Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Sofia Ricardo Borges e Dr. Augusto Vieira (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 01-08-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., LDA., sociedade com sede na ..., n.º ... –..., ...-... Lisboa, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva 504.455.257, doravante designada apenas como "Requerente", veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do acto tributário de IRC do ano de 2014, consubstanciado na liquidação n.º 2018..., de 08-01-2018 e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., e na demonstração de acerto de contas n.º 2018..., correspondente à compensação n.º 2018..., de 10-01-2018, no valor de € 70.250,13.
A Requerente pede ainda devolução do montante indevidamente pago acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 22-05-2018.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 12-07-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 01-08-2018.
A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em defendeu a improcedência dos pedidos.
Por despacho de 04-10-2018 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
-
A Requerente é uma sociedade por quotas, enquadrada no CAE 86906 – Outras atividades de saúde humana;
-
Ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2016..., OI2016..., e OI2016... e OI2017... foi efectuada uma inspecção à Requerente, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, em que se refere, além do mais, o seguinte:
1.2. ANÁLISE DOS FACTOS
- Contabilização da aquisição do imóvel em janeiro de 2014
Analisando os elementos enviados na sequência da notificação efetuada, constatou-se que na conta "11.1 - caixa", no exercício de 2014 foi efetuado, com data de 2014-01-31, um lançamento a crédito no montante de € 209.870,32.
Este lançamento que tem como descrição "operações diversas valor patrimonial de 284.690,00 deduzido do valor do terreno de 74.819,68" teve como contrapartida a débito a conta "43.2.2 - Activos fixos tangíveis- Edifícios O. Construções 17%".
Para análise do lançamento efetuado foi solicitado o respetivo documento de suporte.
Em resposta a esta solicitação foi apresentado como documento de suporte a Caderneta Predial Urbana do artigo n.º ... da freguesia de ..., Concelho de ..., Distrito de Santarém que tem o valor patrimonial tributário (VPT) de € 284.690,00.
No inventário de ativos ficaram registados um "Terreno em ..." (código do bem -...) com o valor de € 74.819,68 e uma "... artigo ..." (código do bem -...) com o valor de € 209.870,32 (anexo 2).
O somatório destes dois itens do inventário totaliza o valor patrimonial tributário do já referido artigo n.º... .
Face a estes factos foi solicitado o documento de aquisição daquele imóvel.
O documento apresentado refere-se a uma escritura de compra e venda outorgada em 2001-09-21 em que o sujeito passivo adquiriu o terreno acima referido pelo montante de €157.121,34 (31.500.000$00 à data da escritura) (anexo 9).
Analisando temos então que:
- Conforme a escritura apresentada, o sujeito passivo adquiriu um terreno em 2001 pelo valor de €157.121,34;
- A aquisição deste imóvel foi inicialmente registada pelo montante de € 74.819,68;
- Em janeiro de 2014 o sujeito passivo contabilizou uma saída de caixa no montante de € 209.870,32 referente à diferença entre o valor que estava contabilizado (€ 74.819,68) e o VPT (€ 284.690,00);
- Para justificar esta contabilização o sujeito passivo apenas apresentou a Caderneta Predial Urbana;
- No entanto, o VPT não justifica qualquer saída de meios financeiros da sociedade, nem pode servir de suporte à contabilização efetuada.
- A contabilização da saída de meios financeiros relativos à aquisição do imóvel deve ser efetuada com base no valor efetivamente pago pelo sujeito passivo na aquisição do imóvel (€ 157.121,34) e não no VPT (€ 284.690,00);
- Em virtude de anteriormente já ter sido contabilizado o pagamento de € 74.819,68, tendo em conta a escritura apresentada (anexo 9), faltava contabilizar o montante de €82.301,66 (€ 157.121,34 -74.819,68);
- Em janeiro de 2014 foi contabilizada uma saída de meios financeiros da sociedade no montante de €127.568,66 (€209.870,32 - €82.301,66) que não tem qualquer suporte documental.
(...)
