DECISÃO ARBITRAL
Acordam em Tribunal Arbitral
I – Relatório
1. A... S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., ...-... ..., apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e segs. do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa respeitante às liquidações de IRC de 2013 e 2014, e do indeferimento da reclamação graciosa respeitante à liquidação de IRC de 2015, e, bem assim, das liquidações de IRC relativas a esses três períodos de tributação, na parte em que não admitem a dedução à colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) e dos pagamentos especiais por conta (PEC).
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
Em cada um dos exercícios de 2013, 2014 e 2015, a Requerente efectuou dois pagamentos especiais por conta no valor unitário de €35.000,00, totalizando um montante global de €210.000,00, e em relação a esses mesmos períodos de tributação dispôs de créditos fiscais, no âmbito do SIFIDE, nos valores de €188.876,18, €44.508,04 e €47.478,31, respectivamente.
Nos exercícios de 2013 e de 2014, a Requerente apurou um montante de imposto a pagar, a título de tributação autónoma, de €25.889,00 e de €41.190,47, e no exercício de 2015 apurou um montante de imposto de €17.928,97, referente à soma da derrama municipal apurada (€1.609,98) com o valor devido a título de tributação autónoma (€17.547,47).
Na autoliquidação, a Requerente ficou impedida de deduzir os montantes de benefício fiscal, bem como os pagamentos especiais por conta, implicando que tivesse sido apurado um excesso de imposto no total de €84.626,94.
No entanto, as tributações autónomas, embora sujeitas a uma distinta forma de apuramento no que se refere à base tributável e às taxas aplicáveis, seguem um idêntico procedimento de liquidação de imposto nos termos do artigo 90.º do CIRC, designadamente, no que se refere às deduções à colecta, aí se incluindo os benefícios fiscais e os pagamentos especiais por conta (artigo 90.º, n.º 2, alíneas c) e d), do CIRC).
Por outro lado, a norma do artigo 88.º, nº 21, do CIRC na redacção dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30/03, na parte em que determina, por efeito da sua natureza interpretativa, que ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores passíveis de dedução a título de pagamento especial por conta e/ou benefícios fiscais nesse mesmo ano, não pode deixar de ser considerada inconstitucional, por violação da proibição da retroactividade fiscal estatuída no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição.
Pede a final a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como dos actos tributários liquidação de IRC relativos aos exercício de 2013, 2014 e 2015, e consequentemente o reembolso do imposto indevidamente pago e a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, invocou a excepção da incompetência do tribunal para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa, por considerar que a vinculação à jurisdição arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, se encontra circunscrita à “declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Em sede de impugnação considera que ainda que a inclusão das tributações autónomas no CIRC, pela sua natureza e finalidade, tem como corolário lógico a aplicação das normas gerais próprias desse imposto que não contendam com a sua especial forma de incidência, conferindo uma natureza dualista ao sistema normativo do imposto que se corporiza no apuramento separado das respectivas colectas de acordo com diferentes regras.
Havendo assim lugar a dois cálculos distintos, que, embora processados nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º, são efectuados com base na aplicação de diferentes taxas às respectivas matérias colectáveis que são determinadas igualmente de acordo com regras próprias.
A liquidação do IRC opera mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada nos termos do capítulo III do Código, ao passo que em relação à liquidação da tributação autónoma são apuradas diversas colectas de acordo com as taxas previstas no artigo 87.º, resultantes do disposto nos artigos 88.º e 89.º, consoante a diversidade dos factos que originam a liquidação da tributação autónoma, não podendo, por conseguinte, falar-se num sistema unitário de tributação em IRC.
E nesse sentido o “montante apurado nos termos do número anterior”, a que se refere o n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, deve entender-se como abrangendo o somatório do montante de IRC apurado de acordo com as regras do capítulo III do Código por aplicação das taxas previstas no artigo 87.º e do montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no artigo 88.º
Não há assim lugar à dedução de benefícios fiscais à colecta resultante da tributação autónoma e, por identidade de razão, não são dedutíveis os pagamentos especiais por conta que se configuram como um instrumento de garantia do pagamento do imposto e que estão associados a uma função de combate à evasão e fraude fiscais.
