Os árbitros Juíza Conselheira Dra. Fernanda Maças (árbitro-presidente), o Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares e o Prof Doutor Américo Brás Carlos (árbitros vogais), acordam no seguinte:
I. Relatório
1. A..., S.A. (doravante designada por “Requerente”), com sede na Avenida ..., ...-... ..., titular do número de identificação fiscal..., apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), com vista à declaração da ilegalidade da demonstração de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2016... relativa ao período de 2012 e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016..., formalizados pela decisão de indeferimento do Processo de Reclamação Graciosa com o n.º ...2017... .
2.O pedido de constituição do tribunal arbitral, no qual se identificava o árbitro a designar pela Requerente (o Prof Doutor Tomás Cantista Tavares), foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que indicou como árbitro o Prof. Doutor Américo Brás Carlos.
3. Os árbitros designados pelas partes designaram por acordo, a Conselheira Maria Fernanda Maçãs como árbitro presidente, tendo comunicado a aceitação do encargo dentro do prazo.
4.Notificadas as partes dessa designação, não foi apresentada qualquer reserva pelo que, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 e no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 16 de maio de 2018.
5.A fundamentar o pedido argumenta a Requerente:
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“a AT verificou que a Requerente tem registados gastos com encargos financeiros de natureza diversa (comissões bancárias e Imposto do Selo, essencialmente), tendo registado como rendimentos financeiros “apenas” juros”;
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E que “não foram repercutidos aos clientes, os outros encargos bancários suportados, nomeadamente o imposto do selo e comissões bancárias”;
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Entendendo que o valor dos gastos suportados com os financiamentos contraídos deveria ser igual, em proporção, ao valor dos rendimentos obtidos com os financiamentos concedidos, a AT não aceitou parte dos encargos financeiros suportados pela Requerente para efeitos do apuramento do lucro tributável “pelo simples facto de as rúbricas de rendimentos financeiros do balancete não apresentarem uma correspondência exata às rúbricas de gastos financeiros”;
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Para “apuramento do montante de encargos financeiros não dedutíveis, a AT utilizou “o rácio anual empréstimos concedidos / empréstimos obtidos, que foi aplicado ao saldo dos encargos, suportados e não repercutidos”, tendo apurado um valor de € 132.104,50 a este título”;
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O entendimento da AT é o de que “não se encontra verificado o requisito da indispensabilidade de tais gastos ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, razão pela qual parte dos encargos suportados não deverá concorrer para efeitos do apuramento do lucro tributável.”;
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É entendimento da Requerente que “a argumentação vertida no RI, para além de desconsiderar por completo a substância económica subjacente aos factos em causa, bem como os elementos remetidos à AT, apoia-se numa interpretação abusiva do artigo 23.º do Código do IRC.”;
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Por um lado, porque a taxa de juro média suportada pela Requerente é inferior à que foi aplicada nos empréstimos concedidos ao B... (B...) e à C... (C...);
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“Adicionalmente, importa ter presente que os prazos de reembolso associados aos financiamentos concedidos pela Requerente são mais reduzidos do que os prazos de reembolso associados aos financiamentos obtidos (…) representando um risco menor de incobrabilidade que, naturalmente, deveria ser refletido na remuneração acordada”.
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De resto, “com base na redação do artigo 23.º do Código do IRC à data, eram três os requisitos necessários para que os gastos concorressem para o apuramento do lucro tributável: a comprovação, a indispensabilidade e a sua ligação a rendimentos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora.”;
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A AT não questionou a realidade dos gastos, que estão devidamente comprovados;
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Considerou, porém, que uma parte dos gastos incorridos (calculados em 132.104,50€) não se encontravam ligados à obtenção de rendimentos sujeitos a IRC apenas porque “enquanto a Requerente tem registados encargos com comissões bancárias e imposto do selo, “apenas” tem registados rendimentos com juros.”;
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“Tendo a AT questionado a não imputação de determinados encargos no âmbito de financiamentos suportados nos financiamentos concedidos, seria, no mínimo, prudente analisar os critérios subjacentes à determinação da remuneração associada quer aos financiamentos obtidos quer aos financiamentos concedidos.”
