DECISÃO ARBITRAL
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Relatório
A - Geral
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A..., contribuinte fiscal n.º..., residente na Rua ..., ..., ..., ... – ... Lisboa, (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 19.01.2018, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando a declaração de nulidade do acto de liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante “IRS”), para o ano de 2016, identificado com o número 2017..., no valor de € 6.123,53 (seis mil cento e vinte e três euros e cinquenta e três cêntimos).
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Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro, não tendo as Partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
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Por despacho de 23.01.2018, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. B... e Dra. C... para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído a 27.03.2018.
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No mesmo dia 27.03.2018 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, solicitar produção de prova adicional e juntar aos autos cópia do processo administrativo.
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No dia 26.04.2018 a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o processo administrativo.
B – Posição da Requerente
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A Requerente declarou e pagou na data prevista legalmente o seu IRS relativo ao ano de 2016 no montante de € 17.266,51 (dezassete mil duzentos e sessenta e seis euros e cinquenta e um cêntimos).
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A Requerida instaurou um processo de divergências com a referência ..., lote..., número..., tendo informado verbalmente que pretendia fosse apresentada uma nova declaração e cópia dos documentos de aquisição e venda de um imóvel sito no ..., ..., ..., ...-... Lisboa (o “Imóvel”), vendido em 2016 e a respectiva mais-valia considerada rendimento desse mesmo ano.
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A Requerente, através da sua contabilista, entregou no Serviço de Finanças de Lisboa ... os documentos solicitados e entregou uma nova declaração e um quadro explicativo da fonte das divergências e de como se deveriam elas resolver.
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A Requerida, a 14.09.2017, comunicou à Requerente a existência de divergências consistentes na não comprovação de todas as despesas e encargos (por não terem enquadramento no art.º 51.º do Código do IRS), sendo aceite apenas o montante de € 10.301,25 (dez mil trezentos e um euros e vinte e cinco cêntimos) relativo à mediação imobiliária, convidando-a a apresentar uma declaração de substituição.
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No uso do seu direito de audição prévia, por carta recebida nos serviços a 12.10.2017, a Requerente explicou a sua posição, nomeadamente, quanto à consideração do valor por si apresentado como sendo o de aquisição do imóvel e reafirmou o direito à dedução de metade das despesas apresentadas.
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Entretanto, a 29.09.2017, a Requerente apresentou uma nova declaração que deu origem à liquidação 2017..., no montante de € 19.042,20 (dezanove mil e quarenta e dois euros e vinte cêntimos).
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A Requerida, a 17.10.2017, voltou a notificar a Requerente da existência de divergências, afirmando que a não apresentação das escrituras de aquisição, de alienação e documentos de despesas declaradas originaria a correcção da declaração, considerando-se apenas os valores conhecidos da AT, o que mereceu nova explicação por parte da Requerente.
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A Requerida deu a situação por regularizada mas emitiu uma declaração oficiosa que deu origem a uma liquidação de IRS no montante de € 23.713,07 (vinte e três mil setecentos e treze euros e sete cêntimos).
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Entende a Requerente que a liquidação ora posta em crise viola as regras de competência estabelecidas no n.º 5 do art.º 65.º do Código do IRS (“CIRS”), porque foi emitida pelo Chefe de Finanças e não pelo Director Distrital, não apresenta qualquer fundamentação, como impõem a Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e a lei, nomeadamente o art.º 66.º do CIRS e nunca a Requerida, em todo o processo administrativo se pronunciou sobre a matéria alegada pela Requerente no seu direito de audição prévia, ao arrepio do que impõe o n.º 7 do art.º 60.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
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O valor de aquisição do Imóvel é de Esc. 21.000.000,00 (vinte e um milhões de escudos), conforme consta de contrato promessa de compra e venda reconhecido notarialmente, sendo Esc. 5.000.000,00 (cinco milhões de escudos) para obras indispensáveis, correspondendo à Requerente metade desse valor.
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Não houve lugar ao pagamento de sisa na aquisição do Imóvel, por estar isenta.
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Ao longo dos anos, a Requerente suportou obras de reconstrução total do telhado, colunas de esgoto, instalação de águas da parte comum, etc., devendo as despesas dos últimos doze anos ser consideradas como dedutíveis.
C – Posição da Requerida
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Depois de apresentada pela Requerente a sua declaração Modelo 3/IRS referente ao ano de 2016, foi aberto processo de divergências pelo seguinte: “A não apresentação das escrituras de aquisição, de alienação e documentos de despesas declaradas na referida declaração origina a correcção da declaração considerando apenas os valores conhecidos da AT, designadamente os constantes na dec. m/11 ou na matriz (valores patrimoniais)”.
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Em sede de audição prévia, a Requerente juntou cópia da escritura pública de aquisição do Imóvel e do contrato promessa de compra e venda que a antecedeu, constando de ambos os documentos ter sido o preço da compra o montante de Esc. 16.500.000,00 (dezasseis milhões e quinhentos mil escudos).
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A compra do Imóvel estava sujeita ao pagamento de sisa, tendo este imposto sido liquidado, nos termos legais então vigentes, sobre o montante de Esc. 16.500.000,00 (dezasseis milhões e quinhentos mil escudos), conforme se depreende do conhecimento de sisa n.º ... de 30.06.1994.
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Juntou a Requerente igualmente documento emitido pela administração do condomínio para justificar as despesas e encargos do Imóvel referentes a quotas mensais de Novembro de 1996 a Julho de 2013 e de Agosto de 2013 a Março de 2016 e a despesas extraordinárias para obras comuns do prédio no montante de € 10.002,00 (dez mil e dois euros) - a que corresponde € 5.001,00 (cinco mil e um euros), ou seja, 50% por ser a Requerente proprietária de apenas metade do Imóvel.
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A declaração emitida pela administração do condomínio com que a Requerente pretende comprovadamente demonstrar os gastos declarados não constitui prova suficiente, não tendo ela juntado uma única factura ou recibo de quitação.
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A Requerida sustenta que das despesas e encargos apresentados comprovam-se apenas os referentes à imobiliária no montante de € 10.301,25 (dez mil trezentos e um euros e vinte e cinco cêntimos).
