Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 207/2018-T
Data da decisão: 2018-11-19  IVA  
Valor do pedido: € 3.184.264,91
Tema: IVA – Facturas falsas; Prova; Inexistência de facto tributário.
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Decisão Arbitral ( [1](consultar versão completa no PDF)

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Leonardo Marques dos Santos e Dra. Sílvia Oliveira (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 04-07-2018, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., nº ... - ..., ... – ...  ... (doravante designada como “A...” ou “Requerente”), veio, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:

  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 20 418,45, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Junho 2012,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 46 233,96, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Julho 2012,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 35 742,00, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Agosto 2012,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 113 061,10, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Setembro 2012,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 61 869,08, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Outubro 2012,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 46 413,31, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Novembro 2012,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 86 999,12, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Dezembro 2012,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 80 617,14, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Janeiro 2013,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 142 132,54, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Fevereiro 2013,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 85 047,12, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Março 2013,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 80 731,65, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Abril 2013,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 140 915,33, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Maio 2013,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 101 955,26, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Junho 2013,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 484 880,67, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Julho 2013,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 936 704,50, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Agosto 2013,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 393 570,68, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Setembro 2013,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 235 325,95, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Outubro 2013,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 12 336,32, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Novembro 2013,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de € 32 097,38, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Dezembro 2013,
  • liquidação adicional do IVA n.º ... do montante total de €37 995,48, acrescido da liquidação dos juros compensatórios, efectuada pela AT com referência ao período de Maio 2014.

 

A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 24-04-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-06-2018, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 04-07-2018.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a questão da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de condenação da Requerida ao pagamento dos reembolsos de IVA e defendendo a improcedência do pedido.

Por despacho de 02-10-2018 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações, não se tendo a Requerente pronunciado sobre a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente a questão de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira [artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT].

 

 

2. Questão da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de condenação da Requerida ao pagamento dos reembolsos de IVA solicitados em procedimento próprio

            A Requerente pede a declaração de ilegalidade de actos de liquidação adicional de IVA e, além do mais, «a concretização do reembolso no IVA conforme requerido em tempo e validamente pela A».

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a excepção da incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de condenação a efectuar pagamento de pedidos de reembolso de IVA, que foram efectuados em procedimento próprio.

            O conhecimento da questão da incompetência é prioritário, por força do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão, pois a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD restringe-se a actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT, designadamente a actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e actos de fixação da matéria tributável, fixação da matéria colectável e fixação de valores patrimoniais.

            Assim, sem prejuízo da competência para proferir condenações a pagamento de quantias que possam resultar da procedência de pedido de anulação de actos daqueles tipos (ínsita na competência para proferir condenações a pagamento de juros indemnizatórios, que são calculados com base em quantia a reembolsar), tem de se concluir que este Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar proferir condenações a pagamento de reembolsos de IVA relativos a pedidos que foram apresentados a Autoridade Tributária e Aduaneira em procedimento próprio para esse efeito (sem prejuízo da competência para apreciar a legalidade de liquidações conexionadas com pedidos de reembolso, se forem emitidas).

            Termos em que se declara este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar reembolsos que lhe foram solicitados em procedimento próprio.

           

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

  1. A Requerente exerce desde Outubro de 2009 a atividade de “Reciclagem de metais preciosos, comércio de metais preciosos, comércio de pedras preciosas e comércio de bens em segunda mão» (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. A Requerente possui contabilidade organizada, nos termos da lei comercial e fiscal, adoptando o normativo do SNC;
  3. A Requerente apresentou as declarações periódicas de IVA relativas aos exercícios de 2012 e 2013 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)
  4.  A Requerente apresentou as declarações periódicas de rendimentos (mod. 22), com referência aos exercícios de 2012 e 2013 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. A Requerente apresentou as declarações anuais de informação empresarial simplificada (IES), para os exercícios de 2012 e 2013 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. A Requerente apresentou a 30-12-2017 requerimento de processo especial de revitalização, que foi admitido e sujeito a publicação a 05-02-2018 (documento n.º 6, referente ao processo n.º .../17...T8VNG, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  7. Nesse processo n.º .../17...T8VNG, a Administração Tributária reclamou créditos no valor de € 9.134.943,44, em que se incluem os valores dos actos de liquidação que são objecto do presente processo arbitral, com excepção do relativo a Maio de 2014 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  8. Foram realizadas acções inspetivas à Requerente, ao abrigo das ordens de serviço externas n.º OI2012..., n.º OI2013..., n.º OI2013..., n.º OI2013..., n.º OI2017..., n.º OI2017... e OI2017... (fls. 10 do Relatório da Inspecção Tributária, doravante “RIT”, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
  9.  No RIT refere-se, além do mais, o seguinte:

B. MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL

B.1- Motivo

O sujeito passivo em análise foi investigado no âmbito do processo de inquérito n.º .../12...TELSB que correu termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal - Lisboa, de que foi dado despacho de acusação, onde foi comprovado que, nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 obteve vantagem patrimonial indevida, pela via da diminuição da matéria coletável de IRC e pela dedução indevida de IVA, em virtude de, entre outros gastos, ter contabilizado e considerado gasto para efeitos fiscais, faturas de compras que não correspondem a quaisquer transações.

Para além do motivo descrito, a inspeção aos exercícios de 2011 e 2012, tem também subjacente a comunicação da DSIFAE, após terem detetado, que a A... teve um aumento brutal das transmissões intracomunitárias e das exportações em 2011 e 2012. Verificaram também incongruência entre os valores inscritos na declaração anual e os constantes dos anexos O e P de terceiros, existindo divergência com vários fornecedores que não declararam as vendas que efetuaram à A... .

Foi ainda integrado no processo da A..., um evento criado pela Direção de Finanças de ..., após terem constatado, no âmbito do despacho DI2013... de 2013-06-14, que B..., Unipessoal Lda., emitiu faturas de venda de ouro para a A..., em maio e junho de 2013, transmissões em que a obrigação de liquidação de IVA é da responsabilidade do adquirente, mas que não se encontram evidenciadas nos anexos de fornecedores apresentados pela A... .

Pelos motivos descritos foram emitidas as ordens de serviço para os anos em que foram detetadas irregularidades, a fim de serem efetuadas as correções que se mostram devidas. As ordens de serviço n.ºs OI2013..., OI2013... e OI2013..., têm também subjacente a análise dos pedidos de reembolso de IVA dos períodos 2013 04, 2013 05, 2013 06, 2013 07, 2013 08 e 2013 09.

(...)

CAPÍTULO III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

 

A - ANALISE DA CONTABILIDADE DA A..., SA

 

A.1 - ATIVIDADE EXERCIDA

O sujeito passivo opera no mercado de compra e venda de metais preciosos, sendo as aquisições efetuadas essencialmente no mercado interno a empresas e/ou empresários em nome individual.

Entre os seus fornecedores encontram-se: C..., D..., E..., Lda., F..., G..., H..., I..., J..., K... Lda., L... Lda., M... Lda., N..., O... Lda., P... Lda., Q... Lda., R... Lda., W... e T..., que conforme se referiu no ponto D.5 2, foram investigados nos processos de Inquérito .../12...TELSB, ou ...12... TELSB.

As vendas são efetuadas para o mercado interno e mercado intracomunitário.

O principal cliente no mercado interno é a empresa U..., NIPC:..., que lhe adquiriu essencialmente ouro fino.

As transmissões intracomunitárias, inexistentes em 2010, assumem um peso relevante nos anos seguintes, representando 26%, 73% e 82% do total das vendas declaradas, nos anos de 2011, 2012 e 2013, respetivamente.

 

A.2 - COMPRAS SUPORTADAS POR FATURAS FALSAS

A A..., declarou ter efetuado compras às empresas, V... Sociedade Unipessoal, Lda., K... Unipessoal, Lda., L..., Lda., M..., Lda., J..., W..., Lda., R..., Lda., e D..., todas estas entidades fortemente indiciadas na emissão de faturação falsa, conforme consta do despacho de acusação do processo de inquérito n.º.../12...TELS8, e cuja caraterização passamos a apresentar.

 

A.2.1 -V..., Lda.

V... Lda. é uma sociedade unipessoal por quotas, que iniciou atividade em 1960-12-28 e cessou-a, para efeitos de IVA, em 2009-10-15. Esteve registada pelo exercício da atividade de "outro comércio por grosso de bens de consumo, não especificados", CAE 46494. Em sede de IVA estava enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral e em sede de IRC no regime simplificado de tributação até 2009-12-31, encontrando-se, a partir dessa data, no regime geral de tributação.

Tem morada fiscal na rua ..., n.º..., ..., em Lisboa, desde a sua cessação de atividade até à cessação de atividade, a morada fiscal correspondeu à sede social na ..., n.º..., ..., em Lisboa.

Apresentou todas as declarações fiscais a que estava legalmente obrigada. Contudo, apenas declarou, no ano de 2008, um volume de negócios de €5.829,15, e nos anos de 2009 e 2010, um volume de negócios de €0,00.

Não obstante, nos anos de 2008 a 2010, existem entidades que declararam ter efetuado valores significativos de aquisições à sociedade V... Lda., entre as quais a A... que em 2010 declarou ter-lhe efetuado aquisições no valor de €21,372,00, apesar da V..., Lda. já não exercer efetivamente qualquer atividade desde o ano de 2008.

No que concerne à fatura que se encontra na contabilidade da A..., relacionada no ponto A.2.11 deste capítulo, verifica-se que foi emitida quando V... Lda. já tinha cessado a sua atividade e da observação da mesma conclui-se que pertence a um bloco de faturas requisitado na Tipografia "X... Lda.", encomendado por Y... e entregue na ourivesaria deste localizada na rua da ..., em Lisboa. Retira-se também que, tal como outras faturas emitidas em nome da V... Lda., foi preenchida com caligrafia semelhante à de Z..., ex-mulher de Y... .

O pagamento desta fatura foi lançado contabilisticamente pela A... por contrapartida de "Caixa", tendo como documento de suporte um recibo. Da investigação efetuada no âmbito do processo de inquérito, não foi encontrado qualquer comprovativo do pagamento desta fatura, nem na contabilidade nem nas contas bancárias tituladas pela A..., nem nas contas bancárias tituladas ou co-tituladas por V... Lda. ou pelo seu sócio-gerente AA... . Esta fatura foi, alegadamente, paga em numerário.

O sócio-gerente da V... Lda., AA..., esclareceu, em auto de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 2, não conhecer D... nem a sociedade A..., e nunca ter efetuado qualquer negócio com estes.

O responsável da tipografia, BB..., esclareceu por sua vez, em auto de interrogatório de que se Junta fotocópia em anexo 3 que estas foram encomendadas por Y... e entregues na ourivesaria deste, localizada na rua da ..., em Lisboa.

Ficou assim comprovado que a fatura emitida em nome de V... Lda. para a A... não consubstancia uma transação real e efetiva entre aquelas duas entidades, tratando-se, por conseguinte, de faturação falsa.

 

A.2.2 – K... Unipessoal, Lda.

A K... Lda., com morada fiscal na avenida ..., n.º..., ..., em Lisboa, iniciou atividade em 2009-09-24, com a CAE principal - 46480 "comércio por grosso de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia" e a CAE secundário - 47770 "comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia em estabelecimento especializado".

Ficou enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral e, em sede de IRC, no regime geral de tributação.

A partir de 2011-01-01, passou a estar enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal.

O seu único sócio é J..., a quem foram atribuídas as funções de gerência.

A K... Lda. apenas entregou a declaração de rendimentos de IRC do ano de 2009. A partir desse ano não entregou qualquer declaração de rendimentos de IRC.

Em sede de IVA apenas apresentou duas declarações referentes ao ano de 2009 e três relativamente ao ano de 2010. A partir do 3.º trimestre de 2010 (1009T), não entregou qualquer declaração periódica de IVA.

Não obstante, entre 2009 e 2012, existem diversas entidades, que declaram valores significativos de aquisições à K... Lda., valores que em nada se coadunam com a situação declarativa da K... Lda, entre as entidades que declararam ter efetuado aquisições à K..., Lda, encontra-se a A..., que nos anos de 2010 e 2011 registou na sua contabilidade faturas emitidas em nome da K... Lda.: cuja relação se apresenta no ponto A.2.11 deste capítulo, nos montantes de €22.608,60 e de €2.186.080,00, respetivamente.

No que concerne a funcionários, a K... Lda. não consta como entidade pagadora de rendimentos.

Os documentos de faturação da K... Lda. são pré-impressos; foram requisitados na tipografia "X... Lda, e todos foram preenchidos com caligrafia semelhante à de Y... .

Nos recibos que suportam o registo contabilístico dos pagamentos destas faturas consta a indicação que o pagamento foi em dinheiro. No entanto, em relação às duas faturas emitidas em 2010, ambas de valor pouco significativo quando comparadas com as emitidas em 2011, foram associados dois cheques de conta titulada pela A..., nos montantes de €9.232,00 e €13.375,00, que foram levantados à boca do caixa por Y... . Atente-se ao facto da fotocópia do segundo cheque constante da contabilidade da A... ter indicado à ordem de M... Lda. indicação que foi rasurada tendo sido aposto K... .

Também da análise às contas bancárias tituladas ou co tituladas por K... Lda. ou do seu sócio-gerente J..., não se detetou, no período em que foi emitida esta faturação, qualquer entrada com origem na A... .

Resulta do exposto, que a faturação emitida em nome da K... Lda. para a A... não consubstancia transações reais e efetivas entre aquelas duas entidades, tratando-se, por conseguinte, de faturação falsa.

 

A.2.3 -L..., Lda.

A L... Lda. com morada fiscal na Rua ..., n.º..., ..., em Lisboa, iniciou atividade de "comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria em estabelecimento especializado", CAE 47770, em 2011-11-15.