1.3. CONCLUSÃO
O sujeito passivo iniciou a sua atividade em 1999 verificando-se que:
- Esta sociedade labora com um prestador de serviços (Dr. B...);
- Em janeiro de 2014 foi contabilizada uma saída de meios financeiros da sociedade no montante de € 127.568,66 (€ 209.870,32 - € 82.301,66) que não tem qualquer suporte documental;
(...)
III.4. CORREÇÕES A EFETUAR
III.4.1 - Exercício de 2014
Como foi anteriormente explicado, a contabilização, em janeiro de 2014, da saída de meios financeiros da sociedade no montante de € 127.568,66 não tem qualquer suporte documental.
A situação em apreço apenas tem enquadramento na figura de despesa não documentada que no caso em análise se traduz na saída efetiva de valores existentes em caixa ou depósitos bancários, nomeadamente notas de banco ou moedas metálicas de curso legal, cheques ou vales postais, nacionais ou estrangeiros. Estes movimentos de saída de fundos traduzem-se necessariamente em pagamentos, e/ou a aquisição de bens e/ou serviços, e/ou ainda, uma liberalidade ou conjunto de liberalidades.
De facto, a situação em apreço configura uma despesa: "1. Acto de gastar dinheiro, de despender. 2. Quantia que se gasta, montante a pagar a outro" (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa).
A tributação autónoma das despesas não documentadas, traduz-se numa medida anti-abuso, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011, de 12 de Janeiro de 2011, Processo n.º 204/2010, que passamos a citar: "A lógica fiscal do regime [não consideração como custo - o que agora não se coloca - e tributação autónoma] assenta na existência de um presumível prejuízo para a Fazenda Pública, por não ser possível comprovar, por falta de documentação, se houve lugar ao pagamento do IVA ou de outros tributos que fossem devidos em relação às transacções efectuadas, ou se foram declarados para efeitos de incidência do imposto sobre o rendimento os proventos que terceiros tenham vindo a auferir através das relações comerciais mantidas com o sujeito passivo do imposto. Para além disso, a tributação autónoma, não incidindo directamente sobre um lucro, terá ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afectar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de ilicitude penal ou de menor transparência fiscal"
De acordo com o n.º 1 do artigo 88º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), "As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A", sendo que o número 14 do mesmo artigo, refere ainda, "As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC."
No caso em análise, apenas se aplicará a taxa de tributação autónoma de 50%, uma vez que o sujeito passivo apresentou lucro fiscal no exercício de 2014, não havendo também qualquer montante a acrescer em termos de matéria tributável, uma vez que não foi contabilizado qualquer gasto como contrapartida do referido exfluxo monetário.
Assim, propõe-se que sobre a sociedade recaia uma taxa de tributação autónoma de 50% (n.º 1 do artigo 88º do CIRC), relativamente à saída de caixa sem qualquer suporte documental, pelos motivos já anteriormente expostos:
> Saída de caixa - € 127.568,66 (despesas não documentadas)
> Taxa de tributação autónoma - 50% (n.º 1 do artigo 88º do CIRC)
> Imposto a entregar - € 63.784,33
(...)
VII. INFRAÇÕES VERIFICADAS
A falta de cálculo da tributação autónoma sobre as despesas não documentadas constitui uma infração ao n.º 1 do artigo 88º do CIRC, punível pelo n.º 1 do artigo 119º e n.º 4 do artigo 26º, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
(...)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO
(...)
Na petição apresentada o sujeito passivo alega essencialmente o seguinte:
(...)
- "Quanto ao conceito de despesas não documentadas entende a jurisprudência que "(...) são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico (...) Mais se dirá que devem considerar-se despesas confidenciais ou não documentadas as que não especificam a sua natureza, origem ou finalidade, sendo, por essência, indocumentadas (...)"',
- "... no que concerne à matéria da tributação autónoma de despesas não documentadas, estando em causa o direito de a administração tributária tributar agravadamente esse tipo de despesas, em cumprimento das aludidas regras relativas à distribuição do ónus probatório, deverá aquela demonstrar efetivamente, os pressupostos dos quais a lei faz dependera admissibilidade da tributação em causa."