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Demais “considerando a AT que a remuneração associada aos financiamentos concedidos pela Requerente não é adequada deveria ter lançado mão do disposto no artigo 63.º do Código do IRC, ao invés de desconsiderar de forma cega parte dos encargos suportados, alicerçando tal raciocínio no artigo 23.º do Código do IRC”;
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Essa é, aliás, a posição já firmada em anterior jurisprudência do CAAD, nomeadamente na “Decisão Arbitral n.º 695/2015, de 18 de Maio de 2016, na qual se salienta, a propósito da desconsideração de gastos financeiros por parte da AT, que o artigo 23.º do Código do IRC “não deve ser aplicado sistematicamente como uma cláusula anti-abuso; pois ele contem, antes de mais, uma condição geral a respeitar para a dedutibilidade dos gastos”, concluindo que “querendo-se questionar o diferencial de preços (taxas de juro) pagos e cobrados, seriam as normas de preços de transferência as que se deveriam aplicar, e não as do artigo 23.º do CIRC”.
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De igual modo, “tem sido entendimento unânime quer da Doutrina quer da Jurisprudência que o requisito da ligação dos gastos a rendimentos sujeitos a imposto não pode ser reconduzido à exigência de um nexo direto causa-efeito entre determinado gasto e o rendimento obtido com o mesmo.”;
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Assim, “ANTÓNIO MOURA PORTUGAL salienta que “os gastos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender de uma relação justificada com a atividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se sempre que (…) as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respetivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indireta ou mediata”;
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E “TOMÁS TAVARES afasta uma noção de indispensabilidade assente numa relação de “causalidade necessária e exclusiva” entre gastos e rendimentos, defendendo um conceito assente no interesse da empresa, “por preenchimento, direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção de lucro”.”;
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Tal como “a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Administrativo (STA), defende que a análise do preenchimento do requisito da indispensabilidade deverá ser efetuada numa perspetiva económico-empresarial, no âmbito do escopo lucrativo subjacente às sociedades comerciais (a título de exemplo, vide Acórdão do STA de 30 de Novembro de 2011, proferido no âmbito do Processo n.º 0107/11).”;
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E “o Acórdão do STA de 28 de Junho de 2017, proferido no âmbito do Processo n.º 0627/16, segundo o qual “a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria coletável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como ato de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora»”;
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“Adicionalmente, o STA veio já afastar a interpretação do artigo 23.º do Código do IRC enquanto exigindo um balanceamento entre gastos e rendimentos, considerando que o conceito de indispensabilidade encontrar-se-á verificado sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa (vide a este propósito o Acórdão de 24 de Setembro de 2014, emitido no âmbito do Processo n.º 0779/12).”;
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“Refere o STA no Acórdão supra citado que considera “definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos”.”;
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Também na jurisprudência arbitral esse “entendimento tem sido igualmente perfilhado por sucessivas decisões (…) designadamente na supra citada Decisão n.º 695/2015.”;
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“Deste modo, a leitura que a AT pretende fazer do artigo 23.º do Código do IRC por forma a sustentar a correção em apreço é abusiva, já que AT não contesta a natureza das operações em apreço nem a subsunção destas no escopo empresarial, tendo em vista a obtenção de lucro.”;
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“Contestam, isso sim, o facto de as rubricas de gastos financeiros não serem idênticas às rubricas de rendimentos financeiros, independentemente do substracto económico inerente rendimentos e gastos nelas registados.”;
A Requerente termina pedindo “a declaração de ilegalidade dos atos tributários em análise, com a consequente anulação da correção promovida pela AT no valor de € 132.104,50 (cento e trinta e dois mil, cento e quatro euros e cinquenta cêntimos).”