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Assim, procedeu-se à correcção da declaração apresentada pela Requerente, considerando-se os seguintes valores: i) valor de realização: € 167.500,00 (cento e sessenta e sete mil e quinhentos euros); ii) valor de aquisição: € 41.150,83 (quarenta e um mil cento e cinquenta euros e oitenta e três cêntimos); e iii) despesas e encargos: € 10.301,25 (dez mil trezentos e um euros e vinte e cinco cêntimos).
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Não pode aceitar-se que o valor de aquisição englobe uma quantia - Esc. 4.500.000,00 – para “custear as obras de restauro, recuperação, e melhoramentos no referido andar que já se encontram em curso e na fase final de acabamentos”.
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Também não pode aceitar-se que no apuramento das mais-valias sejam consideradas as despesas de condomínio, nos termos do art.º 51.º do CIRS, que a Requerente demonstrou através de uma declaração da administração do condomínio.
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Mesmo as quantias alegadamente dirigidas para obras comuns do prédio – e a maior parte das despesas de condomínio refere-se apenas a quotizações ordinárias de conservação e manutenção do prédio – a Requerente não fez prova da realização dessas obras e, muito menos, do seu valor.
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Por fim, entende a Requerida não serem devidos juros indemnizatórios, porque a liquidação impugnada não enferma de qualquer vício.
D – Conclusão do Relatório e Saneamento
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A Requerente, por requerimento superveniente de ampliação do pedido, pede ainda a condenação da Requerida à restituição do imposto indevidamente exigido, adicionado de um conjunto de encargos suportados no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2018..., incluindo juros moratórios, despesas e taxas de justiça e despesas relativas à prestação de garantia na modalidade de hipoteca voluntária (registo na Conservatória do Registo Predial, Imposto do Selo e escritura notarial), perfazendo o total de € 6.692,61, ao qual entende deverem acrescer os juros legais compensatórios contados desde a data de pagamento até efectivo recebimento.
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Na sequência da Resposta, no dia 27.04.2018, veio a Requerida oferecer aos autos cópia do conhecimento de sisa nº ... de 30.06.1994, que demonstra que a aquisição do imóvel em causa esteve sujeito ao dito imposto de sisa e que este foi liquidado pelo valor da escritura, ou seja, pelo valor de Esc. 16.500.000,00 (dezasseis milhões e quinhentos mil escudos).
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Convidada a pronunciar-se sobre o documento referido em 1.31, veio a Requerente dizer que:
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Não tinha nem nunca teve conta poupança emigrante, não podendo ser ela beneficiária da legislação a ela inerente;
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O conhecimento de sisa n.º ... não diz respeito à Requerente, mas apenas ao seu cônjuge;
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Não havendo outro conhecimento de sisa para além do referido conhecimento n.º ..., deve aplicar-se o disposto no n.º 2 do art.º 46.º do CIRS.
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No dia 09.05.2018, a Requerente solicitou a junção aos autos de documentação que na véspera havia sido recebida e que reputa de interesse para a apreciação do mérito da causa, chamando a atenção para o facto de terem os elementos enviados “deficiências e irregularidades relevantes”, que não especifica.
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A documentação a que se alude em 1.33. consiste no ofício n.º..., datado de 24.4.2018, pelo qual a Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ... dá a conhecer à Requerente que não foram comprovados os elementos declarados, remetendo para a sua decisão de 17.11.2017 (alteração do valor de aquisição do imóvel e do das despesas).
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Por despacho de 21.09.2018, nos termos do n.º 2 do art.º 21.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), foi pelo tribunal arbitral prorrogado por dois meses o prazo para a prolação da respectiva decisão.
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No dia 01.10.2018 a Requerente respondeu aos esclarecimentos solicitados pelo tribunal arbitral, reiterando que a aquisição do Imóvel se tinha dado por um valor global de Esc. 21.000.000,00 (vinte e um milhões de escudos) e que para a aquisição da parte do Imóvel da Requerente não houve lugar ao pagamento de sisa.
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No dia 03.10.2018, a Requerida, ao abrigo do princípio do contraditório, veio dizer que, no caso concreto, houve lugar ao pagamento de SISA, não tendo relevância, para efeitos dos autos, se o marido da Requerente era, ou não, beneficiário de isenção do imposto de sisa, pois que não beneficiou, de facto, dessa isenção. E que a sisa foi paga de acordo com o valor declarado de Esc. 16.500.000,00, sendo essa a base de incidência da sisa, nos termos do n.º 1 do art.º 46.º do CIRS, é esse o valor de aquisição para efeitos da alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do mesmo diploma legal.
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Mais diz a Requerida que os encargos alegadamente incorridos pela Requerente tiveram por estrita finalidade a preservação do valor do bem e não a valorização acrescida deste, entendida como algo que se deve traduzir num incremento de valor e não na mera manutenção ou preservação de valor, conforme decidiu o acórdão do STA, Processo nº 0587/11, de 21 de Março de 2012 e cuja existência não poderá ser demonstrada pela junção de uma mera declaração da administração do condomínio nem sequer por minutas de actas.
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Por despacho de 04.10.2018, tendo a Requerente dispensado a inquirição das testemunhas que havia arrolado, o tribunal arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, por entender que as Partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previu pudesse ter lugar até ao dia 26.11.2018, tendo convidado as partes a, querendo, apresentarem alegações.
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No dia 09.10.2018, a Requerente veio solicitar prazo para a apresentação de cópias das actas cujas minutas foram por si juntas aos autos.
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No dia 23.10.2018, a Requerida apresentou as suas alegações, reiterando a posição que havia já defendido.
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No dia 24.10, por seu turno, apresentou as suas alegações a Requerente, que insistiu na defesa da aplicação à factualidade dos autos do disposto no n.º 2 do art.º 46.º do CIRS e na ideia de que as obras deliberadas pelos condóminos devem ser consideradas como encargos de valorização do bem.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
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As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
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O processo não padece de qualquer nulidade.
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Matéria de facto
2.1. Factos provados
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A Requerente e seu marido celebraram no dia 02.03.1994 com a sociedade comercial então proprietária do Imóvel um contrato promessa de compra e venda que tinha por objecto o Imóvel, em que pela cláusula segunda se estabelecia o preço prometido de Esc. 16.500.000,00 (dezasseis milhões e quinhentos mil escudos) – cópia deste contrato consta do processo administrativo junto aos autos.
