeto do comércio ou indústria, pois se destinam a revenda ou, no caso dos terrenos para construção, também à transformação em caso de neles serem erigidas construções para subsequente venda;
  13. Os imóveis excluídos da sujeição ao AIMI, nos termos do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, esses sim, é que desempenham uma função instrumental às atividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, por constituírem edificações de suporte ao funcionamento das referidas atividades, não sendo, por si mesmos, geradores de rendimentos;
  14. A circunstância de um dado bem valer, como “fator de produção de riqueza” não é suficiente para contrariar a capacidade contributiva do seu titular e a sua aptidão para suportar uma contribuição adicional para a desejada consolidação orçamental;
  15. A tributação em sede de AIMI traduz-se numa imposição específica sobre o património e não sobre o rendimento, pois incide sobre manifestações de capacidade contributiva consistentes nos elementos do património imobiliário que possuam as características indicadas no artigo 135.º-B do Código do IMI, sem individualizar os sujeitos passivos e sujeitando a imposto toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre os prédios urbanos abrangidos;
  16. Não ocorre a inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva;
  17. Nem a Autoridade Tributária e Aduaneira pode deixar de aplicar a lei com fundamento em inconstitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade;
  18. Caso se venha a concluir pela inconstitucionalidade do regime legal do AIMI não são devidos juros indemnizatórios.

Termina a AT por requerer que, caso venha a ser declarada a inconstitucionalidade invocada pela Requerente, seja determinada a notificação da decisão arbitral ao Ministério Público, nos termos do disposto nos artigos 280.º, n.º 3, da CRP e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional.

 

  Pelo despacho arbitral de 17 de outubro de 2018, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, convidaram-se as Partes à apresentação de alegações escritas no prazo sucessivo de 10 dias, com início na Requerente, fixando-se a data de 10 de dezembro de 2018 para prolação da decisão final e advertindo-se a Requerente de que, até àquela data, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

As Partes não produziram alegações.

 

II. SANEAMENTO

  1. O Tribunal Arbitral é competente e foi regularmente constituído em 11 de setembro de 2018, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

 

 

III.    FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

A. Factos Provados:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial com sede em território nacional, que tem por objeto a atividade de “Compra e venda de bens imobiliários”, CAE 068100 (pág. 21, do PA);
  2. Em 30.06.2017, a AT efetuou em nome da Requerente a liquidação de AIMI com o n.º 2017..., no valor de € 19 620,15 (Doc. 2, junto à PI);
  3. O AIMI liquidado incidiu sobre prédios urbanos da propriedade da Requerente, sitos na freguesia e concelho de ..., com o valor patrimonial tributário (VPT) global, apurado nos termos do artigo 135.º-C, n.º 1, do CIMI, de € 4 905 037,89 (Doc. 2, junto à PI e págs. 22 a 25, do PA);
  4. A referida liquidação de AIMI foi notificada à Requerente, que procedeu ao respetivo pagamento em 29.09.2017 (doc. 2, junto à PI);
  5. Em 29.01.2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação impugnada;
  6. A reclamação graciosa que correu termos sob o n.º ...2018... foi indeferida por despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de ..., de 29.03.2018;
  7. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente pelo ofício n.º 2018... do Serviço de Finanças de ..., remetido a coberto do registo CTT n.º...PT, de 05.04.2018.

 

B. Factos não provados:

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:

Com base nos elementos documentais disponibilizados pelas Partes, consideram-se como provados os factos acima enunciados, sobre os quais não há controvérsia.

 

III.2 DO DIREITO

  1. Do âmbito de incidência do AIMI. Prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção afetos a atividades económicas.

A Requerente é uma sociedade anónima que desenvolve a sua atividade no setor imobiliário, tendo por objeto social a compra e venda de bens imobiliários e a aquisição de terrenos para construção, com o intuito de neles promover edificações.

O seu património imobiliário constitui, portanto, um meio essencial à prossecução da sua atividade geradora de rendimento.