Encontra-se enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral, e em sede de IRC no regime geral de tributação.

Foi constituída com um capital social de €5.000,00 dividido em duas quotas, uma de €50,00 pertencente à K... Lda.: e outra de €4.950,00 pertencente a J..., sendo este designado como gerente.

Nos anos de 2011 e de 2012, a L... Lda. cumpriu com as suas obrigações declarativas, tendo entregue as competentes declarações de rendimentos de IRC e declarações periódicas de IVA.

Da leitura àquelas declarações retiram-se as seguintes rubricas:

Indicou na declaração IES de 2012 ter com fornecedores e clientes os seguintes:

 

 

Não obstante estes valores declarados, nos anos de 2011 e 2012, existem entidades que declararam ter efetuado aquisições à L... Lda., de valores muito superiores aos declarados pela L..., Lda.. Entre as entidades que declararam ter efetuado aquisições à L..., Lda, encontra-se a A..., que nos anos de 2011 e 2012 registou na sua contabilidade faturas emitidas em nome da L... Lda., cuja relação se apresenta no ponto A.2.11 deste capítulo, nos montantes de €662.480,00 e de €469.700,00, respetivamente. Nenhuma das faturas contabilizadas pela A..., foi declarada pela L..., Lda., à Administração Fiscal. Os documentos de faturação da L... Lda. são pré-impressos e também foram requisitados na tipografia "X... Lda. e todos foram preenchidos com caligrafia semelhante à de Y... .

Os pagamentos foram efetuados em numerário ou por cheque de conta titulada pela A... . As duas faturas com o valor total mais baixo (n.º 57 e n.º 58), foram pagas através de dois cheques nos montantes de €9,884,00 e €24.910,00, um levantado à "boca do caixa" por Y... e o outro depositado em conta titulada pelo mesmo Y... . Estes cheques foram-lhe endossados por CC... .

A fatura n.º 61 tem aposta a indicação de ter sido paga pelos cheques n.º..., n.º ... e n.º..., no valor de €30.000,00 cada. No entanto, nesse período não foi descontado em nenhuma das contas bancárias da A... qualquer cheque com essas referências e montantes.

Do exposto, conclui-se que a faturação emitida em nome da L... Lda. para a A... não consubstancia transações reais e efetivas entre aquelas duas entidades, tratando-se, por conseguinte, de faturação falsa.

 

A.2.4 – M... Ourivesaria Unipessoal, Lda.

Trata-se de uma sociedade por quotas, que tem como único sócio e gerente, Y..., NIF... .

Na visão do contribuinte consta como morada fiscal da empresa à data de início da atividade, a rua ..., n.º..., ..., ..., tendo sido alterada em 2014-01-22, para a rua da ..., nº..., Lisboa.

Segundo o sistema informático da AT, iniciou em 1997-11-03, a atividade de Comércio a Retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia em estabelecimento especializado, CAE 47770.

Para efeitos de IVA foi enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral.

Procedeu à entrega das declarações periódicas do IVA e do IRC, não apresentando omissões declarativas.

No ano de 2011, a A... registou nas suas compras duas faturas, relacionadas no ponto A.2.11 deste capítulo, emitidas pela sociedade M... Lda., referentes a ouro fino, no montante total de €332.542,50.

Nenhuma destas faturas foi reconhecida contabilisticamente pela M... Lda.

Na contabilidade da A..., os pagamentos destas compras foram lançados por contrapartida de "caixa' não estando associado qualquer comprovativo desse pagamento. Nem nas contas bancárias destes, nem nas contas bancárias da M... Lda. nem nas contas bancárias tituladas por Y... se detetou qualquer movimento financeiro que se associasse a esta faturação.

Na contabilidade da M... Lda., neste exercício, não se detetou qualquer registo contabilístico de compra de ouro fino, nem de cascalho de ouro nem qualquer compra de ouro usado a particulares.

AA..., colaborador de Y..., disse em sede de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 2, que não se lembra de Y... alguma vez ter vendido ouro fino nem de ter fundido ouro, sendo as vendas mensais de Y... de cerca 1 Kg de artefactos de ouro.

Do exposto conclui-se que a faturação de ouro fino emitida em nome de M... Lda. para A... no ano de 2011 não consubstancia transações reais e efetivas entre aquelas entidades, tratando-se, por conseguinte, de faturação falsa.

 

A.2.5 – J...

J... tem residência fiscal na rua ..., n.º..., ...-..., em Lisboa. Desde 2011-07-07 e até 2013-09-24, esteve inscrito para o exercício, em nome individual, da atividade de "comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia, em estabelecimento especializado", CAE 47770, apresentando como atividade secundária a de "consultores", CSRS 1320. Esteve ainda inscrito para o exercício de atividade em nome individual nos períodos de 2007-10-12 a 2009-01-28 e 2009-12-15 a 2009-12-31. Nesses períodos esteve enquadrado no regime normal trimestral para efeitos de IVA e regime simplificado para efeitos de IRS.

Em termos de relacionamentos com relevância fiscal, J... apresenta os seguintes:

 

 

No período compreendido entre 2008 e 2013, J... não entregou qualquer declaração periódica de IVA ou declaração de rendimentos de IRS, a que estava legalmente obrigado.

Não obstante estas omissões declarativas, existem entidades, que declararam ter efetuado valores significativos de aquisições a J..., nos anos de 2010 a 2012. Entre as entidades que declararam ter efetuado aquisições a J..., encontra-se a A..., que nos anos de 2010, 2011 e 2012 registou na sua contabilidade faturas emitidas em nome de J..., nos montantes de €66.290,00, €1.387.397,15, e de €4.101,16, respetivamente. Esta faturação respeita a cascalho de ouro e de prata, verificando-se que em 2011 duas faturas indicam tratar-se de ouro fino.

Não existe qualquer entidade a declarar ter efetuado qualquer venda a J... .

Os documentos de faturação de J... são pré impressos e também estes, foram requisitados na tipografia "X... Lda.

No entanto, as "Vendas a Dinheiro" referentes aos anos de 2012 distinguem-se das restantes por terem sido requisitadas apenas em setembro de 2012, e por terem um layout muito diferente do das primeiras.

Da visualização destas "Vendas a Dinheiro", conclui-se o seguinte:

> As referentes aos anos de 2010 e 2011 foram preenchidas com caligrafia semelhante à de Y...;

> Enquanto, as respeitantes ao ano de 2012, foram preenchidas por J... .

Verifica-se também outra diferença: os valores faturados em 2012 são bem mais modestos que os faturados nos anos anteriores.

Em interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 4, J..., afirmou que "as únicas faturas que emitiu à A..., em nome de J..., em nome individual, perfazem um valor de cerca de €15.000,00 em artefactos/prata cascalho, efetuadas no final de 2012, entregues na loja da .... ... em Lisboa.

No que respeita aos pagamentos, verificámos que os referentes a 2010 e 2011 são efetuados por numerário ou por cheques de conta bancária titulada pela A..., enquanto, os pagamentos concernentes à faturação emitida em 2012 são efetuados através de transferência bancária ordenada pela A... para conta titulada por J..., na instituição bancária DD... .

Com exceção de três, o beneficiário dos referidos cheques foi Y..., no montante total de €468.660,00. Alguns destes cheques foram-lhe endossados por J... . Os restantes três cheques, datados de setembro de 2011, com valor total de €119.979,00, foram levantados à "boca do caixa" por J...,

Constata-se que no caso de J..., os valores dos meios de pagamento são materialmente relevantes face ao total faturado, o que aponta para que Y..., com a conivência de J..., também tenha utilizado esta entidade para encobrir transações de cascalho de ouro que efetivamente seriam suas.

Saliente-se o facto de alguns desses cheques, que a A... registou contabilisticamente como sendo para pagamento de compras que efetuou a J..., terem sido preenchidos à ordem de M... Lda..

Do exposto conclui-se que:

 

> A faturação de cascalho de ouro e prata, emitida em nome de J... para a A... foi controlada de facto por Y..., nos anos de 2010 e2011.

> As duas faturas que pretendem documentar aquisições de ouro fino e que se encontram relacionadas no ponto A.2.11 deste capítulo, não consubstanciam transações reais e efetivas, tratando-se, por conseguinte, de faturação falsa.

 

A.2.6 – W..., Lda, (W...)

A sociedade W..., Lda. tem morada fiscal na Rua... , ..., ... e iniciou atividade em 2000-10-27. Está inscrita pela atividade "comércio por grosso de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia" - CAE 46480.

Segundo as bases de dados da AT, tem como sócio gerente EE..., NIF..., e como sócia FF..., NIF... .

Nos anos de 2012 e 2013, procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA a que estava legalmente obrigada, encontrando-se em situação de entrega de imposto no ano de 2012, mas de valor reduzido, e em situação de crédito de imposto em 2013 de valor consideravelmente superior

No que respeita ao IRC, procedeu à entrega da declaração mod.22 e declaração anual de informação contabilística e fiscal do ano de 2012, encontrando-se em falta as declarações de 2013.

Na declaração anual de 2012, a empresa indicou clientes e fornecedores, com o montante anual das operações internas efetuadas superior a €25.000,00 (valor com IVA incluído). Da listagem de fornecedores, constam a A..., SA e a  GG...- Unipessoal, Lda., NIPC..., figurando este último como principal fornecedor.

No que respeita a 2013, embora nem a W... nem a GG... tenham entregado a declaração anual, verificou-se na contabilidade da W..., que a GG... continua a figurar em 2013, como seu principal fornecedor e a A... como principal cliente.

Depois de analisadas as faturas de compra e de venda da W..., concluiu-se que, à exceção do ouro fino em 2012, toda a restante faturação da W... para a A..., está sustentada em faturação da sociedade GG... .

Apresenta-se nos quadros seguintes a faturação emitida pela W... para a A..., nos anos de 2012 e 2013.

Fornecimentos da W... à A..., constantes da contabilidade desta última:

 

 

 

Uma vez que a faturação emitida para a A... tem como suporte a faturação da GG..., importa verificar qual a situação tributária desta: tendo-se verificado o seguinte;

> Trata-se de uma sociedade constituída em 2012-03-12, e tem como única sócia e gerente HH..., NIF..., de nacionalidade brasileira;

> Indicou como sede .... n.º..., ...;

> No mesmo dia de constituição da empresa e no mesmo cartório, HH... constituiu procurador da sociedade, II..., ao qual foram conferidos poderes para "... abrir contas em qualquer banco ou encerrar as mesmas, movimentar a débito ou a crédito quaisquer contas bancárias junto de quaisquer Bancos ou Casas Bancárias (...), requisitar e assinar cheques, pedir saldos de contas, podendo para o efeito movimentar quaisquer contas que a mandante possua nos referidos Bancos e de um modo geral praticar e assinar tudo o que necessário se tome para a boa execução do mandato", ou seja, uma procuração que confere poderes para agir em nome da sociedade, conforme procuração de que se junta fotocópia em anexo 5.

> É uma empresa não declarante, para efeitos fiscais, pelo que os valores de compras e IVA dedutível mencionados pela W... não foram declarados pela GG... .

> A atividade da GG... foi cessada oficiosamente pela AT, à data de 2013-12-20, pelo motivo de nunca ter exercido qualquer atividade, tendo a sede sido oficiosamente alterada para o domicílio fiscal da sócia gerente HH... .

> Não existe qualquer empresa ou outra entidade a declarar ter efetuado qualquer venda/prestação de serviços à GG... .

> Da análise às faturas emitidas pela GG... para a W..., detetaram-se várias irregularidades, que demonstram manipulação de faturação, nomeadamente:

  • Identificam-se pelo menos cinco tipos de caligrafia;
  • Faturas emitidas em data anterior à data da requisição na tipografia. Repare-se que na requisição consta a data de 2012-08-02, conforme fotocópia que se junta em anexo 6, nas faturas consta a data de 08/2012, conforme fotocópias de duas faturas que se juntam em anexo 7 a título de exemplo, e na fatura da tipografia consta a data de 17/09/2012, conforme fotocópia que se junta em anexo 8, existindo faturas emitidas com data de julho de 2012, conforme fotocópia das faturas nº 009-A, 0013-A, 0016-A e 0018-A, de que se junta fotocópia a título de exemplo, em anexo 9;
  •  Identificaram-se diversas faturas, sem correspondência com o critério sequencial da numeração e respetiva cronologia. Indicam-se a título de exemplo, a fatura n.º 9-A com data de 12/07/2012 e fatura n.º 8-A, com data de 09/11/2012.

> Contabilisticamente todos os pagamentos relacionados com os fornecimentos da GG..., se encontram registados por caixa, isto é, alegadamente pagos em numerário, procedimento usual, quando estamos perante operações inexistentes.

> De referir que, estamos a falar de uma empresa que faturou mais de 30 milhões de euros só a favor da W... . Porém, da numerosa documentação bancária analisada no âmbito do processo de inquérito .../12... TELSB, não se detetaram quaisquer meios de pagamento associados a estas transações.

> Em auto de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 10, JJ... confirma que interveio na escritura de constituição da GG..., tendo HH... recebido uma contrapartida financeira, enquanto JJ... pagou os encargos dessa mesma escritura. Acrescentou, ainda, que desconhece qualquer faturação da GG..., porquanto vendeu todas as faturas a W... e KK... (sobrinho de W...), faturas essas que lhe haviam sido previamente entregues por LL..., soltas, sem qualquer ordem sequencial e de várias séries, com o objetivo do arguido realizar capital.

> No dia imediatamente a seguir à constituição da sociedade, HH... regressou ao Brasil.

