Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Raquel Franco e Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12-09-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., doravante designada apenas como "A..." ou "Requerente", titular do Número de Identificação de Pessoa Coletiva (NIPC)..., com sede social no ..., ...-..., ..., veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
A Requerente pretende que seja anulada a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2018..., bem como parcialmente anulado o acto de liquidação de IRC n.º 2016..., emitido em 24-06-2016, decorrente da submissão da Declaração de Rendimentos (Modelo 22) de IRC com a identificação n.º ... posteriormente substituída pela Declaração de Rendimentos (Modelo 22) de IRC de substituição com a identificação n.º..., determinando-se, por via disso, o reembolso da importância de € 436.162,67 (quatrocentos e trinta e seis mil, cento e sessenta e dois euros e sessenta e sete cêntimos) a título de imposto pago indevidamente no período de tributação de 2015, relativo a tributação autónoma liquidada em excesso, com fundamento no disposto no artigo 38.º, n.º 1, do Código Fiscal do Investimento, bem como na alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC.
A Requerente pede ainda juros indemnizatórios calculados sobre a quantia a reembolsar.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-07-2018.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 23-08-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 12-09-2018.
A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu a improcedência dos pedidos.
Por despacho de 17-10-2018 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade anónima sujeita a tributação em sede do IRC;
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A Requerente submeteu, a 31 de Maio de 2016, a declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) de IRC, respeitante ao exercício de 2015 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Posteriormente, em 25-09-2017, a Requerente procedeu à entrega de Modelo 22 de substituição relativa ao exercício de 2015, com o número de identificação ... (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente apurou prejuízo para efeitos fiscais no montante de € 1.389.419,73 e um montante total de tributações autónomas de € 436.162,67 (campo 365 do Quadro 10 do documento n.º 7);
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No Quadro 07 do anexo D à referida declaração de substituição, indica-se entre os benefícios fiscais que operam através de dedução à colecta de IRC, o montante de € 2.782.160,28 relativo a saldo do SIDIFE e SIDIFE II não deduzido em período anterior e a dotação do período de € 967.122,11, indicando-se que transita para períodos seguintes o montante de € 3.749.282,39 (campos 709, 710 e 712), além do saldo de € 186.564,24 relativo a RFAI (campos 713 e 716);
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No período de tributação de 2015, a Requerente não deduziu qualquer montante relativo a benefícios fiscais no campo 355 da Declaração de Rendimentos Modelo 22;
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Em 24-06-2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação n.º 2016..., considerando tributações autónomas no valor de € 436.162.67, retenções na fonte no valor de € 581,25, o pagamento de autoliquidação no valor de € 435.581,42 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
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Em 31-01-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação visando a sua anulação parcial, por não ter considerado a «possibilidade de dedução do SIFIDE à coleta de tributação autónoma, enquanto componente integrante da coleta de IRC, com fundamento no disposto no n.º 1 do artigo 38.º do Código Fiscal ao Investimento e na alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com vista ao reembolso do valor relativo à tributação autónoma liquidada em excesso, isto é, do montante de Euro 436.162,67»;
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A reclamação graciosa foi indeferida por decisão de 03-04-2018, nos termos que constam do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
§ IV.II. Do cálculo de imposto
§ IV.II.I. Dedução de benefícios fiscais à coleta das tributações autónomas
§ IV.II.I.I. Dos argumentos da Reclamante
11. Contestando a liquidação de IRC acima identificada, vem a Reclamante referir que procedeu à entrega do DR MOD 22 IRC referente ao período de 2015, a qual substituiu posteriormente com a apresentação de uma declaração de substituição com o número de identificação... .
12. No aludido período, apurou um prejuízo para efeitos fiscais no montante de € 1.389.419,73 e um montante total de tributações autónomas no valor de € 436.126,67.
13. Na declaração de substituição apresentada, declarou que era titular dos seguintes benefícios fiscais passíveis de dedução à coleta: SIFIDE 2014: 2.782.160,28; SIFIDE 2015: 967.122,11, RFAI: 186.564,24.
14. Sendo que no período de tributação em causa não deduziu qualquer montante relativo aos assinalados benefícios fiscais.
15. Ora, no que se refere â dedução de benefícios fiscais que operam por dedução à coleta, a Reclamante tem vindo a adotar como procedimento a dedução de benefícios fiscais à coleta de IRC, não considerando como tal a coleta de tributação autónoma.
16. Contudo, a Reclamante tomou conhecimento de jurisprudência arbitral na qual se valida a dedutibilidade de créditos fiscais apurados a título de SIFIDE à coleta de tributações autónomas, enquanto parte integrante da coleta de IRC e sujeita às regras de liquidação do IRC.
17. A ser assim, como entende que é, considera a Reclamante existir um erro crasso na sua autoliquidação de IRC, que distorceu, de forma materialmente significativa, o imposto a pagar.
18. Com efeito, nos termos do n.º1 do artigo 38." do CFI, os sujeitos passivos podem deduzir o montante apurado a título de SIFIDE ao montante da coleta de IRC.
19. Já o n.º 4 do referido artigo possibilita a dedução do SIFIDE em exercícios posteriores, caso o mesmo não pudesse ser deduzido no ano a que se reportava, por insuficiência de coleta.
20. Em face do exposto, a questão que interessa resolver consiste em saber se o montante das tributações autónomas é apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, pois, se for, terá de se concluir que a dedução a efetuar com referência àqueles terá de ter por referência, para além da coleta de IRC stricto sensu e da derrama estadual, a coleta proveniente das tributações autónomas,
21. Sobre esta questão, não pode a Reclamante deixar de alertar para o facto de que o artigo 90." do Código do IRC estabelecer os termos pelos quais se deverá processar a liquidação, quer ela seja feita pelo sujeito passivo, ou pela AT, sendo tais termos aplicáveis ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no respetivo Código.
22. Neste sentido, não existindo no Código do IRC qualquer disposição que preveja termos específicos para a liquidação das tributações autónomas, ter-se-á forçosamente que concluir que o artigo 90.º do Código do IRC se aplica também aos montantes apurados àquele título.
23. A autonomia das tributações autónomas circunscreve-se às taxas aplicáveis e à respetiva matéria tributável, mas a liquidação do seu montante é efetuada nos termos do artigo 90." do CIRC.
24. Por conseguinte, a Reclamante não vislumbra qualquer margem para um entendimento diferente senão o de que á coleta de tributação autónoma são aplicáveis as alíneas b) e c) do n,º2 do artigo 90.º do Código do IRC.
25. Ainda que por mero dever de raciocínio se admitisse que, apesar de na sua essência as tributações autónomas serem IRC, a sua liquidação não tem enquadramento na norma de liquidação do IRC consagrada no artigo 90." do CIRC, então a autoliquidação do IRC na parcela ás tributações autónomas ter-se-ia que considerar nula, pelos simples facto de inexistir qualquer outra norma que estabeleça os termos pelos quais se deve processara liquidação.
26. Ora, sendo as coisas como vem de se expor, parece evidente que ao IRC apurado nos termos descritos, devem ser realizadas, pela ordem indicada, as deduções correspondentes à dupla tributação jurídica internacional, a benefícios fiscais e a pagamentos especiais por conta, sem quaisquer restrições, por as mesmas não se encontrarem previstas na lei.
27. E quanto à limitação ínsita na última parte do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na redação que lhe foi introduzida peta lei do orçamento do Estado para 2016 - Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março -, não pode a mesma ser interpretada senão em obediência aos princípios constitucionais consagrados em matéria fiscal e aos requisitos de legalidade impostos pelo artigo 11." do Código Civil.