Conclui pela improcedência do pedido.
2. Não foi requerida a produção de prova testemunhal e, no seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT.
Em requerimento autónomo, a Requerente, no exercício do direito ao contraditório quanto à matéria de excepção, pronunciou-se no sentido da improcedência da questão prévia suscitada pela Administração Tributária.
Em alegações, as partes reiteraram as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 10 de julho de 2018.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Cabe apreciar e decidir.
II -Fundamentação
4. A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte:
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A Requerente efectuou dois pagamentos especiais por conta no valor de €35000,00 nos exercícios de 2013, 2014 e 2105, no montante global de € 210.000,00;
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E, relativamente a esses períodos de tributação, dispunha de créditos fiscais no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), nos montantes de € 188.876,18, €44.508,04 e €47.478,31, respectivamente;
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No exercício de 2013, foi apurado um montante de imposto a pagar, a título de tributação autónoma, de €25.889,000;
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No exercício de 2014, foi apurado um montante de imposto a pagar, a título de tributação autónoma, de €41.190,47;
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No exercício de 2015, foi apurado um montante de imposto de €17.928,97, correspondente a derrama municipal (€1.609,98) e a tributação autónoma (€17.547,47), deduzida a retenção na fonte (€1.228,48);
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No ano de 2013, os pagamentos especiais por conta, no montante global de €70.000,00, e o crédito fiscal decorrente do SIFIDE, no valor de €188.876,18, eram suficientes para compensar, através da dedução à colecta de IRC, o imposto apurado a título de tributação autónoma que correspondia a €25.889,00;
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No ano de 2014, os pagamentos especiais por conta, no montante global de €70.000,00, e o crédito fiscal decorrente do SIFIDE, no valor de €44.508,04, eram suficientes para compensar, através da dedução à colecta de IRC, o imposto apurado a título de tributação autónoma que correspondia a €41.190,47;
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No ano de 2015, os pagamentos especiais por conta, no montante global de €70.000,00, e o crédito fiscal decorrente do SIFIDE, no valor de €47.478,31, eram suficientes para compensar, através da dedução à colecta de IRC, o imposto apurado a título de tributação autónoma que correspondia a €17.547,47;
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Nesses três períodos de tributação, por impossibilidade de dedução dos pagamentos especais por conta e dos créditos fiscais referentes ao benefício fiscal do SIFIDE, foi apurado o imposto total de €84.626,94, a título de tributações autónomas;
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A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de IRC relativos aos períodos de tributação de 2013 e 2014, que foi indeferido pelo chefe de divisão da Unidade de Grandes Contribuintes, com delegação de competências, por despacho de 2 de março de 2018;
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A Requerente apresentou um pedido de reclamação graciosa do acto de liquidação de IRC relativo quanto ao exercício de 2015, que foi indeferido pelo chefe de divisão da Unidade de Grandes Contribuintes, com delegação de competências, por despacho de 16 de fevereiro de 2018;
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A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa baseou-se na não dedutibilidade à colecta da tributação autónoma dos créditos resultantes dos pagamentos especiais por conta e dos benefícios fiscais do SIFIDE.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os constantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária com a sua resposta.
Matéria de direito
Incompetência do tribunal arbitral
5. A Autoridade Tributária suscita a questão da incompetência material do tribunal arbitral por considerar que se encontram excluídas do âmbito da arbitragem tributária as decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.
Em causa está a interpretação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, diploma que, em aplicação do artigo 4.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), regulamenta o âmbito de vinculação da administração tributária aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Nos termos dessa disposição, os serviços e organismos que integram a Administração Tributária vinculam-se à jurisdição arbitral no tocante a qualquer dos tipos de pretensões identificadas no n.º 1 do artigo 2.º desse Regime, com exceção das relativas à “declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
No entender da Requerida, o recurso à via administrativa a que se refere a norma regulamentar apenas abrange qualquer dos meios de impugnação administrativa que se encontram especificamente previstos nas mencionadas disposições do CPPT, a que não poderão equiparar-se os procedimentos de revisão oficiosa. E, nesse sentido, referindo-se a falada norma do artigo 131.º do CPPT à impugnação administrativa necessária de atos de autoliquidação, sob a forma de reclamação graciosa, não se encontra abrangida pela arbitragem tributária a apreciação de litígio que resulta do indeferimento parcial de um pedido de revisão oficiosa.
