Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Sérgio de Matos e José Nunes Barata, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
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No dia 27 de Março de 2018, A... LDA., NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC e tributações autónomas n.º 2017 ... e respectivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2014, e liquidação de IRC e tributações autónomas n.º 2017 ... e respectivos juros compensatórios, referente ao período de 2015, no valor global de € 573.097,15.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
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preterição do direito de audição, previsto na alínea a) do artigo 60.º da LGT, no que respeita à liquidação de juros compensatórios;
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deve a liquidação 2017... ser anulada, por se considerar verificados os gastos que a AT considerou como não dedutíveis no valor de € 897.883,50 no ano de 2014;
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vício de falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios.
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No dia 28-03-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 21-05-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 12-06-2018.
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No dia 03-09-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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No dia 18-10-2018, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram produzidas declarações de parte e inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi indicado que a decisão final seria proferida até ao termo do prazo fixado pelo art.º 21.º/1.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A Requerente tem por objecto social a “Construção de empreendimentos próprios para a comercialização, organização e construção de obras civis, mecânicas ou eléctricas, empreitadas ou empreendimentos por conta própria ou de outrem, organização, fiscalização, estudo e elaboração de projectos de qualquer natureza. Compra, venda e administração de imóveis, designadamente compra de terrenos e revenda de adquiridos para esse fim, aplicação de capitais em imóveis e promoção de estudos de urbanização isentas de SISA. Gestão hoteleira e similares”.
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A sociedade B... (doravante, “B...”) foi constituída em 27-09-2012, e tem como único accionista o Sr. C..., detentor de 600.000 acções no valor de 1 Hong Kong dólar, que corresponde à totalidade do capital, sendo ele o único administrador.
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A B... actua em todos os continentes, à excepção do continente africano, e presta serviços proporcionando as condições para a obtenção de autorizações de residência em programas “Vistos Gold” ou semelhantes, para o Chipre, Grécia, Irlanda, Malta, Portugal, Espanha e Estados Unidos da América.
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A B... é, e era já em 2014, uma empresa com mais de 17 escritórios, 750 associados e 600 trabalhadores e foi premiada pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, em 29 de Outubro de 2015, com o “Prémio de Mérito Empresarial”.
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Os primeiros contactos da Requerente com a B... tiveram lugar em Novembro de 2012.
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O Sr. D... (Project Director) e o Sr. E... da B... fizeram uma prospecção, com vista a obter promotores e imóveis seleccionáveis para o programa “Golden Visa”, tendo, nesse âmbito, contactado o Eng. F..., gerente da Requerente, no seu stand de vendas em Lisboa.
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O Eng. F... representava várias sociedades que, individualmente, não preenchiam os requisitos quanto à quantidade de imóveis disponíveis, mas em conjunto a Requerente, a ..., a ..., a ... e a ... já preenchiam esses requisitos, designadamente, quanto ao número de unidades com a mesma localização, passando a operação a ser identificada como “...”, em Lisboa, e “...” e “...” no Algarve.
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A Requerente celebrou um contracto com a B... no âmbito do qual esta se comprometeu a promover e divulgar os imóveis da Requerente, junto de cidadãos chineses, mediante o pagamento por parte da Requerente de uma comissão por cada imóvel vendido a um comprador indicado por aquela sociedade.
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Não havia lugar ao pagamento da comissão, sem que houvesse venda efectiva do imóvel e recebimento do preço.
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A B..., previamente e durante a vigência do referido contrato, realizou as seguintes actividades:
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conferências e seminários na China sobre as vantagens e benefícios de se viver em Portugal;
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elaboração de brochuras e outro material promocional sobre Portugal e sobre o mercado imobiliário nacional, para distribuição na China;
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auxílio aos cidadãos chineses na obtenção de vistos para entrada e estadia em Portugal;
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acompanhamento dos cidadãos chineses na deslocação a Portugal nas visitas aos imóveis;
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pagamento das despesas de deslocação, alojamento e alimentação, bem como outras despesas relacionadas com a estadia dos cidadão chineses, e visita aos imóveis;
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serviço de intérprete, contratando tradutores;
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contratação de motoristas para fazer as deslocações dos cidadãos chineses em Portugal, nomeadamente entre o aeroporto e o hotel, serviços de estrangeiros e fronteiras, bancos e restaurantes e os principais pontos turísticos em Portugal.
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acompanhamento dos cidadãos chineses na abertura de contas bancárias em Portugal;
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assistência aos cidadãos chineses, após a aquisição dos imóveis, na decoração dos imóveis e na ligação de eletricidade, gás e água.
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prestação de serviços jurídicos, contratando advogados.
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A B... fez conferências e seminários por toda a China, nomeadamente, nas cidades de Pequim, Shangal, Shenzhen, Dongguan, Guangzhou, Chongquing, Namjing, Wuhan, Tianjin, Chengdu, Zhengzhou, Qingado, Shantou e Wuxi, sobre as vantagens e benefícios de se viver em Portugal.
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Estas conferências contavam com a presença de membros do Governo da República Popular da China, embaixadores, cônsules e representantes da agência para o investimento e comércio externo de Portugal (AICEP), como oradores convidados.
