Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
I. RELATÓRIO
I.1
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Em 09 de Abril de 2018 a contribuinte A..., Lda., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... Maia, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 16 de Abril de 2018.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
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A AT apresentou a sua resposta em 03 de Setembro de 2018.
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Por despacho de 06.09.2018, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.
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Notificadas para o efeito, nenhuma das partes apresentou alegações.
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Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, a ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2016..., relativa ao exercício de 2012, dos juros compensatórios com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à requerente da quantia de €12.267,84, acrescida de juros indemnizatórios.
II.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
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Através da ordem de serviço OI2014..., teve início, em 14-08-2014, procedimento de inspeção externo à requerente, no âmbito de pedido de reembolso de IVA.
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Desse procedimento resultou o relatório de inspeção remetido à requerente em 28-03-2017.
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De acordo com aquele relatório os atos de inspeção daquele procedimento inspetivo foram dados por concluídos em 27-09-2016.
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No decurso daquela inspeção foram solicitados à requerente, para além da disponibilização de toda a contabilidade, inúmeros documentos e esclarecimentos que os seus gerentes prestaram, dentro do que era o seu conhecimento.
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Coincidindo com a conclusão daqueles atos de inspeção – o que ocorreu em 27-09-2016- foi a requerente confrontada, em 24-10-2016, com outro projeto de relatório de inspeção, iniciado com a OI 2015..., que veio a dar origem ao relatório definitivo em que se sustenta a liquidação ora impugnada.
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De acordo com os aludidos projeto e relatório, a inspeção em causa, iniciada com a OI 2015..., teve origem, sem referir o anterior procedimento de inspeção, “por se terem detetado transações e factos com implicações fiscais, em sede de IRC”.
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Alega a Requerente que é falso que a ação inspetiva, iniciada com a OI 2015..., tenha caráter interno.
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De acordo com a Requerente é o próprio relatório que expressamente assume que os atos de inspeção tiveram caráter externo, pois é manifesto que resultaram da recolha de elementos no procedimento externo que estava em curso.
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A Requerente prossegue referindo que da fundamentação do relatório ora em causa resulta, com ostensiva evidência, que os pretensos atos de inspeção interna levados a cabo se sustentam exclusivamente nos atos de inspeção realizados naquele outro procedimento de inspeção externo.
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O art. 13.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), acolhe o critério de distinção entre procedimentos de inspeção internos e externos, esclarecendo que o procedimento é qualificado como interno “quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos”, sendo externo “quando os atos de inspeção se efetuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso”.
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Quer isso dizer que a inspeção só será qualificável como interna quando foi efetuada com base em documentos não obtidos através de atos inspetivos exteriores aos serviços, o que, face ao já descrito, para a Requerente, não é o caso.
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A violação das regras inerentes ao procedimento de inspeção tributária originam vícios determinantes da anulabilidade da liquidação que resulte de tal procedimento, como estabelece o n.º 1 do artigo 163º do NCPA.
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Outra interpretação seria violadora dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção da confiança que se assumem como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático (art. 2º da CRP), e que implicam a certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado.
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Deste modo, conclui a Requerente, que declarada a ilegalidade da liquidação, tem direito não só ao respetivo reembolso, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, a juros indemnizatórios.
II.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
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O procedimento de inspeção, credenciado pela Ordem de Serviço OI2014..., teve início em 14/08/2014.
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Em Março de 2017 foi remetido o relatório de inspeção, cuja notificação (em 20/03/2017) marcou a conclusão do procedimento de inspeção (OI2014...).
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Do relatório de inspeção elaborado nesse procedimento, constava o seguinte:
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Nesse relatório, no ponto III.1.4- na letra C, são referidas expressamente as implicações fiscais das irregularidades encontradas nos inventários:
”
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Foi emitida em 9/03/2015 a OI2015..., de âmbito parcial para Imposto do Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) para o ano 2012, no âmbito da qual, como resulta do respetivo relatório de inspeção, foram utilizados os elementos recolhidos anteriormente:
«
»
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A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia ao abrigo do artigo 60º da LGT e do RCPIT, por ofício de 21/10/2016 com referência ao projeto de correções do relatório de inspeção emitido sob a ordem de serviço OI2015..., o qual foi convertido em definitivo.
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A existir qualquer irregularidade no procedimento inspetivo, ficou sanada com a intervenção da Requerente no procedimento, sem que a mesma tenha sido invocada.