Neste conspecto, entende a Requerente não ser sujeito passivo do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), por este ter sido configurado como “um imposto complementar ao IMI, com o fito de tributar «a acumulação de património imobiliário habitacional de muito elevado valor»”, indiciador da elevada capacidade económica do respetivo titular, o que não é manifestamente o caso dos imóveis que detém em “stock”.

Os artigos 135.º-A a 135.º-K, do Código do IMI, contêm o regime legal do AIMI, criado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, tratando o artigo 135.º-A da incidência subjetiva e o artigo 135.º-B, da incidência objetiva.

O artigo 135.º-A, do CIMI, que prevê a incidência subjetiva do AIMI, estabelece que “São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português”, sendo “equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis”, à “data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.”.

No que respeita ao âmbito da incidência real do AIMI, estabelece o artigo 135.º - B, do Código do IMI, que este abrange “a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular” (n.º 1), à exceção daqueles que sejam “classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.” (n.º 2).

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 6.º, do Código do IMI, para o qual remete aquele artigo 135.º - B, do mesmo Código, menciona as diversas espécies de prédios urbanos que classifica como:

 a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção e,

d) Outros,

conceitos melhor concretizados pelo legislador nos números seguintes, caraterizando-se os prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços por serem aqueles que tenham sido “para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.” (n.º 2), os terrenos para construção como sendo “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.” (n.º 3) e, residualmente, como outros, os “terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.” (n.º 4).   

A Requerente defende, em suma, que foi intenção legislativa proceder à criação de um imposto sobre a fortuna imobiliária, em que os prédios urbanos afetos às atividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, pelo que este adicional não poderá incidir sobre os prédios de sua propriedade, em especial sobre os classificados como “terrenos para construção” que constituem “o substrato patrimonial da sua atividade económica” e “meio essencial à prossecução da sua atividade económica geradora de rendimento”.

No entanto, não se afigura possível extrair da letra da lei, enquanto “ponto de partida”, “elemento irremovível de toda a interpretação” e “limite da busca do espírito[1], que o n.º 2 do artigo 135.º-B, do CIMI, tenha o sentido de que os “terrenos para construção”, quando constituam o substrato de uma atividade económica exercida por pessoa coletiva ou equiparada, se insiram na delimitação negativa da incidência de AIMI.

Efetivamente, o n.º 2 do artigo 135.º-B, do CIMI, apenas exceciona expressamente do âmbito da incidência os prédios urbanos que sejam “classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”

Poderá assim dizer-se que, “Relativamente às pessoas coletivas o AIMI é um verdadeiro imposto geral sobre o património imobiliário, embora da sua aplicação estejam excluídas algumas classes de prédios (…) um imposto geral, mas parcial, sobre a fortuna imobiliária (…)”[2] e que não foi com base na atividade a que estão os imóveis afetos que veio a ser definida a exclusão de incidência do AIMI.

 

  1. Da Inconstitucionalidade do AIMI, por incidir sobre prédios que constituem o substrato de uma atividade económica

A Requerente considera que o regime legal do AIMI, enquanto imposto sobre o património imobiliário, contraria os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade  e da capacidade contributiva consagrados nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP, pedindo a desaplicação ao caso concreto dos artigos 135.º-A e seguintes, do Código do IMI, com a consequente anulação do ato tributário impugnado, para o que invoca, em síntese, que aquele regime legal e a tributação dele resultante promovem um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes.

Considera, pois, que ao instituir o AIMI, o legislador pretendeu tributar os prédios com fins habitacionais, enquanto efetivas manifestações de riqueza, mas foi clara a intenção de excluir do âmbito da sua incidência todos os prédios afetos a atividades económicas.