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A B... contratou o ex-futebolista Luís Figo para promover Portugal como um bom destino para viver e investir.
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Entre as sociedades promotoras, na pessoa do Eng. F..., e representantes da B... era regularmente feito o ponto da situação em relação aos assuntos pendentes.
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Inicialmente, o valor da comissão acordado para pagar à B... era de 15%, sendo que, na vigência de tal percentagem, não foram vendidos quaisquer imóveis.
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Posteriormente, em Setembro de 2013, o valor da comissão, por imposição da B... passou para 20%, sendo que, também na vigência de tal percentagem, não foram vendidos quaisquer imóveis.
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Por acordo de 10-10-2013, entrado em vigor em Dezembro de 2013, a comissão passou para 25%.
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Em Janeiro de 2014, a Requerente aumentou o preço das fracções em 5% de modo a acomodar o aumento da comissão.
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O valor da comissão foi imposto pela B..., não tendo a Requerente possibilidade de discutir o respectivo valor.
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Todos os pagamentos da Requerente à B... foram feitos mediante transferência bancária.
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Sobre os pagamentos feitos à B..., a Requerente auto-liquidou e pagou IVA à taxa de 23%, nos termos do art.º 6.º, n.º 6, al. a) do CIVA aplicável.
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A comissão de 25% paga pela Requerente em relação ao preço recebido pela venda dos imóveis no Algarve é semelhante à paga por outras empresas do ramo imobiliário a comissionistas que prestaram serviços de mediação imobiliária semelhantes, de apresentação de clientes nacionais de países extra-comunitários para aquisição de imóveis, tendo em vista a obtenção de vistos Gold.
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A comissão paga pela Requerente, que rondou os 20%, em relação aos imóveis localizados em Lisboa é semelhante à paga por outras empresas do ramo imobiliário a comissionistas que prestaram serviços de mediação imobiliária semelhantes, de apresentação de clientes nacionais de países extra-comunitários para aquisição de imóveis, tendo em vista a obtenção de vistos Gold.
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A G... SA, que contratou com outras empresas de mediação para o mercado Chinês, pagou em 07 de Outubro de 2014, o valor de € 113,400,00 à sociedade H... LDA, por serviços de mediação, numa venda de um imóvel pelo preço de € 630.000,00, correspondendo a comissão a 18% do preço.
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A correspondente factura foi aceite pela Autoridade Tributária no âmbito da Inspecção Tributária feita na sequência das ordens de serviço OI2016... e OI2016..., por a sociedade H... LDA ter sede em Macau.
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A sociedade "I... SA" no ano de 2014, pagou a comissão de 20% a "J... LDA", pagamento que foi aceite pela Administração Tributária por a sociedade beneficiária do pagamento ter a sua sede na ..., em Lisboa.
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Do descritivo de algumas das facturas emitidas à Requerente pela B... consta o descritivo genérico “Consultoria de Marketing”, e de outras constam descritivos de prestações de serviço como:
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identificação de investidores com foco de receber autorização de residência;
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criação de fichas técnicas para cada propriedade e assegurar a execução dos desenhos de acordo com a lei e outros aspectos técnicos;
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preparação de material promocional para cada propriedade com descrição detalhada;
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actividades de promoção na China (organização de seminários, roadshows, campanha nacional de propaganda na TV, etc);
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Mailings directos para cliente seleccionado;
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Fornecimento de transporte aéreo e terrestre para potenciais clientes dentro da China;
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Organização de visitas de inspecção a Portugal para potenciais compradoras, alojamento, pequenas excursões a sítios e locais de interesse, bem como ilhas;
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Visualização de propriedades, abertura de contas bancárias, serviço legal com advogado e notário;
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Organização de exames de saúde, obtenção de número fiscal, etc;
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Devida diligência técnica, jurídica e financeira;
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Realização de todos os procedimentos e preparação dos documentos necessários;
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Criação e manutenção de plataformas web;
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Serviço pós-venda;
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Emissão de processo que conduz à autorização de residência.
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A B... procedia ao tratamento junto do Estado Chinês de toda a documentação exigida pelo Serviço de Estrangeiros Português, bem como das autorizações e diligências para que se pudessem verificar por parte dos clientes as transferências de centenas de milhares de euros.
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A B... tinha parceiros na China, que angariavam clientes, com quem dividia a comissão.
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No ano de 2014, a conta SNC 62215 – FSE – Serviços Especializados – Marketing e Publicidade apresentava um saldo de €897.883,50, que correspondia a gastos pagos por serviços à B..., com sede em Hong Kong.
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Os gastos contabilizados como publicidade e marketing no âmbito da actividade da Requerente foram imputados aos seguintes imóveis:
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Foram feitas 14 vendas pela Requerente, mas as visitas de cidadãos chineses trazidos pela B... aos imóveis da Requerente, e por outras sociedades promotoras do projecto identificadas como – Edifício Capital –, foram muitas vezes superiores.
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Em 31-12-2013, a Requerente tinha um encargo financeiro junto da banca no valor de quatro milhões setecentos e quinze mil euros, a que acrescia o restante endividamento de todo o grupo de empresas, onde as pessoas dos sócios e dos gerentes coincidem.