6. A Requerida contestou, argumentando, em termos sintéticos, o seguinte:
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Segundo a AT, “a Requerente concedeu empréstimos remunerados sem repercutir nas sociedades beneficiárias a totalidade dos encargos suportados com os empréstimos contraídos para o efeito junto de terceiros, deduzindo esses encargos ao seu lucro tributável embora tenham sido suportados com financiamentos destinados à atividade de outras empresas.”;
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Isto porque na fixação dos encargos do financiamento disponibilizado pela Requerente à B... e à C... “não foram repercutidos (…), os outros encargos bancários suportados, nomeadamente o imposto do selo e comissões bancárias”,
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“Sendo, nesta medida, gastos que não se afiguram indispensáveis nos termos do consignado no art. 23º do CIRC, por consistirem em gastos de natureza financeira suportados com a obtenção de disponibilidades financeiras que não são aplicadas na exploração ou atividade económica operacional da Requerente mas antes das sociedades beneficiárias desses empréstimos;”
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“A metodologia de apuramento dos encargos financeiros que não são elegíveis para efeitos fiscais, no montante total de € 132.104,50, teve em conta o seguinte”:
- Foi determinada a relação entre o montante dos empréstimos contraídos pela Requerente (€ 63.667.679,4€4) e os por ela concedidos às empresas do grupo (€ 29.781.747,75), concluindo-se que estes representavam 0,467 daqueles;
- Foi apurada a totalidade dos “encargos contabilizados nas contas 68123 – imposto de selo, 68125 – imposto de selo – taxa de juros efectiva e 69881 – outros gastos e perdas de financiamento”, concluindo-se que somava € 282.879,02;
- “Foi utilizado o rácio anual “empréstimos concedidos/empréstimos obtidos”, que foi aplicado ao saldo dos encargos, suportados e não repercutidos, para efeitos de determinação do montante dos encargos não aceites”, apurando-se o valor de € 132.104,50;
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A AT considera que a Requerente “não contesta a matéria de facto apurada no Relatório Final conforme resulta evidente do teor do seu pedido de pronúncia arbitral”, limitando-se a pôr “em causa a metodologia de cálculo do montante corrigido sem identificar concretamente o que considera não estar de acordo com a realidade, ser incoerente ou incompreensível.”;
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Acrescenta a AT que “não está minimamente em causa saber se a remuneração associada ao financiamento em causa cumpre as condições de mercado praticadas à data, para efeitos de preços de transferência”,
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“Mas antes […] se os encargos deduzidos pela Requerente à sua matéria tributável são elegíveis para efeitos fiscais, de harmonia com o consignado pelo art. 23º do CIRC.”;
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Pois não está em causa “o rendimento obtido com a concessão de financiamento, mas os encargos suportados a montante com a obtenção de financiamentos canalizados para outras sociedades.”, ou seja, “gastos financeiros suportados com imposto de selo e outros encargos que não foram debitados às beneficiárias dos empréstimos em referência.”;
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Até porque “a constituição da Requerente destinou-se a criar um centro individualizado de interesses, com personalidade e capacidade autónoma”, “Não se destinando (…) a suportar encargos com financiamentos obtidos para posterior concessão de empréstimos, donde resulta que a concessão de empréstimos, podendo ser de algum modo do interesse da Requerente, não constitui, ainda assim, uma atividade operacional incluída no seu objeto social.”;
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“A Requerente não pode ignorar o regime imposto pelo legislador fiscal, subtraindo aos resultados das outras empresas do Grupo os encargos que, reunidos os respetivos pressupostos, seriam dedutíveis na esfera jurídica dessas empresas do Grupo, ainda que, no exercício da sua livre autonomia, a Requerente tenha decidido suportá-los, não os debitando à C... nem à B... .”;
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“Assim, mesmo que os financiamentos ora em causa sejam, indiretamente, do interesse da Requerente, é indiscutível que esses encargos não estão diretamente relacionados com a sua atividade económica, com a sua atividade operacional tal como resulta do seu objeto social (…) mas antes com a atividade económica das empresas beneficiárias dos empréstimos concedidos.”;
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“Na verdade, não se vislumbra como contornar a evidência de que os encargos ora controvertidos foram suportados com financiamentos que foram aplicados naquelas sociedades, em cuja esfera jurídica irão produzir os seus normais efeitos, incluindo a suscetibilidade de gerar lucros e contribuir para a fonte produtora da C..., bem como da B..., razão porque esses encargos, se tivessem sido debitados, seriam eventualmente dedutíveis à matéria tributável destas sociedades.”;