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Na cláusula terceira desse mesmo contrato promessa de compra e venda estabelecia-se que ao referido preço acrescia o valor de Esc. 4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil escudos) para custear as obras de restauro, recuperação e melhoramentos do Imóvel.
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A Requerente adquiriu, por escritura pública outorgada no dia 04.07.1994, juntamente com seu marido, em comum e partes iguais, o Imóvel – cópia desta escritura consta do processo administrativo junto aos autos.
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O preço de compra do Imóvel, como expressamente consta da escritura pública referida em 2.1.3. foi de “dezasseis mil e quinhentos contos”, ou seja, Esc. 16.500.000,00 (dezasseis milhões e quinhentos mil escudos), equivalentes a € 82.301,65 (oitenta e dois mil trezentos e um euros e sessenta e cinco cêntimos), correspondendo a € 41.150,83 (quarenta e um mil cento e cinquenta euros e oitenta e três cêntimos) a metade adquirida pela Requerente.
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A aquisição do Imóvel foi precedida pela liquidação e pagamento de sisa, em 30.06.1994, na Repartição de Finanças do ... Bairro Fiscal de Lisboa, tendo o respectivo Termo de Declaração sido apresentado pelo Sr. D..., na qualidade de gestor de negócios dos adquirentes, o qual declarou como valor de compra Esc. 16.500.000,00 (dezasseis milhões e quinhentos mil escudos), equivalentes a € 82.301,65 (oitenta e dois mil trezentos e um euros e sessenta e cinco cêntimos) e que a “aquisição é efectuada ao abrigo do Dec.Lei n.º 140-A/86 de 14 JUN e demais legislação complementar, conforme declaração da respectiva Instituição de Crédito que fica arquivada, sendo o valor – saldo – da conta POUPANÇA-EMIGRANTE de Esc. 5500.000$00.” – cópia deste conhecimento de sisa foi junto aos autos pela Requerida.
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De Novembro de 1996 a Março de 2016, a Requerente e o seu marido pagaram € 6.273,00 (seis mil duzentos e setenta e três euros) de quotas mensais de condomínio, conforme consta da declaração da administração do condomínio do edifício em que se integra o Imóvel, datada de 09.05.2017 – cópia desta declaração consta dos autos.
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Em 2005 e em 2013 a Requerente e seu marido pagaram globalmente € 3.729,00 (três mil setecentos e vinte e nove euros) de quotas extraordinárias para custear obras comuns do edifício, conforme consta da declaração da administração do condomínio do edifício em que se integra o Imóvel, datada de 09.05.2017 – cópia desta declaração consta dos autos.
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O condomínio relativo ao edifício onde se integra o Imóvel deliberou, a 30.08.2005, conforme resulta da acta n.º 10, a realização de trabalhos na fachada da frente do prédio e na empena lateral e ainda a instalação das escadas de acesso ao telhado, tudo no valor global, já com IVA, de € 22.475,75 (vinte e dois mil quatrocentos e setenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos), a dividir igualmente por cada uma das catorze fracções, cabendo a cada uma delas € 1.605,41 (mil seiscentos e cinco euros e quarenta e um cêntimos) – cópia desta acta foi junta aos autos pela Requerente.
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A acta n.º 19, da reunião da assembleia geral do mesmo condomínio ocorrida no dia 20.04.2015, dá nota de terem sido realizadas as seguintes obras no edifício: i) recuperação do telhado, que custou € 10.786,56 (dez mil setecentos e oitenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos); ii) reparação das duas portas de entrada do edifício, que custou € 1.801,40 (mil oitocentos e um euros e quarenta cêntimos); e iii) substituição e limpeza de algerozes, isolamento de portas de varanda e da clarabóia, que custou € 1.760,00 (mil setecentos e sessenta euros – cópia desta acta foi junta aos autos pela Requerente.
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A permilagem do Imóvel, no âmbito da propriedade horizontal do edifício, é de 120,55 – informação recolhida na acta referida em 2.1.9..
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A Requerente alienou, por escritura pública outorgada no dia 11.03.2016, juntamente com o seu marido, o Imóvel – cópia desta escritura pública consta do processo administrativo junto aos autos.
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O preço pelo qual o Imóvel foi vendido, como se pode ler na escritura púbica referida em 2.1.11. foi de € 335.000,00 (trezentos e trinta e cinco mil euros), cabendo à Requerente metade desse valor, ou seja, € 167.500,00 (cento e sessenta e sete mil e quinhentos euros).
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A venda do Imóvel referida em 2.1.11. teve intervenção de mediador imobiliário, conforme consta da respectiva escritura pública.
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A Requerente apresentou a sua declaração Modelo 3/IRS, referente ao ano de 2016, tendo declarado no Anexo G (“Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais”) a alienação onerosa do Imóvel, nos seguintes termos:
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Valor de realização (em Março de 2016): € 167.500,00 (cento e sessenta e sete mil e quinhentos euros);
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Valor de aquisição (em Junho de 1994): €52.373,73 (cinquenta e dois mil trezentos e setenta e três euros e setenta e três cêntimos) e despesas e encargos de €15.174,61 (quinze mil cento e setenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos).
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A Requerida instaurou um processo de divergências, notificada à Requerente, na sequência do qual foi aceite a dedução da quantia de € 10.301,25 (dez mil trezentos e um euros e vinte e cinco cêntimos) relativa à comissão cobrada pela agência de mediação imobiliária que teve intervenção no processo de alienação do Imóvel, tendo sido desconsiderados, porém, as mais despesas e encargos declarados pela Requerente no Anexo G da Modelo 3 de IRS relativa a 2016.
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A 17.11.2017, a Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa –..., proferiu um despacho concordante com a informação e parecer que lhe foram apresentados e onde se pode ler, nomeadamente, o seguinte:
“DOS FACTOS:
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O Direito de audição nos termos do art.º 60º da LGT, afigura-se tempestivo, pelo que vamos proceder à sua análise.
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Pretende o SP, mediante o exercício desse direito, que lhe seja considerado como Valor de aquisição € 52.373,73 (50% do valor do contrato Promessa).
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Pretende de igual modo, que seja considerado como Despesa e encargos o montante de € 15.174,61.