- "... no caso concreto e atento o supra exposto verifica-se que a totalidade das despesas que os serviços de inspeção tributária pretendem tributar autonomamente possuem correspondência documental, quais sejam os recibos de mútuo celebrados ao longo dos anos de 2012 a 2014 e apresentados no decurso do procedimento inspetivo.";
- "Em consequência, não se compreende como podem os serviços de inspeção tributária pretender qualificar o referido valor de €557.959,54 como despesas não documentadas."',
- "Em face do exposto, deve o projeto de relatório de inspeção tributária ser revisto conforme o peticionado, anulando-se as correções ao imposto alegadamente devido pela Requerente, correspondente a tributação autónoma, nos montantes de €63.784,33, com respeito ao exercício de 2014 e de €278.979,77, com referência ao exercício de 2015.".
Da análise às alegações apresentadas concluiu-se que o sujeito passivo contesta as correções propostas baseando-se em dois pontos:
(...)
No que diz respeito à correção proposta para o ano de 2014 no montante de € 63.784,33 relativo a tributação autónoma, apesar do sujeito passivo na conclusão da sua petição solicitar a anulação da correção proposta, ao longo de toda a sua petição o sujeito passivo nada refere, nem apresenta qualquer argumento que justifique a anulação solicitada.
X. CONCLUSÕES
No exercício do direito de audição o sujeito passivo fez várias alegações que, como ficou demonstrado, são contrariadas pelos factos apurados pelo que, se tornam definitivas as correções fiscais relativas aos exercícios de 2014 e 2015, propostas e referidas no capítulo III, nos montantes seguintes:
-2014
IRC - Tributação autónoma sobre despesas não documentadas: € 63.784,33
(...)
-
Na sequência da acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2018..., de 08-01-2018, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., e a demonstração de acerto de contas n.º 2018..., correspondente à compensação n.º 2018..., de 10-01-2018, no valor de € 70.250,13, reportadas ao exercício de 2014 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em 15-02-2018, a Requerente procedeu ao pagamento do montante de € 70.250.13, respeitante à liquidação referida (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
A Requerente adquiriu em 21-09-2001 um prédio rústico pelo preço de 31.500.000,00 escudos, correspondentes a € 157.121,34 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
A aquisição deste imóvel foi inicialmente registada pelo montante de € 74.819,68 (acordo das Partes, artigo 61.º do pedido de pronúncia arbitral e 6.º da resposta);
-
Em 2012 o referido imóvel foi inscrito na matriz predial, como prédio urbano, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário (VPT) de € 284.690,00 (caderneta predial urbana que consta do documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em Janeiro de 2014, a Requerente contabilizou uma saída de caixa no montante de € 209.870,32 referente à diferença entre o valor que estava contabilizado (€ 74.819,68) e o VPT (€ 284.690,00), sendo a referida caderneta predial o único documento apresentado para justificar esta operação;
-
Este lançamento, que tem como descrição "operações diversas valor patrimonial de 284.690,00 deduzido do valor do terreno de 74.819,68", teve como contrapartida a débito a conta "43.2.2 - Activos fixos tangíveis- Edifícios O. Construções 17%";
-
No exercício de 2015, um lançamento transferiu a quantia de €82.301,66 da conta 43.2.2 para a conta 43.1.1 – Activos fixos tangíveis – Terrenos e recursos naturais, pelo que o valor do edifício passou a ser de €127.568,66 e o valor do terreno de implantação, de €157.121,34, sendo o valor total do imóvel, de €284.690,00, correspondente ao VPT;
-
Em 21-05-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2 Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo
3. Matéria de direito
3.1. Liquidação de tributação autónoma
No presente processo é impugnada apenas a tributação autónoma do exercício de 2014, relativa a «despesas não documentadas», com fundamento no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.
O artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, estabelece que «as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A».
A Requerente defende que são “despesas não documentadas” despesas que não têm qualquer suporte documental justificativo das mesmas e que por consequência não identificam o seu destinatário, distinguindo-as dos «encargos não devidamente documentados» a que se referia o artigo 45.º, n.º 1, alínea g) do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.