28. E a este respeito pronunciou-se recentemente o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, relatado pelo Juiz Conselheiro Pedro Machete, em termos que não suscitam qualquer dúvida».
29. É, pois, segundo o acórdão citado, inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, a norma do artigo 135ºda Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma do artigo 88.º, n.º 21, 2.s parte, do Código do IRC - número esse aditado pelo artigo 133.º da citada Lei - segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de pagamento especial por conta nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016.
30. Em face do exposto, considera a Reclamante que deverá o montante de imposto a pagar no exercício de 2015 ser alvo de correção, considerando-se dedutível ao montante de tributação autónoma apurado naquele exercício o montante de € 436.162,67, relativo a parte do SIFIDE de 2014.
31. Considera ainda a Reclamante que são devidos juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 e 2, do artigo 43." da LGT, na medida em que tendo-se registado o pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido, tal ficou a dever-se a erro imputável aos serviços
32. Com efeito, a Reclamante, na presente situação, atuou em conformidade com as indicações publicadas pela Autoridade tributária e com o que estava previsto na própria declaração modelo 22 de IRC.
§ IV.II.I.II. Da apreciação
33. Analisada a petição da Reclamante, verificamos que a questão que emerge das suas alegações consiste em saber se o montante pago a título de tributações autónomas deve ser entendido como parte integrante da coleta de IRC, para efeitos de dedução do SIFIDE.
34. O exame desta questão só fará, no entanto, sentido, em termos de efeito útil da decisão a proferir, caso exista na titularidade da Reclamante um crédito de imposto a título de SIFIDE
35. Ora, no que se refere SIFIDE, o valor na disponibilidade da Reclamante para efeitos de dedução à coleta ascende efetivamente a 3.749.282,39, conforme se verifica pela leitura no quadro 07 do Anexo D da Declaração Mod. 22 IRC.
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36. Na demanda por uma resposta à questão de saber se o montante pago a título de tributações autónomas deve ser entendido como parte integrante da coleta de IRC, para efeitos de dedução de benefícios fiscais, impõe-se-nos abordar a evolução da figura das tributações autónomas, da sua natureza e características, bem como das finalidades para as quais foi instituída no seio do IRC.
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37. Há que recuar ao ano de 1990 para encontrarmos a primeira intervenção do legislador no sentido de sujeitar determinadas despesas a tributação autónoma, ocorrida com a publicação do Decreto-Lei n º 192/90, de 9 de junho.
38. Com esta iniciativa legislativa pretendeu-se penalizar a realização por parte das empresas de despesas confidenciais ou não documentadas.
39. Esta norma foi objeto de diversas alterações posteriores que, sucessivamente, procederam ao aumento da taxa de tributação nela prevista.
40. Posteriormente, com a "Reforma da tributação do rendimento", aprovada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, foi revogado o Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, e aditou-se ao Código de IRC o artigo 69.º-A (atual artigo 88.º) e ao Código do IRS o artigo 75.º-A (atual artigo 73.º), através dos quais, para alem de se prever, a exemplo do que já acontecia com o referido Decreto-Lei 192/90, de 9 de junho, a tributação autónoma das despesas não documentadas, estendeu-se tal tributação, em IRS e IRC, as despesas de representação e as despesas com viaturas.
41. Tendo em atenção o artigo 88.º do Código do IRC13 (na redação em vigor â data dos fatos), que consagra as diferentes taxas de tributação autónoma14, verificamos encontrarem-se a elas sujeitas e nas condições nele previstas, as despesas não documentadas, os encargos com viaturas, as despesas de representação, as ajudas de custo, as despesas com a compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, as importâncias pagas a entidades residentes fora do território português e aí submetidas a regime fiscal mais favorável, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiem de isenção, os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a relação contratual, os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.
42. Vem sendo unanimemente reconhecido pela jurisprudência arbitral que a tributação autónoma tem natureza de IRC, é devida a título de IRC.
43. Manifestação do que se acabou de referir é-nos dada pela doutrina constante do acórdão do CAAD, proc. n.º 209/2013, onde se deixou patente que «o regime legal das tributações autónomas em questão apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC», que «a sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legai do IRC».
44. A este propósito diz-se no referido acórdão que não são as despesas objeto da tributação autónoma o objeto final da tributação, pois «se assim fosse, seriam, obviamente, taxadas todas as despesas realizadas por todos os sujeitos, e não apenas por alguns deles».
45. Isto permite-nos verificar que as tributações autónomas para além de estarem «fortemente ligadas aos sujeitos do imposto sobre o rendimento, incidem, no caso que nos ocupa, sobre despesas dedutíveis, o que nos possibilita constatar a forte ligação existente entre elas o IRC e justificativa não só da sua inclusão no CIRC, mas, igualmente, da sua integração de pleno direito, como parte do regime jurídico do IRC»;
46. Por seu lado, no acórdão do CAAD, proc. n.º 210/2013-T16, considerou-se que tributação autónoma se tratava de um «mecanismo de tributação indirecta do rendimento que visa prevenir a perda de receita fiscal por evasão fiscal ou por confusão das esferas empresariais e privadas».
47. Concluiu-se no referido aresto, por isso, que apesar de obtida através da tributação de determinadas despesas que reduzem o lucro tributável, ainda assim se consegue vislumbrar aí uma forma de tributação desse mesmo lucro tributável que é própria dos objetivos que subjazem ao IRC,
48. Por fim, no acórdão do CAAD, proc. n.º 163/201417, refere-se que quando «[se fala] em tributações autónomas em IRS ou IRC, não por elas serem um imposto diferente de qualquer um destes, mas sim por serem calculadas aplicando uma regra diferente das regras gerais de tributação aplicáveis à determinação das quantias devidas no âmbito daqueles impostos. Mas, no que aqui interessa, sendo a tributação autónoma em IRC, resulta linearmente desta norma que o imposto a liquidar e cobrar é considerado IRC».
49. Alude-se ainda à reforma fiscal de 2001, que introduziu, como já se referiu, a tributação autónoma no Código do IRC, para assinalar que o legislador considerou que «o sistema de tributação das empresas exclusivamente com base no lucro tributável gerava situações de iniquidade fiscal que se pretendeu atenuar ou eliminar efectuando um «alargamento da base tributária», através do aditamento à tributação directa, que continua a ser a essência do sistema de tributação das empresas, de situações de tributação indirecta, por via da aplicação do imposto também a certas despesas que se terá entendido serem causas dessa iniquidade, por estarem presumivelmente conexionadas com situações de «evasão e a fraude fiscais» «que permite, frequentemente, que aqueles que mais proventos auferem não paguem impostos ou os suportem em termos muito inferiores àquilo que lhes é exigível».
50. Assinale-se que a esta jurisprudência reiterada e uniforme atrás mencionada não deve ter ficado alheio o legislador, na recente alteração ao Código do IRC, efetuada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a estabelecer que as tributações autónomas não são custo fiscal [artigo 23º-A, n.º 1, alínea a)].
51. Sendo certo que as tributações autónomas têm natureza de IRC, não se pode olvidar, contudo, que elas tributam despesa e não rendimento, oneram determinados encargos incorridos pelas empresas e apuram-se de forma totalmente independente do IRC.
52. Na verdade, contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), nas tributações autónomas tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo e, por isso, passível de tributação.