Pelo Nº1 do artº46 do CIRS “… se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as Transações onerosas de imóveis (IMT ou Sisa). Assim, não tem acolhimento a pretensão do SP, por não se enquadrar no referido artigo, consubstanciando-se o presente entendimento por apreciação da Sisa (conhecimento Nº... de 30/06/1994, ... Bairro Fiscal Lisboa), que incidiu sobre 16.500.000$00, correspondendo em euros a € 82.301,65, valor total, correspondendo os 50% a € 41.150,83.
Relativamente ao segundo ponto, o documento descrimina [sic] quotas mensais de condomínio e quantias extraordinárias para obras de Conservação e manutenção do prédio, não tendo sido acompanhado pelas referidas faturas passadas ao Condomínio, o que impossibilita o aferimento com o previsto no artº 51º do CIRS.
Assim, vai ser aceite como Despesas e Encargos o montante € 10.301,25 relativo a intermediação imobiliária.
Nestes termos, em face do exposto e perante os dados fornecidos, somos de parecer em que o pedido merece deferimento parcial das despesas de Conservação [sic] no montante de € 10.301,25, e com o valor de aquisição de € 41.150,83., devendo manter-se na ordem jurídica o remanescente das correções propostas.
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A 22.11.2017, os serviços da Requerida procederam à correcção das divergências detectadas, por via do preenchimento de uma declaração oficiosa / DC, em que foi considerado o seguinte: i) valor de realização: € 167.500,00 (cento e sessenta e sete mil e quinhentos euros); ii) valor de aquisição: € 41.150,83 (quarenta e um mil cento e cinquenta euros e oitenta e três cêntimos); e iii) despesas e encargos: € 10.301,25 (dez mil trezentos e um euros e vinte e cinco cêntimos).
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Na sequência da mencionada correcção oficiosa, foi emitida em nome da Requerente a liquidação de IRS n.º 2017..., referente ao ano 2016, no valor global de € 23.713,07, da qual resultou o valor adicional a pagar de € 6.123,53, ora posto em crise.
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A 08.02.2018 foi instaurado à Requerente o processo de execução fiscal n.º...2018..., pela quantia exequenda de € 6.123,53, à qual acresceram juros de mora de € 34,22 e despesas e taxas de justiça de € 109,89
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Para sustação do processo executivo, a Requerente prestou garantia mediante constituição de hipoteca voluntária, incorrendo nos seguintes encargos: (i) registo na Conservatória - € 255,00; (ii) imposto do selo - € 47,96; e (iii) escritura notarial - € 146,47.
2.2. Factos não provados
Não ficou provado que não houve lugar ao pagamento de sisa na aquisição do Imóvel, como é afirmado no art.º 21.º do pedido de pronúncia arbitral, nem que tenha sido paga a liquidação adicional de IRS posta em crise. Não há mais factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base na apreciação e valoração dos documentos juntos aos autos pelas Partes (nomeadamente as actas, os orçamentos e a declaração da administração do condomínio, sendo certo que nem a Requerente tem de ter em seu poder as facturas referentes aos trabalhos realizados do prédio nem o condomínio está sujeito a contabilidade organizada, nem a requisitos específicos de escrituração e de suporte documental) e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.
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Matéria de direito
3.1. Questões a decidir
Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, as seguintes:
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A de saber se a liquidação ora posta em crise viola as regras de competência estabelecidas no n.º 5 do art.º 65.º do CIRS, porque foi emitida pelo chefe do serviço de finanças e não pelo director distrital;
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A de dilucidar se a liquidação impugnada padece do vício de falta de fundamentação, caso em que estaria inquinada a sua validade;
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A de descortinar se houve omissão de pronúncia quanto aos argumentos expendidos pela Requerente ao longo de todo o processo administrativo;
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A de esclarecer qual deve ser o valor de aquisição do Imóvel, para efeitos da aplicação do art.º 46.º do CIRS;
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A de clarificar quais as despesas e encargos a acrescer ao valor de aquisição do Imóvel, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do art.º 51.º do CIRS; e, por fim,
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A de divisar se, caso seja julgado procedente o pedido de anulação do acto de liquidação contestado, a Requerente, no âmbito do presente processo arbitral poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente à quantia por si alegadamente entregue para satisfação da prestação tributária por esta ilegalmente exigida e bem assim ser ressarcida dos montantes por si pagos no âmbito do processo executivo (juros, despesas e taxas de justiça), incluindo todas as despesas incorridas com a prestação de garantia, na modalidade de hipoteca voluntária (registos, imposto do selo e escritura) com que procurou suspender a execução.
3.2. A ampliação superveniente do pedido
Antes de se entrar na análise das questões suscitadas pelo pedido da Requerente, importa apreciar a possibilidade de ser esse mesmo pedido ampliado no decorrer do processo, uma vez que a Requerente pediu posteriormente ao pedido de pronúncia arbitral a condenação da Requerida à restituição da quantia exequenda alegadamente paga e também das despesas por si incorridas com a execução fiscal (juros compensatórios e de mora e despesas e taxas de justiça) ou com a sua suspensão (registo, imposto do selo e escritura de constituição de hipoteca voluntária).
A ampliação do objecto do processo respeita ainda a factos relativos à liquidação adicional posta em crise, constituindo, como bem se observa na decisão arbitral que pôs termo ao processo n.º 25/2018-T, o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, de invalidade parcial do acto de liquidação, pois o processo de execução fiscal decorre ainda daquele acto.
Importa sublinhar, como bem fez a decisão que vimos de referir, que, com excepção do pedido de restituição das taxas de justiça cobradas no processo de execução fiscal, os pedidos adicionais deduzidos cabem nos poderes de cognição dos tribunais arbitrais, delimitados por equiparação da acção arbitral ao processo de impugnação judicial, nos termos da autorização legislativa concedida pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, materializada no art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, pelo que abrangem, para além do pedido principal, a apreciação e declaração da ilegalidade dos juros compensatórios e de mora, a condenação no pagamento de juros indemnizatórios (art.º 43.º da LGT) e a indemnização por prestação indevida de garantia (art.º 53.º do mesmo diploma).
Assim, é de admitir-se a ampliação do pedido nos moldes em que foi pedida pela Requerente, nos termos do disposto nos artigos 63.º e 86.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais (“CPTA”) e nos artigos 264.º e 588.º do Código de Processo Civil (“CPC”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT e do artigo 1.º do CPTA, que, em favor do princípio da economia processual, acomodam a modificação objectiva da instância quando esta advém de factos supervenientes e estreitamente conexos com o pedido principal, como é o caso presente.