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Se os elementos recolhidos em sede de procedimento de inspeção externo, no caso operações/transações, apenas podem originar correções no âmbito desse imposto de acordo com a credenciação, tal não impede, que a AT, ao ter conhecimento que essas transações cujos elementos foram recolhidos legitimamente, também têm possíveis implicações em sede de IRC, na posse desses elementos possa abrir outro procedimento mais adequado, para depois de análise desses documentos possa propor as correções necessárias no âmbito de IRC.
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Para a AT, não se pode afirmar que, por terem sido recolhidos no âmbito de outro procedimento de inspeção apenas referente a IVA/2014, não possam ser analisados, porque já na posse da AT, a fim de verificar todas as implicações daquelas omissões no inventário em sede de outros impostos, legitimando essa análise com uma credencial adequada.
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Assim, tais elementos foram recolhidos de forma legal e de modo algum seria legítimo, à AT, estando na posse desses elementos abrir uma nova ação de inspeção externa, com nova deslocação à sede da empresa, para recolher os mesmos elementos que já tinha na sua posse.
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Razão pela qual, estando a inspeção tributária na posse dos elementos onde se depara com situações desconformes no âmbito de outro imposto, encontra sustentação para a necessidade de emitir outra credencial com âmbito e extensão adequados que o habilitam a fazer as respetivas correções no âmbito de IRC.
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Para a AT o procedimento de inspeção aberto com a ordem de serviço OI2015..., foi corretamente qualificado de interno nos termos do artigo 13º do RCPIT, pois decorreu totalmente nas instalações da AT, por os documentos analisados estarem na posse da AT, e não ter sido necessária qualquer deslocação às instalações da Requerente.
II. SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.
As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo é o próprio.
Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
III. THEMA DECIDENDUM
A questão central a decidir, tal como colocada pela Requerente, está em saber se os elementos documentais recolhidos no âmbito de um procedimento tributário de inspeção externa podem ser utilizados posteriormente num procedimento de inspeção interna, sem alterar a sua classificação interna.
IV. – MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
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Através da ordem de serviço OI2014..., teve início, em 14-08-2014, procedimento de inspeção externo à requerente, no âmbito de pedido de reembolso de IVA.
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Desse procedimento resultou o relatório de inspeção remetido à requerente em 28-03-2017.
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Os atos de inspeção daquele procedimento inspetivo foram dados por concluídos em 27-09-2016.
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No decurso daquela inspeção foram solicitados à requerente, para além da disponibilização de toda a contabilidade, documentos (inventários e transações) e esclarecimentos que os seus gerentes prestaram.
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Foi emitida em 09/03/2015 a OI2015..., de âmbito parcial para Imposto do Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) para o ano 2012, tendo este procedimento tributário inspetivo sido classificado como interno.
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A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia ao abrigo do artigo 60º da LGT e do RCPIT, por ofício de 21/10/2016 com referência ao projeto de correções do relatório de inspeção emitido sob a ordem de serviço OI2015..., o qual foi convertido em definitivo.
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A Requerida utilizou neste procedimento inspetivo (OI2015...), os documentos recolhidos no procedimento inspetivo iniciado pela ordem de serviço OI2014..., tais como os inventários e transações.
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O procedimento inspetivo (OI2015...) foi concluído e notificado à requerente através do ofício datado de 14/03/2017.
IV.2. Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.
IV.3. Motivação da matéria de facto
Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam dos números 1 a 8 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 4 do pedido de constituição do Tribunal) e pela posição assumida pelas partes.
V. O Direito
V1. Inspeção Externa vs. Inspeção Interna
A principal questão jurídica a dirimir é a classificação do procedimento de inspeção tributária.
A redação do art. 13º do RCPITA, à data da emissão ordem de serviço OI2015... (09/03/2015), era a seguinte:
Lugar do procedimento de inspecção
Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso
A AT classificou o procedimento de inspeção tributário como interno. A classificação do procedimento como interno, dada pela AT, não é vinculativa e não está dependente da sua discricionariedade. Nesse sentido vide o douto acórdão do TCAS, de 01-10-2014 no âmbito do processo n.º 04817/11, disponível para consulta em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:
I - Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em: a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos; b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.
II - A qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo.
Na senda da mais autorizada doutrina[1] e jurisprudência sobre a matéria, «o carácter interno ou externo do mesmo [o procedimento de inspeção] não poderá ser arbitrariamente fixado pela Administração Tributária, resultando antes da necessidade de realizar atos de inspeção "em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso» (cf. acórdão arbitral proferido no Processo n.º 164/2013-T do CAAD).
O procedimento de inspeção pode classificar-se em procedimento interno ou procedimento externo (art.º 13º, al. a) e b) do RCPITA).
Tendo em conta a redação do art. 13º do RPITA à data da emissão da ordem se serviço (09.03.2015), o procedimento será interno quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da AT através da análise da forma e da coerência dos documentos.