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A título de juros, a Requerente pagou à banca de 2006 a 2013, no âmbito do contrato de financiamento à construção, os seguintes montantes:
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em 2006, €164.000,00;
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em 2007, €187.000,00;
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em 2008, €160.000,00;
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em 2009, €160.000,00;
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em 2010, €175.000,00;
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em 2011, €320.000,00;
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em 2012, €343.000,00;
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em 2013, €363.000,00.
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Foram trocados mais de 3.000 e-mails entre as sociedades do gerente F... e a B... .
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A venda dos imóveis processava-se do seguinte modo:
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Um potencial comprador indicado pela B... chegava a Portugal e era recebido por um tradutor que o acompanhava durante o período que permanecia em Portugal e por um motorista, ambos contratados pela B..., que o acompanhava em todas as deslocações que fazia em Portugal, aos imóveis e a alguns pontos turísticos de referência a nível gastronómico, paisagístico e cultural;
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Os potenciais clientes deslocavam-se ao escritório de advogados “K...” e “L...”, onde lhes era apresentado o programa Golden Visa em Portugal e onde emitiam procuração a favor de um dos advogados desses escritórios;
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O potencial cliente iniciava uma visita a 10 empreendimentos imobiliários de referência e, desses, escolhia 2 ou 3 para encetar negociações.
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Fechado o negócio, a B... facultava o “Property Purchase Confirmation Form”, escrito em mandarim e em inglês, com as condições do negócio, identificação do imóvel, preço, condições de pagamento e data previsível para a escritura.
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Esse documento era assinado pelo cliente e pelo promotor e, posteriormente, anexado ao contrato promessa de compra e venda.
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O contrato promessa de compra e venda era elaborado pelo escritório de advogados “K...” ou “L...”, contractado pela B..., e assinado pelo cliente, pelo promotor e pelo tradutor.
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O promotor emitia o recibo correspondente ao sinal (reserva) recebido, ao que se seguia uma ida ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras fazer a recolha dos dados biométricos.
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Depois de decorrido o prazo previsto no contrato promessa, era celebrado o contrato de compra e venda.
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Os escritórios de advogados “K...” e “L...” tinham escritório na China e, em representação da B... preparavam e acompanhavam toda a operação.
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A fracção “R”, do tipo T/1, do prédio urbano que faz parte do empreendimento designado por “...” sito em ..., Albufeira, foi vendida em 21 de Maio de 2008, pela Requerente ao senhor M... pelo preço de € 164.000,00, enquanto que a fracção “AA”, do tipo T/1, igual à fracção “R”, do mesmo prédio, foi vendida, com intermediação da B..., em 21 de Março de 2014, a N..., pelo preço de 279.850,00.
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A fracção “V” e “X” do prédio urbano que faz parte do empreendimento designado como “...” sito em ..., Albufeira, foram vendidas em 4 de Junho de 2007, pelo valor total de € 224.00,00, tendo “pacote” idêntico, também formado por duas fracções, a “O” e a “L”, do mesmo prédio, sido vendidas, com intermediação da B..., a O..., em 15 de Janeiro de 2015, pelo valor total de € 527.600,00.
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A fracção “U” do prédio urbano que faz parte do empreendimento designado como “...”, sito em..., Albufeira, foi vendida em 6 de Janeiro de 2011, por € 145.000,00, enquanto que fracção igual, a identificada com a letra “V”, do mesmo prédio, foi vendida a P..., com intermediação da B..., em 16 de Maio de 2014, pelo preço de € 261.300,00.
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A B... intentou uma acção contra a Requerente onde pediu o pagamento do valor de €130.900,00 a título de comissão de uma venda, acção essa que correu termos com o nº .../15...T8LSB pela Instância Central de Lisboa – ... Secção Cível –..., tendo a Requerente sido condenada.
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A Requerente foi objecto de um procedimento de inspecção externa, referente aos exercícios de 2014 e 2015, para efeitos de controlo do cumprimento de obrigações tributárias, em cumprimento das ordens de serviço n.º OI2016... e OI2017... .
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Em 3 de Julho de 2017, os Serviços de Inspecção notificaram a Requerente para, no dia 2 de Agosto de 2017, apresentar na sede da empresa, documentos de prova efectiva sobre o cumprimento dos requisitos exigidos no artigo 23.º-A, n.º1, alínea r), n.º 7 e n.º 8 do Código do IRC, para efeitos de aceitação da dedutibilidade fiscal dos encargos suportados com as faturas emitidas pela B... .
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No dia 2 de Agosto, o sócio-gerente da empresa, F... informou que, nesta fase do procedimento, não pretendia a empresa fornecer qualquer outro elemento suplementar, além dos já recolhidos no decurso da acção inspectiva.
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Na sequência da referida inspecção, a AT concluiu pela existência de gastos não dedutíveis no valor de €897.883,50, no ano de 2014, relativos a pagamentos de serviços de mediação.
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A Requerente foi notificada do Projecto de Relatório de Inspecção e para querendo, exercer o seu direito de audição, nos termos do art. 60º da LGT e artigo 60º RCIPT.