As faturas da GG... para a W..., permitiram a esta última deduzir IVA em avultados montantes, tornando desta forma a W..., constantemente credora de IVA, apesar da GG... não entregar esse mesmo IVA nos cofres do Estado e as empresas situadas a jusante deduzirem o IVA constante de faturas emitidas pela W..., entre as quais a A...que solicitou reembolsos de IVA.

Do exposto, conclui-se que a GG... é uma sociedade inexistente, tratando-se de um mero negócio de venda de faturas, expediente criado para que a jusante outros operados possam encobrir diversos esquemas de fraude e inclusive solicitem elevados montantes de IVA ao Estado.

Ficou assim demonstrado que nunca a faturação da W... à A... poderia ser suportada com a faturação da GG..., tratando-se claramente de faturação falsa, pelo que, os montantes faturados pela W..., no ano de 2012, no montante total de €1.785.812,24 a que acresce IVA no montante total de €410.736,82 e no ano de 2013, no montante total de €15.773.061,72 a que acresce IVA no montante total de €1.625.780,81, não podem ser aceites para efeitos fiscais.

 

A.2.7 – R... Unipessoal, Lda.

A sociedade R..., Lda., tem sede na Rua..., n.º..., ..., em ... e está inscrita pelo exercício da atividade de "fabricação de artigos de joalharia e outros artigos de ourivesaria" - CAE: 32122.

Desde o início da sua atividade em 2001-05-16 e até à presente data, esteve enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC, no regime geral de tributação.

Tem como único sócio e gerente R..., NIF... .

Desde o ano de 2007 que não apresenta qualquer declaração relativa a IVA ou IRC, o mesmo acontecendo relativamente à declaração anual de informação contabilística e fiscal. No entanto, da consulta à base de dados da AT, verificou-se que existem empresas que declararam ser clientes da sociedade R..., Lda., entre as quais a A..., que em 2013 declarou ter-lhe efetuado aquisições no valor de €4.475.117,00. Analisada a faturação que suporta este valor, verifica-se que respeita a ouro cascalho 800 para reciclagem, em que foi liquidado IVA no valor de €836.810,28 que a R... não entregou e que a A... deduziu e solicitou reembolsos.

Não existem empresas a mencionar ter efetuado vendas a R..., Lda. Na segurança social, não consta qualquer trabalhador inscrito ao serviço da empresa, nem a empresa apresentou quaisquer declarações de remuneração.

Acresce ainda que nesta faturação foram manipulados os preços unitários, de modo a que as faturas passassem a conter IVA, permitindo à A... deduzi-lo, ou seja, o preço unitário sem IVA é consideravelmente inferior à cotação do ouro no mercado internacional, só sendo superior ao valor de mercado se acrescermos o IVA ao preço unitário sem IVA. Desta forma o emitente da fatura recebe um valor superior, apropriando-se do respetivo IVA que não entrega nos cofres do Estado. Por seu turno, a A... para além de ganhar quota de mercado ao atrair mais fornecedores ainda solicita reembolsos ao Estado.

Acontece que no cascalho de ouro, a liquidação de IVA é devida pelo adquirente, devendo aplicar-se a regra de inversão do sujeito passivo. No processo de inquérito onde foram recolhidos os dados ficou demonstrado que tanto a A... como a R..., Lda, tinham conhecimento de que esta prática era ilegal, mas apesar disso usaram este expediente de que ambas beneficiaram em prejuízo do Estado.

Para além do comportamento descrito evidenciar que a faturação da R..., Lda. para a A... não corresponde a verdadeiras transações, o próprio sócio gerente reconheceu, em auto de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 11, que todas as faturas da R..., Lda. são falsas porquanto a sociedade nada vendeu.

Ficou assim demonstrado que toda a faturação de R..., Lda. para a A..., é na sua íntegra falsa, pelo que os montantes de €3.638.306,93 e €836.810,28, em sede de IRC e IVA, respetivamente, não podem ser aceites para efeitos fiscais.

 

A.2.8 - Vendas de D... como Particular

Encontram-se registadas na contabilidade da A..., vendas efetuadas por D..., na qualidade de particular, nas seguintes quantidades e montantes:

 

 

Junta-se em anexo 12, fotocópia dos documentos acima relacionados.

Para além das vendas à A..., figuram também na contabilidade de C... NIF ...  (sogra de D... e cuja negócio ele também geria), compras a D... . Considerando as vendas para estas duas entidades, D... alegadamente vendeu 385.200,83 grs de metais preciosos e 383,51 quilates de brilhantes e diamantes, no valor de €966.688,73, na qualidade de particular, o que é completamente inverosímil. Não é credível que D... detenha no seu património pessoal uma quantidade tão elevada de pedras e metais preciosos que atinge um valor próximo do €1.000.000,00.

Acresce ainda, conforme melhor se expõe no ponto seguinte, que na contabilidade da A... foram contabilizadas duas declarações que pretendem comprovar que D... efetuou um empréstimo à A... através de entradas em espécie, neste caso, 20.000 grs de ouro fino, o que só vem reforçar a conclusão de que as vendas por este declaradas não podiam ter ocorrido.

No que respeita ao pagamento, as supostas vendas foram pagas através de cheque ou transferência bancária, conforme quadro seguinte:

 

No entanto, dos €166.155,20 pagos pela A..., verificou-se que €133.000,00 tiveram a MM... como beneficiário final, quer através do endosso de cheques (caso do cheque de €86.000,00), quer através da emissão de cheques das contas de D... imediatamente após as transferências bancárias realizadas pela A... .

Quanto ao cheque de €15.950,00 emitido pela A... à ordem de D..., foi endossado por este a NN..., funcionário da OO... Unipessoal Lda., um dos fornecedores da A... . Assim, D... não foi o beneficiário deste cheque, mas sim um terceiro sem relação direta com este, pelo que só podemos concluir pela falsidade da transação.

A conjugação de todos os factos recolhidos demonstra que as faturas de compra emitidas em nome de D... são documentos fictícios e que serviram para documentar transações simuladas que geraram um custo fictício na esfera da A... .

Estas aquisições a D... foram relevadas contabilisticamente como custo fiscal, tendo, por essa via, sido deduzidos em sede de IRC e influenciado o apuramento do lucro tributável, nos montantes que se discrimina no quadro subsequente:

 

A.2.9 - Suprimentos de D..., PP... e QQ...

Também se apurou que, foram contabilizados pela A..., quatro documentos, de que se junta fotocópia em anexo 13, onde a empresa declara ter recebido empréstimos em ouro fino dos sócios-gerentes, D..., PP... e QQ..., nas seguintes quantidades e montantes:

 

Estas declarações encontram-se assinadas pelas partes e supostamente atestam que os três acionistas efetuaram empréstimos à A... através de entradas em espécie, neste caso, um empréstimo realizado em ouro fino Esta operação foi contabilizada como uma compra e consequentemente representa um custo suportado pela empresa, no ano de 2013.

Significa também que a A... assumiu uma dívida perante os seus acionistas, no valor de €997.000,00.

Daqui decorre que o ouro fino cedido por D... e PP... faria parte do seu património particular, sendo, por isso, de acrescer às quantidades e valores de metais preciosos que foram mencionados nos pontos anteriores. Vejamos:

«Na qualidade de particular, D... vendeu 385.200,83 grs. de metais preciosos e 383,51 quilates de brilhantes e diamantes pelo valor total de €966.688,73. Tendo em conta as quantidades de ouro fino alegadamente cedidas à A..., D... teve na sua posse 405.120,83 grs. de metais preciosos e 383,51 quilates de brilhantes e diamantes, num valor total de €1.676.688,73;

Na qualidade de particular, PP... vendeu pelo menos 31.914,50 grs. de metais preciosos pelo valor total de €82.681,35. Acrescendo as quantidades de ouro fino alegadamente cedidas à A..., PP... deteve pelo menos 36.914,50 grs. de metais preciosos, num valor total de €247.681,35;

No que concerne a QQ..., este cedeu 4 Kgs de ouro fino à A... pelo valor de €122.000,00, quantidades e valores bastante significativos para serem detidos por um particular.

Se observarmos os valores declarados entre 1996 e 2013, para efeitos de IRS, verificamos que QQ..., D... e PP... não auferiram rendimentos bastantes que lhe permitam ter no seu património pessoal, as quantidades de ouro fino alegadamente emprestadas à A...:

 

 

Assim, é inverosímil que D..., PP... e QQ... possuam no seu património pessoa: uma quantidade tão elevada de pedras e metais preciosos que atinge um valor global superior a €2.000.000,00.

Atente-se às declarações emitidas pela A..., constatando-se que três delas estão datadas do dia 2013-10-08 e respeitam à cedência de ouro fino por parte de cada um dos três acionistas, mas a preços unitários completamente distintos. Ora, tendo a operação sido realizada no mesmo dia e estando em causa o mesmo bem, não se compreende a existência destas divergências tão significativas nos preços unitários que vão dos €30,50/gr. aos €33,00/gr.

Observe-se a cotação do ouro fino, no mercado internacional no mesmo dia:

 

Tendo em conta as margens de comercialização que a A... tem de garantir para obter lucro, apenas a alegada cedência de QQ... a um preço unitário de €30.50/gr. proporciona a obtenção de alguma margem de lucro à A... . A cedência de PP..., a ser real, resultaria claramente num prejuízo para a empresa.

Repare-se que nesse mesmo dia a A... está a efetuar marcações com o seu cliente RR..., aos preços unitários de €31,17, €31,18 e €31,13.

Ora, a existência de divergências assinaláveis nos preços unitários praticados nos alegados suprimentos, operações que ocorrem no mesmo dia, aliado ao facto da A... com estas transações obter prejuízos leva-nos a concluir que esta operação não tem qualquer racionalidade económica.

De referir que se encontram arquivadas nas pastas da contabilidade declarações semelhantes que não chegaram a ser contabilizadas. Essas declarações são datadas de 08/07/2013 e nelas, PP... e QQ... cedem 2.000,00 grs e 1.300,00 grs. de ouro fino, pelos valores de €62.000,00 e €40.300,00, respetivamente, estando devidamente assinadas pelas partes.

Esta situação demonstra claramente a facilidade de elaborar declarações que, neste caso, não foram contabilizadas, porque o motivo para a sua conceção deixou de existir.

Todos os factos anteriormente descritos só vêm corroborar as conclusões retiradas neste relatório referentes às vendas enquanto particular de D..., ou seja, também estas declarações foram forjadas com o propósito de gerar um custo fictício contabilizado pela empresa, com o propósito de empolar os custos e assim obter uma vantagem patrimonial.

Apesar de neste caso, não existir uma contrapartida financeira imediata, a empresa assumiu uma divida perante os acionistas da qual terão de ser ressarcidos.

Assim, estamos perante custos fictícios que foram relevados contabilisticamente como custos fiscais, tendo, por essa via, sido deduzidos em sede de IRC e influenciado o apuramento do lucro tributável, no valor de €997.000,00.

 

A.2.10 -Conclusão

Em resumo, foram recolhidos fortes indícios que apontam para que a A..., nos anos de 2010 a 2012, tenha utilizado faturação emitida em nome de V... Lda., K... Lda., J..., L... Lda. e M... Lda., que não consubstancia transações reais e efetivas, entre estas entidades, sendo Y... o responsável pela emissão deste "papel falso".

Para além disso, os factos anteriormente descritos demonstram também que J... é controlado por Y..., servindo de "empresa de fachada" para emissão de faturas referentes a transações realizadas efetivamente por Y... com a A... .

Os factos expostos demonstram também que, as vendas realizadas por D..., na qualidade de particular à A..., bem como os suprimentos efetuados por este, por PP... e QQ..., são na verdade operações simuladas que tiveram como intento, gerar um custo fictício na empresa e desta forma, empolar os custos declarados e diminuir o resultado fiscal declarado.

Ficou também demonstrado que a W... é uma "empresa de passagem" e simultaneamente emitente de "papel falso", que juntamente com as entidades R..., Lda. e T... (a que nos referiremos no ponto A.3 deste capítulo), permitiram à A... solicitar elevadas quantias de IVA ao Estado, sem que esse mesmo IVA tenha sido entregue pelos emitentes nos cofres do Estado.

Tais condutas dolosas prejudicaram gravemente os cofres do Estado, conforme se passa a demonstrar.

 

A.2.11 - Apuramento do valor da faturação falsa

Nos quadros seguintes apresenta-se a discriminação das faturas que se demonstrou serem falsas.

 

Ano 2010

(...)

Ano de 2011

(...)

Ano de 2012

 

(...)

 

Ano de 2013

 

(...)

 

 

A.3 - DEDUÇÃO DE IVA INDEVIDAMENTE LIQUIDADO

A.3.1. A ESPECIFICIDADE DO ENQUADRAMENTO FISCAL DO OURO PARA INVESTIMENTO

Com a publicação do Decreto-Lei 362 de 16 de setembro, o legislador transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva nº 98/80/CE, do Conselho, de 12 de outubro de 1998, que completa o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e estabelece um regime especial aplicável ao ouro para investimento.

O preâmbulo da aludida diretiva refere que "Considerando que a experiência demonstra que, no que se refere à maior parte das entregas de ouro com um toque superior a determinado valor, a aplicação do pagamento do imposto pelo cliente pode contribuir para prevenir a fraude fiscal e, ao mesmo tempo, atenuar os encargos financeiros das operações; que se justifica que os Estados-membros sejam autorizados a utilizar esse mecanismo".

Dito de outra forma, a anterior menção corresponde a dizer que "Tendo em vista impedir a fraude fiscal e, ao mesmo, atenuar os encargos financeiros associados às entregas de ouro com um toque superior a determinado valor, justifica-se autorizar os Estados-Membros a designar o adquirente como devedor do imposto".