3.3. A incompetência da Chefe do Serviço de Finanças
A Requerente alega que a liquidação ora posta em crise viola as regras de competência estabelecidas no n.º 5 do art.º 65.º do CIRS, porque foi emitida pela Chefe do Serviço de Finanças e não pelo seu Director Distrital.
Dispõe o art.º 65.º do CIRS, no que para aqui interessa, o seguinte:
Artigo 65.º
Bases para o apuramento, fixação ou alteração dos rendimentos
2 - A Autoridade Tributária e Aduaneira procede à fixação do conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação quando ocorra alguma das situações ou factos previstos no n.º 4 do artigo 29.º, no artigo 39.º ou no artigo 52.º.
4 - A Autoridade Tributária e Aduaneira procede à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o n.º 2, devam ser efetuadas correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.
5 - A competência para a prática dos atos de apuramento, fixação ou alteração referidos no presente artigo é exercida pelo diretor de finanças em cuja área se situe o domicílio fiscal dos sujeitos passivos, podendo ser delegada noutros funcionários sempre que o elevado número daqueles o justifique.
Na verdade, o n.º 5 deste artigo dispõe que a competência para a prática dos actos de apuramento, fixação ou alteração nele referidos pertence ao director de finanças da área do domicílio fiscal dos sujeitos passivos. Portanto, a competência para a prática destes actos deveria ser exercida pelo director distrital de Lisboa e não por um chefe do Serviço de Finanças. Contudo, essa mesma disposição prevê a possibilidade dessa competência ser delegada noutros funcionários, sempre que o elevado número de sujeitos passivos o justifique. Aliás, esta possibilidade de delegação não constitui nenhum surpreendente desvio, antes é uma manifestação do princípio genérico de delegação de poderes (e até de subdelegação) consagrado no art.º 62.º da LGT.
Ora, para que o vício da incompetência proceda não basta alegar que o acto foi praticado, como foi, pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa –... e não, como devia ter sido, pelo Director Distrital de Lisboa. É preciso ainda alegar que não há delegação de competências que autorize a intervenção do funcionário superior do órgão periférico local da administração tributária e aduaneira.
Sucede que essa delegação de competências existe, como oportunamente recorda a Requerida. O Director de Finanças de Lisboa, pelo Despacho n.º 3332/2017, de 20.12.2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 78, de 20.04.2017, e com efeitos a partir de 26.11.2015, delegou nos chefes de finanças o seguinte:
7.10 — A alteração dos elementos declarados pelos sujeitos passivos para efeitos de IRS, nos termos dos n.os 4 e 5 do artigo 65.º do Código do IRS, até ao limite de € 50 000 de imposto por cada exercício, nos casos de ações de controlo fiscal de caráter não inspetivo, cujas ordens de serviço sejam previamente abertas pela Direção de Finanças, nomeadamente no âmbito da metodologia de «análise de listagens de reembolsos de IRS» e de controlo de mais -valias em sede de IRS, bem como de controlo de benefícios fiscais, com o consequente processamento e recolha para liquidação dos documentos de correção;
Assim, e por não estar ultrapassada a bitola referida no preceito acabado de transcrever, não procede o vício de incompetência alegado pela Requerente, ficando demonstrado que a Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa –... tinha competência para praticar o acto ora posto em crise.
3.4. A falta de fundamentação do acto de liquidação
A Requerente alega que a administração tributária e aduaneira não cumpriu o art.º 66.º do CIRS, não tendo apresentado qualquer fundamentação para a liquidação ora impugnada.
Vejamos então o que dispõe o art.º 66.º do CIRS:
Artigo 66.º
Notificação e fundamentação dos atos
1 - Os atos de fixação ou alteração previstos no artigo 65.º são sempre notificados aos sujeitos passivos, com a respetiva fundamentação.
2 - A fundamentação deve ser expressa através de exposição, ainda que sucinta, das razões de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a sua motivação.
Vem sustentando a jurisprudência[1] que a exigência jurídica de fundamentação do acto tributário, decorrente, desde logo, do artigo 268.º da CRP, mas também das concretizações desse princípio constitucional que encontramos no art.º 77.º da LGT e no art.º 66.º do CIRS, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir num determinado sentido, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
A fundamentação do acto administrativo deverá obedecer a três requisitos essenciais: deverá ser clara, suficiente e também lógica. Para que a fundamentação possa ser considerada suficiente terá de ser compreensível para um destinatário médio, o que exige clareza nas razões de facto e de direito apresentadas. A compreensibilidade do destinatário médio, colocado numa situação concreta, será, pois, o critério adequado para apreciar da suficiência da fundamentação.
Como vem sendo notado, o acto tributário encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair o percurso cognoscitivo seguido para a sua prática. É preciso que seja levado ao contribuinte o itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática. Dito de outra maneira, a fundamentação deve incorporar os elementos de facto e de direito que permitam ao destinatário do acto perceber o iter decisório da administração tributária.
A fundamentação da liquidação oficiosa sub judice consta da informação elaborada pelo Serviço de Finanças de Lisboa -..., sobre a qual recaiu despacho concordante da Chefe de Finanças de 17.11.2017. É forçoso concluir que essa informação revela com a exigível clareza e a adequada suficiência as razões de facto e de direito que motivaram a liquidação oficiosa, contendo, nos termos da lei, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. A leitura dessa informação permite perceber exactamente por que razão a administração tributária entende que o valor de aquisição do imóvel não é o que foi declarado pela Requerente, deixando igualmente claros os motivos pelos quais não aceita as quotizações para as gastos comuns do condomínio como despesas de valorização e os pelos quais só aceita como despesas e encargos necessários e inerentes à aquisição e alienação do Imóvel (a acrescer ao valor de aquisição para cálculo da mais-valia), a comissão cobrada pela agência imobiliária que teve intervenção na alienação.