A Autoridade Tributária qualifica ainda como inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito e da separação de poderes, bem como do direito de acesso à justiça e da legalidade, como corolário o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, a interpretação normativa segundo a qual não estão excluídos da competência dos tribunais arbitrais os litígios relativos à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º do CPPT.
A questão tem relevo para o caso porquanto a Requerente deduziu pedido de revisão oficiosa quanto às liquidações relativas aos anos de 2013 e 2014 e só quanto à liquidação referente ao ano de 2015 é que apresentou reclamação graciosa, pelo que a incompetência do tribunal arbitral com o invocado fundamento poderia excluir do âmbito de cognição os actos tributários relativos àqueles dois períodos de tributação.
Trata-se, no entanto, de matéria que foi já dirimida em sentido negativo por jurisprudência amplamente maioritária dos tribunais arbitrais (entre muitos, os acórdãos proferidos nos Processos n.º 617/2015-T e 550/2017-T), que veio a ser sufragada pelo acórdão de 27 de abril de 2017 do Tribunal Central Administrativo do Sul (Processo n.º 08599/17), e não há motivo para alterar esse entendimento.
Segundo o disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende, entre outras pretensões, a apreciação da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta (alínea a), ainda que a lei faça depender a vinculação da administração tributária à jurisdição arbitral de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos (artigo 4.º, n.º 1).
Esta última disposição veio a ser regulamentada pela Portaria n.º 112-A/2011 que, no seu artigo 2.º, define como objeto da vinculação a apreciação das pretensões referidas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, com exceção - na parte que agora interessa considerar - das “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
As mencionadas disposições dos artigos 131.º a 133.º do CPPT pretendem identificar as situações em que, em matéria de autoliquidação, substituição tributária e pagamentos por conta, há lugar à impugnação administrativa necessária. No caso de erro na autoliquidação, o artigo 131.º especifica que a impugnação judicial “será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos a contar da apresentação da declaração”. Essa disposição, como todas as demais para que remete a Portaria n.º 112-A/2011, tem o sentido inequívoco de tornar exigível a prévia impugnação administrativa do ato tributário como condição de acesso à via jurisdicional, e está em plena consonância com o princípio expresso no artigo 185.º do CPA, segundo o qual as reclamações e recursos administrativos são necessários ou facultativos, conforme dependa ou não da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido (n.º 1). O mesmo preceito esclarece que as reclamações e recursos têm carácter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários (n.º 2).
Como tudo leva a concluir, a reclamação graciosa necessária prevista nas citadas disposições do CPPT constitui um requisito de impugnabilidade contenciosa do acto tributário, caracterizando-se como pressuposto processual atípico, que, como tal, se torna aplicável independentemente de a impugnação jurisdicional vir a ser deduzida perante um tribunal arbitral ou um tribunal estadual.
Por outro lado, a exigência legal de uma impugnação administrativa necessária tem em vista obter, por via de um procedimento de segundo grau, a reapreaciação da legalidade do acto impugnado, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão antes de o interessado poder ser suscitar um litígio judicial. Assim se compreendendo que a impugnação administrativa necessária suspenda automaticamente os efeitos do ato (artigo 189.º, n.º 1, do CPA) e que a sua utilização constitua, para o particular, um ónus processual de que depende a garantia de acesso à via contenciosa.
É ainda de fazer notar que a lei permite que o sujeito passivo, por sua iniciativa, possa solicitar a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária).
O pedido de revisão constitui igualmente um procedimento de segundo grau, que tem o mesmo efeito jurídico da reclamação necessária a que se refere o artigo 131.º do CPPT, na medida em que permite o reconhecimento pela Administração da existência de ilegalidade na prática do acto tributário, e que pode ser deduzido no mesmo prazo e desencadear, em idênticos termos, em caso de indeferimento, o recurso à via contenciosa.