O procedimento será externo quando os atos de inspeção se efetuam total ou parcialmente nas instalações do sujeito passivo.
Para que o procedimento possa ser classificado como interno, os atos de inspeção terão de ser praticados exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos. Caso o não sejam, estaremos perante um procedimento externo.
O procedimento interno é uma espécie de inspeção cadastral, efetuada dentro dos próprios serviços de inspeção, com recurso aos elementos declarados pelos sujeitos passivos e àquelas a que a AT tenha acesso diretamente. Este tipo de procedimento engloba atividades de mera constatação em que a Administração se limita a verificar o cumprimento por parte dos sujeitos passivos dos seus deveres declarativos, quer se trate de deveres declarativos principais ou acessórios.
Nestes casos a Administração afere, de acordo com a informação que tem disponível, se o sujeito passivo cumpriu ou não com os seus deveres e se existe alguma discrepância com outros elementos que tenha na sua posse, nomeadamente declarações de entidades terceiras. Trata-se de atividades de controlo, em que a Administração não efetua qualquer diligência fora das suas instalações.
No caso em apreço a AT utilizou a documentação que tinha sido obtida no âmbito de um outro procedimento tributário externo (OI2014...) efetuado à Requerente.
No procedimento de inspeção sub judice (OI2015...) os inspetores da AT não se deslocaram às instalações da Requerente, de outro contribuinte, nem solicitaram a documentação a terceiros. Os atos inspetivos foram realizados todos exclusivamente nos serviços da administração tributária. Os atos inspetivos consistiram na análise da documentação que já estava na posse da AT.
Porquanto, o procedimento de inspeção tributária deve ser material e formalmente classificado como sendo interno ao abrigo do art. 13º, al. a) do RCPITA.
Citando Nuno de Oliveira Garcia e Rita Carvalho Nunes: “(…) afigura-se que na opção pelo inicio de uma inspecção externa deverá relevar o facto de existir, ou não, outro meio de controlo, designadamente o procedimento interno de inspecção, que se revela apto a conduzir ao apuramento da verdade material subjacente aos factos declarados e ao cumprimento das obrigações tributárias do sujeito passivo. Da mesma forma, deverá relevar também a existência de conclusões relativas ao mesmo sujeito passivo inspecionado e a exercícios anteriores/posteriores que possam ser aproveitados, em vez de iniciar novos procedimentos inspetivos externos” In Revista de Finanças Publicas e Direito Fiscal, Ano IV, 1, 2011, pág. 267.
A abertura de um novo procedimento externo, como parece exigir a Requerente, esse sim seria comprometedor por implicar a prática de atos intrusivos na vida corrente da contribuinte, através da ocupação de um espaço na sede do contribuinte por parte dos inspetores da AT e pela exigência do seu acompanhamento. Este procedimento seria desproporcional e desnecessário (art. 7º do RCPITA) porque a AT já tinha em sua posse os documentos necessários para elaborar o projeto e o subsequente relatório final.
Face ao exposto, entendemos que o procedimento inspetivo em análise deve ser classificado de interno.
Neste sentido cfr. Ac. do Tribunal Central Administrativo do Sul de 29/06/206, proc. n.º 29/09/2016
V – Se os documentos e informações a que a Administração Tributária “acedeu” e que estiveram – após confronto realizado com as declarações apresentadas pelo contribuinte – na origem do procedimento vieram à sua posse e por si ficaram a ser detidos após o cumprimento por parte de determinadas instituições dos deveres legais a que se encontram adstritas (previstas no artigo 119°, n°12, alínea b) do Código do IRS, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº72-A/2010, de 18 de Junho - declarações Modelo 39), não existe qualquer fundamento para concluir que esse acesso se concretizou fora das suas instalações ou que a Administração apenas teria direito a aceder a esses mesmos elementos se se deslocasse à sede dessas instituições.
Ainda que o procedimento de inspeção interna tivesse sido mal classificado, cabia à requerente indicar que formalidades impostas teriam sido preteridas ou violadas que conduzisse à anulação da liquidação. Neste sentido cfr. Ac. do STA de 29.06.2016, proc. n.º 01095/15: I - Ainda que o procedimento de inspecção tenha sido erradamente qualificado como interno, quando o deveria ter sido como externo, esse erro irreleva para a decisão a proferir se não puder concluir-se ter sido preterida qualquer formalidade essencial imposta por esta última modalidade de inspecção.