53. É que, ao passo que no IRC — como no IRS — a base tributável só é efetivamente conhecida no final do período de tributação e constitui a síntese de várias operações com relevo fiscal, a tributação autónoma que incide sobre os referidos encargos torna-se irreversível a partir do momento em que os sujeitos passivos neles incorrem, não podendo ser anulada por via de proveitos posteriores ou quaisquer outras vicissitudes. Em termos simplistas: feita a despesa (facto) os pressupostos do tributo (incidência objetiva, subjetiva e taxa) verificam-se instantânea e irremediavelmente.
54. Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do Código do IRC).
55. Já no que respeita a tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário)
56. Por esta razão, Sérgio Vasques (cfr. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 293, nota 470) chama a atenção para a circunstância de os impostos sobre o rendimento contemplarem elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC.
57. Em face do que vimos dizendo, podemos, desde já, elencar alguns traços característicos relativos à tributação autónoma, preparando assim o caminho para a solução a apresentar à questão que nos ocupa, que é a de indagar da admissibilidade legal de se efetuarem deduções de benefícios fiscais à coleta das tributações autónomas.
58. Assim, uma primeira característica que sobressai das tributações autónomas respeita ao facto de elas incidirem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis em sede de IRC, sendo apuradas e devidas independentemente da existência ou não de matéria coletável.
59. Outro elemento que as define traduz-se na circunstância de, não obstante «apenas [fazerem] sentido no contexto da tributação em sede de IRC», representarem uma exceção ao princípio da tributação das pessoas coletivas de acordo com o lucro real efetivo.
60. Cumpre ainda assinalar que o facto gerador da tributação autónoma é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva, não obstante, como já se referiu, o seu apuramento se efetue no fim do período de tributação.
61. Isto leva-nos, por fim, a sublinhar que, apesar de a liquidação da tributação autónoma ser efetuada no termo de um determinado período, tal não a transmuda num imposto periódico, na medida em que tal operação consiste unicamente na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação.
62. A propósito do papel desempenhado pela tributação autónoma no âmbito do IRC, das finalidades visados pelo legislador com a sua introdução neste imposto, são várias as referências efetuadas na doutrina e na jurisprudência a este respeito.
63. Assim, sobre este tema refere Casalta Nabais que «[se] traía de uma tributação (sobre a despesa ou consumo e não sobre o rendimento) que se explica pela necessidade de prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da sociedade, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores para a segurança social».
64. Já Saldanha Sanches, a propósito da tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 3, do CIRC, escreveu que «neste tipo de tributação, o legislador procura responder a questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros».
65. Para Rui Morais, o objetivo terá sido o de tentar evitar que, através dessas despesas, «o sujeito passivo utilize para fins não empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis (.. ); ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes (.,,). A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto»™.
66. Relativamente ao entendimento que a jurisprudência tem expressado sobre esta matéria, destaque-se o acórdão do STA, proc. 830/11, de 21.03.2012, onde se referiu que «no fundo, o legislador terá criado as taxas de tributação autónomas com vista a penalizar a realização de determinadas despesas, uma vez que não se sabendo quem é o respectivo beneficiário, impõe-se a necessidade de evitar que as mesmas constituam remunerações a pessoas cuja identidade se desconhece. Na óptica do legislador, estas despesas devem ser tributadas na pessoa/empresa que suporta o respectivo custo, dada a impossibilidade de o serem na pessoa que recebe as importâncias. Se assim não fosse, estaríamos a aceitar como custo este tipo despesas, sem que pudesse haver, dada a sua natureza confidencial, a tributação dos rendimentos auferidos por parte dos seus beneficiários, quer em sede de IRS quer em sede de IRC».
Em acórdão recente do STA20, consignou-se que «a tributação autónoma visa, (...) que a empresa faça um ajuste entre os seus recursos financeiros e os seus objectivos negociais desmotivando-a de adoptar comportamentos que beneficiando pessoas diversas da empresa, aumentando seja o património seja o bem-estar ou a reputação social destas, conduza a uma diminuição da sua capacidade contributiva da empresa».
Tem sido sobretudo os tribunais arbitrais a debruçar-se amiúde sobre esta matéria, existindo um número significativo de decisões onde são escalpelizadas as principais características e finalidades da tributação autónoma.
Destaque-se, a este propósito, a decisão arbitral proferida no processo n.º 210/2013, onde se deixou escrito que «(...) as tributações autónomas não servem apenas um objetivo, mas sim dois:
• Umas visam evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos:
• Outras visam penalizar comportamentos presuntivamente evasivos ou fraudulentos»
«Com efeito, além do caso das tributações autónomas que incidem sobre despesas não dedutíveis e cuja previsão se justifica enquanto mecanismo anti-evasão, também no caso das tributações autónomas que incidem sobre despesas dedutíveis está presente a vontade do legislador de impedir a erosão da base tributável através da realização de despesas que, embora não possam ser proibidas de todo pelo sistema do IRC porque, em alguns casos, poderão mesmo ser necessárias à realização do rendimento tributável e/ou á manutenção da fonte produtora, são despesas que partilham entre si um risco de não empresarialidade, isto é, um risco de não serem realizadas com fins empresariais, mas sim extra-empresariais ou privados. Nesses casos, o legislador opta, assim, por aceitar a sua dedutibilidade, mas onerando-a com uma tributação autónoma. Na verdade, estamos, em ambos os casos, perante, um mecanismo cujo objectivo último é o de contribuir para a "normalização" da tributação em sede de IRC, isto é, para o funcionamento deste imposto na sua forma mais pura e mais próxima das suas raízes de imposto sobre o lucro obtido pelas pessoas colectivas. Nesse sentido, as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC, que é o de tributar lucros permitindo a dedução das despesas em que os sujeitos passivos têm que incorrer com vista à realização dos rendimentos tributáveis.
Trata-se, assim, de não mais do que um mecanismo de tributação indirecta do rendimento, que visa prevenir a perda de receita fiscal por evasão fiscal ou por confusão das esferas empresariais e privadas.
Em concreto, no que se refere às tributações autónomas que incidem sobre despesas dedutíveis, as mesmas visam compensar, por essa via, a perda de receita fiscal que a realização e dedução de tais despesas ocasionaria na sua ausência. Assim, enquanto se permite que o sujeito passivo deduza a despesa, onera-se a sua dedução com a tributação autónoma reduzindo-se, assim, a receita fiscal perdida com a dedução da despesa e desincentivando-se a utilização futura do tipo de encargos que gerou a tributação autónoma».
71. Por seu turno, na decisão arbitral proferida no processo n.º 697/2014, discorreu-se no sentido de que «(...) o mecanismo de tributação autónoma do conjunto das realidades previstas no artigo 88.º do CIRC visa, primacialmente, acautelar os equilíbrios gerais do próprio sistema fiscal, os equilíbrios específicos do IRC e a receita do próprio imposto. Isto é, visa impedir que através da relevação significativa de encargos como os previstos no artigo 88.º, se não introduzam entorses afetadoras do sistema e a expetativa sobre o que deverá ser a receita "normal" do imposto não saia gorada. No caso, como é igualmente consabido, do que se trata é de desincentivar a realização / relevação dessas despesas, desde logo porque, pela sua natureza e fins, elas podem ser mais facilmente objeto de desvio para consumos que, na essência, são privados ou correspondem a encargos que não deixam de ter, também, como finalidade especifica e última, o evitamento do imposto»
72. A acrescer ao que aqui se transcreveu sobre o que tem sido o entendimento da doutrina e da jurisprudência acercas dos objetivos prosseguidos pelas tributações autónomas, importa acrescentar que este imposto assume uma clara natureza anti-abuso, uma vez que com ele se pretende prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e combater a fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos, prosseguindo, por esta via, o objetivo de atingir a capacidade contributiva revelada pelo rendimento real.