Conferindo a lei ao interessado dois meios alternativos de reação administrativa contra o acto tributário com idênticos efeitos de direito, nenhum motivo existe para que não possa estabelecer-se a equiparação entre esses meios para o efeito de sujeitar o litígio à arbitragem.
Como se deixou esclarecido, a previsão do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011 não tem em vista restringir a arbitragem tributária às situações específicas em que tenha havido lugar à reclamação graciosa do ato tributário. O que se pretende é impedir que o recurso ao tribunal arbitral possa vir a ocorrer quando não se encontre verificado o pressuposto processual da impugnação administrativa prévia, quando esta seja exigível, e evitar, portanto, que a pretensão seja deduzida perante a jurisdição arbitral ainda antes de uma tomada de posição definitiva pela Administração.
Mas, como vimos, esse não é um condicionalismo específico da arbitralidade dos litígios em matéria tributária, mas um requisito processual atinente à própria providência judiciária, significando que não é possível deduzir um pedido de impugnação jurisdicional contra o acto de autoliquidação, em qualquer jurisdição, antes de se encontrar preenchido esse pressuposto.
Em todo este contexto, torna-se claro que não há qualquer obstáculo à sujeição de um litígio tributário à arbitragem quando a Administração tenha podido pronunciar-se, num procedimento de segundo grau, sobre a matéria da impugnação jurisdicional.
E nesse sentido aponta também o disposto no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que não há lugar a reclamação prévia quando a questão constitua “exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária”, evidenciando que a submissão de um litígio a um tribunal não depende de impugnação administrativa necessária quando tiver havido já uma pronúncia definitiva sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação, ainda que essa pronúncia se traduza na mera emissão de instruções genéricas.
A Autoridade Tributária suscita ainda a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, quando interpretada no sentido de que não estão excluídos da competência dos tribunais arbitrais os litígios relativos à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º do CPPT, imputando-lhe a violação dos princípios do Estado de Direito e da separação de poderes, bem como do direito de acesso à justiça e da legalidade, como corolário o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários.
A invocada violação dos princípios do Estado de Direito e da separação de poderes e do direito de acesso à justiça e da legalidade, por referência aos artigos 2.º, 20.º, 202.º, 203.º e 266.º, n.º 3, da Constituição, sem qualquer outro desenvolvimento ou explicitação, faz supor que a Requerida entende a sujeição de um litígio a um tribunal arbitral, fora dos casos legalmente tipificados, como correspondendo à violação de reserva de jurisdição, com a consequente descaracterização da própria actividade jurisdicional do tribunal arbitral.
Importa começar por fazer notar, a esse propósito, que a Constituição, no seu artigo 202.º, instituiu uma reserva de competência para o exercício da função jurisdicional em favor exclusivamente dos tribunais, podendo aí distinguir-se entre a reserva absoluta de jurisdição, constituída por aquelas situações que são substancialmente jurisdicionais e não poderão ser dirimidas por órgãos administrativos ou entidades não judiciais, e a reserva relativa de jurisdição, integrada por aquelas outras situações em que a garantia de justiça se basta com a possibilidade de um reexame judicial através de uma via de impugnação ou recurso para os tribunais.
Como o Tribunal Constitucional tem sublinhado, a existência de uma reserva de jurisdição é ainda o corolário da aplicação dos princípios da separação e interdependência de poderes: sendo a competência dos órgãos de soberania definida na Constituição e devendo estes observar a separação e a interdependência nela estabelecidas (artigos 110.°, n.º 2, e 111.º, n.º 1), haverá de concluir-se que a atribuição constitucional de determinada competência a um certo órgão de soberania exclui a possibilidade de ela poder vir a ser legalmente atribuída a qualquer outro, salvo explícita ou implícita autorização constitucional (acórdão n.º 71/84).
Ora, os tribunais arbitrais são uma das categorias de tribunais expressamente consagrada na Constituição (artigo 209.º, n.º 2), e, como tem sido reconhecido pela jurisprudência constitucional, ainda que não sejam órgãos estaduais nem se enquadram na definição de órgãos de soberania, “nem por isso podem deixar de ser qualificados como tribunais para outros efeitos constitucionais” (acórdãos n.ºs 230/86, 52/92 e 250/96). E enquanto categoria de tribunais constitucionalmente consagrada, eles estão sujeitos aos mesmos limites que impendem sobre os tribunais estaduais, as suas decisões têm natureza jurisdicional, e os árbitros estão submetidos a um estatuto similar ao dos tribunais judiciais, sendo-lhes aplicáveis as exigências constitucionais de independência e imparcialidade como forma de assegurar a confiança na objectividade na jurisdição arbitral.