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Isto porque “nos termos do art. 23º do CIRC apenas são dedutíveis os gastos que respeitem à atividade desenvolvida pelo próprio sujeito passivo, sustentando o STA que, mesmo quando exista uma relação de dependência ou domínio, as sociedades têm personalidade e capacidade tributárias distintas e que a não ser desta forma como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação (Acórdão de 12 de Julho de 2006, Processo nº 186/06; Acórdão de 7 de Fevereiro de 2007, Processo nº 1046/05, o Acórdão de 20 de Maio de 2009, Processo nº 1077/08 e o Acórdão de 24 de Abril de 2012, Processo nº 05251 do Tribunal Central Administrativo Sul).”;
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E porque “resulta do art. 23º do CIRC, conjugado com o princípio da tributação do rendimento real, que não pode uma sociedade, só porque integra o mesmo grupo do qual outra sociedade também faz parte, substituir-se a esta na assunção de passivos, resultando daí efeitos fiscais diferentes dos que se obteriam caso o financiamento estivesse alocado à sociedade que dele necessita para o exercício da sua atividade económica.”;
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Sendo também essa lógica que subjaz ao regime de determinação do lucro tributável dos grupos de sociedades, embora a Requerente (e as empresas que financiou) a ele não esteja(m) submetida(s);
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E sendo também essa a jurisprudência assente, que, para garantir o “princípio da tributação do rendimento real das empresas, consignado no art. 104º, nº 2 do CRP”, tem unanimemente rejeitado “gastos suportados para potenciar ganhos de sociedades terceiras, ainda que sendo uma sociedade participada/dominada.”, dando como exemplos o acórdão do STA de 30/05/2012, no proc. 0171/11, e o acórdão do TCA Sul, de 24/04/2012, no proc. 05251/11.
7. Não tendo sido invocada matéria de exceção e não havendo prova a produzir foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido notificadas as partes para produzirem, querendo, alegações escritas com carácter sucessivo e no prazo de 15 dias. Foi fixado dia 16 de Novembro como data limite de prolação da Decisão Arbitral.
8. Apenas a Requerida produziu alegações mantendo substancialmente a mesma argumentação da Contestação.
II. Saneamento
9.O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no art. 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.
9.1.As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
9.2.O processo não enferma de nulidades e não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
III. Do Mérito
III.1. Matéria de facto
III.1.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
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A Requerente foi constituída em 2001, no quadro da organização em Portugal do Campeonato Europeu de Futebol de 2004, com vista à construção, detenção e exploração do novo ... (como veio a acontecer), tendo como objeto social a gestão, construção, organização, planeamento e exploração económica de infraestruturas desportivas;
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Está inscrita pelas atividades de gestão de instalações desportivas (CAE principal - 93110) e arrendamento de bens imobiliários (CAE secundário - 068200);
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A Requerente pertence ao D...: o B..., com o NIPC ... (B...) tem o domínio do capital social do C..., com o NIPC ... (C... ), que por sua vez tem o domínio do capital social da requerente ( A... ou requerente);
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O montante de financiamentos obtidos pela Requerente junto da banca à data de 30/06/2013 totalizava um total de € 63.667.679,44;
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A Requerente concedeu empréstimos à B... e à C... no valor total de € 29.781.747,75;
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Por estes empréstimos concedidos às referidas sociedades do seu grupo, a Requerente debitou juros às devedoras, no montante de € 2.115.323,25;
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A Requerente repercutiu a jusante (nos empréstimos às dominantes) os juros que suportou a montante (pela contração dos empréstimos bancários): mas não foram repercutidos os outros encargos bancários suportados, nomeadamente o imposto de selo e comissões bancárias;
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A AT realizou ação inspetiva interna (ordem de serviço OI2015...), de âmbito parcial em sede de IRC, referente ao ano de 2012, destinada a efetuar o controlo dos encargos financeiros da Requerente;
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Em 17 de outubro de 2016 a Requerente foi notificada do Projeto do Relatório de Inspeção referente ao Processo n.º OI2015..., no qual era proposta uma correção da matéria coletável do IRC do período de 2012, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 23º do CIRC, no montante de € 132.104,50, referente a comissões bancárias, imposto do selo e outros gastos e perdas de financiamento, cobrados à Requerente nos financiamentos por esta contraídos, mas não cobrados nos financiamentos por esta concedidos e, assim, não dedutíveis para efeitos do apuramento do lucro tributável.