Ora, o despacho da Chefe de Finanças é de 17.11.2017 e o documento de correcção é de 22.11.2017, ambos, portanto, anteriores a 05.12.2017, data da liquidação impugnada. Portanto, o acto de liquidação foi praticado tendo em conta os argumentos que constam da informação e do despacho da Chefe de Finanças, não se podendo confundir em caso algum falta de notificação dos fundamentos ou a sua notificação tardia com o vício de absoluta falta de fundamentação. Este fere o acto, inquina-o, tornando-o ilegal. O mesmo não se pode dizer, porém, da falta ou do atraso de notificação dessa fundamentação, que apenas gera a sua ineficácia, traduzida na protelação do início da contagem dos prazos de reacção contra tal acto. É este o regime que resulta do n.º 6 do art.º 77.º da LGT e do art.º 37.º do CPPT.
Acresce, aliás, que a alegada falta de fundamentação, não constituiu qualquer obstáculo para que a Requerente sustentasse e pugnasse pela ilegalidade do acto, revelando que a Requerente tinha um conhecimento do quadro fáctico e legal em que se estribou a administração tributária no momento em que praticou o acto de liquidação.
Não procede, portanto, o alegado vício de falta de fundamentação do acto de liquidação em análise.
3.5. A omissão de pronúncia
A Requerente sustenta igualmente que a Requerida não se pronunciou sobre os argumentos por si utilizados no exercício do direito de audição, sendo certo que o n.º 7 do art.º 60.º da LGT impõe que “os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”. Ora, da informação sobre a qual recaiu o despacho concordante da Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa -..., de 17.11.2017, resulta claro que a posição da Requerente não só foi entendida pela Requerida, como foi por ela ponderada, ainda que da ponderação tenha resultado a rejeição dos argumentos aduzidos pela Requerente.
Assim, também não procede o vício de omissão de pronúncia alegado pela Requerente.
3.6. O valor de aquisição do Imóvel, para efeitos da aplicação do art.º 46.º do CIRS
A alínea a) do n.º 1 do art.º 9.º do CIRS refere que constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as mais-valias, ou seja, como se lê na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do mesmo diploma, os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. O n.º 4 do mesmo artigo dispõe que o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição dos mencionados direitos reais. Assim, o cálculo da mais-valia tributável não poderá nunca dispensar a fixação, para estes efeitos, dos respectivos valores de realização e de aquisição, que deverão ser apurados, uns e outros, de acordo com as regras legais aplicáveis.
Nos termos da alínea f) do n.º 1 do art.º 44.º do CIRS, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização, no que releva para o caso dos autos, o valor da respectiva contraprestação. O Imóvel, como é indisputadamente aceite pelas Partes, foi alienado por escritura pública outorgada a 11.03.2016 por € 335.000,00 (trezentos e trinta e cinco mil euros), cabendo à Requerente metade desse valor, ou seja, € 167.500,00 (cento e sessenta e sete mil e quinhentos euros).
Importa agora apurar o valor de aquisição do Imóvel para efeitos de cálculo da mais-valia.
O art.º 46.º do CIRS, para o que nos interessa, dispõe o seguinte:
Artigo 46.º
Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis
1 - No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).
2 - Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.
Resulta destas disposições legais que o primeiro o critério a atender-se para se apurar o valor de aquisição de um imóvel é o que consta do n.º 1: “se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT)” (no caso, de sisa). Portanto, se a aquisição tiver sido onerosa – como foi – e tiver sido liquidada sisa – como foi –, não há que fazer uso do critério a que faz apelo o n.º 2 deste artigo, já que este assume natureza genuinamente supletiva.
É certo que, no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente sustenta não ter havido lugar ao pagamento de sisa na aquisição do imóvel por estar isenta. Nas suas alegações, vem a Requerente dizer que não pagou sisa uma vez que a liquidação da totalidade declarada na escritura diz respeito ao comproprietário seu marido, por ter sido feita ao abrigo de legislação específica e de acordo com um estatuto de equiparado a emigrante que só o referido possuía.
Sucede que dos autos resulta claramente que a aquisição do Imóvel estava sujeita a sisa e que a mesma foi liquidada[2], também no que respeita à quota-parte adquirida pela Requerente, tendo o imposto incidido sobre o valor declarado na escritura pública de compra e venda como sendo o preço: Esc. 16.500.000,00 (dezasseis milhões e quinhentos mil escudos), equivalentes a € 82.301,65 (oitenta e dois mil trezentos e um euros e sessenta e cinco cêntimos), correspondendo a quota-parte da Requerente a € 41.150,83 (quarenta e um mil cento e cinquenta euros e oitenta e três cêntimos).
Assim, tendo havido, como houve, liquidação de sisa, o valor de aquisição que terá de ser considerado para o cálculo da mais-valia tributável é o que tiver servido, à data, para efeitos de liquidação do imposto de sisa. Não há, pois, dúvida de que o valor de aquisição do Imóvel é o que foi apresentado pela Requerida na declaração oficiosa.
3.7. As despesas e encargos a acrescer ao valor de aquisição do imóvel, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do art.º 51.º do CIRS
Entende a Requerente que as despesas suportadas com as quotas mensais de condomínio e com as contribuições extraordinárias para obras de conservação do edifício em que se integra o Imóvel se enquadram na alínea a) do art.º 51.º do CIRS, pelo que devem acrescer ao respectivo valor de aquisição. São, no seu juízo, gastos indispensáveis para a valorização e manutenção da qualidade do bem, razão pela qual as despesas dos últimos doze anos deverão ser consideradas como dedutíveis.
Importa, pois, analisar o que dispõe o referido preceito:
Artigo 51.º
Despesas e encargos
Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:
a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;
Com relevo para o caso sub judice estão em causa dois tipos de gastos. Por um lado, os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos. Por outro, as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e à alienação.
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As despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e à alienação
No que respeita às despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e à alienação, a Requerida aceitou considerar as despesas suportadas pela Requerente com a mediação imobiliária e que totalizaram o montante de € 10.301,25 (dez mil trezentos e um euros e vinte e cinco cêntimos), não havendo outras que possam ser enquadradas neste trecho do referido preceito.
Resta-nos, pois, examinar os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos.
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Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos
Entende a Requerente que os gastos por si suportados com as obras no edifício em que se integra o Imóvel constituem, para estes efeitos, encargos com a valorização do Imóvel, devendo essas despesas ser apreciadas com base num critério objectivo e amplo, de modo a incluir todas as obras estruturais que impliquem beneficiação da estrutura, incluindo portas, paredes e telhados. Já a Requerida considera que as mencionadas despesas extraordinárias, destinadas a custear a reparação do telhado, do interior das escadas, das janelas e da porta do prédio, são despesas de manutenção e reparação do edifício, que não se enquadram no conceito de encargos com a valorização dos bens, para efeitos da alínea a) do art.º 51.º do CIRS.