Não tendo, nesta parte, a Requerente cumprido o seu ónus de alegação quanto à causa de pedir, no que diz respeito aos vícios imputados ao ato tributário impugnado (art. 10º, n.º2, al. c) do RJAT), também por esta via está o pedido de anulação da liquidação condenado à improcedência.
Por fim, a Requerente invoca a violação dos princípios constitucionais da segurança e da proteção da confiança decorrentes do art. 2º da CRP.
Contudo, a sua alegação desprovida de qualquer justificação ou densificação, não nos permite descortinar de que forma estes princípios constitucionais podem ter sido violados no caso em apreço. Incumbe à Requerente enunciar concretamente a questão de inconstitucionalidade, de molde a que o Tribunal perante o qual o problema é suscitado, saiba que tem uma determinada problemática de constitucionalidade para decidir, o que demanda a identificação de forma expressa, direta e clara, da norma ou um seu segmento ou uma dada interpretação que se qualifique como violadora da Lei Fundamental. Neste sentido, escreveu-se no Acórdão n.º 269/94, proc. n.º 874/93:
"Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que - como já se disse - tal se faça de modo claro e percetível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma), que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a Lei Fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringidos."
O Requerente não enuncia nem aduz quaisquer argumentos, ainda que com um mínimo de conteúdo, no sentido de que os princípios invocados foram violados.
Tal como se afirma no Acórdão n.º 128/98, proc. n.º 792/96:
“(...) Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objeto, que o recorrente tenha suscitado uma questão de constitucionalidade normativa durante o processo.
Ora, uma questão de constitucionalidade só se considera suscitada de modo adequado durante o processo quando o recorrente identifica com precisão a ou as normas que entende serem inconstitucionais, quando indica as normas ou princípios constitucionais que considera violados e quando apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade suscitada”.
Deste modo, recai sobre a Requerente o ónus de individualizar o fundamento da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado, desenvolvendo, minimamente, o entendimento que permita concluir que as normas (ou interpretações normativas) aplicadas serão inconstitucionais. Trata‑se de uma decorrência da necessidade de clareza na apresentação dos argumentos que não se satisfaz com a mera atribuição da inconstitucionalidade a qualquer outra interpretação normativa diferente da pretendida ou à aplicação das normas à situação concreta.
Conforme salienta Lopes do Rego (cfr. Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 105), «incumbe ao recorrente fornecer ao tribunal uma justificação ou fundamentação mínima para a inconstitucionalidade que invoca: para além de ter necessariamente de confrontar o tribunal que irá proferir a decisão, impugnada perante o Tribunal Constitucional, com a indicação de quais são, na sua perspetiva, as normas ou princípios constitucionais violados, carece a parte de justificar, em termos inteligíveis e concludentes, a imputação de inconstitucionalidade que faz, articulando-a com um suporte argumentativo mínimo, problematizando a validade constitucional das normas questionadas com um mínimo de substanciação que permita ao tribunal saber que, antes de esgotado o seu poder jurisdicional, tem uma questão jurídico-constitucional para decidir (cf., v.g. os Acórdãos n.os 269/94, 273/94, 16/06, 645/06, 708/06 e 630/08)».
Não obstante a falta de fundamentação da alegada inconstitucionalidade invocada pela Requerente, não descortinamos que a classificação do procedimento em sede de inspeção tributária possa ter violado as normas constitucionais invocadas pela Requerente. O princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança são uma garantia da estabilidade e da previsibilidade da actuação estadual. Esta previsibilidade da atuação da AT no caso em apreço não foi posta em causa porque não ocorreu qualquer alteração no comportamento da AT que justifique a invocação destes princípios. O procedimento de inspeção tributário foi iniciado como interno e foi concluído como interno.
O comportamento da AT na classificação do procedimento de inspeção não criou qualquer expetativa que mereça tutela jurídica.
Deste modo, não ocorreu qualquer alteração no comportamento da AT que justifique a tutela da confiança da Requerente.
Destarte, não julgamos que os princípios constitucionais da segurança e da proteção da confiança da tenham sido violados.
V.3 Juros indemnizatórios
A apreciação da condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios fica prejudicada pela solução atrás alcançada.
Mantendo-se o ato tributário sindicado, em consequência, o pedido de juros indemnizatórios deverá também ser julgado improcedente.
III. DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, da ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2016..., relativa ao exercício de 2012, e dos juros compensatórios;
b) Manter integralmente o ato tributário objeto deste processo;
c) Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo, nos termos infra.
Fixa-se o valor do processo em €12.267,84 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 16 de Novembro de 2018
O Tribunal Arbitral
(André Festas da Silva)
[1] Cfr. Joaquim Freitas Rocha e João Damião Caldeira, RCIPT Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 2013, Pág. 83