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No ano em causa, a requerente suportou € 282.879,02 de selo e outros gastos de financiamento (por efeito dos empréstimos bancários obtidos):
Conta
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Montante
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68123 – imposto de selo
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75.168,04€
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68125 – imposto de selo
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44.417,15€
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69881 – outros gastos e perdas de financiamento
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163.293,83€
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Total
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282.879,02€
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A AT calculou o rácio anual “empréstimos concedidos no grupo/empréstimos obtidos” (29.781,747,75 / 63.667.679,44 = 0,467), que foi aplicado ao saldo dos encargos, suportados e não repercutidos (282.879,02€), para efeitos de determinação do montante dos encargos não aceites (132.104,50€)
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A Requerente não exerceu o direito de audição prévia e o Relatório Final (“RI”) manteve essa correção;
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Em 28 de novembro de 2016 a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação do IRC n.º 2016 ... e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016...;
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Em 27 de março de 2017 a Requerente reclamou graciosamente dos atos de liquidação (reclamação graciosa n.º ...2017...), tendo sido notificada do projeto de decisão de indeferimento em 26 de outubro de 2017;
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A Requerente não exerceu o direito de audição prévia e foi notificada da decisão final de indeferimento em 30 de novembro de 2017.
III.1.2. Factos não provados
Não está dado como provado que os juros cobrados dentro do grupo (à C... e B...) foram à taxa de juro mais elevada que a requerente se encontrava a suportar, associada ao mais recente financiamento bancário obtido.
III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
No tocante à matéria de facto dada como provada, a convicção do tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas partes e nos documentos juntos aos autos incluindo a documentação constante do processo administrativo.
Face aos themas decidendum e perante a análise das peças processuais, especialmente o RI, pode-se concluir:
a) A Requerente, no apuramento e quantificação do juro a cobrar nos empréstimos dentro do grupo, atendeu à taxa de juro suportada em empréstimos bancários, mas não teve em conta (nem repercutiu) o valor do selo e outros encargos inerentes a esses financiamentos.
b) O método de cálculo para o apuramento do valor da correção (factos provados J e K) não é contraditado na PI, de forma concreta e detalhada. A Requerente defende-se com a indispensabilidade do gasto e com a aplicação antes do instituto do art. 63.º do CIRC, mas não explica nem detalha a existência de repercussão do selo e encargos financeiros, nem que o apuramento pela AT seria manifestamente errado e com contas desfasadas da realidade. Dito por outro modo: a requerente argumenta (mas não está provado) que os juros cobrados dentro do grupo foram à taxa de juro mais elevada que se encontrava a suportar, associada ao financiamento bancário obtido mais recente.
III.2. Matéria de direito
III.2.1. Questões a decidir
Perante os factos provados, são duas as questões a decidir nos presentes autos:
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Os gastos suportados pela requerente nos empréstimos bancários obtidos (imposto de selo e outros gastos de financiamento) são ou não dedutíveis em termos fiscais (por interpretação e aplicação do art. 23.º do CIRC), na parte em que os empréstimos obtidos foram canalisados para as empresas do grupo (C... e B...) sem a repercussão do selo e outros gastos suportados com o financiamento bancário a montante (apesar da liquidação de juros do empréstimo).
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A correção fiscal, a existir, teria de ser efetuada ao abrigo do art. 23.º do CIRC ou antes nos termos do art. 63.º do CIRC (instituto dos preços de transferência).
III.2.2. Decisão
Os dois temas serão tratados conjuntamente, dada a ligação factual, lógica e jurídica entre ambos.
Os dados relevantes para a decisão são os seguintes: uma sociedade filha (requerente) empresta dinheiro (muito dinheiro) à sociedade mãe e sociedade avó, e cobra-lhes um valor (como juros) inferior à quantia total por si suportada para obter esses fundos (juro + selo + outros encargos). Ou seja, a Requerente suporta selo e outros encargos bancários, mas não os repercute a jusante, na remuneração dos empréstimos dentro do grupo.