73. As considerações tecidas a este respeito revelam que a figura das tributações autónomas tem sido instrumentalizada para a prossecução de finalidades diversas, que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude -, através de despesas confidenciais ou não documentadas, ou de pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, à substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, na esfera dos respetivos beneficiários -, até â finalidade de prevenir o fenómeno designado por "lavagem de dividendos" (cfr. n.º 11 do art.º 88." Código do IRC) ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos (cfr. n.º 13 do mesmo preceito).
Do que vimos dizendo, importa, assim, destacar o caracter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspetos material e temporal dos factos geradores, que impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC Desta forma, atendendo às finalidades das tributações, aos fins que justificaram a sua integração no Código do IRC, bem como à sua mecânica de apuramento distinta do referido imposto, é legítimo considerar que as tributações autónomas, embora colocadas no âmbito do processo de liquidação do IRC, são-no, todavia, «de acordo com uma raiz e dogmática própria que levam a que a coleta total do imposto não seja uma realidade unitária mas composta».
Deste modo, podemos identificar, por um lado, a coleta do IRC stricto sensu, determinada de acordo com as regras de apuramento deste imposto, concreta mente, da aplicação das taxas do art." 87," do Código do IRC à matéria coletável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do código. Por outro, descortinamos «a coleta específica, devida por tributações autónomas, que tem (...) uma raiz, um sentido e um fundamento próprios, qual seja o de desincentivar a adoção dos comportamentos por ela tributados23».
Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que algumas destas despesas, pela sua natureza, potência, não poderá ela mesma, através da consideração do seu montante para efeito de dedução de benefícios, constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.
Fazendo nossas as palavras do acórdão do CAAD, proferido no proc. N.º 722/2015, conclui-se no sentido de que «tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à coleta das tributações autónomas, incentivos fiscais, como a Requerente o pretende.
Essa possibilidade resultaria num duplo efeito estranho: de um lado poderia, no limite, eliminar a coleta resultante das tributações autónomas e, de outro, propiciaria a dedução de certo benefício fiscal (...) a imposto que tem uma função especificamente anti abuso, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados.
Da conjugação destas possibilidades resultaria um resultado contraditório, ilegal e anti ético, justamente porque a mesma lei fiscal permitiria, no quadro do mesmo sistema fiscal, desonerar o contribuinte do encargo do pagamento de um imposto que é justamente devido pela adoção de condutas abusivas, indesejadas e desincentivadas (relevação como gastos das despesas previstas no art.º 88º do CIRC)».
Aqui chegados, importa por fim evidenciar que a interpretação do n.º 2 do art.º 90.º, efetuada em coerência com a natureza e conteúdo das deduções previstas nas suas alíneas, deve ser feita à luz dos objetivos gerais do IRC, os quais se reconduzem, na sua essência, à tributação do rendimento das pessoas coletivas, determinado em conformidade com as regras do capítulo III do respectivo código.
Sob este prisma, no caso das deduções de benefícios fiscais à coleta (alínea b) do n.º 2 do art,º 90.º), o montante ao qual são estas efetuadas só pode respeitar ao imposto liquidado com base na matéria coletável, determinada com base nas regras do capítulo III e das taxas previstas no art.º 87 º do Código do IRC.
Isso, sob pena de uma incoerência decorrente da desvirtuação da necessária ligação que, no plano material, deve existir entre os objetivos prosseguidos pelos benefícios e a própria grandeza representada pelo lucro.
Com efeito, quando se trata de benefícios ao investimento - como é o caso do SIFIDE, RFAI e CFEI -, existe uma filosofia subjacente de que o benefício constitui um prémio cuja amplitude varia consoante a rendibilidade dos investimentos, pois, quanto mais elevado foi o lucro/matéria coletável do IRC maior será a capacidade para efetuar a dedução.
Verifica-se, portanto, uma ligação indissociável entre o montante do crédito de imposto por investimento e a parte da coleta do IRC calculada sobre a matéria coletável baseada no lucro.
Não sendo assim, subverter-se-ia a necessária articulação que, no plano material, deve existir- entre os objetivos prosseguidos pelos benefícios fiscais e o seu impacto na própria grandeza que serve de base ao cálculo da matéria coletável e da coleta - o lucro.
Outro exemplo do que pretendemos demonstrar, encontramo-lo no caso da dedução relativa ao crédito por dupla tributação internacional, prevista na al. a), do n.º 2 do artigo 90,º do Código do IRC.
Com efeito, tal dedução só é possível de realizar quando na matéria coletável sujeita a imposto tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro, de acordo com o disposto no art.º 91.", n,º 1 do Código do IRC.
Contudo, na base tributável das tributações autónomas não estão incluídos rendimentos, mas apenas o valor determinadas despesas, não sendo assim possível, ao nível desta figura, falar em rendimentos obtidos no estrangeiro incluídos na matéria coletável.
O que nos leva irremediavelmente à constatação de que, no caso do crédito por dupla tributação internacional, a dedução só pode ser efetuada à coleta de IRC, decorrente da aplicação das taxas previstas no art.º 87.º â matéria coletável, determinada com base nas regras do capítulo III.
O mesmo se refira relativamente à dedução relativa a retenções na fonte, prevista na alínea d) do n.º2 do artigo 90.º do Código do IRC.
Sendo que, neste caso, é a lei que expressamente impede a realização da dedução prevista na al. d) do n.º2 do artigo 90.º ao montante liquidado a título de tributações autónomas.
Neste sentido, dispõe o n.º 12 do artigo 88.º do Código do IRC que «ao montante do imposto determinado, de acordo com o disposto no número anterior, é deduzido o imposto que eventualmente tenha sido retido na fonte, não podendo nesse caso o imposto retido ser deduzido ao abrigo do nº 2 do art. 90.º».
Por seu lado, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º do Código do IRC, «são tributados autonomamente, à taxa de 25 %, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período».
Portanto, o montante eventualmente retido na fonte na situação prevista no n.º11, do artigo 88,º é deduzido á liquidação da tributação autónoma, por aplicação do n.º12 do artigo 88.º, e não por força do artigo 90.", n.º 2, ai. d), todos do Código do IRC.
Facto que constitui um claro reflexo da ligação indissociável da natureza e conteúdo das deduções previstas nas suas alíneas do n,º 2 do artigo 90.º com os objetivos gerais do IRC.
As considerações que vimos tecendo acerca das deduções previstas no n.º2 do artigo 90." Encontram apoio um apoio explicito no disposto no n.º 5 do art.º 90.º, ambos do Código do IRC - através do qual o legislador fornece uma indicação clara de que o montante do imposto liquidado, ao qual são efetuadas as deduções referidas no n.º 2 do mesmo artigo, não inclui o montante correspondente às tributações autónomas.
Com efeito, no regime de transparência fiscal, a matéria coletável gerada pelas entidades por ele abrangidas é imputada aos respetivos sócios «integrando-se no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC», devendo as deduções previstas no n.º 2, do artigo 90,º, do Código do IRC, ser imputadas aos respetivos sócios, sendo deduzidas ao montante de coleta apurado com base na matéria coletável que lhes haja sido imputada nos termos do artigo 6.º, cio Código do IRC.