Vale a pena atentar no que é dito na Decisão Arbitral que foi proferida no processo n.º 313/2015-T. Nela faz-se eco das posições críticas assumidas por Xavier de Basto e Manuel Faustino quanto a uma leitura abusivamente restritiva da formulação aberta “encargos com a valorização dos bens”. Na verdade, esta expressão revela a existência de um conceito indeterminado e essa indeterminação carece de ser preenchida. Contudo, nada na letra da lei parece indiciar que se quis restringir o alcance da norma. Aliás, a dedução de encargos – através da adição ao valor de aquisição – é solução que decorre do muito atendível princípio da tributação do rendimento líquido. Nessa decisão lê-se: “«Não prever a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento – neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação – é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento». Critica ainda a tese do aumento do valor intrínseco, observando que a lei não distingue entre “valor intrínseco” e “valor de mercado”, não podendo tal distinção ser operacionalizada por via administrativa”. Parece ir também neste sentido o acórdão do STA de 21.03.2012, prolatado no processo 0587/11: “A alínea a) do artigo 51º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente”.
Pode ler-se na já mencionada Decisão Arbitral proferida no processo n.º 25/2018-T que a “teleologia da dedutibilidade destas despesas no cômputo das mais-valias inscreve-se no princípio genérico de que o rendimento sujeito a tributação deve ser um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva efetivamente adquirida, pelo que os encargos comprovadamente incorridos que apresentem uma conexão evidente ou necessária com a obtenção do rendimento, mesmo tratando-se de um rendimento de natureza não recorrente, irregular ou fortuito, como é o caso das mais-valias, devem ser subtraídos ao valor de realização”.
No caso em apreço, a Requerente pretende deduzir ao rendimento tributável as quotas mensais pagas ao condomínio nos 12 anos que precederam a venda e ainda duas contribuições extraordinárias ao condomínio, feitas uma em 2005 e outra em 2013, para custear obras de reparação do telhado, escadas, janelas e porta do prédio. Acompanha este tribunal arbitral, e pelas mesmas razões, a Decisão Arbitral acabada de citar, que julga que despesas desta natureza, de manutenção e conservação do prédio, não se enquadram no conceito de despesas inerentes – no sentido de específicas, indissociáveis ou inseparáveis – às operações de aquisição e de alienação do Imóvel.
Resta saber se, porém, tais despesas podem ser tidas como “encargos com a valorização dos bens”.
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As quotizações ordinárias de condomínio
De Novembro de 1996 a Março de 2016, a Requerente e o seu marido pagaram € 6.273,00 (seis mil duzentos e setenta e três euros) de quotas mensais de condomínio, conforme consta da declaração da administração do condomínio do edifício em que se integra o Imóvel, datada de 09.05.2017. Estas quotas destinam-se a fazer face aos encargos correntes e previsíveis tanto do uso como da manutenção dos edifícios. Ainda que se admita que essas quotizações ordinárias possam ser parcialmente afectas a reparações e mesmo que se aceite que essas reparações podem enquadrar-se no conceito de “valorização dos bens”, a verdade é que se mostra impossível demonstrar que essas intervenções efectivamente ocorreram e, a terem ocorrido, quanto é que custaram. Assim, no caso vertente, as quotizações ordinárias não podem ser qualificadas como despesas havidas com a valorização do Imóvel.
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As quotizações extraordinárias de condomínio
No que respeita às quotizações extraordinárias, foi junta aos autos declaração da administração do condomínio datada de 09.05.2017, segundo a qual a Requerente e o seu marido, por duas ocasiões, uma 2005 e outra em 2013, pagaram globalmente € 3.729,00 (três mil setecentos e vinte e nove euros) para custear as obras comuns do edifício em que se integra o Imóvel, dos quais € 1.864,50 (mil oitocentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) seriam imputáveis à quota-parte do Imóvel detida pela Requerente.
Na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 25/2018-T, entende-se que aquelas obras “se limitaram às necessidades de manutenção do edificado que, dada a sua vetustez (superior a 200 anos) tem implicado, ao longo dos anos, reparações indispensáveis, designadamente no telhado, para permitir e preservar condições de habitabilidade (infiltrações de água, por exemplo) e evitar a sua degradação, sem que tenham revestido caráter de inovação. Os encargos assim incorridos tiveram por estrita finalidade a preservação do valor do bem e não a valorização acrescida deste, entendida como algo que se deve traduzir num incremento de valor e não na mera manutenção ou preservação de valor”.
Aqui chegados, vale a pena revisitar o preceito legal aplicável: “ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos”. Tudo está, pois, em saber o que deve entender-se, para estes efeitos, por “valorização” de um bem. E não podemos perder de vista que este esforço hermenêutico não consiste em dissecar um vocábulo, com a metodológica preocupação de um linguista, de um filólogo ou de um dicionarista. A interpretação jurídica há-de ser isso mesmo: é interpretação, sim, mas sempre jurídica. Interpretamos uma fonte para nela surpreender uma norma, sendo a norma a expressão de um dever-ser. Mas sendo jurídica, o exercício hermenêutico não poderá deixar de assumir uma perspectiva eminentemente prática, em vista do problema concreto cuja solução se reclama.
O que somos chamados a interpretar é uma fonte que visa revelar uma norma aplicável à determinação, à quantificação, das mais-valias tributáveis. Ora, o rendimento a tributar como mais-valia deve ser, em princípio, um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva efectivamente adquirida. Um imóvel cujo telhado deixa entrar água, prejudicando a sua habitabilidade, não tem o mesmo valor económico caso tivesse uma cobertura em perfeitas condições. Assim, os gastos que forem incorridos na reparação do telhado, hão-de necessariamente repercutir-se, positivamente, no valor económico do imóvel e, portanto, incrementarão o respectivo preço de venda. Há um nexo indissociável entre essas despesas e o aumento do preço do bem, sendo, portanto, de elementar razoabilidade entender-se que essa despesa esteve na origem ou contribuiu para a obtenção do próprio rendimento. Não admitir a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento ― neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação ― é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo.