Ora, ao caso dos autos não aplica qualquer raciocínio jurídico e fiscal dos empréstimos dentro do grupo sem juros (ou juros inferiores aos suportados) – matéria conhecida como prestações suplementares/acessórias e suprimentos sem juros e alvo de jurisprudência arbitral (vide por todos o Ac. CAAD no processo 298/2017) e do STA (cfr. por todos o Acórdão do STA de 21/2/2018, proc. 0473/13) – pela razão simples de que os empréstimos em causa não se subsumem nesses institutos jurídicos. Nesses casos cura-se de empréstimos da sociedade “mãe” para a “filha” (conexão descendente), cobertos por expressos preceitos da lei comercial, que consentem a inexistência de juros (art. 210.º a 213.º, art. 243.º a 245.º, todos do Código das Sociedade Comerciais) e a gestão de participações sociais por sociedades de cúpula; aqui, ao invés, estamos em presença de empréstimos da sociedade “filha” para a sociedade “mãe” e “avó” (conexão ascendente), sem específicas normas reguladoras e legitimadoras no direito comercial – e, por conseguinte, têm de se aplicar todas as regras fiscais para a resolução do caso.
Por outro lado, qualquer que seja a interpretação que se confira ao art. 23.º do CIRC, a verdade é que se exige sempre, na ótica do credor (sujeito passivo), que exista uma qualquer relação causal de indispensabilidade (interesse) com os seus proveitos ou manutenção da sua fonte produtora. Ou seja, o interesse do credor (sujeito passivo) não se dilui, pura e simplesmente, no interesse do grupo; para o custo ser aceite em termos fiscais, o sujeito passivo (requerente) tem de possuir um interesse “egoístico” na operação e no registo dos encargos em discussão.
Ora, no caso dos autos, a Requerente não alega, nem se prova, qual seria o seu interesse próprio em financiar o C... e o B... (nem a justificação das condições de remuneração, inferiores, em termos globais às por si suportadas com a obtenção dos fundos depois mutuados no grupo). Em abstrato, poderia ter indicado e provado que este financiamento com proveitos inferiores aos suportados junto da Banca seria necessário para a requerente, para a obtenção de rendas imobiliárias pela exploração do Estádio que eram pagas pelos devedores do grupo (C... e B...), que eram ao mesmo tempo os arrendatários do estádio; e que, sem isso (sem os empréstimos e sem as suas concretas condições) poderia suceder que não obtivesse as rendas imobiliárias, sobretudo se os arrendatários (e devedores) estivessem a passar, temporariamente, por situação mais difícil, em termos económicos e financeiros. Ou, para dar outro exemplo, que estes empréstimos da requerente (e suas condições) seriam necessários para assegurar o prestígio da marca E..., e que com isso também assegurava um interesse direto e próprio para a requerente.
Além disso, também não se pode invocar que a requerente (porque contrários aos termos da operação de financiamento dos autos), com esta operação, visou, em termos mediatos, a gestão de participadas, por obtenção de dividendos e de possíveis mais-valias com a venda das partes de capital, com a valorização das outras sociedades. Esta retórica improcede totalmente no caso dos autos. Os empréstimos são efetuados pela sociedade filha (neta) e esse interesse, a existir, seria das entidades dominantes (C... e B...), apenas nos casos, como recortado pela jurisprudência, quando o empréstimo é descendente e, nesse cenário, que não é o dos autos, pode figurar-se sempre algum interesse próprio da credora de suprimentos e de prestações suplementares (para lá do interesse geral do grupo).
Note-se que na argumentação expendida estamos a utilizar o conceito de indispensabilidade com um significado lato e abrangente, no sentido de aceitação do gasto se o mesmo for incorrido no interesse da sociedade, na obtenção, ainda que mediata, dos seus lucros (ou proveitos) e/ou na preservação, por qualquer forma que seja, da sua fonte produtora (vigência e manutenção jurídica da requerente). Mas, no caso dos autos, nada disso se verifica: a requerente limita-se a emprestar fundos obtidos na banca às sociedades superiores do seu grupo, em condições mais desvantajosas (para si) do que as suportadas junto da Banca. Em suma: não se vislumbra qualquer interesse da requerente no financiamento das sociedades do grupo, e no estabelecimento de condições de remuneração mais desvantajosas do que as suportadas para a obtenção dos empréstimos, por não ter repercutido a totalidade dos encargos financeiros suportados. Dito por outras palavras: não é curial admitir que teria feito uma operação com estas características se o mutuário fosse uma empresa fora do grupo. Nenhuma sociedade empresta dinheiro a outra, em condições globais piores do que suportou para obter esses fundos junto da Banca. Para isso, nem se endividaria.