98. Ora, uma vez que, nos termos do artigo 12.º do Código do IRC, as sociedades abrangidas por este regime não são tributadas em IRC, exceto relativamente às tributações autónomas, verifica-se, portanto, que a coleta de IRC apurada relativamente a cada um dos sócios não engloba qualquer valor referente a tributação autónoma, sendo o pagamento desta imputável exclusivamente às sociedades,
99. Desta forma, é aqui expressamente determinada a impossibilidade de deduzir às tributações autónomas as deduções previstas no n,º 2, do artigo 90.º, do Código do IRC, na medida em que aquelas não integram a coleta que cada um dos sócios determinará pela aplicação da taxa à matéria coletável que lhes haja sido imputada, nos termos do regime de transparência fiscal.
100. Partindo-se do pressuposto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário, então haverá que admitir que o legislador pretendeu soluções semelhantes para as outras entidades sujeitas a IRC.
101. Por conseguinte, não se encontram razões para que existam diferenças significativas, ao nível das deduções à coleta, entre as sociedades sujeitas e não sujeitas ao regime de transparência fiscal.
102. Por fim, cumpre realçar que o entendimento a que chegámos relativamente à inadmissibilidade de dedução dos benefícios fiscais á coleta das tributações autónomas encontra-se em sintonia com o novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, ao estabelecer que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efetuadas quaisquer deduções».
103. Verificamos que, neste caso, o legislador se (imitou a acolher, clarificando-a, uma solução que os tribunais, com o recurso às regras vigentes e por aplicação dos critérios de hermenêutica jurídica estavam em condições de extrair do regime a aplicar.
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Em 05-07-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2 Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
3. Matéria de direito
A Requerente apurou prejuízo fiscal no exercício de 2015, mas foi liquidada colecta de tributações autónomas no valor de € 436.162,67.
A Requerente apresentou uma reclamação graciosa defendendo, em suma, que, dispondo de um montante do benefício fiscal do SIFIDE disponível naquele exercício, deveria o mesmo ser deduzido à colecta de tributações autónomas, nos termos do artigo 38.º, n.º 1, do Código Fiscal do Investimento (doravante “CFI”) e da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC. ( [1] )
A questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se os montantes dedutíveis dos benefícios fiscais previstos no SIFIDE I e SIFIDE podem ser deduzidos à colecta de IRC derivada de tributações autónomas, no ano 2015.
Para solução desta questão importa também apreciar a relevância de leis posteriores, às quais foi atribuída natureza interpretativa.
3.1. Aplicabilidade dos artigos 89.º e 90.º do CIRC ao cálculo das tributações autónomas
Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, e da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, vigente no ano de 2015:
Artigo 89.º
Competência para a liquidação
A liquidação do IRC é efectuada:
a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;
b) Pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos restantes casos.
Artigo 90.º
Procedimento e forma de liquidação
1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;
c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;
b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;
c) A relativa a benefícios fiscais;
d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;
e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.
3 – (Revogado)
4 - Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.
5 - As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
6 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.
7 – (revogado pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro)
8 - Relativamente aos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, ao montante apurado nos termos do n.º 1 apenas são de efetuar as deduções previstas nas alíneas a) e e) do n.º 2.
9 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.
10 - Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.
11 - Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com caráter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.
12 - A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.
Os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas às declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.
Na verdade, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da jurisprudência, o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.
Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código.
Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo, com vigência no ano de 2015, qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.
Assim, no ano de 2015, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.
Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.
No entanto, a circunstância de uma liquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais, com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).
Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ( [2] )
De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária a liquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e é com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.
Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que, em 2012, previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».
Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independentemente de ser ou não qualificável como verdadeiramente interpretativa ( [3]), em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores». Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.
O mesmo se passa com a redacção dada àquele n.º 21 do artigo 88.º pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.
Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.
3.2. Aplicabilidade das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC
à colecta de IRC resultante de tributações autónomas
Pelo que se referiu, pelo menos até à Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não havia qualquer disposição legal que indicasse qualquer procedimento especial de liquidação do IRC resultante das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do n.º 3 do artigo 103.º, por a liquidação não ser efectuada «nos termos da lei», tinha de ser feita aplicação do procedimento previsto no artigo 90.º do CIRC.
Sendo a colecta de IRC, quer a resultante do lucro tributável, quer a resultante de tributações autónomas, apurada através do procedimento de liquidação previsto no artigo 90.º do CIRC, são potencialmente aplicáveis a tal colecta as deduções previstas no n.º 2 o mesmo artigo, que se reportam «ao montante apurado nos termos do número anterior», sem qualquer distinção sobre a natureza dos tipos de colecta de IRC que nesse montante estão incluídos.
Por isso, do teor literal do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, não resulta qualquer obstáculo à aplicação das deduções à parte do montante apurado nos termos do n.º 1 derivado de tributações autónomas.
Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31-05-2017, proferido no processo n.º 466/16, «a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC. Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas».
Na verdade, só com a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que aditou ao artigo 88.º do CIRC um n.º 21, passou a existir uma norma em que se afasta a possibilidade de aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC ao montante apurado com tributações autónomas, estabelecendo-se o seguinte:
21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.
Na parte final desta norma, restringe-se o âmbito de aplicação das deduções previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC à colecta de IRC derivada do lucro tributável.
A Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, veio reafirmar o afastamento da aplicabilidade das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à colecta de IRC resultante de tributações autónomas ao estabelecer o seguinte:
21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.
A este n.º 21 do artigo 88.º do CIRC foi atribuída natureza interpretativa, pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016 e pelo artigo 233.º da Lei n.º 114/2017, respectivamente.
No entanto, o Tribunal Constitucional, no citado acórdão n.º 267/2017, já afirmou a inconstitucionalidade daquele artigo 135.º na parte em que, por efeito do carácter meramente interpretativo que atribui à 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, afasta a possibilidade de dedução ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC de deduções permitidas em anos fiscais anteriores a 2016.
Esta decisão do Tribunal Constitucional baseou-se no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva, de que o Tribunal Constitucional entendeu resultar que «o legislador não pode criar impostos com tal natureza ou introduzir nos impostos existentes modificações que, com efeitos retroativos, os agravem» e que «está em causa a proibição de estatuir consequências jurídicas novas que constituam ex novo ou agravem situações fiscais já definidas, nomeadamente o quantum devido a título de certo imposto e previamente definido em razão da verificação de todos os factos relevantes à luz do direito aplicável antes da estatuição das consequências jurídicas novas».
Por isso, na linha desta jurisprudência, a constitucionalidade da interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, de forma a excluir a possibilidade de deduções à colecta de IRC resultante de tributações autónomas, depende de ela já dever ser efectuada à face do regime anterior àquela lei n.º 7-A/2016, pois é constitucionalmente inadmissível a retroactividade desfavorável aos contribuintes de normas fiscais de que resulte obrigação de pagamento de impostos.
Deve notar-se, porém, desde logo, que a nova redacção dada pela Lei n.º 114/2017 ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, ao afastar a possibilidade de deduções ao montante global das tributações autónomas «ainda que essas deduções resultem de legislação especial» esclarece, com natureza interpretativa (nesta parte sem problemas de constitucionalidade, por se tratar de retroactividade favorável aos contribuintes), que existia legislação especial de que resultava que fossem feitas deduções ao montante das tributações autónomas, vindo assim, reconhecer, com a autoridade legislativa de uma interpretação autêntica, o que já vinha sendo reiteradamente explicado pela jurisprudência arbitral maioritária.