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Os Serviços de Inspecção Tributária emitiram o Relatório Final de Inspecção Tributária, do qual consta o seguinte:
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Do Relatório Final de Inspecção, no que diz respeito a juros compensatórios consta o seguinte:
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A Requerente foi notificada das demonstrações de liquidação de IRC nº 2017 ... e 2017 ... e da liquidação de juros compensatórios, as quais incorporam as correcções efectuadas em sede de inspecção.
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Das liquidações referidas não constam a taxa ou taxas aplicáveis e o período da contagem dos juros compensatórios liquidados, sendo indicado apenas o montante de juros liquidado e a seguinte menção:
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal e as declarações de parte produzidas, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Em concreto, os factos constantes dos pontos 5, 6, 7, 10, a 13, 19, 22, 23, 28, 29, 36 e 37, foram afirmados ou confirmados, em consonância com a prova documental disponível, pelas testemunhas inquiridas, bem como pelo representante da Requerente, F... .
Assim, a testemunha Q..., que actua no mercado imobiliário algarvio, confirmou a existência de serviços prestados pela B...a empresas concorrentes naquele mercado, bem como o pagamento de comissões análogas às pagas pela Requerente, que terão sido mesmo alvo de inspecção pela AT, sem que tenham sido executadas correcções.
A testemunha R..., gerente de uma outra sociedade, a G..., revelou um conhecimento aprofundado da situação do mercado imobiliário à data, bem como do modus operandi da B..., e dos resultados deste, em conformidade com o que foi dado como provado.
Também a testemunha S... depôs de forma coerente e credível, relatando a sua intervenção nos procedimentos de pré-venda, venda, e pós-venda, em articulação com os representantes e assessores da B... .
Enquanto parte, foram também valoradas as declarações de F..., que, corroborando os relatos das testemunhas inquiridas, esclareceu ainda a concreta situação económica e financeira da Requerente, contextual da necessidade de aceitar as condições impostas pela B... .
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Começa a Requerente por peticionar a anulação dos actos praticados pela Autoridade Tributária de liquidação de IRC referentes ao de 2014, titulados pelas liquidação n.º 2017 ... e, referente ao 2015 titulada pela liquidação n.º 2017..., por falta de audição do contribuinte antes da liquidação dos juros compensatórios, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT, preterição de formalidade que, na óptica da Requerente, implica a invalidade do acto final de liquidação.
Antes de mais, crê-se não assistir, manifestamente, qualquer razão à Requerente nesta última parte já que sendo, conforme abundantemente a doutrina e jurisprudência tributárias afirmam, o acto tributário, por natureza, divisível, a arguida invalidade, apenas poderia justificar a anulação parcial das liquidações em questão, na parte relativa aos juros compensatórios.
A este propósito, alega, em suma a Requerente que sendo verdade que foi ouvida antes de ser proferido o relatório final, não foi ouvida sobre a matéria dos juros compensatórios, sendo esta matéria totalmente nova, só surgindo nas notas de liquidação já depois da audiência do sujeito passivo.
Efectivamente, compulsada a matéria de facto apurada, verifica-se que inexiste no processo qualquer elemento que permita demonstrar que a Requerente haja sido ouvida antes da conclusão do relatório de inspecção tributária, relativamente à possibilidade de liquidação de juros compensatórios, sendo incontroverso que estes não são uma consequência automática da liquidação de imposto.
Daí que, em princípio, dever-se-ia concluir pela arguida preterição do dever de audiência prévia na matéria em causa, e pela consequente procedência do pedido, nesta parte, com a anulação das liquidações de juros compensatórios em causa.
Não obstante, dispõe o artigo 25.º/2 do RJAT que:
“A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”
Deste modo, e tendo também em conta o dever de aplicação uniforme do Direito (cfr. artigo 8.º/3 do Código Civil), deverão os Tribunais arbitrais decidir de acordo com o que seja a jurisprudência sedimentada dos tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal.
Na matéria em questão tem sido entendido que “Os juros compensatórios funcionam como uma cláusula penal pelo retardamento da liquidação do imposto, imputável ao contribuinte, integrando-se na liquidação deste, onde vão buscar parte da sua fundamentação, para além de também exigirem um segmento de fundamentação própria, mas sobre a sua liquidação, não exige a lei que a AT proceda à audição prévia do contribuinte de forma autónoma e distinta da audição relativamente ao imposto donde provém.”[2] e que “Tendo a AT ouvido o contribuinte, relativamente ao imposto donde provém a liquidação de juros compensatórios, já não é legalmente exigível que proceda a nova audição de forma autónoma e distinta”[3].
Neste mesmo aresto, pode ler-se ainda, para além do mais, que:
“- Reportando-nos, de novo, aos pressupostos da liquidação de juros compensatórios, como liquidação autónoma, ainda que integrada na liquidação de imposto, é evidente que esta tem que possuir um mínimo de fundamentação própria no que concerne, desde logo, à base de cálculo, à taxa aplicada, ao lapso de tempo a que se reportam (4), mas, ainda e também, quanto á culpa necessária a sua imputabilidade ao sujeito passivo; E será por referência a essa mesma fundamentação que terá de ser aferido o acatamento do poder/dever da AF de facultar ao contribuinte o direito de audição prévia.