Por aqui se vê, também, que o caso dos autos se subsume outrossim no instituto dos preços de transferência, regulado no art. 63.º do CIRC – e, de seguida, com a devida vénia, seguiremos de perto as considerações e solução preconizada pelo Ac. 695/2015-T (processo com contornos factuais e jurídicos semelhantes ao caso dos autos).
Na correção efetuada pela AT constata-se que os rendimentos obtidos pela requerente com os empréstimos concedidos são inferiores aos gastos em que incorre para se financiar. Aliás, a própria fundamentação dá a entender que nada corrigiria se houvesse uma repercussão total a jusante dos encargos globais com os financiamentos bancários suportados a montante – se no fundo, para além dos juros, também exigisse à C... e B... o valor do selo e outros encargos suportados nos financiamentos bancários obtidos.
Ora, o art. 63.º do CIRC, em vigor à data dos factos, consagrava o seguinte (subl. do Tribunal):
"Artigo 63.º
Preços de transferência
1 — Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
2 — O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco."
Repare-se que no caso dos autos se preenchem os requisitos de aplicação do art. 63.º do CIRC (cfr. também o art. 77º, n.º 3, da LGT): a) existência de relações especiais (relação de domínio do capital social entre a B..., C... e A...); b) estabelecimento de condições (remuneração do empréstimo) divergentes das que seriam aplicadas entre entidades independentes; c) nexo causal entre a existência de relações especiais e essas condições divergentes face às de mercado concorrencial – ou seja, se os devedores não fossem do Grupo, a requerente aplicaria seguramente uma taxa superior à empregue, para, pelo menos, repercutir todos os encargos por si suportados com os empréstimos bancários – nomeadamente o selo e outros encargos bancários associados.
O Tribunal não desconhece que a aplicação de normas que, como as dos preços de transferência, são essencialmente anti-evasivas e cuja aplicação se funda bastante no conceito de "comparabilidade" das transações – por vezes de complexa operacionalização – pode suscitar alguma renitência no seu uso como elemento fundamentador de correções fiscais.
Todavia, a lei existe para ser usada nas situações a que se deve aplicar. E, sendo certo que o conceito de comparabilidade é, por vezes, de difícil aplicabilidade, o mesmo se verifica com a utilização do conceito de "indispensabilidade" do artigo 23.º do CIRC.
Este último (o art. 23.º do CIRC) não deve ser aplicado sistematicamente como uma cláusula anti abuso; pois ele contém, antes de mais, uma condição geral a respeitar para a dedutibilidade dos gastos. Caso existam normas anti abuso que se adaptem a determinadas situações, devem, primeiramente, ser elas as ferramentas de controlo usadas pela AT.
Neste enquadramento, a liquidação impugnada padece de erro sobre os pressupostos de direito e de facto, por errada interpretação e aplicação do disposto no art. 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, o que constitui vício de violação de lei, pelo que têm as mesmas de ser declaradas ilegais e, consequentemente, anuladas.
IV. Decisão
De harmonia com o exposto acorda este Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido arbitral e em consequência em declarar a anulação, por ilegalidade, da liquidação impugnada de IRC (demonstração de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2016 ... relativa ao período de 2012 e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016 ...).
V. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 132.104,50€.
Notifique-se.
Lisboa, 16 de Novembro de 2018
Os Árbitros
Fernanda Maças (árbitro presidente)
Tomás Cantista Tavares (árbitro vogal)
Américo Brás Carlos (árbitro vogal – vencido conforme declaração junta, a qual faz parte integrante da presente decisão)
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131º nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1 alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei contra o Acórdão porque este imputa ao ato tributário em análise um vício de violação de lei por, em síntese, estar sustentado no artigo 23º, nº 1 e alínea c) do CIRC e não no artigo 63º do mesmo Código.