Por isso, sendo constitucionalmente inadmissível, pelo que referiu o Tribunal Constitucional no acórdão citado, que esta nova lei venha afastar a possibilidade de deduções admissíveis à face da legislação vigente até a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, a questão que se coloca, para solucionar as questões de legalidade da liquidação e da decisão da reclamação graciosa que são colocadas no presente processo, é a de saber se, antes desta lei, já deveria fazer-se a interpretação restritiva que nela veio a ser explicitada, já deveriam fazer-se restrições à aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à parte da colecta de IRC resultante de tributações autónomas.
Na verdade, o facto de a letra do n.º 2 do artigo 90.º apontar no sentido da aplicação das deduções à colecta resultante das tributações autónomas essa dedutibilidade, não excluía a possibilidade de interpretação restritiva, se «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)». ( [4] )
Como fundamento para uma interpretação restritiva poderia, numa primeira análise, aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas, designadamente algumas das que têm por base de incidência «despesas» ou «encargos» ( [5] ), visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.
No entanto, como foi legislativamente reconhecido pela redacção dada ao n.º 21 do artigo 88.º pela Lei n.º 114/2017 (aqui com força interpretativa constitucionalmente irrepreensível à face do artigo 103.º, n.º 3, da CRP), há legislação especial de que resultam deduções à colecta derivada de tributações autónomas, que são necessariamente situações em que legislativamente se deu preferência a satisfação dos interesses que justificam as deduções em relação aos que se visam com as tributações autónomas, o que sucede com as normas sobre benefícios fiscais dedutíveis à colecta de IRC.
Por outro lado, a natureza de normas antiabuso, destinadas a evitar a fraude e a evasão fiscal, não exclui a possibilidade de deduções à colecta de IRC que com a aplicação dessas normas for determinada, o que é manifesto em relação à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização e também as correcções resultantes da aplicação da norma geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.
Ainda por outro lado, é também evidente que a natureza antiabuso de algumas das tributações autónomas que visam desincentivar despesas e evitar evasão fiscal não poderia servir para justificar a não dedução dos benefícios fiscais a toda a colecta de IRC resultante de tributações autónomas, pois a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC não incide sobre despesas ou encargos, mas sim sobre «lucros», sendo uma forma de tributação de lucro complementar ou alternativa em relação à prevista para a generalidade dos rendimentos. Para além disso, a tributação autónoma prevista no n.º 8 do artigo 88.º não tem subjacente qualquer intenção de desincentivar a realização das operações a que se refere, mas sim impor aos contribuintes especiais deveres probatórios em situações em a tributação mais favorável dos destinatários das despesas pode suscitar dúvidas sobre a realidade e normalidade das operações, pois a tributação autónoma é afastada «se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado».
A isto acresce que, mesmo em relação a algumas tributações autónomas que incidem sobre despesas, não seria compatível com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade impor tributação com fundamento numa hipotética intenção legislativa de desincentivar a utilização de motociclos para certas actividades para que eles são indispensáveis, como sucede com os espectáculos com motociclos, ou para que têm evidente adequação, correspondendo a sua utilização a manifesta boa gestão empresarial ( [6] ) e seria especialmente inconcebível incluir no âmbito dessa intenção desincentivadora o próprio pagamento dos «impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização», a que se refere a parte final do n.º 5 do artigo 88.º, que até deverá ser assegurado coercivamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no caso de o contribuinte se sentir desincentivado a efectuar esse pagamento.
Assim, o entendimento de que todas as tributações autónomas visam tributar despesas ou desincentivar ou sancionar comportamentos, que pode resultar de uma primeira análise aligeirada, depara, numa percepção mais incisiva, com uma incontornável falta de correspondência com a realidade, sendo mais coerente, como explicação global, a ideia de que estamos «perante um mecanismo cujo objetivo último é o de contribuir para a “normalização” da tributação em sede de IRC, isto é, para o funcionamento deste imposto na sua forma mais pura e mais próxima das suas raízes de imposto sobre o lucro obtido pelas pessoas coletivas. Nesse sentido, as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC, que é o de tributar lucros permitindo a dedução das despesas em que os sujeitos passivos têm que incorrer com vista à realização dos rendimentos tributáveis». ( [7] )
Como também se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais:
«A Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas».
(...)
«as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.
(...)
Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.
Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos».
Na verdade, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude que o legislador lhes tem vindo a atribuir ( [8] ), para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indirectas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas e encargos que revelam capacidade contributiva, ou mesmo, nos casos das tributações autónomas previstas nos n.ºs 8 e 11 do artigo 88.º, como formas complementares de tributar directamente rendimentos, em situações em que eles serão presumivelmente gerados, sem tributação, na esfera jurídica de terceiros.
Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa colectiva tem como corolário a um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que a imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas ou encargos suportados, constitui uma forma de tributar indirectamente o seu rendimento. ([9])
O novo artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», deixa entrever que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos, são impostos que directa ou indirectamente incidem sobre os lucros reais ou presumidos.
Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas indirectas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efectuar a liquidação de IRC.
De qualquer modo, uma interpretação restritiva só pode resultar, à face da redacção do CIRC anterior à Lei n.º 7-A/2016, da conclusão de que o texto do n.º 2 do artigo 90.º, em alguma medida, não corresponda ao pensamento legislativo, designadamente se se puder concluir que a razão justifica alguma ou algumas das deduções, apenas se compagina com a sua aplicação à colecta de IRC resultante do lucro tributável.
E, naturalmente, em face da proibição constitucional da aplicação retroactiva do afastamento global da dedutibilidade a situações anteriores à Lei n.º 7-A/2016, serão de aplicar as deduções quando elas resultam da legislação especial a que se refere a redacção do n.º 21 do artigo 88.º introduzida pela Lei n.º 114/2017.
Na verdade, pelo menos nestes casos em que as deduções resultam de lei especial, estará afastada necessariamente a possibilidade de as afastar por via de uma interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º, pois é essa lei especial, precisamente por o ser, que impõe a sua aplicação, já que as leis especiais se sobrepõem às leis gerais nos seus específicos domínios de aplicação.
É a esta luz que importa apreciar cada uma das situações em que a Requerente pretende efectuar dedução à colecta de IRC resultante de tributações autónomas.
3.3. Dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE à colecta de IRC derivada de tributações autónomas
O SIFIDE - Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial foi criado pela Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, com vigência prevista para os anos de 2006 a 2010, mas foi reformulado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro para vigorar até 2015 como Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II).
Posteriormente, foi alterado pelos artigos 163.º e 164.º da Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, e transferido para os artigos 33.º a 40.º do Código Fiscal do Investimento, republicado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho.
Os artigos 33.º, 35.º, 36 e 38.º do Código Fiscal do Investimento foram alterados pela Lei n.º 83-C/2013 (artigos 211.º e 212.º), aumentando-se o período de vigência até 2020 (no n.º 1 daquele artigo 36.º).
Depois, o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, aprovou um novo Código Fiscal do Investimento, em que integrou o SIFIDE II, nos seus artigos 35.º a 42.º e é aplicável às despesas realizadas i período de tributação com início em 01-01-2014, nos termos da pare final do n.º 1 do artigo 38.º que estabelece o seguinte:
Artigo 38.º
Âmbito da dedução
1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2020, numa dupla percentagem:
a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;
b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000,00.
(...)
3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.