Conforme resulta do preâmbulo do referido decreto-lei o mesmo foi criado com o objetivo de prevenir a fraude e a evasão fiscal e evitar o pré-financiamento do imposto, tendo-se estabelecido que, para as transmissões de ouro de investimento quando tenha havido opção pela tributação, e para as transmissões de ouro sob s forma de matéria-prima ou de produtos semitransformados, que o devedor seja o adquirente dos bens, desde que este tenha direito à dedução total ou parcial do imposto.

Desta forma, o ouro que cumpre com as características previstas no art.º 2º do referido decreto, que se classifica como ouro para investimento, está isento de IVA, qualquer que seja o destino dado ao ouro ou a natureza do adquirente (sujeito passivo ou particular), conforme dispõe o artº 3.º do mesmo diploma.

Ainda de acordo com o art.º 10º, nas transações de ouro sob a forma de matéria-prima ou de produtos semitransformados de toque igual ou superior a 325 milésimos, o IVA é devido pelo adquirente, sendo o mesmo responsável pela liquidação tendo, simultaneamente, direito à dedução.

Ou seja, a aplicação do diploma não se restringe unicamente ao conceito de ouro fino ou ouro bruto, dado que o mesmo abrange igualmente o ouro sob a forma de matéria-prima.

Para que se compreenda tal definição de ouro sob a forma de matéria-prima, temos que interpretar a letra da lei, o seu contexto e o objetivo dessa mesma disposição.

Assim, no que se refere à letra da Lei, deve-se interpretar o conceito de ouro sob a forma de matéria-prima como abrangendo qualquer material que é composto em parte por ouro.

No seu conceito lato considera-se qualquer material que se destina a uma transformação posterior, ou seja, dito de outra forma é suscetível de abranger o ouro em estado bruto, o ouro como metal puro ou ainda qualquer material parcialmente composto de ouro.

Já quanto ao seu contexto, a disposição aplica-se somente ao ouro sob a forma de matéria-prima com um toque igual ou superior a 325 milésimas.

Relativamente, aos objetivos da regulamentação, não se vislumbram outros que não sejam prevenir a fraude e atenuar os encargos financeiros. De facto, o texto da própria diretiva refere que "...a experiência demonstra que, no que se refere à maior parte das entregas de ouro com um toque superior a determinado valor, a aplicação do pagamento do imposto pelo cliente pode contribuir para prevenir a fraude fiscal e, ao mesmo tempo, atenuar os encargos financeiros das operações...".

E, de facto, caso se defina o adquirente do objeto como devedor do IVA, a dívida fiscal e o direito à dedução coincidem na mesma pessoa, pelo que a administração fiscal não é obrigada a devolver qualquer montante ou a considerar créditos em sede do adquirente.

Tanto mais que, o risco de uma fraude ao IVA é tendencialmente mais elevado, quanto mais valiosos e mais fáceis de transportar são os bens comercializados.

Assim, se atendermos à redação do art.º 10º do decreto-lei 362/99, de 16.09, concluímos que não há motivos para incluir no conceito de ouro sob a forma de matéria-prima, apenas o ouro fino quando a disposição abrange, simultaneamente produtos semitransformados de toque igual ou superior a 325 milésimas. Por outro lado, a exigência em relação ao toque mínimo não deve abranger somente produtos semitransformados, mas também ouro sob a forma de matéria-prima, conforme dispõe o próprio diploma. E por último, não é conciliável com a função desta disposição diferenciar, no caso de ouro sob a forma de matéria-prima, por exemplo entre ligas e cascalho de ouro, na medida em que, em virtude do toque decisivo para o valor, a vulnerabilidade a fraudes de negócios com objetos que contem ouro não dependerá deste facto.

Pelo que, tendo em consideração os referidos objetivos da regulamentação, "ouro sob a forma de matéria-prima" não deve abranger qualquer material que apresente um toque de ouro igual ou superior a 325 milésimas, mas apenas o material que não constitui um produto final e que, por conseguinte, não é adequado a entregas a consumidores finais que não sejam sujeitos passivos.

Neste sentido, o conceito de "ouro sob a forma de matéria-prima" abrange qualquer material que se destina a uma transformação superior, e não ao consumo final, mas que, no entanto, não constitui qualquer "produto transformado", desde que apresente um toque de ouro igual ou superior a 325 milésimas.

Da mesma forma, de acordo com o sentido comum inerente aos conceitos de "ouro sob a forma de matéria-prima" e "produtos semitransformados", estes devem ser distinguidos de acordo com o grau de processamento para obter o produto final, sendo que, neste sentido "ouro sob a forma de matéria-prima" designa objetos em que apenas o ouro contido - independentemente da forma que apresenta em cada caso - é relevante para o processo de produção seguinte, sendo que "produtos semitransformados" abrange objetos que já foram submetidos a uma transformação com vista ao produto final.

O ofício circulado 30014, de 13.01.2000, da Direção de Serviços do IVA também veio esclarecer o enquadramento de ouro que não seja ouro para investimento referindo que "As transmissões, aquisições intracomunitárias e importações de ouro que não seja ouro para investimento estão sujeitas a tributação de acordo com as regras do CIVA e do RITI. Todavia, nas transmissões de ouro sob a forma de matéria-prima (barra, placa, granalha, solda, etc.) ou de produtos semitransformados (por exemplo fio, fita, tubo que não sejam artefactos de ouro) de toque igual ou superior a 325 milésimos, o pagamento do imposto e as demais obrigações decorrentes dessas operações (com exceção das previstas no art.º 12º), devem ser cumpridas pelo adquirente quando este seja um sujeito passivo dos mencionados na alínea a), do nº 1, do art.º2º do CIVA, que tenha direito à dedução total ou parcial do imposto".

Ou seja, se dúvidas existissem quanto à redação do artº 10º do Decreto-Lei 362/99 de 16 de setembro, este ofício circulado veio clarificar tal situação, quanto à exigência mínima do toque de ouro igual ou superior a 325 milésimas, enumerando a título meramente exemplificativo tipos de materiais que se enquadram nos conceitos de "ouro sob a forma de matéria-prima" e "produtos semitransformados", no sentido de uma interpretação lata, isto é suscetível de abranger qualquer material parcialmente composto por ouro, nela se incluindo o ouro destinado a fundição e posterior transformação em ouro fino, vulgarmente designado por "ouro sucata" ou "cascalho de ouro",

Trata-se assim, de uma lei especial (lex specialis) relativa aos produtos específicos aí referidos.

Saliente-se igualmente que o anteriormente Regulamento das Contrastarias dispunha no nº 2 do art.º 30º que "...considerar-se-á «cascalho» o conjunto de artefactos inutilizados de forma irreparável...", ou seja, ouro cascalho são objetos de ouro que perderam a sua identidade por terem sido inutilizados de forma irreparável, sem qualquer possibilidade de recuperação como artefactos.

Destaque-se igualmente o mencionado no Regime Jurídico da Ourivesaria e das Contrastarias, doravante RJOC, que, no art.º 3º, alínea m), define "Subproduto novo resultante de artigos com metal precioso usados" como o artigo com metal precioso não transformado, em forma de barra, lâmina ou outro artigo com metais preciosos que resulte da fundição de artigos com metal precioso usados e adquiridos a um particular. Ou seja, também esta definição perfila pela interpretação lata que anteriormente se referiu quanto ao "ouro sob a forma de matéria-prima", nomeadamente sendo suscetível de abranger qualquer material parcialmente composto de ouro, independentemente de ser adquirido a um particular ou a um sujeito passivo de imposto, no sentido de ser definido como um subproduto.

Vulgarmente, de acordo com os conceitos reais de mercado neste setor, é nesta situação que se enquadra o cascalho de ouro, que se destina a fundição e a ser reaproveitado na fabricação ou a ser vendido no estado de barra ensaiada ou como ouro fino, acolhendo também o RJOC quanto a este conceito, o sentido de matéria-prima.

Assim, em resumo, se se tratar de ouro sob a forma de barra ou de placa, com pesos aceites pelos mercados de ouro, com um toque igual ou superior a 995 milésimos, tal operação será isenta de IVA. Porém, pode o vendedor exercer a renúncia desde que o adquirente seja sujeito passivo de imposto, sendo este último responsável pela liquidação tendo, simultaneamente, direito à dedução.

Se se tratar de ouro sob a forma de matéria-prima, ou produtos semitransformados, com togue igual ou superior a 325 milésimas, o responsável pela liquidação é sempre o adquirente, desde que seja sujeito passivo de imposto.

 

A.3.2 - DEDUÇÃO DE IVA INDEVIDAMENTE LIQUIDADO PELA T...

No ano de 2013, a A..., contabilizou compras suportadas por faturas da T..., no valor de €3.420.091,00. Este valor inclui IVA no valor de €352,557,42 que a A... deduziu, sendo €88.633,97 referentes a aquisições de prata fina e €263.923,45 a aquisições de cascalho de ouro, mercadoria em que a liquidação de IVA é devida pelo adquirente, devendo aplicar-se a regra de inversão do sujeito passivo.

Ficou demonstrado no processo de inquérito onde foram recolhidos os dados, que tanto a A... como a T..., tinham conhecimento de que a liquidação de IVA no cascalho era contrária a lei, conforme atestam os documentos de que se junta fotocópia em anexo 14, onde o IVA é considerado como parte do lucro, mas apesar disso usaram este expediente de que ambas beneficiaram em prejuízo do Estado. A T... ao faturar com intenção de não entregar o IVA ao Estado, considerou que o IVA estava incluído no preço, o que lhe permitiu vender a um preço superior ao de mercado, apesar de o preço unitário sem IVA, ser inferior ao da cotação no mercado internacional. A A... deduziu o IVA e solicitou reembolsos e, ao comprar a preço inferior ao da cotação oficial, permitiu-lhe aumentar a sua quota de mercado.

A T... procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA do 3º e 4º trimestres de 2013, em 2014-04-28, ou seja, fora dos prazos estipulados pelo CIVA, onde apurou IVA a entregar ao Estado, mas o imposto apurado nas declarações de IVA entregues pela T... não foi pago.

O IVA liquidado pela T... para a A..., no montante de €263.923.45, concernente a vendas de cascalho de ouro, não confere assim direito à dedução porquanto se trata de uma fraude praticada pelos responsáveis da T... e A... .

 

B - OMISSÃO DE COMPRAS

B.1 – P..., Lda, NIPC...

Na análise efetuada à contabilidade da A..., concretamente, no que concerne à sua conta corrente com o fornecedor W..., Lda., doravante designado por W..., NIPC..., constatou-se que os pagamentos das compras efetuadas pela A... à empresa W... são efetuados essencialmente por cheques da conta bancária n.º..., titulada pela A..., sediada no SS..., existindo também pagamentos efetuados com cheques da conta n.º..., titulada pela A..., sediada no TT... .

Os cheques que a seguir se identificam e de que se junta fotocópia em anexo 15, apesar de preenchidos à ordem da empresa W..., foram endossados, e posteriormente levantados ao balcão pelo sócio gerente da P..., Lda., W... ou pelos funcionários/colaboradores da mesma, UU..., VV..., WW... e YY... .

Acontece que, no ano de 2013 não se encontrou qualquer faturação emitida pela P... Lda. para a sociedade W..., que pudessem justificar os valores recebidos. No entanto, a empresa W... efetuou pagamentos, através do endosso de cheques emitidos à sua ordem pela A..., que beneficiaram S... e os funcionários deste, no montante total de €1.082.000,00.

Estes factos demonstram que a empresa W... surge aqui como uma mera intermediária, isto é, uma "empresa de passagem" permitindo desta forma que a A... se distanciasse do seu efetivo fornecedor, que na realidade foi a P..., Lda., e não a W... .

No mesmo sentido apontam as declarações de KK..., que em auto de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 16, afirmou que nesse período recolheu ouro em Penafiel para ser entregue pelo EE... na A... e que a P... Lda. vendeu ouro e prata para a A..., através da empresa W..., num total de cerca de 8 a 10 kg por semana até a P... Lda, começar a vender para a empresa ZZ... .

Estes factos indiciam fortemente a existência de vendas da P... Lda, para a empresa A... que não foram declaradas à Administração Fiscal.

 

B.2 – Q...- UNIPESSOAL, Lda., NIPC ...

Na análise efetuada à contabilidade da A..., concretamente, no que concerne à sua conta corrente com o fornecedor W..., constatou-se que os pagamentos das compras efetuadas pela A... à empresa W... são efetuados essencialmente por cheques da conta bancária n.º..., titulada pela A..., sediada no SS... .

Os cheques que a seguir se identificam e de que se junta fotocópia em anexo 17, apesar de preenchidos à ordem da empresa W..., foram endossados, e posteriormente levantados ao balcão pelo sócio gerente da Q..., Lda, AAA... ou pelo funcionário desta, BBB..., que frequentemente efetuava levantamento de cheques da Q..., Lda:

À semelhança do relatado no ponto anterior em relação à P..., Lda, também não se encontrou qualquer faturação emitida pela Q... Lda., para a sociedade W... no ano de 2013. No entanto, a empresa W... efetuou pagamentos, através do endosso de chegues emitidos à sua ordem, que beneficiaram AAA... e o seu funcionário, no montante total de € 345.000.00.

Estes factos demonstram que também aqui, a empresa W... surge como uma mera intermediária, isto, é uma "empresa de passagem", permitindo desta forma que a A... se distanciasse do seu efetivo fornecedor, que na realidade foi a Q..., Lda., e não a W... .

No mesmo sentido apontam as declarações de KK..., que em auto de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 16, afirmou que nesse período recolheu ouro em Penafiel para ser entregue pelo EE... na A... .

Estes factos indiciam fortemente a existência de vendas da Q... Lda. para a empresa A... que não foram declaradas e que deviam ser reveladas à Administração Fiscal.

(...)