Por outro lado, como tem sido afirmado repetidamente, o recurso à arbitragem constitui um direito fundamental, que, como tal, se encontra coberto pelo disposto no artigo 20.º da Constituição, e a possibilidade de resolução de litígios através de um tribunal arbitral escolhido pelas partes é ela própria uma concretização da garantia de acesso ao direito e aos tribunais e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (cfr. Fausto Quadros, “Arbitragem necessária, obrigatória, forçada: breve nótula sobre a interpretação do artigo 182.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 258, e Rui Medeiros, “Arbitragem necessária e Constituição, in Estudos em memória do Conselheiro Artur Maurício, pág.1318, e, em idênticos termos, os acórdãos TC n.ºs 250/96 e 506/96).
E, nesse plano, não há motivo para estabelecer qualquer diferenciação em relação à arbitragem necessária, visto que a Constituição, ao reconhecer a possibilidade de existência tribunais arbitrais, não distingue entre tribunais arbitrais voluntários e necessários, legitimando o entendimento de que esses tribunais poderão ser constituídos pelos cidadãos no exercício da autonomia de vontade, como também podem ser criados pelo próprio legislador para o julgamento de uma determinada categoria de litígios, como meio de impor aos cidadãos o recurso necessário a essa via de composição jurisdicional de conflitos (acórdãos n°s. 52/92, 757/95 e 262/98).
Acresce que, como decorrência do princípio geral de direito que resulta do artigo 18.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), o tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção da arbitragem ou a sua aplicabilidade ao caso concreto, sendo que a decisão do tribunal arbitral sobre a sua competência está apenas sujeita ao controlo dos tribunais estaduais por via do pedido de impugnação (cfr. artigo 18.º, n.º 9, da LAV). E esse mesmo princípio, não pode deixar de ser aplicado mesmo nos casos em que o elenco de matérias sobre as quais o tribunal arbitral se pode pronunciar se encontra legalmente definido, como é o caso da arbitragem tributária.
A impugnação de decisão arbitral pode ter também como fundamento a incompetência do tribunal arbitral, com base em pronúncia indevida, quando a sentença arbitral se tenha pronunciado sobre litígios que não sejam passíveis de arbitragem à face da lei (neste sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, que julgou inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.° do RJAT, na interpretação normativa de que o conceito de "pronúncia indevida" não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento em incompetência do tribunal arbitral, por violação concomitante dos artigos 20.° e 209.°, n.º 2, da Constituição).
Como é de concluir, o tribunal arbitral, quando decide sobre a sua competência para apreciar um litígio que lhe é submetido, está ainda exercer a sua função jurisdicional. E se o tribunal entende que é competente para apreciar a questão com base numa certa interpretação de uma disposição legal – no caso a disposição do artigo 131.º do CPPT -, essa interpretação, ainda que susceptível de ser impugnada perante um tribunal estadual por via de um pedido anulatório, não viola qualquer dos princípios constitucionais que são invocados pela Requerente.
Questões de fundo
Dedução do benefício fiscal à colecta da tributação autónoma
6. As questões a decidir traduzem-se em saber se há lugar, em sede de IRC à dedução à colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), bem como à dedução dos pagamentos especiais por conta.
A primeira dessas questões tem vindo já a ser decidida em sentido positivo pela maioria da jurisprudência arbitral, utilizando como principal argumento o modo de liquidação de IRC mesmo quando esteja em causa a tributação autónoma. A colecta proporcionada pela tributação autónoma – afirma-se – constitui colecta de IRC e a dedução dos benefícios fiscais é efectuada em relação ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC, o que leva a concluir que o processamento da liquidação do imposto, tal como resulta do falado artigo 90.º, se aplica a todas as situações previstas no Código, incluindo no tocante às tributações autónomas. Partindo desta ideia central, conclui-se que a autonomia deste tipo de tributação se restringe às taxas aplicáveis e à respectiva matéria colectável, não havendo suporte legal, face ao disposto no artigo 90.º, para distinguir entre a colecta proveniente da tributação autónoma e a que resulta dos rendimentos sujeitos a IRC. Foi essa a posição adoptada designadamente nos processos 769/2014-T, 219/2015-T, 784/2015-T e 490/2017-T.