4 - As despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao oitavo exercício seguinte.
No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questionou que a Requerente preencha os requisitos subjectivos e objectivos para poder beneficiar do SIFIDE, tendo indeferido a reclamação graciosa por entender, em suma, que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efectuada à colecta de IRC resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.
Como se referiu, o artigo 90.º do CIRC reporta-se também à liquidação das tributações autónomas.
E, como também se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma liquidação.
O artigo 38.º, n.º 1, do CFI de 2014 refere que os créditos aí previstos são deduzidos «ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».
O n.º 3 do artigo 38.º confirma que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».
Assim, assente que o IRC inclui as tributações autónomas [como resulta do teor expresso do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do CIRC de 2014], conclui-se, por mera interpretação declarativa, que os créditos do SIFIDE são dedutíveis ao montante das tributações autónomas que se integram na «colecta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC».
Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE ser limitada à colecta do artigo 90.º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja colecta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável do exercício, designadamente por força das tributações autónomas e outras componentes positivas do imposto.
Assim, apontando o teor literal do artigo 38.º, n.º 1, do Código Fiscal do Investimento de 2014 no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas, apurada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.
A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ( [10] ) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.
De qualquer modo, como se referiu, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer».
Ora, mesmo relativamente às tributações autónomas que visam desincentivar despesas, o desincentivo de comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).
E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, por se entender que a capacidade de investigação e desenvolvimento é factor decisivo para a competitividade das empresas e do país, bem como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, o que se refere com clareza na fundamentação da Proposta de Lei n.º 5/X e no Relatório do Orçamento do Estado para 2011:
Proposta de Lei n.º 5/X
A capacidade de investigação e desenvolvimento (I&D) das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVII Governo, assim como em relatórios internacionais recentes, nomeadamente nas conclusões do relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) “Tax Incentives for Research and Development”, 2003, e no relatório da Comissão Europeia sobre “Monitoring Industrial Research”, 2004.
(...)
Importa, pois, repor, como previsto no Programa do Governo, os incentivos fiscais de dinamização da I&D empresarial em cooperação com as Universidades e outras Instituições de investigação, que terá um papel fundamental na implementação do Plano Tecnológico. A meta apontada, de triplicar as actividades de I&D pelas empresas a laborar em Portugal, só é possível com um redobrar do apoio público às empresas que efectivamente queiram apostar na inovação científica e tecnológica como eixo central das suas estratégias de competitividade. O apoio sob a forma de incentivo fiscal terá uma importância crescente, não só por ser uma forma mais expedita para as empresas que queiram intensificar os seus investimentos de forma organizada e continuada, como por permitir alavancar os efeitos dos apoios financeiros. Nas medidas de apoio financeiro à I&D em consórcio entre empresas e instituições de investigação do QCA 3 (POCTI e POSI) foi introduzida uma componente de apoio reembolsável, que representa um passo assinalável no envolvimento das empresas nos resultados dos projectos. A reposição do SIFIDE, ao permitir deduzir parte dos reembolsos que irão efectuar às entidades financiadoras, é um justo prémio a um envolvimento que se quer crescente.
II.2.2.4.4. Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento
Empresarial II (SIFIDE)
Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento).
Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios internacionais recentes.
É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à colecta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atractivos e competitivos.
Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo, se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais.
A importância que, na perspectiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal, é decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicado como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC.
Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal, a partir de 2010, ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.
Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 38.º, n.º 1, Código Fiscal do Investimento de 2014, conjugado com o artigo 90.º, n.º 1, alínea a), do CIRC.
Por outro lado, a eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que apresentassem lucro tributável reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, nos períodos de vigência do SIFIDE II, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.
Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no anos de 2011 a 2014, mais de metade das declarações de IRC não registavam lucro tributável ( [11] ), e menos de 1/3 dos contribuintes pagou imposto com base em IRC liquidado com base no lucro tributável, sendo a maior parte dos pagamentos de IRC efectuados «por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.)». ( [12] ).
Por isso, a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente ao SIFIDE do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Trata-se, por isso, da solução manifestamente mais acertada e que, por o ser, tem de se presumir ter sido legislativamente consagrada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Por outro lado, como se referiu, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).
Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida.
Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no SIFIDE, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC, a ponderação que necessariamente está subjacente ao SIFIDE é a da opção pela criação do incentivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento preferível, na perspectiva legislativa, à arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.
E, no caso do benefício fiscal do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal referidas legislativamente que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um factor decisivo na competitividade futura do país, que é fundamental para o próprio incremento das receitas fiscais.
Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa sempre prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento.
Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adoptadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.
Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do SIFIDE, que estabelece um regime de natureza excepcional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer nos trabalhos preparatórios, a menor preocupação legislativa.
Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o que estabelece o SIFIDE, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída (que implica a sua inconstitucionalidade, por retroactividade prejudicial aos contribuintes, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017).
Com efeito, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de normas especiais de diplomas avulsos, como são os que prevêem o SIFIDE.
E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». ( [13] )
De resto, foi o próprio legislador que, recentemente, através da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, veio reconhecer expressa e inequivocamente, com explícita intenção interpretativa declarada no seu artigo 233.º (constitucionalmente admissível na medida em que não for desfavorável aos contribuintes), que existem normas especiais de que resulta que deveriam ser feitas deduções ao montante apurado com as tributações autónomas, ao dar nova redacção ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC com o seguinte teor:
«21. A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.
Assim, se é certo que esta norma esclarece que é intenção legislativa que não sejam feitas deduções ao montante global apurado com as tributações autónomas, também o é que nela se reconhece que resultava de legislação especial que fossem feitas deduções, sendo esse, precisamente, o caso das normas que prevêem benefícios fiscais por dedução à colecta de IRC.
Mas, se dessas normas especiais resultava que fossem feitas deduções ao montante das global apurado das tributações autónomas, é manifesto que não é compaginável com o princípio constitucional da proibição da retroactividade das normas que criem impostos (artigo 103.º, n.º 3, da CRP) o afastamento desse resultado por uma lei posterior, a todos os que, ao abrigo dessas leis especiais em que confiaram, criaram as condições para obter as deduções anunciadas legislativamente como resultado para os seus investimentos.
A tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que «a dedução de uma certa percentagem de um investimento à colecta de um imposto sobre lucros só se efectiva se houver lucro, o que premeia a rendibilidade do investimento» ( [14] ) não tem qualquer apoio na letra da lei, antes conflitua com o teor expresso do n.º 6 do artigo 90.º do CIRC em que se estabelece que «quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1». Na verdade, mesmo que se entenda que os benefícios fiscais não podem ser deduzidos à colecta de tributações autónomas, os investimentos efectuados que não tenham proporcionado lucros serão dedutíveis desde que haja lucro tributável do grupo: por exemplo, a circunstância de os investimentos terem sido efectuados numa empresa do grupo que teve prejuízos, não afasta a dedutibilidade dos investimentos previstos no SIFIDE ao lucro tributável do grupo, como resulta do teor expresso do referido no n.º 6 do artigo 90.º do CIRC.
Para além disso, as referidas regras do SIFIDE visaram incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos nos períodos entre 01-01-2006 e 31-12-2010 e entre 01-01-2011 e 31-12-2015 e, com o CFI de 2014, 01-01-2014 a 31-12-2020, pelo que, sendo o benefício fiscal de dedução à colecta de IRC a contrapartida anunciada por aqueles diplomas para a adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram.