- Ora, no que diz respeito à taxa, base de cálculo e período de tempo a que se reportam os juros compensatórios, nenhuma margem de conformação é facultada à AT, que apenas tem e pode concretizar o que se encontra expressamente consignado na lei, isto é, no que àqueles pressupostos se refere, a actuação da AF consiste num procedimento estritamente vinculado, pelo que a sua actuação, em tal domínio, não é susceptível de ser influenciada por quaisquer argumentos que o recorrente pudesse suscitar, no sentido de influenciar o acto de liquidação, por pretender a aplicação de uma taxa diferente, ou de um período de tempo ou de uma base de cálculo diversas, uma vez que estas não podem ser outras que não as determinadas pelo ordenamento jurídico aplicável.
- E evidente que a entidade liquidadora, por lapso ou por outra razão, pode atender, no que a tais pressupostos diz respeito, a elementos que não sejam aqueles a que deveria atender; Só que tal eventual circunstancialismo não constitui fundamento ao exercício do direito de audição prévia, antes e apenas a que a referência expressa e clara ao mesmo, terá de fazer parte da fundamentação da liquidação para que o seu destinatário possa, contra ela reagir, por vício de violação de lei.
- Por consequência e no que a estes fundamentos diz respeito, o que se entende é que, ao sujeito passivo não assiste qualquer direito de audição prévia antes da liquidação dos juros compensa tórios, o que vale por dizer que, neste domínio, o não lhe ter sido facultado o exercício do mesmo não consubstancia, sequer qualquer irregularidade procedimental e, muito menos, com efeitos invalidantes do acto final de liquidação.
- Já no que diz respeito à culpa, enquanto pressuposto dos juros em questão, se entende que, tratando-se de um juízo subjectivo, tem implícito que o contribuinte, em sede de exercício de audição, possa carrear para o procedimento, elementos até aí não disponíveis pela AT, que possam afastá-lo, à luz dos elementos relevantes à sua aferição, nos termos acima referidos; Por isso que se não possa concluir que o simples facto do conhecimento do retardamento do imposto, por parte do contribuinte, da taxa aplicável e do período de tempo, implique inexoravelmente o acto da respectiva liquidação, pelo que, neste âmbito, se entende, por um lado, como formalidade essencial a observar, a notificação do destinatário do acto tributário final, para exercer, querendo, o direito de audição, e, por outro, que a preterição de tal poder/dever é insusceptível de se degradar em formalidade não essencial.
- Só que, o que se vem de dizer, não significa/implica, que a razão se encontre do lado do recorrente.
- É que, como acima se deu conta, a culpa é um conceito de direito a extrapolar da factualidade adequada e pertinente, pelo que o afastamento da mesma passa pela demonstração da falta de aderência à realidade daquela em que a entidade liquidadora estriba aquele juízo conclusivo, pela sua inadequação a tal efeito desde logo pela justificação relevante susceptível de a excluir.
- Ora, no caso dos juros compensatórios e na sequência do acima referido, a factualidade em que há-de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento de imposto entendido em falta, na exacta medida em que se integram neste, nos termos do n.° 8, do art.° 35.° da LGT.
- Mas, assim sendo, se por um lado é inexorável que, ao contribuinte tem de ser facultado o exercício do direito de audição, antes da liquidação de juros compensatórios, sob pena de invalidade deste acto final, é igualmente axiomático que o exercício desse direito se satisfaz, no que à culpa diz respeito, com o facultar-lhe o exercício desse mesmo direito antes da liquidação do imposto a que se reportam os JC's, já que será aí que ele terá de contestar a aderência á realidade, ou justificação, das circunstâncias de facto que podem constituir o fundamento daquele juízo de censura(5).
- Ora, "in casu", está demonstrado que, ao recorrente foi facultado o direito de audição, com a notificação que lhe foi feita do projecto de relatório da acção inspectiva e de onde constam, como se dá conta na decisão recorrida, todas as circunstâncias de facto que levaram a AT a tributá-lo por recurso a metodologia indiciaria, bem como dos critérios de cálculo do "quantum ", o que vale por dizer, na linha do que acirra se referiu nenhuma outra notificação lhe tinha de ser feita a facultar-lhe o exercício de audição prévia, por referência, especificamente, à liquidação dos juros compensatórios, seja por que tal formalidade se tem de considerar acatada com a notificação que, para esse mesmo efeito, lhe foi feita com referência ao imposto, seja por que, quanto aos restantes pressupostos de liquidação de JCs, eles consubstanciam-se numa conduta estritamente vinculada da AT.”
Este entendimento, foi sancionado pelo STA que entendeu já que:
“sendo o contribuinte ouvido em qualquer das fases do procedimento – no caso foi a recorrida notificada para se pronunciar sobre as conclusões resultantes da acção de fiscalização, conforme os factos das alíneas B) a F) do probatório – só deveria ser ouvida antes da liquidação no caso de invocação de factos novos sobre os quais não se tivesse pronunciado.
A sentença recorrida não refere que tenham sido invocados factos novos.