Entendo que, quando a AT pretende levar a cabo qualquer liquidação corretiva é ela que, obviamente, escolhe o iter que àquela conduz. Depois, fundamenta-o e passa a sujeitar-se ao escrutínio que dessa opção e desse caminhar farão os contribuintes e os tribunais. É, pois, sobre o ato tributário praticado e sua sustentação que recai o julgamento do tribunal, e não sobre a sustentação que no entender dos sujeitos passivos, deveria ter sido utilizada.
No caso, a AT optou por sustentar a correção fiscal em causa no artigo 23º, nº 1 do CIRC, submetendo a situação de facto – obtenção de financiamento com gastos, seguida da cedência dos capitais obtidos à empresa mãe, sem ressarcimento da parte dos encargos relativa a imposto do selo e outros gastos de financiamento - ao crivo da comprovada indispensabilidade dos gastos, para efeitos da sua dedutibilidade fiscal; e concluiu, tal como o Acórdão, que, por esta via, os encargos em causa não seriam fiscalmente dedutíveis. Como bem refere o aresto «não se vislumbra qualquer interesse da requerente no financiamento das sociedades do grupo». Pelo que, nesta perspetiva, não descortino qualquer ilegalidade inerente ao ato impugnado.
Concluiu, porém, o Acórdão que a AT deveria ter sustentado o seu ato tributário no artigo 63º do CIRC e não no artigo 23º, nº1 e alínea c) do CIRC, tese à qual, com o devido respeito, não adiro.
Tendo em conta que o mecanismo do artigo 23º do CIRC é de âmbito geral, prévio e aplicável a todas as entidades, com ou sem relações especiais entre si, como resulta da respetiva inserção sistemática no CIRC – «Regras Gerais do capitulo de Determinação da Matéria Coletável» - não vejo que a escolha deste suporte jurídico para o ato de liquidação adicional, seja, por si só, causa de ilegalidade.
Por outro lado, o artigo 63º não é uma norma que afaste a norma geral do artigo 23º, nº 1, do CIRC, de tal modo que na presença dos requisitos daquele preceito seja apartada a aplicação deste. O âmbito do referido artigo 63º do CIRC não é igual ao do artigo 23º, nº1, nem com ele concêntrico. O artigo 63º do CIRC opera em face da divergência entre as condições contratuais praticadas entre sujeitos relacionados, por comparação com as que seriam praticadas entre entidades não relacionadas, em operações comparáveis. Mas, no que respeita aos gastos contabilizados, operará quando estes já passaram pelo crivo da indispensabilidade fiscal do artigo 23º do CIRC. E, nos autos, é por este crivo inicial e geral que os encargos com o imposto do selo e outros gastos de financiamento (como comissões) não passa. Não sendo, em minha opinião, necessário mais para suportar legalmente o ato de liquidação corretiva sub judice.
O artigo 23º, nº 1 age em função da consideração de gastos que não são dedutíveis porque lhes falta a condição absoluta de indispensabilidade - no sentido de que há ou não há, não existindo nela graus intermédios -, ao passo que o artigo 63º do CIRC traduz-se numa correção quantitativa pelo montante da diferença entre os valores praticados e os preços de plena concorrência que existiriam, para operações comparáveis, entre entidades independentes.
Verifico que a situação sub judice não se enquadra na teleologia e na facti species do artigo 63º do CIRC. As correções fiscais efetuadas nos termos deste preceito, de natureza quantitativa em face do preço de plena concorrência, estão intrinsecamente conexas ou dependentes de elementos que são estranhos ao tratamento da questão controvertida. Indico, a título de exemplo, o mecanismo de ajustamento correlativo (nºs 11 e 12), a seleção do método que assegura o mais elevado grau de comparabilidade (nº 3), e a obrigatoriedade de manutenção da documentação respeitante à política adotada em matéria de preços de transferência (nº 6).
Mecanismos de ajustamento e obrigações que não se coadunam, nem são exigíveis no âmbito do artigo 23º do CIRC.
Razões porque entendo que devia ter sido mantido o ato tributário em análise. E daí, esta declaração de voto.
Américo Brás Carlos