Na verdade, a interpretação da lei que aqui se faz, que se consubstancia em as deduções resultarem de lei especial que assegura a sua dedutibilidade à colecta de tributações autónomas, era algo com que os contribuintes tinham razões para razoavelmente contar, como evidencia a já abundante e maioritária jurisprudência arbitral que adopta esta interpretação, com o reconhecimento de constitucionalidade que lhe foi dado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017 e com a confirmação de que, em boa interpretação da lei, havia deduções a tributações autónomas que resultavam de legislação especial, que veio a ser imperativamente dada pela Lei n.º 114/2017, na nova redacção que deu ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC.
Por isso, o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, nas redacções da Lei n.º 7-A/2016 e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, bem como os artigos 135.º da primeira e 233.º da segunda, que atribuíram natureza interpretativas às novas redacções, são materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios da confiança e da proibição da retroactividade dos impostos, na medida em que sejam interpretados como afastando o direito à dedução à colecta de IRC derivada de tributações autónomas que resulta de investimentos abrangidos pelo SIFIDE, efectuados antes da entrada em vigor da primeira.
Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 38.º, n.º 1, do CFI de 2014 (bem dos anteriores artigos 4.º do SIFIDE I e do SIFIDE II e 36.º, n.º 1, do CFI de 2013) no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis «ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», sem qualquer distinção quanto à origem do IRC, é de concluir que não há fundamento para uma interpretação restritiva quanto a estes benefícios fiscais, pelo que aquelas despesas de investimento são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta de outras componentes da colecta, designadamente de tributações autónomas.
Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral.
3.4. Anulação das liquidações e da decisão da reclamação graciosa
Do exposto resulta que é ilegal a decisão da reclamação graciosa n.º da Reclamação Graciosa n.º ...2018..., bem como parcialmente anulado o acto de liquidação de IRC n.º 2016..., emitido em 24-06-2016, na parte que aqui é impugnada.
Esta ilegalidade justifica a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa na parte respectiva, bem como as liquidações referidas, nas partes respectivas, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4. Reembolso do imposto pago e juros indemnizatórios
A Requerente pede o reembolso da importância de € 436.162,67 por ter sido indevidamente pago, acrescida de juros indemnizatórios.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD restringe-se à apreciação da legalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT, acrescida, quando há elementos seguros para tal, da apreciação dos pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida, apreciação esta que vem sendo pacificamente admitida pela jurisprudência no meio processual paralelo que é o processo de impugnação judicial.
No entanto, sendo a realização de reembolsos matéria própria da execução de julgados, só deverá haver condenação não quando essa realização for uma consequência necessária da anulação da liquidação e pode não o ser, quando haja possibilidade de a Administração Tributária, sem ofender o julgado, puder praticar um novo acto em substituição do anulado, dentro do prazo para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alíneas a) e d), do RJAT.
Entre as condições de que depende a possibilidade de usufruir do benefício fiscal do SIFIDE inclui-se a de que os sujeitos passivos e IRC «não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado», prevista na alínea b) do artigo 39.º do CFI de 2014.
No caso em apreço, não foi alegado nem provado que estejam reunidas estas condições, cujo preenchimento é necessário para a Requerente poder usufruir do benefício fiscal do SIFIDE no exercício de 2015.
Para além disso, podendo os montantes que não foram deduzidos no exercício de 2015 ser deduzidos em períodos posteriores, a certeza sobre a existência de direito a reembolso só pode ser obtida com conhecimento actualizado da globalidade da situação tributária da Requerente, que não é possível com os elementos que constam do processo.
Por isso, não há elementos seguros que permitam concluir que a Requerente tem presentemente direito ao reembolso.
No que concerne a juros indemnizatórios, dependem da existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (artigo 43.º, n.º1, da LGT).
A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa. No entanto, o erro que afecta a autoliquidação é imputável à Requerente, que a efectuou por sua iniciativa.
Por isso, quanto à autoliquidação não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.
No entanto, o mesmo pode não suceder com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente, se estivessem reunidas as condições para usufruir do benefício fiscal.
Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( [15] )
No entanto, a falta de elementos para decidir se a Requerente tem ou não direito a reembolso, impede também que se decida, neste processo, se tem direito a receber juros indemnizatórios.
Assim, sem prejuízo de o eventual direito a reembolso da quantia paga relativas a tributações autónomas com referência aos exercícios de 2015 e a juros indemnizatórios dever ser apreciado em execução do presente acórdão (em sintonia com o aqui decidido), não podem os respectivos pedidos serem julgados procedentes.
5. Decisão
Nas situações em que a liquidação não é antecedida de inspecção tributária e decorre de autoliquidação efectuada pelo contribuinte na declaração modelo 22 e é proferida posteriormente decisão de reclamação graciosa, a fundamentação da liquidação é a que consta desta decisão.
Neste pressuposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedentes os pedidos de anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2018...e de anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2016..., quanto ao montante de € 436.162,67;
-
Julgar improcedentes os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios, sem prejuízo de os respectivos direitos serem apreciados em execução do presente acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 436.162,67.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.038,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 26-11-2018
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Raquel Franco)
(Jorge Bacelar Gouveia)
[1] A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta faz também referência ao RFAI, mas foi apenas quanto ao SIFIDE que a Requerente pediu a dedução à colecta gerada por tributações autónomas.
[2] O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.
[3] Será materialmente inconstitucional, por violação da proibição constitucional da retroactividade dos impostos, que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017
[4] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 186.
[5] Actualmente apenas em relação a algumas tributações autónomas se poderá encontrar a natureza de normas antiabuso, pois, como ensina CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 543, «é, porém, evidente que o alargamento e agravamento de que tais tributações autónomas têm presentemente uma finalidade clara de obter mais receitas fiscais».
[6] Como, por exemplo, a distribuição de pizzas ao domicílio nas cidades ou de correio nas zonas rurais, situações que já foram apreciadas em decisões arbitrais proferidas nos processos n. 628/2014-T e 553/2016-T.
[7] Como bem se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 210/2013-T.
[8] Como adiante se refere, tem-se constatado reiteradamente que a colecta primacial de IRC resultante directamente do lucro tributável é muito inferior à colecta global de IRC.
[9] Não se pode esquecer, neste contexto da identificação da natureza de um tributo, que, levando a análise ao limite, como ensinava o saudoso Prof. Doutor SALDANHA SANCHES, «o destinatário do imposto é sempre a pessoa singular - a tributação da sociedade comercial é instrumental e a sua tributação é sempre um pagamento por conta do imposto que mais tarde vai ser suportado pelo titular do capital da sociedade».
[10] Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.
Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:
http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf
[12] De resto, há já vários anos que apenas uma minoria de contribuintes pagava IRC com base no lucro tributável do respectivo exercício, como se pode ver nos documentos estatísticos publicados em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/:
– 32,4% no período de tributação de 2014, em que cerca de 67% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;
– 29,5% no período de tributação de 2013, em que cerca de 68% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;
– 28% no período de tributação de 2012, em que cerca de 70% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;
– 26% no período de tributação de 2011, em que cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;
– 29% no período de tributação de 2010, em que cerca de 76% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;
– 31% no período de tributação de 2009, em que de 77% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;
– 34% no período de tributação de 2008, em que 79% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;
– 36% no período de tributação de 2007, em que 80% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores.
[13] OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, página 260.
[14] Citando FREITAS PEREIRA, M. H., Fiscalidade, Almedina, 2014, 5.ª edição, pág.43.
[15] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:
«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».