Esta posição não é alterada pelo facto de, através da entrada em vigor da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, foi aditado ao artigo 88º do CIRC, o nº 21, que dispõe que liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”. Por sua vez, o art. 135º da mesma Lei estabeleceu que "a redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos nº.s 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa".
Efectivamente, a propósito desta norma deve sublinhar-se o que foi escrito no Acórdão do CAAD nº 5/2016-T.
“Da análise desta norma podemos retirar as seguintes conclusões:
i) Ela não altera o regime jurídico do SIFIDE nem do RFAI;
ii) Ela não tem por objeto a interpretação autêntica de normas contidas no SFIDE nem no RFAI;
iii) Mantém-se válida a previsão, contida no SIFIDE, das deduções “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC”;
iv) Mantém-se válida a previsão, contida no RFAI, das deduções “à coleta de IRC”;
v) Não é alterada a natureza das “taxas de tributação autónoma”;
vi) Não é alterado o procedimento e forma de liquidação;
vii) Passam a estar expressamente vedadas deduções ao montante de tributações autónomas apurado, o que não impede que sejam feitas deduções à coleta de IRC (que inclui o resultado das tributações autónomas) previstas no SIFIDE e no RFAI.
(…).
Deste modo, a norma contida no n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, à qual foi atribuída natureza interpretativa, não obsta a que sejam deduzidos à coleta de IRC (ou seja, à globalidade da coleta apurada por aplicação do artigo 90.º do CIRC) montantes ao abrigo do SIFIDE e do RFAI. Com efeito, o intérprete e aplicador da lei pode discordar das opções do legislador, o que não pode é alterar as soluções legislativas adotadas. Ora o legislador refere-se no RFAI à dedução “à coleta do IRC” e no SIFIDE refere-se à dedução “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC”, o que, em ambos os casos, é manifestamente distinto de “dedução à matéria coletável de IRC”. O legislador poderia, quer no RFAI quer no SIFIE, ter adotado esta solução; a verdade é que não o fez, e não cabe ao intérprete corrigir a mão do legislador. Como afirma José de Oliveira Ascensão, «[p]or mais desejável que se apresente uma alteração do sistema normativo, essa alteração pertence às fontes de direito, não ao intérprete. Este capta o sentido da fonte como ele objectivamente se apresenta no momento actual, não lhe antepõe qualquer outro sentido. Razões ponderosas de segurança e de defesa contra o arbítrio alicerçam esta conclusão». Deste modo, para que as deduções previstas no RFAI e no SIFIDE deixem de ser feitas à coleta do IRC (para a qual concorrem também as tributações autónomas) o legislador, caso assim o entenda, deve alterar os regimes jurídicos especiais que as preveem”.
Mesmo que se considerasse a norma como aplicável ao SIFIDE, ela é posterior aos factos tributários em análise pelo que, não obstante se tratar de lei que se proclamou como tendo natureza interpretativa, a sua aplicação ao caso em concreto implicaria a cobrança retroactiva de impostos, a qual é vedada pelo artigo 103, nº 3, da Constituição da República Portuguesa. Efectivamente, nos termos do art. 13º CC, a lei interpretativa é retroactiva, aplicando-se aos factos passados (facta preterita) e apenas ressalvando os litígios já terminados (causae finitae). Ora, as leis fiscais apenas se podem aplicar para o futuro, atenta a consagração constitucional da proibição da irretroactividade da lei fiscal (art. 103º, nº3, da Constituição). O art. 12º, nº1, da Lei Geral Tributária determina consequentemente que "as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos".