Defende ainda que, no caso das sociedades do setor imobiliário, a propriedade de imóveis consubstancia o substrato patrimonial da própria atividade económica, essencial para a prossecução da mesma, não se encontrando verificado o pressuposto de tributação essencial, já que a propriedade daqueles imóveis não constitui um indício de uma acrescida capacidade contributiva; assim, a aplicação do AIMI a imóveis detidos por estas entidades penalizará de forma injustificadamente agravada este setor de atividade, em detrimento dos restantes.

A esta argumentação, contrapõe a Autoridade Tributária e Aduaneira que as escolhas subjacentes à delimitação da incidência objetiva do AIMI foram efetuadas dentro da margem de “liberdade de conformação legislativa” e não violam os princípios da igualdade de tributação em função da capacidade contributiva, à face da doutrina e da jurisprudência do Tribunal Constitucional.

Defende a AT que se está perante um “imposto parcelar sobre determinadas manifestações de capacidade contributiva”, pelo que não é “normativamente adequado proceder a uma comparação entre o valor global do património de outros contribuintes”, devendo, antes, tomar como base de comparação, para aferir da observância do princípio da igualdade, os patrimónios de outros sujeitos passivos com o mesmo objeto social.

Defende ainda a Requerida que “a diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa, a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais”.

Argumenta ainda a AT que o princípio da igualdade impõe que todos os que são titulares da mesma forma de riqueza sejam tributados da mesma maneira e que como qualquer imposto sobre o património, o AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda dos imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial dos prédios.

Perante os factos dados como provados e as normas legais aplicáveis à situação em análise, cumpre assinalar que o princípio da igualdade tributária traduz uma expressão específica do princípio geral da igualdade ínsito no artigo 13.º, da CRP, devendo ser entendido não apenas como igualdade perante a lei (sentido formal), mas como igualdade na lei (sentido material), o que convoca o princípio da capacidade contributiva ou capacidade para contribuir para a satisfação dos encargos públicos na medida da capacidade económica revelada pelo rendimento, pela despesa ou pelo património (cfr. o n.º 1 do artigo 4.º, da Lei Geral Tributária).

Este princípio da capacidade contributiva, constituindo medida e termo de comparação da igualdade em matéria tributária, remete para as ideias de “generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério – o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical).[3].

No que respeita à tributação do património, o artigo 104.º, n.º 3, da CRP, estabelece que “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”, sem que até ao aparecimento do AIMI tivesse sido criado entre nós um “imposto geral sobre o património” que, reforçando a progressividade geral do sistema, fosse apto a promover uma mais justa repartição da riqueza[4].

Por outro lado, apesar da larga margem de conformação do legislador na criação de impostos, está-lhe vedado o arbítrio na tomada de medidas legislativas manifestamente desproporcionadas ou inadequadas.

Contudo, tem o Tribunal Constitucional vindo a entender que “A violação do princípio constitucional da igualdade subentende uma concreta e efetiva situação de diferenciação injustificada ou discriminatória, sendo certo que, a este propósito, a jurisprudência constitucional tem insistentemente sublinhado não proibir aquele princípio que se criem distinções, desde que estas não sejam arbitrárias ou desprovidas de fundamento material bastante”[5].

Não se afigura, no entanto, que a incidência de AIMI sobre os imóveis da titularidade de empresas que exercem a sua atividade no setor imobiliário, como é o caso da Requerente, titular de terrenos para construção adquiridos com o intuito de neles promover edificações destinadas a venda, seja discriminatória ou que estas empresas devam merecer um tratamento mais vantajoso do que o concedido à generalidade dos proprietários de prédios urbanos.

Citando a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 664/2017-T, com a qual se concorda, diremos que “A titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. O que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade do património e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos”.

Traçando o paralelismo entre a tributação em sede de AIMI e a constante da revogada verba 28, da Tabela Geral de Imposto do Selo, no que respeita aos terrenos para construção, vem a Requerente invocar o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 250/2017, que julgou inconstitucional a norma da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, na medida em que impunha a tributação anual sobre a propriedade de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse para habitação, cujo valor patrimonial fosse igual ou superior a € 1.000.000,00.