No entanto, a recorrida, nas conclusões das suas contra-alegações, veio dizer que na liquidação foram considerados “elementos novos”, já que a liquidação contém juros compensatórios e do dito projecto de correcções não constava menção prévia a esses mesmos juros compensatórios.
A verdade, porém, é que a liquidação dos juros compensatórios não pode considerar-se um “facto novo” para efeitos de direito de audição, até porque os mesmos variam consoante o período de tempo a considerar.
Por “facto novo” deve entender-se aquele que possa determinar a alteração do imposto, das correcções, etc. A liquidação dos juros traduz-se apenas numa mera operação aritmética pelo que só por si não justifica o direito de audição.
Deste modo, ainda que na altura do convite para o exercício do direito de audição os juros compensatórios não estivessem liquidados, a Administração Tributária não estava obrigada a ouvir de novo a recorrida só por terem sido liquidados os juros.”[4].
Deste modo, haverá que considerar que por meio da notificação da Requerente para o direito de audição sobre o RIT relativo ao imposto sobre o qual vieram a ser liquidados os juros, cumpriu, suficientemente, a AT o seu dever de audiência prévia relativamente a estes, devendo improceder, nesta parte, o pedido arbitral.
*
Seguidamente, peticiona a Requerente a anulação da liquidação n.º 2017..., por se considerarem verificados os gastos que a AT considerou como não dedutíveis no valor de € 897.883,50 no ano de 2014.
Vejamos então.
*
No que diz respeito à correcção e tributação autónoma relativas aos gastos com pagamentos à sociedade B..., considerou a AT, em suma, que a Requerente não demonstrou, como lhe competia, a efectividade das operações nem a razoabilidade do valor correspondente aos gastos que contabilizou, considerando, resumidamente, que:
-
a Requerente não produziu prova material suficiente que permitisse aferir da natureza intrínseca do gasto, ou da sua consentaneidade para com a actividade negocial, não sendo, portanto, possível aferir do seu carácter normal face à actividade desenvolvida;
-
não há igualmente prova que, permita aferir se o montante dos serviços cobrados pelas entidades não residentes é apropriado, por comparação com as que seriam aplicadas por outras entidades num contexto equivalente;
-
não há igualmente prova que, concretamente, permita aferir da importância real das vantagens auferidas pela celebração do contrato com aquela entidade sedeada em Hong Kong;
Em causa, está a aplicação dos artigos 65.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente em 2013) e 23.º-A/1/r) (vigente em 2014), e 88.º, n.º 8 do mesmo Código, que estabelecem o seguinte, no que ao caso interessa:
“Artigo 65.º
Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado
1 – Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
2 – Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60 % do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.
3 – Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos devem possuir e, quando solicitado pela Direcção-Geral dos Impostos, fornecer os elementos comprovativos do imposto pago pela entidade não residente e dos cálculos efectuados para o apuramento do imposto que seria devido se a entidade fosse residente em território português, nos casos em que o território de residência da mesma não conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
4 – A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efectuada com a antecedência mínima de 30 dias.”
“Artigo 23.º-A
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:(...)
r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.”
“Artigo 88º
Taxas de tributação autónoma
(...)
8 - São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. (...)
14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.”
O território de Hong Kong estava incluído, em 2014 e 2015, na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.
Como se referiu, em causa no caso sub iudice está a prova, imposta por ambas as supra-citadas normas, relativamente à efectividade das operações e ao carácter normal ou não exagerado das operações, prova essa que, nos termos das normas aplicáveis relativas ao ónus da prova, assiste à Requerente.
a.
Relativamente ao primeiro dos pontos referidos, não se tem por justificada qualquer dúvida, relativamente à ocorrência das operações e questão.
Com efeito, como resulta da matéria provada e tal como a própria AT reconhece no Relatório de Inspecção, a Requerente teve um aumento exponencial do volume de vendas de 2013 para 2014, a que correspondeu uma variação percentual positiva de 317,88%, proporcionada pelo aumento das vendas de imóveis a cidadãos oriundos da China.
Para além disso foi junta documentação comercial e correspondência trocada entre a Requerente e a B... relativa a essas actividades, e foi nesse sentido a prova produzida em audiência, por quem teve em Portugal contacto directo com essas actividades.
Acresce ainda que não é colocado em causa o efectivo pagamento dos valores facturados e contabilizados como gasto, e que se verifica que a Requerente liquidou e entregou ao Estado IVA sobre aqueles valores.
Por fim, e como se escreveu no processo arbitral 198/2017T, que se debruçou sobre situação análoga à dos presentes autos:
“Aliás, o facto, que não é controvertido, de a Requerente ter vendido grande quantidade de imóveis a cidadãos chineses é uma prova indirecta, mas convincente, de que houve uma eficiente actividade de angariação, pois sem esta não se vislumbra como poderiam ter conhecimento de que a Requerente dispunha de imóveis para venda. Por outro lado, o facto de que a remuneração da B… só era paga precisamente se fosse se tivesse como resultado a concretização das vendas, assegura que não houve pagamentos que não tivessem subjacente actividade de angariação.
Por isso, não se justifica que não se considere provado que os gastos suportados pela Requerente com pagamentos à B… correspondem a operações efectivamente realizadas.