A Requerente cita, em abono da sua posição o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19-04-2017, proferido no processo n.º 01320/16, em que se entendeu que
– «o legislador estabeleceu diferença entre encargos não devidamente documentados e despesas não documentadas, reservando esta qualificação para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental»;
– não estão sujeitas a tributação autónoma as despesas quando é «possível identificar as pessoas (...) que receberam tais quantias» «porque estão documentadas embora de forma insuficiente».
Defende ainda a Requerente que o reconhecimento de uma despesa como não documentada não poderá prescindir da demonstração da efectiva ocorrência da mesma (como se entendeu no acórdão arbitral de 28-05-2014, proferido no processo n.º 20/2014-T).
Afigura-se que o que defende a Requerente, na linha da jurisprudência citada e que aqui se adopta, é correcto e não é sequer contrariado pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta, pelo que se tem como processualmente assente.
Por isso, é a esta luz que há que apreciar se se encontram preenchidos os requisitos da aplicação da tributação autónoma prevista no n.º 1 do artigo 88.º CIRC.
No caso em apreço, como entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, ocorreu em 31-01-2014 uma saída de meios financeiros da conta caixa (lançamento a crédito no valor de € 209.870,32) tendo como contrapartida um lançamento a débito na conta “43.2.2 - Activos fixos tangíveis- Edifícios O. Construções 17%", o que se traduz na utilização daquele valor para aquisição de um edifício (a que se reporta a caderneta predial apresentada pela Requerente), que foi construído no terreno que a Requerente adquiriu em 2001.
Posteriormente, no exercício de 2015, um outro lançamento transferiu a quantia de €82.301,66 da conta 43.2.2 para a conta 43.1.1 – Activos fixos tangíveis – Terrenos e recursos naturais, pelo que o valor do edifício passou a ser de €127.568,66 e o valor do terreno de implantação, de €157.121,34, sendo o valor total do imóvel, de €284.690,00, correspondente ao VPT. Mas, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária estes lançamentos, de Janeiro de 2015, não têm implicações em termos de activos financeiros da sociedade.
Por isso, são aqueles lançamentos de 31-01-2014 os que relevam para a apreciação da questão de saber se ocorreu uma despesa não documentada.
Aqueles lançamentos de 31-01-2014 revelam uma despesa real para construção do edifício cuja caderneta predial foi apresentada pela Requerente à Autoridade Tributária e Aduaneira. Foi, aliás, essa a única explicação aventada pelo sócio-gerente da Requerente à Autoridade Tributária e Aduaneira ao referir que «provavelmente será das despesas da construção da casa» (página 12 do Relatório da Inspecção Tributária).
Assim, à face da prova produzida, apura-se que, como é normal, houve despesas com a «construção da casa» no terreno que a Requerente adquiriu em 2001, pelo que, não havendo na contabilidade da Requerente outra saída de meios financeiros para tal fim, é de concluir que é a essas despesas que se reportam os lançamentos contabilísticos realizados em 31-01-2014, que, aliás, se referem a «Edifícios O. Construções».
No que concerne ao edifício, a Requerente apenas apresentou documento comprovativo do pagamento do valor do terreno em que ele foi construído, que foi o equivalente em escudos a € 157.121,34.
A caderneta predial, que foi o único documento apresentado, revela as características do imóvel na avaliação para efeitos fiscais, mas não permite concluir quem auferiu o valor despendido na sua aquisição.
Assim, tendo a Requerente contabilizado uma saída de meios financeiros no valor total de € 284.690,00 relativa ao edifício (incluindo o terreno) conclui-se que não há documentos comprovativos de despesas no valor de € 127.568,66 (284.690,00 - € 157.121,34) que foram contabilizadas em 31-01-2014. ( [1] )
Por outro lado, comprovando-se que ocorreu uma despesa com a construção do edifício que está contabilizada pelo valor de € 127.568,66 (que veio a ser explicitamente indicado com os lançamentos de 2015, que se referiram), justifica-se que seja considerado este o valor da despesa, pois é o que está indicado contabilisticamente e não foi indicado nem provado que o valor despendido seja inferior.