C.2 - EM SEDE DE IVA

O IVA deduzido nas faturas falsas a que aludimos no ponto A.2 deste relatório, vai ser objeto de correção, pois conforme dispõe o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada.

Também não é dedutível o IVA mencionado nas faturas da T..., pelas razões expostas no ponto A.3 do capítulo III deste relatório, uma vez que ficou demonstrado tratar-se de uma fraude.

O IVA deduzido indevidamente, respeitante àquela faturação, ascendeu aos montantes que se discriminam no quadro seguinte:

D - ANÁLISE DOS REEMBOLSOS

Em consequência das correções efetuadas, no âmbito das presentes ordens de serviço, ao IVA deduzido, vão os reembolsos dos períodos 2013 06 e 2013 07, ser indeferidos totalmente, e os dos períodos 2013 04, 2013 05, 2013 08 e 2013 09, deferidos parcialmente, conforme se demonstra nos quadros seguintes, em que também se evidencia se o contribuinte tinha ou não direito aos reembolsos dos períodos 2012 06 a 2013 03.

(*) (4) = (2)-(5) nas situações em que no período anterior foi apurado crédito de imposto. Quando no período anterior foi apurado excesso a recuperar negativo coincide com (2).

(...)

VIII - DIREITOS DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTOS

(...)

Assim, considerando os argumentos invocados na petição, temos a referir o seguinte:

1. Nos termos do n.º 7 do artigo 60.º da LGT, apenas são tidos obrigatoriamente em conta os factos novos suscitados pelo sujeito passivo no exercício do seu direito de audição;

2. O sujeito passivo não invoca quaisquer factos novos, nem junta quaisquer elementos ou meios de prova suscetíveis de serem objeto de apreciação.

3. No entanto, na observância do dever de fundamentação imposto pelo artigo 77.º da LGT, cumpre-nos comentar a petição apresentada, pelo que se passará de seguida à análise da factualidade controvertida.

  • Não lhe assiste qualquer razão quando afirma que o relatório enferma de premissas erradas, em virtude de ter desconsiderado as compras suportadas por faturas de V..., Lda., K... Unipessoal, Lda., L..., Lda. e M... Unipessoal, Lda., cuja prova produzida da sua falsidade diz ser frágil, desvalorizando os elementos de prova recolhidos no processo .../12...TELSB ao abrigo do qual o s.p. foi investigado, pois, contrariamente ao alegado, ficou claramente demonstrado no projeto de relatório, aquando da caracterização destas entidades, que se trata de faturação falsa, e como tal não pode ser aceite como custo nos termos do artigo 23º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC)
  • Não pode pretender que lhe seja considerada real a fatura de V..., Lda., emitida com data em que este ia tinha cessado a atividade, informação a que a A... tinha acesso no Portal das Finanças.
  • As declarações de AA..., sócio gerente da V..., Lda., também não deixam dúvidas, de que esta entidade nunca efetuou qualquer negócio com a A..., nem conhece D.., conforme referido no ponto A.2.1 do relatório.
  • Também não pode dizer que é frágil a prova produzida, quando se afirma que o responsável pela emissão deste papel falso é Y..., pois tal resulta claramente dos elementos recolhidos na tipografia onde as faturas foram impressas, nomeadamente as declarações do sócio gerente da tipografia, BB..., que declarou terem sido encomendadas por Y... e que foram entregues na sua ourivesaria na Rua ..., em Lisboa.
  • Também não é de desprezar a caligrafia com que foram impressas, que é semelhante à da ex-mulher de Y... .
  • Contrariamente ao afirmado no direito de audição, não pode a A... dizer que negociava com as entidades que lhe apresentavam as faturas, e que desconhecia que aquelas entidades lhe apresentavam papel falso, pois nunca negociou com nenhum representante da V..., Lda., mas sim com Y..., que facilmente podia confirmar que não tinha nenhuma ligação formal àquela. Também não foi identificado qualquer meio de pagamento, tendo sido relevado na contabilidade da A... como tendo sido efetuado em numerário.
  • Igual conclusão se retira das faturas da K..., Lda. e da L..., Lda., não só por apresentarem irregularidades na sua situação declarativa, como refere o direito de audição, mas também porque as faturas em causa foram encomendadas na tipografia por Y..., preenchidas com caligrafia semelhante à deste, e foi este o beneficiário dos cheques emitidos para pagamento das mesmas, um dos quais foi mesmo emitido à sua ordem, tendo posteriormente sido rasurado e indicado o nome da empresa, conforme fotocópia do cheque constante da contabilidade da A... .
  • Também não pode nesta situação a  A... vir alegar que negociou com a entidade que lhe entregou a mercadoria juntamente com a fatura, porquanto facilmente podia verificar que o responsável daquelas entidades era J... doravante identificado por J..., que declarou só ter efetuado negócios com a A... em finais de 2012, e enquanto empresário em nome individual, tendo-lhe transmitido nessa altura prata cascalho de valor diminuto, cerca de €15.000,00.
  • Embora no direito de audição a A... não conteste de forma direta a desconsideração das faturas de J... na qualidade de empresário em nome individual, como contesta a totalidade das correções efetuadas, também relativamente a estas mantemos as conclusões constantes no projeto de relatório, quando afirmamos que a faturação de cascalho de ouro e prata em nome de J..., em 2010 e 2011, foi controlada por Y..., que utilizou esta entidade para encobrir transações de cascalho que efetivamente eram suas.
  • As aquisições de ouro fino documentadas com faturas desta entidade também não podem ser consideradas reais, não só por se ter comprovado que este pretenso fornecedor não adquiriu tal mercadoria, mas porque é o próprio J... a refutá-las e a A... não comprova a sua efetividade.
  • No que respeita à faturação de ouro fino emitida por Y..., também mantemos a correção proposta no projeto de relatório, pois, embora no direito de audição se pretenda indicar como pressuposto desta correção o facto de Y... lhe ter faturado ouro fino sem ter as compras correspondentes, referindo que tal resulta de um pressuposto gravíssimo, uma vez que a A... contratava com os fornecedores a possibilidade de entregarem ouro cascalho e faturarem ouro fino, não podendo por isso ser desconsideradas, segundo alega. Acontece que no período em que esta faturação foi emitida, ficou demonstrado que Y... efetuou vendas efetivas de artefactos em ouro (cascalho) na quantidade de 1 Kg mensal, conforme confirmam as declarações do seu colaborador AA... . Não podia assim ter vendido o ouro fino mencionado nas duas faturas contabilizadas pela A... em setembro e dezembro de 2011, que mencionam 5 Kg e 3 Kg, respetivamente.
  • Também não pode a A... pretender justificar esta incongruência com o alegado (venda de cascalho e fatura com a descrição de ouro fino), dada a obrigatoriedade de a descrição da fatura corresponder ao artigo efetivamente transmitido. Nunca se poderia admitir que a transmissão de cascalho fosse descrita como ouro fino, uma vez que não é conhecido o toque, dado essencial para a conversão de cascalho em fino.
  • No tocante às faturas de W..., contrariamente ao alegado, não foi exclusivamente o facto do fornecedor deste ser não declarante que levou à sua desconsideração, mas sim, entre outros, o facto deste fornecedor nunca ter exercido qualquer atividade, conforme declarações do seu responsável II... . Este, para além de admitir que a GG... nunca exerceu qualquer atividade, confirmou que vendeu as faturas a W... e KK... . Assim sendo, não podia a W... vender o que não tinha, tratando-se obviamente de papel falso, nem a A... demonstrou, como lhe competia, que a W... dispunha de ouro para lhe vender e que efetivamente lhe vendeu, isto, a ser verdade, era facilmente comprovável, nomeadamente com as marcações efetuadas, documentos de transporte, meios de pagamento.
  • De referir ainda que ficou demonstrado no processo .../12...TELSB que D... exercia uma posição de domínio sobre W..., exigindo deste todo o tipo de interesses para alimentar circuitos de faturação fictícios, deixando desta forma recair toda a responsabilidade sobre a W... . Este facto comprova-se com o acervo documental e verbal, nomeadamente inquirições e interrogatórios. Para tentar dar aparência real à faturação, a W... faz corresponder a estas falsas saídas para a A..., falsas entradas da GG... .
  • Desta forma, a desconsideração das faturas da W..., contrariamente ao afirmado no direito de audição, resulta da relação comercial com a A... e não exclusivamente do facto do fornecedor da W... ser não declarante, como afirmado.
  • Quanto às compras a D... na qualidade de particular, no direito de audição é referido que não é possível ao contribuinte apresentar defesa em virtude de, segundo alega, o projeto não fazer a destrinça sobre as vendas que este efetivamente fez à A... .
  • Contrariamente ao afirmado, no ponto A.2.8, figura um quadro com a indicação dessas quantidades, valores, tipo de documento, data e descrição, e foram anexados ao projeto de relatório fotocópia dos documentos. Desvaloriza também o circuito financeiro que lhe está associado, mantendo-se a posição contrária, pois os meios de pagamento são relevantes para aferir da legalidade/veracidade das transações.
  • Também é referido no direito de audição que é de extrema dificuldade para a A..., fazer o comentário à desconsideração dos suprimentos em virtude da análise destes ser superficial. Pretende, no entanto, justificar a existência dos mesmos com o não cumprimento das marcações pelos fornecedores e com a necessidade da A... cumprir com as marcações que efetuou com os seus clientes com base nas marcações não cumpridas pelos seus fornecedores, nas não demonstra nem identifica nenhuma dessas situações em concreto, pelo que também aqui não podemos aceitar o invocado, tanto mais que os rendimentos declarados desde 1996, conforme referido no ponto A.2.9, à luz das regras da experiência comum, do bom senso, de um homem médio, com mediana sagacidade, nunca lhe permitiriam dispor, no seu património, de tal quantidade de pedras e metais preciosos como os que alegadamente transmitiram no valor global superior a €2.000.000,00.
  • Não é de desprezar ainda o facto de na contabilidade da A... se encontrarem arquivadas declarações a pretender documentar suprimentos que não chegaram a ser contabilizadas, em que PP... e QQ... cedem 2.000,00 grs e 1.200,00 grs de ouro fino, que estão devidamente assinadas pelas partes.
  • Esta situação contraria o alegado no ponto 43 do direito de audição, ao pretender justificar os suprimentos com o não cumprimento de marcações.
  •  Ficou assim demonstrada a utilização de faturação falsa pela A..., situação de que tinha total conhecimento e, embora se reconheça que as compras consideradas são insuficientes para as vendas efetuadas e que na A... não nascem lingotes de ouro conforme referido no direito de audição, compete à A... demonstrar a origem do ouro vendido e não à AT, que demonstrou cabalmente que as entidades identificadas nas faturas nada venderam à A... . Mantemos assim as conclusões de que são reais as vendas e falsas as compras às entidades referenciadas, uma vez que não há direito à presunção de custos por parte do utilizador de faturação falsa, cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proc. 00308/11.0BEAVR.
  • Todavia no exercício do direito de audição a A... podia ter apresentado documentos comprovativos das compras aos verdadeiros fornecedores, o que não fez. Por este motivo é verdadeiramente irrelevante o argumento apresentado.
  • Quanto à omissão de compras à P... e à Q..., tendo-se apurado no âmbito do processo de inquérito que foram efetuados pagamentos a estas duas entidades e que não se encontrava qualquer faturação emitida pelas referidas empresas para a A..., foram consideradas compras no montante equivalente aos pagamentos efetuados.
  • No que respeita ao IVA deduzido indevidamente, por se encontrar suportado por faturas de W..., R... e T..., que originou o crédito de imposto e subsequente pedido de reembolsos, refira-se, conforme vertido no projeto de relatório, que tanto a A... como as entidades fornecedoras das faturas tinham conhecimento de que a liquidação de IVA no cascalho era contrária à lei.
  • Até porque, conforme decorre do referido no ponto 32 do direito de audição, a própria A... admite que adquiria ouro cascalho para posterior transformação, ou seja, adquiria matéria prima e como tal estava sujeita à regra de inversão do IVA, procedimento adotado até meados de 2012. A partir do 2.º semestre de 2012, a A... começa a suportar consideráveis montantes de IVA dedutível sustentado, numa fase inicial, em IVA decorrente de aquisições de prata e, posteriormente, também em IVA concernente a aquisições de artefactos de ouro, cascalho de platina, brilhantes e cascalho de ouro. Face a essas aquisições e consequente dedução do IVA, o crédito da A... perante o Estado aumentou exponencialmente, atingindo avultados montantes no ano de 2013. O valor total dos reembolsos solicitados em 2012 e 2013 atingiu €3.059.380,18.
  • Relativamente ainda ao alegado pelo s.p, no que respeita aos elementos recolhidos no processo .../12...TELSB, cumpre informar que em sede de procedimento inspetivo os elementos coligidos constituem prova bastante da existência de facto tributário, pelo que a tributação não depende do normal andamento do processo criminal.

Assim, face ao exposto, e não tendo o sujeito passivo apresentado novos elementos para além dos analisados no âmbito da ação inspetiva e que constam do projeto de relatório que lhe foi notificado, procede-se à elaboração do relatório em conformidade com o projeto de relatório.

  1. A Requerente em 2012 declarou compras à P... na ordem dos €21816400,88, bem como à Q... e continuou a fazer ao longo de 2013 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Os clientes estrangeiros asseguravam os pagamentos das compras por transferência bancária internacional (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Já nos nacionais o pagamento sempre foi assegurado por cheque ou transferência bancária.
  4. A CCC... dedica-se ao Comércio, importação e exportação de metais e pedras preciosas, jóias, filigranas e outros artigos de ourivesaria e de metais preciosos ou de metais comuns folheados ou chapeados com metais preciosos. Serviços prestados de afinação de metais preciosos e outros serviços prestados para metais preciosos (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Fruto da recepção de metais preciosos para reciclagem e exportação de ouro fino nos anos de 2012 e 2013 a A... requereu serviços de afinação que se fixaram nos €231.285,86 e 129.680,77, respectivamente (conta de fornecedor que consta do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. Em 04-04-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que tivessem sido efectuadas as transacções a que se referem as facturas emitidas pela W..., com excepção das que se referem no Relatório da Inspecção Tributária como «omissão de vendas» relativas às empresas P..., Lda., e Q..., Lda..