Neste contexto, afigura-se manifestamente injustificado exigir, para prova da efectividade da actividade desenvolvida pela B…, a «identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor», a «evidência de reuniões, "surveys"; «saber se quem executou tem experiência profissional», pois, para além de serem informações que normalmente não serão acessíveis a quem contrata a uma empresa estrangeira serviços de angariação, não haverá grande preocupação do adquirente quando se trata de pagamentos que são efectuados apenas em função dos resultados.
Deve dizer-se mesmo que a exigência de «identificação dos recursos humanos envolvidos» e o apuramento da respectiva experiência profissional numa actividade com a dimensão da descrita está para além dos limites da razoabilidade, pois, na sua literalidade, abrangerá a identificação de todos os que prestaram os serviços de transporte por avião, de serviços em restaurantes e hotéis, motoristas de táxis, etc.”.
Assim, é de considerar existir prova suficiente de que os pagamentos em questão correspondem a operações efectivamente realizadas.
Relativamente às considerações da Requerida, assentes na circunstância das facturas em questão, no período ora em causa, terem sido registadas na contabilidade daquela como serviços de “Marketing e Publicidade”, para lá de ter sido devidamente explicada pela prova testemunhal produzida, notar-se-á apenas que é hoje pacífico que “Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.”[5].
Com efeito, as facturas em sede de IRC não têm natureza ad substantiam, pelo que as suas eventuais insuficiências ou irregularidades não contendem, por qualquer forma, com a materialidade que se venha a apurar, sobretudo quando, como é o caso, tais insuficiências ou irregularidades não assumam, face àquela materialidade, qualquer relevância relativamente ao cálculo e apuramento do imposto devido.
Deste modo, não há aqui qualquer ficção, pelo contrário (ficção será considerar que estão em causa determinados serviços, perante evidências claras que tal não ocorre), mas, unicamente, aferir da “obediência aos requisitos que impedem a desconsideração como gastos do exercício” dos pagamentos em questão.
Relativamente à não existência de prova que permita aferir da importância real das vantagens auferidas pela celebração do contrato com a entidade sedeada em Hong Kong, julga-se que a mesma resulta evidente, quer da evolução do volume de negócios da Requerente antes e durante a existência da relação comercial com a B..., quer do peso da clientela residente na China, durante a vigência daquela mesma relação, quer da evolução do preço das fracções transaccionadas pela Requerente, de que a facturação desta dá conta.
b.
Relativamente ao carácter normal e não exagerado das operações em questão, julga-se, também, que está suficientemente produzida prova nesse sentido.
Com efeito, quer tendo em conta a dimensão da operação de angariar, transportar e acompanhar clientes para imóveis valorizados em centenas de milhar de euros, da China para Portugal, superando o fosso geográfico e cultural notoriamente existente, quer considerando o publicamente conhecido estado do sector imobiliário em Portugal nos anos de 2012 e seguintes, quer considerando a valorização dos imóveis que se verificou, e que a documentação recolhida pela própria AT denota, se compreenderá a ordem de valores das comissões que a Requerente pagou.
Acresce também que, conforme resulta da matéria de facto apurada, a Requerente estava fortemente endividada, e que o escoamento dos seus stocks, por via da clientela chinesa proporcionada pela B..., permitiu uma diminuição substancial do seu passivo, na ordem dos 46% entre 2014, e 2013 e dos 50% entre os anos de 2015 e 2014, e, correspondentemente, dos encargos financeiros suportados, ganho este que haverá, necessariamente, de se equacionar na valoração da normalidade e não exagero das operações em questão.
Nota-se, ainda, que no caso ora em causa, as comissões em questão ascenderam a valores entre os 15% e os 25%, estando provado que foram pagos valores idênticos por sociedades concorrentes da Requerente, tendo inclusive tais valores sido aceites, nalguns casos, pela própria AT, em sede inspectiva.
Daí que não se tenham quaisquer dúvidas que os valores em questão correspondem, no seu contexto, a operações normais e não têm carácter exagerado.
Repristinando o quanto se escreveu no já referido acórdão arbitral proferido no processo 198/2017T:
“Para decidir se há ou não exagero não pode tomar-se como termos de comparação as percentagens das comissões que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz serem cobradas habitualmente pelas empresas imobiliárias, entre 3% e 5%, pois a desenvolvida pela B… não se limita à que normalmente é levada a cabo na mediação imobiliária, que não envolve despesas da ordem das que se provou serem suportadas pela B… (pagamento de viagens, alojamento, alimentação, transportes, intérpretes, etc.).
Por outro lado, a aferição do requisito do não exagero, deverá ser efectuada tendo em conta a situação do sujeito passivo, procurando apurar se o pagamento deve considerar-se excessivo, sob a sua perspectiva, no contexto em que tem de decidir pagar os serviços.
Desta perspectiva, será exagerado o pagamento quando se demonstrar que o sujeito passivo podia obter o que o mesmo serviço por quantia inferior
Resulta da prova produzida que a Requerente pretendia vender o mais rapidamente possível os imóveis, pois estava previsto que o processo de construção e venda dos imóveis estivesse concluído até 2010, cinco anos após o início do processo de construção, e ainda não os tinha conseguido vender até 2013 e 2014, devido à situação de crise económica e financeira que afectava Portugal.