Resulta, portanto, claro, tanto das normas constantes dos diplomas legais, como do entendimento maioritário da jurisprudência, que a dedução dos benefícios fiscais à colecta das tributações autónomas da Requerente teria de ser admitida pela Autoridade Tributária, pelo que procede o pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC da Requerente.
O pedido arbitral mostra-se assim ser procedente nesta parte.
Dedução dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas
Baseando-se essencialmente na mesma ordem de considerações, a Requerente sustenta ainda a ilegalidade das autoliquidações do imposto na parte em que não admite a dedução dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas.
Neste aspecto há que salientar o que se afirmou a esse propósito no acórdão proferido no Processo n.º 134/2017-T, que passa a reproduzir-se.
“Não existe no CIRC outro artigo, para além do artigo 90.º, que distinga o processo de liquidação das tributações autónomas do restante IRC. E, nestes termos, a liquidação de ambos - tributações autónomas e restante IRC - é única e tem o mesmo suporte legal.
As tributações autónomas não resultam de um processo distinto de liquidação do imposto.
Entendido que é serem as tributações autónomas (parte do) IRC, compreende-se que seja única a liquidação de IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas.
Há uma liquidação de IRC única que comporta duas partes: a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC, cada uma com matéria coletável determinada de modo próprio e com taxas de tributação próprias, mas ambas liquidadas nos termos do artigo 90.º do CIRC. Havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da coleta que provém das tributações autónomas é parte integrante da coleta de IRC.
Ao contrário, não se encontra em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. Aceitar que não se inclui a coleta das tributações autónomas no artigo 90.º do CIRC, seria aceitar que existe uma lacuna na lei e, sendo esta uma lei fiscal, não permite a integração. E assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira terá porventura errado, ao não permitir a dedução dos montantes relativos ao PEC que a Requerente tinha o direito de deduzir à coleta.
Aceitar que a liquidação das tributações autónomas está fora do artigo 90.º n.º 1 do CIRC e, portanto, afastar da sua coleta a dedutibilidade do PEC prevista na alínea c) do n.º 2, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação se não faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do artigo 103.º da CRP e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral Tributária, no seu artigo 8º, n.º 2, alínea a), estabelece.
Se a Autoridade Tributária e Aduaneira assumiu que a coleta das tributações autónomas se calculou fora do artigo 90.º do CIRC, deveria indicar a norma com base em que fez a liquidação.
Não havendo norma sobre liquidação das tributações autónomas separada, parece ter de aceitar-se que a coleta de IRC a engloba, incluindo-se no artigo 90º, n.º 1 do CIRC, sendo, portanto, dedutível o pagamento especial por conta referido na alínea c) do n.º 2.Note-se, aliás, que nos números seguintes daquele artigo 90.º o legislador se preocupou em enunciar várias exceções e limites à regras da dedutibilidade do número 2. No número 4, quando prevê que “apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC”, o é revelador: compreende-se que assim, seja, porque é na coleta de IRC que se pretende deduzi-las, ou, no número 7, quando prescreve que das deduções à coleta a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar, de uma forma geral e sem distinguir a coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma, valor negativo.
Em nenhuma delas - e seria este, indubitavelmente, o local certo – e em nenhuma outra norma se refere a qualquer limitação à dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à parte da coleta de IRC que resulta das tributações autónomas, sendo, portanto, forçoso concluir que não quis fazê-lo.
Note-se, aliás, que, embora alterado o artigo 90.º com a Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC, o que aqui se disse não só perdura como, de um ponto de vista interpretativo, sai até reforçado, porquanto o legislador aditou algumas limitações e exceções às deduções à coleta previstas no número 2 e voltou a não se referir à parte da coleta que resulta da aplicação das taxas de tributação autónoma.
Verifica-se, porém, que o sistema informático não permite a dedução dos PEC à parte da coleta de IRC proveniente das tributações autónomas. O facto de as formas da determinação da matéria coletável e de as taxas das tributações autónomas de IRC serem estabelecidas separadamente e serem diferentes das do restante IRC não parece ser razão suficiente, nem ter suporte legal, para a solução informática existente.
Referências ao disposto no artigo 16.º do CIRC parecem nada acrescentar à resolução da questão em apreço.