Não se provou que tivessem sido efectuadas as transacções a que se referem as facturas emitidas pela empresa R..., Lda..

Não se provou que a Requerente tenha efectuado o pagamento das quantias liquidadas.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

Nos pontos 5., 5.1 e 5.2 faz-se a análise e valoração da prova.

 

4. Matéria de direito

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a inspecção à Requerente, abrangendo os anos de 2012 e 2013, em sede de IVA.

Com base em elementos de prova que constam do processo criminal n.º .../12...TELSB, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a análise da situação tributária da Requerente, concluindo que ocorreram irregularidades que justificam correcções em sede de IVA, nos montantes globais de € 410.736,82 quanto ao ano de 2012 e de € 2.726.514,54, que se sintetizam no ponto c.2 do Relatório da Inspecção Tributária, com quanto a:

– IVA deduzido com base em facturas falsas emitidas pelas empresas W..., Lda, e R..., Lda.,

– dedução pela Requerente de IVA indevidamente liquidado pela T...

 

Quanto ao primeiro ponto, concluiu a Autoridade Tributária e Aduaneira o seguinte (ponto A.2.10 do RIT):

Ficou também demonstrado que a W... é uma "empresa de passagem" e simultaneamente emitente de "papel falso", que juntamente com as entidades R..., Lda. e T... (a que nos referiremos no ponto A.3 deste capítulo), permitiram à A... solicitar elevadas quantias de IVA ao Estado, sem que esse mesmo IVA tenha sido entregue pelos emitentes nos cofres do Estado.

 

Quanto ao segundo ponto, a Autoridade Tributária e Aduaneira fez interpretação do regime do Decreto-Lei n.º 362/99, de 16 de Setembro, e em sintonia com o ofício circulado 30014, de 13.01.2000, da Direção de Serviços do IVA, concluiu que:

– «se se tratar de ouro sob a forma de barra ou de placa, com pesos aceites pelos mercados de ouro, com um toque igual ou superior a 995 milésimos, tal operação será isenta de IVA. Porém, pode o vendedor exercer a renúncia desde que o adquirente seja sujeito passivo de imposto, sendo este último responsável pela liquidação tendo, simultaneamente, direito à dedução»;

– «se se tratar de ouro sob a forma de matéria-prima, ou produtos semitransformados, com togue igual ou superior a 325 milésimas, o responsável pela liquidação é sempre o adquirente, desde que seja sujeito passivo de imposto».

 

Em seguida a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que ocorreu dedução de IVA indevidamente liquidado pela T... em cascalho de ouro:

Ficou demonstrado no processo de inquérito onde foram recolhidos os dados, que tanto a A... como a T..., tinham conhecimento de que a liquidação de IVA no cascalho era contrária a lei, conforme atestam os documentos de que se junta fotocópia em anexo 14, onde o IVA é considerado como parte do lucro, mas apesar disso usaram este expediente de que ambas beneficiaram em prejuízo do Estado.

A T... ao faturar com intenção de não entregar o IVA ao Estado, considerou que o IVA estava incluído no preço, o que lhe permitiu vender a um preço superior ao de mercado, apesar de o preço unitário sem IVA, ser inferior ao da cotação no mercado internacional. A A... deduziu o IVA e solicitou reembolsos e, ao comprar a preço inferior ao da cotação oficial, permitiu-lhe aumentar a sua quota de mercado.

 

A T... procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA do 3º e 4º trimestres de 2013, em 2014-04-28, ou seja, fora dos prazos estipulados pelo CIVA, onde apurou IVA a entregar ao Estado, mas o imposto apurado nas declarações de IVA entregues pela T... não foi pago.

 

O IVA liquidado pela T... para a A..., no montante de €263.923.45, concernente a vendas de cascalho de ouro, não confere assim direito à dedução porquanto se trata de uma fraude praticada pelos responsáveis da T... e A... .

 

            O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, os actos impugnados têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (irrelevância da fundamentação a posteriori). ( [2] )

Assim, é à face da fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária que há que apreciar a legalidade das liquidações impugnadas.

 

            5. Questões relativas a «facturas falsas»

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a facturas falsas, fundamenta as liquidações no artigo 19.º, n.º 3, do CIVA (ponto C.2 do Relatório da Inspecção Tributária)

Esta norma estabelece que «não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura» (redacção do Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de Agosto).

Não sendo invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira simulação de preço, o fundamento das liquidações encontra-se na primeira parte daquele n.º 3, que consiste em não corresponderem à realidade as operações com base nas quais foi deduzido IVA.

Como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão do Pleno de 16-11-2016, proferido no processo n.º 0600/15, a Autoridade Tributária e Aduaneira, «para proceder a correcções decorrentes da não aceitação da dedução do IVA mencionado nas facturas relativamente às quais considerou que as transacções nelas mencionadas não correspondem à realidade, não tinha de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Antes lhe bastando provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente».

Na mesma linha, o Tribunal Central Administrativo Sul tem vindo a entender sobre o ónus da prova sobre esta natureza essencialmente o seguinte: ( [3] )

 – quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade;

– no que concerne à prova que compete à Administração, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”;

– nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado;

– feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção;

– estando em causa indícios de facturação falsa, a AT não tem que provar a falsidade das facturas; basta-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as facturas são «falsas» para cumprir o seu encargo probatório;

– onerado com o ónus da prova da veracidade das operações materiais subjacentes à «facturação indiciada», os esforços que o contribuinte deve mobilizar para abalar os indícios de falsidade recolhidos não podem deixar de ser exigentes e sem margem para dúvidas;

– não basta ao contribuinte gerar a mera dúvida sobre a falsidade das facturas para conseguir ganho de causa. Estando onerado com a prova da materialidade das operações, se persistir a dúvida, esta resolve-se contra a parte onerada com a prova.

 

            É tendo presente esta jurisprudência que há que apreciar as questões suscitadas pela Requerente, que se reportam às facturas emitidas pela W... e pela R... Unipessoal, Lda.

 

5.1. W..., Lda (W...)

 

            Refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, que, à excepção do ouro fino em 2012, toda a restante facturação da W... para a A..., está sustentada em facturação da sociedade GG... .

A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou que a facturação apresentada como emitida pela GG... não era credível pelo seguinte, em suma:

> É uma empresa não declarante, para efeitos fiscais, pelo que os valores de compras e IVA dedutível mencionados pela W... não foram declarados pela GG....

> A actividade da GG... foi cessada oficiosamente pela AT, à data de 2013-12-20, pelo motivo de nunca ter exercido qualquer atividade, tendo a sede sido oficiosamente alterada para o domicílio fiscal da sócia gerente HH... .

> Não existe qualquer empresa ou outra entidade a declarar ter efetuado qualquer venda/prestação de serviços à GG...;

> Da análise às faturas emitidas pela GG... para a W..., detectaram-se várias irregularidades, que demonstram manipulação de faturação, nomeadamente faturas emitidas em data anterior à data da requisição na tipografia, diversas faturas, sem correspondência com o critério sequencial da numeração e respectiva cronologia;

> Não há meios de pagamento associados às transacções referidas nas facturas, no valor global de cerca de € 30.000.000,00;

> Em declarações prestadas no inquérito criminal, o arguido JJ..., que interveio na escritura de constituição da GG..., declarou que desconhece qualquer faturação da GG..., porquanto vendeu todas as faturas a W... e KK... (sobrinho de W...).

 

Concluiu a Autoridade Tributária e Aduaneira que «nunca a faturação da W... à A... poderia ser suportada com a faturação da GG..., tratando-se claramente de faturação falsa, pelo que, os montantes faturados pela W..., no ano de 2012, no montante total de €1.785.812,24 a que acresce IVA no montante total de €410.736,82 e no ano de 2013, no montante total de €15.773.061,72 a que acresce IVA no montante total de €1.625.780,81, não podem ser aceites para efeitos fiscais».

Os factos referidos, que não são contrariados por prova em contrário apresentada pela Requerente, apontam, sem dúvida razoável, no sentido de a facturação emitida em nome da GG... dever considerar-se falsa, pois não corresponde a operações por esta realizadas.

Mas, essa facturação falsa foi emitida à W... e não à Requerente, pelo que estes factos apenas podem servir suporte a uma conclusão sobre a falsidade da facturação emitida pela W... à Requerente se se puder concluir que a W... não podia dispor das mercadorias que se referem nas facturas que emitiu.

É esta a conclusão que a Autoridade Tributária e Aduaneira retira com fundamento na constatação de que «à excepção do ouro fino em 2012, toda a restante facturação da W... para a A..., está sustentada em facturação da sociedade GG...».

No entanto, a conclusão só pode ter consistência com a demonstração de que a W... não realizou aquisições de mercadorias a outras empresas, designadamente facturando-as como se fossem vendas efectuadas pela GG..., pois o sócio-gerente desta, JJ..., afirmou que «vendeu todas as faturas a W... e KK... (sobrinho de W...)», ambos relacionados com a actividade da W... .

Quanto ao ano de 2012, não foi produzida qualquer prova que permita concluir que a W... tinha as mercadorias que nas facturas se referiu serem vendidas à Requerente, nem de que foram realizadas as transacções. Perante os indícios fundados de que a facturação não se reporta a operações realizadas nos termos que resultam das facturas, cessa a presunção de veracidade das facturas referidas e das declarações da Requerente nela baseadas, como o decorre da alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT.

Assim, aplicando a jurisprudência referida, com suporte no artigo 74.º, recai sobre a Requerente o ónus da prova de que foram realizadas as transacções: a Autoridade Tributária e Aduaneira «não tinha de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Antes lhe bastando provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte».

Os elementos de prova referidos apontam no sentido de não possuir as mercadorias que se referem nas facturas. Pelo que se indicia que não ocorreram transacções nos termos que se referem nas facturas.

Nesta situação, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, passa «a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente».

Não foram apresentadas pela Requerente provas de que estas transacções tivessem sido realizadas. A mera constatação de que, como a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece ao apreciar o exercício do direito de audição, «as compras consideradas são insuficientes para as vendas efetuadas» não permite concluir que foram realizadas todas as transacções a que se referem a faturas, quando há elementos que apontam no sentido de as transacções não poderiam ter sido realizadas com mercadorias pertencentes ao emitente das facturas, sendo certo que, como o também aí se refere, «compete à A... demonstrar a origem do ouro vendido e não à AT, que demonstrou cabalmente que as entidades identificadas nas faturas nada venderam à A...». 

Assim, quanto a estas facturas emitidas pela W... relativas ao ano de 2012, é de aplicar a jurisprudência sobre a repartição do ónus da prova que se referiu, o que se reconduz a que a dúvida é valorada contra a Requerente e não se poder concluir que a liquidação relativa ao ano de 2012 enferma de vício por este motivo.

Mas, relativamente ao ano de 2013, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abordar a questão da «omissão de compras» reconhece que foram efectuadas vendas em nome da W... a quem foram efectuados os respectivos pagamentos, através de cheques emitidos à ordem desta, que depois foram endossados a sócios gerentes e funcionários das sociedades P..., Lda. E Q..., Lda.. A W... efectuou pagamentos, através do endosso de cheques emitidos à sua ordem pela A..., que beneficiaram S... e os funcionários deste (da empresa P..., Lda), no montante total de €1.082.000,00 e AAA... e o seu funcionário (da empresa Q...- Unipessoal, Lda), no montante total de € 345.000.00.

Não foi encontrada facturação emitida por estas empresas para a W... que justificasse os pagamentos, mas, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, elas são confirmadas pelas declarações de «KK..., que em auto de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 16, afirmou que nesse período recolheu ouro em Penafiel para ser entregue pelo W... na A... e que a P... Lda. vendeu ouro e prata para a A..., através da empresa W..., num total de cerca de 8 a 10 kg por semana até a P... Lda.», o mesmo sucedendo, noutras quantidades, com a Q..., Lda.

Assim, quanto a estas vendas, dado que existiram as transacções a que se referem as facturas (as entregas de mercadorias e recebimento do preço pela W...), pelo não se pode entender que se trate de operações simuladas.

Neste contexto de recusa do direito à dedução de IVA, há que ter presente a jurisprudência do TJUE que, no acórdão de 18-08-2012, proferido no processo n.º C-80/11, entendeu o seguinte:

Os artigos 167.º, 168.º, alínea a), 178.º, alínea a), 220.º, n.º 1, e 226.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática nacional em virtude da qual a autoridade fiscal recusa a um sujeito passivo o direito de deduzir do montante de imposto sobre o valor acrescentado de que é devedor o montante do imposto devido ou pago pelos serviços que lhe foram fornecidos, pelo facto de o emitente da fatura correspondente a esses serviços ou por um dos seus fornecedores ter cometido irregularidades, sem que essa autoridade demonstre, com base em elementos objetivos, que o sujeito passivo em causa sabia ou devia saber que a operação invocada como fundamento do direito a dedução fazia parte de uma fraude cometida pelo emissor da fatura ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de prestações.

 

No caso em apreço, não há qualquer indício objectivo que permita concluir que a Requerente soubesse ou devesse saber que as concretas vendas efectuadas pela W... no interesse da P..., Lda. e Q...- Unipessoal, Lda fizessem «parte de uma fraude cometida pelo emissor da fatura ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de prestações».