Provado que ocorreu uma despesa com a construção do edifício, justifica-se que, na falta de documentos comprovativos do seu valor, seja considerado para efeitos fiscais o valor que resulta da contabilidade, se não se prova, nem há razão para dele duvidar, que seja superior ao real.
No caso em apreço, sendo o valor total do edifício que está contabilizado o correspondente ao valor patrimonial tributário, o valor que a lei lhe atribui para efeitos fiscais, não há qualquer razão para concluir que aquele valor seja superior ao efectivamente despendido.
De qualquer forma, a Requerente não alegou nem provou que o valor referido seja superior às despesas com a construção do imóvel que o seu sócio-gerente confirmou terem sido suportadas.
Está-se, assim, perante uma despesa não documentada, para efeitos do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, pois foi realizada uma despesa com a construção do edifício e não foi apurada a identificação do beneficiário ou beneficiários de tal despesa, nem é possível apurá-la pela informação fornecida pela Requerente.
Pelo exposto, a liquidação impugnada no que concerne à tributação autónoma por despesas não documentadas não enferma dos vícios que a Requerente lhe imputa.
3.2. Liquidação de juros compensatórios
Na liquidação impugnada foi incluído o montante de € 6.465,80 de juros compensatórios, com invocação dos artigos 102.º do CIRC e 35.º da LGT e com fundamento em «retardamento da liquidação». Os juros compensatórios foram calculados relativamente ao período de 01-06-2015 a 11-12-2017, com base na taxa de 4% (Demonstração de liquidação de juros, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
A Requerente defende que não lhe pode ser imputada responsabilidade pelos juros compensatórios, por não ter sido retardada a liquidação por facto que lhe seja imputável e por não ter culpa.
No entanto, havendo lugar a tributação autónoma, o seu montante deveria ter sido autoliquidado com a declaração modelo 22, que deveria ser apresentada até ao último dia do mês de maio de 2015 (artigo 120.º, n.º 2, do CIRC).
Assim, tendo a liquidação da tributação autónoma sido efectuada apenas em 08-01-2018, houve retardamento da liquidação, que é imputável à Requerente, por não ter efectuado a autoliquidação até 31-05-2015.
Por outro lado, como se referiu no Relatório da Inspecção Tributária «a falta de cálculo da tributação autónoma sobre as despesas não documentadas constitui uma infração ao n.º 1 do artigo 88º do CIRC, punível pelo n.º 1 do artigo 119º e n.º 4 do artigo 26º, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT)».
Como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo, «quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo». ( [2] )
Assim, deve considerar-se culposa a falta de liquidação atempada da tributação autónoma.
Pelo exposto, a liquidação de juros compensatórios não enferma dos vícios que a Requerente lhe imputa.
4. Devolução do imposto pago e juros indemnizatórios
Como decorre do exposto, a liquidação impugnada não enferma dos vícios que a Requerente lhe imputa, pelo que não se justifica a sua anulação.
Consequentemente, não há fundamento para a devolução do imposto pago.
Por outro lado, não havendo pagamento indevido de imposto, não há direito a juros indemnizatórios, como decorre do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
5. Decisão
Nos termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar improcedentes os pedidos de anulação da liquidação, de devolução do imposto pago e de juros indemnizatórios;
-
Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira destes pedidos.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 70.250,13.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 26-11-2018
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Sofia Ricardo Borges)
(Augusto Vieira)
[1] A Requerente contabilizou em 31-01-2014 uma saída de meios financeiros da conta Caixa no valor de € 209.870,32, mas quanto ao valor de € 82.301,66 (ali incluído) foi apresentado como documento comprovativo da despesa a escritura de aquisição do terreno, pois do valor de € 157.121,34 apenas estava contabilizado o valor de € 74.819,68.
[2] Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 23-09-1998, processo n.º 022612, publicado em Apêndice ao Diário da República de 28-12-2001, página 2505; de 19-11-2008, processo n.º 0325/08; e de 23-04-2013, processo n.º 01195/12.