A prova produzida é também no sentido de que a Requerente não conseguia obter a angariação de clientes com pagamento de comissões inferiores, quer à B…, que não as aceitava, nem a outros prestadores de serviços de angariação, pois nenhum lhe proporcionava clientes que pagassem os preços de venda que a Requerente pretendia para si obter.
Nestas condições o pagamento não se pode considerar exagerado, pois está justificado pela necessidade de obtenção dos serviços de angariação e não haver alternativa a preço inferior.
A razoabilidade dos pagamentos efectuados à B… é ainda reforçada pelo facto de a Requerente não ser afectada pelos pagamentos que lhe fazia, pois apenas lhe pagava quando concretizasse a venda dos imóveis e o que pagava à B… acrescia ao preço de venda que a própria Requerente fixava e pretendia obter para si.
Pelo exposto, conclui-se que a Requerente provou que os pagamentos efectuados à B… não foram anormais nem exagerados.”
Como se refere no aresto transcrito, julga-se que a aferição do carácter normal e não exagerado das operações se deve reportar ao caso concreto, tendo em conta a situação específica em que tais operações se realizaram, não se podendo formular “tabelas” ou fórmulas a priori, que excluam mecanicamente determinados tipos de operações do âmbito da razoabilidade, ou as remetam para o plano do exagero.
No caso, as comissões em questão surgem no cenário de crise económica aguda, em que o mercado estava, praticamente, parado, e em que os serviços remunerados por aquelas comissões aportam um significativo valor acrescentado ao produto vendido, desde logo, e no caso, por permitirem a sua venda, libertando fundos para a redução do passivo e correspondentes encargos financeiros associados.
Por outro lado, sendo o serviço pago, unicamente, em função do resultado, verifica-se um risco acrescido para o prestador, que tem de suportar – notoriamente – custos avultados para trazer clientes “do outro lado do mundo”, e uma segurança adicional para o adquirente dos serviços, que apenas se constitui na obrigação de pagar, tendo assegurado o retorno decorrente da concretização das suas vendas, sendo de notar, ainda, que a actividade em questão permitia acomodar o custo adicional, assegurando uma margem de lucro para o vendedor.
Por fim, no caso não se detecta, nem é substanciado pela AT, qualquer indício concreto de fraude ou evasão fiscal.
Deste modo, e em face de todo o exposto, julga-se que, na parte ora em causa, enferma o acto tributário objecto da presente acção arbitral de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo por isso ser anulado, e procedendo consequentemente, nesta parte, o pedido arbitral.
A liquidação dos juros compensatórios correspondentes, tem por pressuposto a liquidação do imposto cuja anulação determina a consequente anulação daquela.
*
Face à não anulação da liquidação n.º 2017..., relativa ao exercício de 2015, remanesce o pedido final formulado pela Requerente, de que seja anulada a parte desta liquidação, relativa aos juros compensatórios, por vício de falta de fundamentação.
Relativamente a esta matéria, e em aditamento às considerações da jurisprudência anteriormente citada a propósito da arguida falta de audiência prévia à liquidação de juros compensatórios, na parte em que são aplicáveis, acompanha-se o vertido no Ac. do STA de 04-12-2013, proferido no processo 01111/13, onde se pode ler que:
“A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.”.
Sobre este vício invocado pela Requerente, a Requerida não se pronunciou, quer em sede de resposta, quer em sede de alegações.
Compulsada a liquidação em questão, verifica-se, efectivamente, que a mesma é omissa quanto aos elementos fundamentais elencados pela jurisprudência exposta.
Assim, embora seja feita, na liquidação, a menção de que a fundamentação teria sido remetida anteriormente, o certo é que no RIT apenas se informa que serão liquidados juros compensatórios, não existindo qualquer indicação dos referidos elementos essenciais da fundamentação.
Deste modo, não se poderá concluir de outra forma que não a falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios inserida na liquidação n.º 2017..., relativa ao exercício de 2015, que deverá, nessa parte, ser anulada, por violação do art.º 77.º da LGT, procedendo, correspondentemente, este pedido arbitral.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
-
Anular o acto de liquidação de IRC e tributações autónomas n.º 2017 ... e respectivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2014;
-
Anular parcialmente a liquidação n.º 2017..., relativa ao exercício de 2015, na parte referente aos juros compensatórios;
-
Manter, no restante a liquidação n.º 2017..., relativa ao exercício de 2015;
-
Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de €330,00, a cargo da Requerente, e de € 8.238,00 a cargo da Requerida.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 573.097,15, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 8.568,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2018
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Sérgio de Matos)
O Árbitro Vogal
(José Nunes Barata)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[2] Cfr. Ac. do TCA-Sul de 21-10-2008, proferido no processo 02018/07, sublinhado nosso.
[3] Ac. do TCA-Sul de 11-11-2008, proferido no processo 02020/07.
[4] Ac. de 28-09-2011, proferido no processo 0562/11.
[5] Ac. do STA de 05-07-2012, proferido no processo 0658/11, disponível em www.dgsi.pt.