Na verdade, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira invoque, ao apreciar o exercício do direito de audição, que «ficou demonstrado no processo .../12...TELSB que D... exercia uma posição de domínio sobre W..., exigindo deste todo o tipo de interesses para alimentar circuitos de faturação fictícios, deixando desta forma recair toda a responsabilidade sobre a W... . Este facto comprova-se com o acervo documental e verbal, nomeadamente inquirições e interrogatórios. Para tentar dar aparência real à faturação, a W... faz corresponder a estas falsas saídas para a A..., falsas entradas da GG...», o certo é que se trata de um juízo de natureza conclusiva cujos fundamentos probatórios nem são invocados com precisão («o acervo documental e verbal, nomeadamente inquirições e interrogatórios» que constam do processo .../12...TELSB) e não é formulado numa decisão judicial.

Por outro lado, os factos referidos, designadamente a falta de qualquer indício de que a Requerente soubesse que a W... estava e vender mercadorias no interesse da P..., Lda e da Q... Lda., apontam no sentido de se estar perante uma situação de interposição real e não de interposição fictícia e só esta cabe no conceito de simulação, pois a primeira constitui uma situação de mandato sem representação, como entendeu Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 09-05-2002, proferido no processo n.º 02B1342, na esteira de MOTA PINTO e MANUEL DE ANDRADE:

Escreve a este propósito o Prof Mota Pinto, in "Teoria Geral da Relação Jurídica", 1967, pág. 198, que «só a interposição fictícia (resultante de um conluio entre os dois sujeitos reais da operação e o interposto) constitui uma caso de simulação, analisando-se a interposição real (resultante de um acordo entre o interposto e um só dos sujeitos - alienante ou adquirente - ) num mandato sem representação» nos termos e para os efeitos do art. 1180 e ss do C. Civil .

E, ao confrontar a interposição fictícia de pessoas versus a interposição real de pessoas, ensina o Prof Manuel de Andrade, in " Teoria Geral da Relação Jurídica ", vol II, Coimbra, Almedina 1960, págs. 186-187 o seguinte:

" Em toda a interposição há três pessoas: por ex.: A transmite certos bens a B para ele depois os transmitir a C . Ora, a diferença entre as duas modalidades de interposição traduz-se no seguinte : se houver conluio entre «todas» estas pessoas, estamos em face de uma interposição fictícia; se apenas entre A e B existiu um acordo no sentido da ulterior transferência para C, o caso será de interposição real . Esta analisa-se num mandato ... pois o mandatário (B interposto entre A e C ) deverá agir em nome próprio e não em nome do mandante ... . Deve salientar-se ainda a possibilidade duma interposição real fundada em acordo entre B e C . Também este acordo se traduzirá num mandato, que, no caso, serve para adquirir e não para alienar. Conclui-se, portanto, que na interposição fictícia o interposto é um simples presta nome homem de palha, testa de ferro); mas não assim na interposição real onde o interposto será verdadeira parte no ulterior negócio em face do respectivo contratante " (sic).

 

No caso em apreço, houve conluio entre a W... e a P... Lda e a Q..., Lda., mas não há qualquer prova de que a Requerente estivesse conluiada com aqueles, pelo que se estará perante uma situação de interposição real, que não constitui simulação, mas sim mandato sem representação, o que não permite o enquadramento da situação no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, que fundamenta as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Assim, provando-se que a W... detinha as mercadorias que vendeu em nome próprio por lhe terem sido fornecidas sem facturação pela P..., Lda e pela Q..., Lda., deixa de ter suporte, na medida deste fornecimento no valor global de € 1.427.000,00 (€ 1.082.000,00 + € 345.000,00), a ilação que pretendia retirar do facto de a facturação da W... para a A... estar sustentada em facturação da sociedade GG... . Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu que a W... não podia ter as mercadorias que vendeu em 2013, por a GG... não lhas poder ter fornecido por não ter actividade e, pelo que se referiu, demonstra-se que, efectivamente, mesmo sem fornecimento pela GG..., a W... detinha algumas das mercadorias que vendeu, que lhe tinham sido fornecidas pela P... Lda e pela Q..., Lda.

No que concerne às restantes facturas emitidas pela W... vale o que atrás se referiu sobre a falta de prova das transacções efectuadas e, a terem existido alguma ou algumas das transacções, sobre quem foi o real vendedor.

Está-se, assim, quanto a estas facturas que não se reportam a mercadorias fornecidas pela P..., Lda. e pela Q..., Lda., perante uma situação a que é aplicável a referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo: a Autoridade Tributária e Aduaneira «não tinha de fazer prova da existência de acordo simulatório (...) bastando provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte». E, perante a prova que aponta no sentido de as transacções não terem sido efectuadas nos termos que resultam das facturas, passa «a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente».

Não tendo a Requerente apresentado prova da realidade das transacções, tem de se concluir que quanto às facturas que não se reportam a mercadorias fornecidas pela P..., Lda. e pela Q..., Lda., deve considerar-se que se está perante operações simuladas para efeitos d n.º 3 do artigo 19.º do CIVA.

Em resumo, pelo quadro que consta do ponto c2 do Relatório da Inspecção Tributária constata-se que no ano de 2012 foi deduzido indevidamente IVA pela A... líquido de regularizações, relativo a fornecimentos em nome da W... no montante de € 410.736,82.

Quanto ao ano de 2013 o montante de IVA indicado no mesmo quadro como tendo sido indevidamente deduzido pela A... líquido de regularizações, relativo a fornecimentos em nome da W..., é no montante de € 1.545.049,16. Considerando que não se pode considerar indevidamente deduzido o imposto referente às vendas efectuadas pela W... no interesse da a P..., Lda. e Q...- Unipessoal, Lda. no valor de € 1.427.000,00, deve ser abatido àquela quantia o IVA correspondente a esta quantia, no valor de € 328.210,00 (€ 1.427.000,00 x 0,23).

Pelo exposto, conclui-se que as liquidações de IVA impugnadas relativas aos meses de Outubro e Novembro de 2013, em que foram efectuadas as transacções pela W... com mercadorias da P..., Lda. e Q...- Unipessoal, Lda assentam em erro sobre os pressupostos de facto quanto ao montante de € 328.210,00 de IVA.

Mas, não se demonstra idêntico vício quanto às liquidações relativas ao ano de 2012, quanto ao montante de €410.736,82 de IVA, correspondente a facturação no valor global de €1.785.812,24.

 

5.2. – R... Unipessoal, Lda.

 

A sociedade R... Unipessoal, Lda., não apresentava qualquer declaração relativa a IVA ou IRC ou a IES.

No ano de 2013, a Requerente declarou ter efetuado aquisições no valor de €4.475.117,00 à R... Unipessoal, Lda., com base em faturação respeitante a ouro cascalho 800 para reciclagem, em que foi liquidado IVA no valor de €836.810,28, que a R... não entregou e que a A... deduziu e solicitou reembolsos.

Refere a Autoridade Tributária e Aduaneira o seguinte, como indícios de que não ocorreram as transacções:

Não existem empresas a mencionar ter efetuado vendas a R..., Lda.

Na segurança social, não consta qualquer trabalhador inscrito ao serviço da empresa, nem a empresa apresentou quaisquer declarações de remuneração.

Acresce ainda que nesta faturação foram manipulados os preços unitários, de modo a que as faturas passassem a conter IVA, permitindo à A... deduzi-lo, ou seja, o preço unitário sem IVA é consideravelmente inferior à cotação do ouro no mercado internacional, só sendo superior ao valor de mercado se acrescermos o IVA ao preço unitário sem IVA. Desta forma o emitente da fatura recebe um valor superior, apropriando-se do respetivo IVA que não entrega nos cofres do Estado. Por seu turno, a A... para além de ganhar quota de mercado ao atrair mais fornecedores ainda solicita reembolsos ao Estado.

Acontece que no cascalho de ouro, a liquidação de IVA é devida pelo adquirente, devendo aplicar-se a regra de inversão do sujeito passivo. No processo de inquérito onde foram recolhidos os dados ficou demonstrado que tanto a A... como a R..., Lda, tinham conhecimento de que esta prática era ilegal, mas apesar disso usaram este expediente de que ambas beneficiaram em prejuízo do Estado.

Para além do comportamento descrito evidenciar que a faturação da R..., Lda. para a A... não corresponde a verdadeiras transações, o próprio sócio gerente reconheceu, em auto de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 11, que todas as faturas da R..., Lda. são falsas porquanto a sociedade nada vendeu.

Ficou assim demonstrado que toda a faturação de R..., Lda. para a A..., é na sua íntegra falsa, pelo que os montantes de €3.638.306,93 e €836.810,28, em sede de IRC e IVA, respetivamente, não podem ser aceites para efeitos fiscais.

 

            Foi produzida prova que aponta no sentido de não terem sido efectuadas as transacções a que se referem as facturas emitidas pela R... Unipessoal, Lda., sendo manifestamente relevante o facto de o próprio sócio-gerente DDD... reconhecer que aquela empresa não efectuou qualquer venda, limitando-se o sócio-gerente a emitir facturas em nome da empresa, assinar e carimbar cheques emitidos pela Requerente e a receber uma percentagem do valor facturado, acrescentando que nunca entrou na sede da A.... ( [4] )

O facto de o gerente da R... Unipessoal, Lda referir não ter efetuado qualquer dos negócios, desconhecer quem é o responsável da A... e de nem sequer ter entrado na A..., aponta manifestamente no sentido de a Requerente ter conhecimento de que as vendas não eram efectuadas por aquela empresa, com quem não se provou ter tido qualquer contacto, o que permite concluir que havia o conhecimento de todos os intervenientes de que a aparente intervenção daquela empresa consubstanciada na emissão de facturas era fictícia, o que tem como consequência que se esteja perante operações simuladas, por interposição fictícia do vendedor.

            Por outro lado, o facto referido pela Autoridade Tributária e Aduaneira de o IVA relativo a vendas de cascalho de outro nem deve ser liquidado pelos vendedores, mas sim pelos adquirentes (o que tem de se presumir ser do conhecimento da Requerente, que tinha larga experiência na comercialização de ouro), aponta também no sentido de se estar perante uma situação de fraude, para permitir à Requerente a dedução do IVA referido nas facturas como tendo sido pago, sem que houvesse correspondente entrega do seu montante pela R... Unipessoal, Lda. ao Estado.

Também quanto a estas vendas, a Requerente não fez prova de que as transacções foram efectivamente realizadas, pelo que, aplicando as regras do ónus da prova que se referiram, é de concluir não se pode imputar vício às liquidações impugnadas, pelo invocado erro sobre os pressupostos de facto.

Por outro lado, estando-se perante operações simuladas por interposição fictícia do vendedor, apesar de terem ocorrido transacções, não é permitida a dedução de IVA, por força do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, como entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por isso, não existe erro sobre os pressupostos de facto ou de direito quanto a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que foi indevidamente deduzido o IVA no valor de €836.810,28, liquidado nas facturas da R... Unipessoal Lda.

 

            5.3. Dedução de IVA liquidado ela T...

No ano de 2013, a A..., contabilizou compras suportadas por faturas da T..., no valor de €3.420.091,00, valor que inclui IVA no montante de €352.557,42 que a Requerente deduziu, sendo €88.633,97 referentes a aquisições de prata fina e €263.923,45 a aquisições de cascalho de ouro, mercadoria em que a liquidação de IVA é devida pelo adquirente, devendo aplicar-se a regra de inversão do sujeito passivo (artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 362/99, de 16 de Setembro.

Refere a Autoridade Tributária e Aduaneira que «ficou demonstrado no processo de inquérito onde foram recolhidos os dados, que tanto a A... como a T..., tinham conhecimento de que a liquidação de IVA no cascalho era contrária a lei, conforme atestam os documentos de que se junta fotocópia em anexo 14, onde o IVA é considerado como parte do lucro, mas apesar disso usaram este expediente de que ambas beneficiaram em prejuízo do Estado. A T... ao faturar com intenção de não entregar o IVA ao Estado, considerou que o IVA estava incluído no preço, o que lhe permitiu vender a um preço superior ao de mercado, apesar de o preço unitário sem IVA, ser inferior ao da cotação no mercado internacional. A A... deduziu o IVA e solicitou reembolsos e, ao comprar a preço inferior ao da cotação oficial, permitiu-lhe aumentar a sua quota de mercado».

A T... não entregou ao Estado o IVA que liquidou.

A Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que «o IVA liquidado pela T... para a A..., no montante de €263.923.45, concernente a vendas de cascalho de ouro, não confere assim direito à dedução porquanto se trata de uma fraude praticada pelos responsáveis da T... e A...».

A Requerente defende que «a AT não alegou nem provou o concreto conhecimento da A. sobre as actuações fiscais divergentes dos seus fornecedores ou da eventual fraude levada a caso pela T...».

A conclusão de que ocorreu «fraude» que é obstáculo ao exercício do direito à dedução pela Requerente baseia-se no entendimento de que a «T... ao faturar com intenção de não entregar o IVA ao Estado, considerou que o IVA estava incluído no preço, o que lhe permitiu vender a um preço superior ao de mercado, apesar de o preço unitário sem IVA, ser inferior ao da cotação no mercado internacional».

Não se está, quanto a este ponto, perante facturas falsas ou operações simuladas, pelo que recai sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira ónus da prova de se verificaram os pressupostos de facto que invoca (artigo 74.º da LGT).

Não estão demonstrados nos autos os factos em que assenta esta conclusão, designadamente a «cotação do ouro no mercado internacional» e o aumento da quota de mercado que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere a Requerente conseguiu obter com os procedimentos em causa.