Este artigo não contém os elementos que permitem desenhar a declaração modelo 22, escolher quais as linhas que nessa declaração figuram, nem a ordem pela qual devem ser apresentadas, nem como estão relacionadas as várias linhas, isto é, não permite fixar as fórmulas subjacentes ao preenchimento pelo contribuinte das células da declaração que a Autoridade Tributária e Aduaneira através dos seus serviços, nela criou.
Teríamos de procurar noutros artigos do CIRC tais elementos que permitissem desenhar o impresso e estabelecer os cálculos que levassem ao conhecimento da coleta do imposto.
Considerar que a liquidação das tributações autónomas está fora da coleta que se calcula pelo artigo 90º. n.º 1 do CIRC, é aceitar que tal entendimento estaria previsto noutro preceito legal e, como este não existe, a liquidação não pode deixar de ser efetuada no âmbito do artigo 90.º do CIRC.
Assim, terá de aceitar-se a dedução PEC à coleta de IRC, nela se incluindo necessariamente a parcela proveniente das tributações autónomas”.
Assim, e conforme bem se decidiu neste acórdão, deve entender-se que das normas dos artigos 90.º, n.º 2, alínea d), e 93.º, n.º 1, do CIRC resulta que as deduções relativas ao pagamento especial por conta incidem sobre o montante de imposto directamente apurado sobre o rendimento declarado, incluindo naturalmente os custos que sejam objecto de tributação autónoma.
A esse propósito a Requerente refere-se ainda à norma do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na redacção introduzida pelo artigo 134.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, defendendo que não é passível de aplicação retroactiva, apesar de a lei lhe ter conferido natureza interpretativa.
Efectivamente, e conforme tivemos ocasião de acima salientar, essa norma é claramente inconstitucional, sendo que a inconstitucionalidade da sua aplicação aos pagamentos especiais por conta já foi expressamente declarada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 267/201, publicado no Diário da República n.º 133/2017, Série II de 2017-07-12.
Em consequência, e nos termos do art. 204º da Constituição, está este Tribunal Arbitral impedido de aplicar essa norma, pelo que recusa a sua aplicação.
Por tudo isto, o pedido arbitral mostra-se procedente também nesta parte, devendo ser decretado o reembolso do imposto indevidamente pago pela Requerente.
V - Do Pedido de Juros Indemnizatórios.
Refere a este respeito, o artigo 43º, nº 1 da Lei Geral Tributária que são devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Sendo que este direito é reconhecido em processo arbitral, por força do artigo 24º, nº 5 do RJAT.
Veja-se então se é possível entender pela existência de erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária.
Verifica-se, no caso em apreço, que a declaração de autoliquidação foi formulada pela própria Requerente e não directamente pela Autoridade Tributária, ora Requerida.
Contudo, é de ter em conta que a Requerente, na formulação da declaração em causa, se encontrou limitada pelos serviços informáticos através dos quais a declaração é formulada, serviços esses disponibilizados pela Autoridade Tributária, e em relação aos quais não pode a Requerente efectuar qualquer alteração.
Por outro lado, é também claro que, existindo reclamação prévio por via administrativa, e tendo a Requerente já apresentado a respectiva explicação no que se reporta à impossibilidade informática de apresentar a declaração nos termos correctos, deveria a Autoridade Tributária ter corrigido o erro em causa, o que não fez, persistindo nos mesmos fundamentos.
Estamos, neste caso, perante negligência por parte da Autoridade Tributária, negligência essa que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.
Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, entende-se que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 104.369,01, que serão contados desde a data do pagamento, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.
VI - Decisão
Termos em que se decide:
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Julgar totalmente procedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade das autoliquidações de IRC relativa aos exercícios de 2013, 2014 e 2015;
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Condenar em consequência a Requerida no reembolso do imposto pago no montante de € 84.626,94.
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Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal desde a data do pagamento até ao reembolso integral dessa quantia.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 84.626,94, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 10 de dezembro de 2018
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
(vencido quanto às questões de fundo, com base na fundamentação adoptada nos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 641/2017-T e 7/2018-T, de que fui relator)
O Árbitro vogal
Luís Menezes Leitão
O Árbitro vogal
João Taborda Gama