Porém, como se pode ler na citada Decisão Arbitral n.º 664/2017-T, aquele “acórdão acentuou que não é possível comparar os edifícios habitacionais que correspondem a uma edificabilidade real definitivamente incorporada na esfera jurídica do titular e os terrenos para construção que correspondem a uma edificabilidade meramente potencial, ainda não materializada, para concluir que não é possível integrar na mesma previsão normativa de imposto edifícios de elevado valor patrimonial e terrenos para construção que valem essencialmente pelo seu futuro aproveitamento urbanístico.

Deve começar por dizer-se que o preceito aí em análise não tem o mesmo conteúdo normativo que a disposição que agora está em apreciação e que o entendimento jurisprudencial que veio a ser firmado não pode ser transposto directamente para a situação do caso vertente.

O princípio da igualdade tributária foi mobilizado nesse aresto por se ter entendido que a inclusão no âmbito de incidência da norma de um terreno para construção a par de um prédio habitacional já edificado não reflecte a diferente capacidade contributiva dos respectivos proprietários, sendo essa a razão determinante do juízo de inconstitucionalidade. No caso vertente, ao contrário, para efeito da exclusão do adicional ao IMI, pretende-se estabelecer a equiparação entre terrenos para construção e prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços na perspectiva inversa de que os terrenos para construção potencialmente utilizáveis para esses fins não se distinguem dos prédios já edificados que se encontrem classificados como comerciais, industriais ou para serviços.

Mas (…) não existe, nessa circunstância, qualquer motivo para considerar verificada a violação do princípio da igualdade fiscal, visto que – como, aliás, se reconhece no acórdão n.º 250/2017 – os terrenos para construção e o património edificado correspondem a realidades distintas, e a exclusão do adicional ao IMI em relação aos imóveis classificados como comerciais, industriais ou para serviços mostra-se justificado pela sua função instrumental relativamente a uma certa actividade produtiva, o que não é aplicável aos terrenos que apenas poderão atingir no futuro essa potencialidade.

O citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 250/2017 não traz, por conseguinte, qualquer novo argumento que possa fundar, na situação do caso, um juízo de inconstitucionalidade.”.

Em face do exposto, não se consideram violados os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva em qualquer das dimensões invocadas pela Requerente, sendo de manter a liquidação impugnada.

 

  1. Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Devendo a liquidação impugnada manter-se na ordem jurídica, pelos motivos que antecedem, fica prejudicado o conhecimento da questão relativa ao pedido de juros indemnizatórios.

Fica igualmente prejudicado o conhecimento da invocada exceção perentória da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral a que alude a conclusão I da Resposta da Requerida, por naquele articulado não terem sido especificados os factos determinantes da mesma.

  1. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos;
  2. Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 19 620,15 (dezanove mil, seiscentos e vinte euros e quinze cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), a cargo da Requerente.

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de dezembro de 2018.

O Árbitro,

 

Mariana Vargas

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] José de Oliveira Ascensão, “O Direito – Introdução e Teoria Geral”, 13.ª Edição refundida, Almedina, Coimbra, pág. 396.

[2] José Maria Fernandes Pires, “O Adicional ao IMI e a Tributação Pessoal do Património”, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 42.

[3] - José Casalta Nabais, “Direito Fiscal”, Almedina, Coimbra, 2014, 7.ª Edição, pág. 155.

[4] De acordo com José Maria Fernandes Pires, obra citada, pág. 31, “O argumento mais utilizado na defesa da existência dos impostos gerais e pessoais sobre o património, e também aquele que a nossa Constituição consagra, é o da promoção de uma mais justa repartição da riqueza. (…) O incremento da progressividade produzido por este imposto, bem como as receitas fiscais que seria capaz de gerar, poderiam servir para diminuir as taxas aplicáveis aos rendimentos médios e mais baixos, baixando a carga fiscal aos respetivos cidadãos e aumentando a justiça social”.

[5] Cfr. O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/03, de 28/04, processo n.º 308/02.