Por outro lado, nem é claro o fundamento de recusa do exercício do direito à dedução, pois a «fraude», podendo constitui infracção criminal nos termos dos artigos 103.ºe e 104.º do Regime Geral das Infracções Tributárias) não é, só por si, um fundamento de recusa desse direito previsto no artigo 19.º do IVA, pelo que só poderia ter relevância para este efeito se se enquadrasse em alguma das situações aí arroladas, enquadramento esse que deveria ser indicado no Relatório da Inspecção Tributária, pois a fundamentação relevante tem de ser contemporânea do acto. ( [5] )

Pelo exposto, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto a este ponto, quanto ao valor de € 263.923,45, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

5.4. Violação de princípios boa fé, da imparcialidade, da proporcionalidade e da justiça e o dever de prossecução do interesse público

 

A Requerente defende que as liquidações impugnadas ofendem os princípios constitucionais da boa fé, da imparcialidade, da proporcionalidade e da justiça e o dever de prossecução do interesse público, impostos pelo artigo 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º e 58.º da LGT.

No entender da Requerente a violação deste princípio decorre de no procedimento de inspecção «nenhuma questão, esclarecimento, visita ou elemento foi pedido ao contribuinte» e «as conclusões apresentadas nenhuma delas resulta de testes ou verificações efectuadas pela AT junto ao contribuinte em concreto».

No que concerne ao primeiro ponto, a Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada para exercer o direito de audição antes da elaboração do Relatório da Inspecção Tributária, com base no respectivo projecto, pelo que teve oportunidade de saber antecipadamente da Autoridade Tributária e Aduaneira e os pontos que lhe convinha esclarecer.

No que concerne ao facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira ter baseado a sua posição em elementos extraídos de um processo de natureza criminal, trata-se de prova documental obtida com a idoneidade inerente a tal tipo de processos, que pode ser utilizada no procedimento tributário, em face da admissibilidade de qualquer meio de prova (artigo 72.º da LGT).

Não se demonstra, assim, a violação destes princípios, na perspectiva de violação defendida pela Requerente.

 

 

5.5 Preterição de Formalidades Essenciais – Vício de Fundamentação Formal e Substantiva

 

A Requerente imputa às liquidações impugnadas vício de violação do dever de fundamentação substantiva por a Autoridade Tributária e Aduaneira

– partir de «um processo crime e de divergências declarativas entre sujeitos passivos para aferir de toda uma realidade, sem a contextualizar no tempo e no espaço junto da A.»;

– analisar «todos os pagamentos concretizados por cheques ou transferência bancaria, mas não concretiza o elemento diferenciador que permite considerar uns como custo fiscalmente aceite e, outros como pagamentos de faturas falsas»;

– não expressar de modo claro congruente e suficiente os motivos porque conclui que o fornecedor W... se assumiu como “empresa de fachada” e vendeu mercadorias de terceiros;

– bem como não expressa de modo coerente e bastante os motivos porque concluiu que os fornecedores P..., Lda e à Q...– Unipessoal, Lda sendo não declarantes ou declarantes divergentes e não “pagadores” de IVA ao Estado têm as suas vendas à A. consideradas como custo fiscalmente aceite;

 

Relativamente às transacções efectuadas com os fornecedores P...–, Lda e à Q...– Unipessoal, Lda. já se referiu que não há fundamento para considerar indevida a liquidação de IVA, pelo que não tem relevo prático a deficiência de fundamentação que a Requerente imputa às liquidações.

No que concerne à explicação para a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitar fiscalmente uns custos e considerar outros como pagamentos de faturas falsas, resultam do Relatório da Inspecção Tributária as razões para tal distinção que se traduzem na existência de indícios de que as transacções não se realizaram, nos casos em que considerou estar-se perante facturas falsas.

No que concerne à conclusão formulada pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que o fornecedor W... se assumiu como “empresa de fachada” não constitui um facto, mas sim um juízo que pretende exprimir a convicção que a Autoridade Tributária e Aduaneira formou com base na matéria de facto, mas a adequação ou não daquele «rótulo» não constitui um pressuposto da decisão.

Quanto à referência de que a W... vendia mercadorias de terceiros, a afirmação corresponde à realidade, desde logo no que concerne às mercadorias das empresas fornecedores P..., Lda e à Q...– Unipessoal, Lda.

Não se demonstra, assim, o vicio de falta de fundamentação substantiva invocado pela Requerente.

           

5.6. Violação das regras do ónus da prova

           

A Requerente faz referência a este vício relativamente aos factos respeitantes à T... .

Como já se referiu, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade das liquidações na parte que assentam nos factos referidos, pelo que deixa de ter relevo invalidante a eventual ofensa das regras do ónus da prova.

 

5.7. Ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto

 

A Requerente imputa vícios às liquidações porque «se não há sentença transitada em julgado do processo a partir do qual foram realizadas as analise documentais e extraídos os documentos que serviram de suporte ao RIT, imponha-se à AT a busca pela percepção desta realidade junto do contribuinte, mas o que não ocorreu» e a Autoridade Tributária e Aduaneira «não logrou comprovar, no tempo, modo e lugar, a atividade desenvolvida pela A., seus métodos e mecanismos, efetiva recepção de fornecedores, tratamento interno das compras e das venda, entre outros».

Como já se referiu, a prova produzida num processo de inquérito criminal é passível de ser utilizada num procedimento tributário, não havendo razões para atribuir-lhe menor idoneidade do que a produzida directamente neste.

Por outro lado, os documentos juntos têm valor autónomo no presente processo, idêntico ao que tinham no processo de inquérito criminal.

Quanto à prova dos factos em que assentam as liquidações impugnadas, já se fez a sua valoração, a propósito de cada uma das situações e foram aplicadas as regras do ónus da prova.

 

5.8. Ilegalidade por erro sobre os pressupostos de direito e direito à dedução

 

A Requerente refere que «o IVA visa apenas a tributação em sede de consumidor final, pelo que os operadores intermédios tem de repercutir o valor pago, no caso dos operadores domésticos pelo direito à dedução (faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuou, o tributo que lhes foi faturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de IVA), no caso dos operadores exportadores pela dedução e/ou reembolso (consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal)» e que «quando esta neutralidade é interrompida o espírito do legislador é contrariado, o que se justifica apenas em situações muito específicas, onde o direito à dedução é superado por preceito legal digno de maior proteção: como a fraude fiscal».

No caso em apreço, no que concerne à matéria relativa à T... a questão deste erro deixa de ter relevância, por dever ser julgado procedente o pedido de pronúncia arbitral.

No que concerne à restante matéria, está em causa uma situação de proibição do direito à dedução, prevista no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, relativamente a operações simuladas, que se compagina com a legislação da União Europeia, que permite que os Estados-Membros prevejam as «obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exacta do IVA e para evitar a fraude» (artigo 273.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.

No caso em apreço, através da intervenção em operações simuladas de operadores económicos que liquidaram IVA, mas não entregaram ao Estado o IVA liquidado, a Requerente deduziu IVA, com evidente prejuízos para o Estado.

Trata-se assim, de uma situação em que se justifica a restrição do direito à dedução.

No que concerne aos artigos 103.ºe 104.º do RGIT, são referidos no Relatório da Inspecção Tributária para indicar que os factos apurados são susceptíveis de constituírem infracções, mas não são fundamento das liquidações, que assentam apenas no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA.

 

5.9. Presunção de veracidade e de boa fé das declarações e da contabilidade

 

O artigo 75.º, n.º 1 da LGT estabelece que se «presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita».

Trata-se de uma presunção ilidível, pelo que não fica afastada a possibilidade de a Autoridade Tributária e Aduaneira procurar demonstrar que a realidade é diferente da declarada e contabilizada.

Foi isso que a Autoridade Tributária e Aduaneira fez no caso em apreço, com parcial sucesso, como resulta da apreciação que se fez das situações relativas a casa uma das empresas cujas transacções estão subjacentes às liquidações.

Não há, assim, violação daquela presunção.

 

5.10. Inexistência de facto tributário

 

A Requerente defende que «o ato tributário é ilegal por inexistência de facto tributário o que constitui fundamento de ilegalidade do ato tributário controvertido» e que, em situação de dúvida fundada deverá o acto ser anulado, por força do artigo 100.º do CPPT.

Quanto a existência ou inexistência de factos já se referiu o que deve entender-se a face da prova produzida e das regras do ónus da prova.

Nos caso em que se entendeu que recai sobre a Requerente o ónus da prova, designadamente sobre a existência das transacções relativamente as quais há indícios de serem simuladas, a Requerente não apresentou provas da sua existência, pelo que não se verifica uma situação de dúvida fundada sobre a sua existência.

As situações de dúvida fundada, nos casos em que o ónus da prova é imputado ao contribuinte, são aquelas em que ele apresenta provas que levam o Tribunal a ficar numa situação de dúvida sobre a existência dos factos tributários, o que não sucede no caso em apreço, em que apenas foi apresentada prova documental que não tem potencialidade para demonstrar que foram realizadas as operações que se consideraram simuladas.

 

5.11. Falta de fundamentação da liquidação de IVA do período de Maio de 2014

 

Entre as liquidações impugnadas inclui-se a n.º..., referente ao período de Maio de 2014.

O Relatório da Inspecção Tributária nada refere relativamente ao de 2104, pelo que se desconhece quais os fundamentos para a liquidação referida.

Assim, esta liquidação no montante de €37 995,48, enferma do vício de falta de fundamentação que a Requerente lhe imputa, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

6. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pediu a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar-lhe os reembolsos de IVA com juros indemnizatórios.

Como se disse no ponto 2., este Tribunal Arbitral não tem competência para condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar reembolsos de IVA que lhe foram solicitados em procedimento tributário próprio.

Por outro lado, este Tribunal tem competência para condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar reembolsos que decorram da anulação das liquidações adicionais impugnadas no presente processo.

Mas, não tendo a Requerente comprovado o pagamento do IVA liquidado adicionalmente, não há imposto a reembolsar como consequência da anulação parcial das liquidações ( [6] ).

Por outro lado, de harmonia com o n.º 1 do artigo 43.º da LGT, há lugar a juros indemnizatórios que se determine no processo de impugnação que «houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Não tendo a Requerente efectuado qualquer pagamento na sequência das liquidações, não resultou dos erros que as afectam qualquer pagamento indevido, pelo que está afastado o direito a juros indemnizatórios como consequência da anulação das liquidações. ( [7] )

 

 

7. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

 

  1. Julgar procedente a excepção da incompetência para condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar reembolsos que lhe foram pedidos em procedimento próprio e absolvê-la da instância, na parte respectiva;
  2.  Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  3. Anular as liquidações de IVA referentes aos períodos de Julho de 2013, Agosto de 2013, Setembro de 2013 e Outubro de 2013, na parte em que assentam em IVA deduzido relativamente as transacções com a T... (no montante de € 263.923.45 de IVA);
  4. Anular as liquidações de IVA relativas aos períodos de Outubro de 2013 e Novembro de 2013 na parte em que se assentam em transacções efectuadas pela W... com mercadorias da P..., Lda. e Q...- Unipessoal, Lda (no montante global de € 328.210,00 de IVA);
  5. Anular a liquidação relativa ao mês de Maio de 2014, no valor de €37 995,48;
  6. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte restante, incluindo quanto ao pedido de condenação em juros indemnizatórios.

 

8. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 3.184.264,91.

 

9. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 40.698,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente A..., S.A. na percentagem de 80,21% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 19,79%.

 

 

Lisboa, 19-11-2018

 

 

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Leonardo Marques dos Santos)

 

(Sílvia Oliveira)



[1] Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revisto, e respeitando a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas, em que se manteve a ortografia do original.

[2] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

- de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207.

- de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289.

- de 09/10/2002, processo n.º 600/02.

- de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

 

                Em sentido idêntico, podem ver-se:

 - MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".          

- MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".

[3]              Entre vários, podem ver-se os recentes Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 28-09-2017, proferido no processo n.º 06185/12; de 25-01-2018, proferido no processo n.º 06744/13; de 07-06-2018, proferido no processo n.º 09855/16); e de 11-10-2018, proferido no processo n.º 1594/09.0BELRA.

 

[4] Como se refere nas declarações de DDD..., «desconhece quem seja o responsável da "A...", sendo certo que, todas as facturas que emitiu para esta empresa foram passadas no escritório da “EEE..., Lda”, cujo responsável, Sr. FFF..., o respondente conhece há já vários anos» (...)  «relativamente às facturas passadas à "A...", o negócio era feito pelo FFF... e por um tal de ...(sócio da "OO..."). Os dois juntavam ouro (sempre ouro), o respondente passava a factura. Em seguida o tal ... apresentava a factura à "A...", recebia o cheque correspondente e combinava com FFF... qual o banco em que deveria ser levantado. Nunca o respondente entrou na sede da "A...", sendo sempre o tal ... que levava lá a mercadoria. Seguidamente o respondente era acompanhado ao banco definido por FFF... e pelo tal de ..., ora por um funcionário de FFF... ou pelo irmão deste, que sabe ser ..., os quais procediam ao levantamento do cheque. A participação do respondente limitava-se a ser a de assinar e carimbar o cheque em causa, sendo o dinheiro recebido pela pessoa que o acompanhava ao banco, esta sempre da confiança de FFF..., sendo óbvio que o dinheiro se destinava a FFF... .»

 

[5]  Eventualmente, poderia estar-se perante uma situação enquadrável no n.º 4 do artigo 19.º do CIVA, se se demonstrassem todos os requisitos aí referidos, mas, não se tendo baseado as liquidações nessa norma, está afastada a possibilidade de dar relevância a esse possível enquadramento, em face da inatendibilidade de fundamentos não contemporâneos do acto (fundamentação a posteriori).

[6]              Sem prejuízo do que for decidido no procedimento tributário relativo aos pedidos de reembolso.

[7]              Sem prejuízo do que for decidido no procedimento tributário relativo aos pedidos de reembolso.