Os trabalhos, as benfeitorias, que aqui estão em causa referem-se à fachada do prédio, à empena lateral, à instalação das escadas de acesso ao telhado, ao próprio telhado, às duas portas de entrada do edifício, à substituição e limpeza dos algerozes, ao isolamento de portas de varanda e da clarabóia. Como ficou demonstrado, a Requerente e o marido pagaram de quotizações extraordinárias, globalmente, € 3.729,00 (três mil setecentos e vinte e nove euros) para custear as obras comuns do edifício em que se integra o Imóvel: € 1.700 (mil e setecentos euros) em 2005 e € 2.029,00 (dois mil e vinte e nove euros) em 2013. São, portanto, despesas havidas no período temporal relevante: os doze anos que antecedem a alienação do bem.
Convém em todo o caso notar que os encargos com a valorização do bem não podem ser os montantes pagos ao condomínio para custear obras. Terão de ser os custos incorridos com as próprias obras. São elas, em bom rigor, que fazem com que o aumente o valor económico do bem.
Ora, pelas actas de condomínio que foram juntas aos autos (a acta n.º 10 e a acta n.º 19) podemos apurar que, em 2005, ainda que a Requerente e o marido tenham feito um pagamento conjunto de € 1.700,00 (mil e setecentos euros), os trabalhos realizados custaram apenas, no que ao Imóvel respeita, € 1.605,41 (mil seiscentos e cinco euros e quarenta e um cêntimos). Já em 2013, ainda que o pagamento feito pela Requerente e pelo marido tenha sido de € 2.029,00 (dois mil e vinte e nove euros), os trabalhos executados (como se pode ler no texto da acta n.º 19) foi somente de € 14.347,96 (catorze mil trezentos e quarenta e sete euros e noventa e seis cêntimos), dos quais, nos termos da permilagem do Imóvel, devem ser-lhe imputados € 1.729,65 (mil setecentos e vinte e nove euros e sessenta e cinco cêntimos). Assim, os custos que devem ser considerados como encargos com a valorização do Imóvel montam a € 3.335,06 (três mil trezentos e trinta e cinco euros e seis cêntimos), dos quais € 1.667,53 (mil seiscentos e sessenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos) referentes à quota-parte do Imóvel detido pela Requerente.
É, pois, a quantia de € 1.667,53 (mil seiscentos e sessenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos) a importância que deve acrescer ao valor de aquisição para efeitos do cálculo da mais-valia tributável.
3.8. Indemnização por prestação indevida de garantia
A Requerente apresenta igualmente um pedido de indemnização pela prestação indevida de garantia.
Pedidos deste teor não constituem novidade no CAAD, havendo várias decisões no sentido de admitir a sua cognoscibilidade pelos tribunais arbitrais[3]. Como se deixou já dito em termos sumários, também este tribunal arbitral entende poder conhecer desse pedido.
A alínea b) do n.º 1 do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, sejam eles relativos a juros indemnizatórios ou à prestação indevida de garantias.
Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à administração tributária e aduaneira. Manifestações desse princípio podemos encontrar no n.º 1 do art.º 43.º da LGT e no n.º 4 do art.º 61.º do CPPT.
Especificamente sobre a indemnização em caso de garantia indevida se refere o art.º 171.º do CPPT, resultando claro dessa disposição que se pode conhecer do pedido de indemnização no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, o que se impõe por razões de economia processual, já que o direito à indemnização por garantia indevidamente prestada depende do que se decida sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. Assim, forçoso é concluir que também o processo arbitral deve ser tido como adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.
O regime do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
(…)
No caso sub judice, como se disse, o acto de liquidação controvertido é apenas parcialmente (e até residualmente) ilegal. Sendo assim, a prestação da garantia, que aqui assume a modalidade de hipoteca voluntária, caso o interesse da Requerente tivesse sido, como parece ter sido, suspender a execução fiscal que contra si corria, sempre teria de ser prestada e, nessa medida, sempre os respectivos custos teriam de ser suportados.
Os custos incorridos pela Requerente com a emissão da garantia bancária foram (i) registo na Conservatória - € 255,00; (ii) imposto do selo - € 47,96; e (iii) escritura notarial - € 146,47. Desses custos, apenas o relativo ao imposto do selo parece variar em função do respectivo valor. Consequentemente, entende o tribunal arbitral que a Requerente, apenas no que respeita ao imposto do selo, tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos por si sofridos com a constituição da hipoteca por um valor superior ao que deveria ter acontecido, por mínimos que sejam esses prejuízos.
Importará sempre determinar se os custos adicionais suportados em sede de imposto do selo pela Requerente com a constituição da hipoteca excedem o limite fixado no n.º 3 do art.º 53.º da LGT, em função da aplicação ao valor garantido (na respectiva proporção) da taxa de juros indemnizatórios. Não é neste momento possível determinar por que valor deveria ter sido constituída a hipoteca voluntária e unilateral nem, consequentemente, realizar a necessária operação aritmética, pelo que ela terá de ser efectuada em momento ulterior.
Assim, o montante da indemnização a que a Requerente tem direito terá de ser determinado em execução da presente decisão, nos termos do disposto no art.º 609.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.
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Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
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julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, condenando a Requerida a considerar que a importância de € 1.667,53 (mil seiscentos e sessenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos) acresce ao valor de aquisição para efeitos do cálculo da mais-valia tributável;
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Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização por garantia prestada por valor superior ao devido, condenando a Requerida a pagar à Requerente a indemnização que vier a ser apurada em execução do ora deliberado;
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Julgar improcedentes os pedidos relativos à condenação da Requerida à restituição do imposto, juros compensatórios e de mora, por não se achar provado o respectivo pagamento, bem como, ao pagamento de juros indemnizatórios.
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Valor do processo
Quando seja impugnado um acto de liquidação, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende, que corresponde à utilidade económica do pedido. Assim, de harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 6.123,53 (seis mil cento e vinte e três euros e cinquenta e três cêntimos).
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Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar pelas Partes na proporção do respectivo decaimento: 90% (noventa por cento) pela Requerente e 10% (dez por cento) pela Requerida.
Lisboa, 23 de Novembro de 2018
O Árbitro
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(Nuno Pombo)
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Veja-se, por todos, o Acórdão do STA de 07.06.2017 (Proc. 0723/15).
[2] É irrelevante a circunstância de a declaração de conhecimento de sisa ter sido realizada por um gestor de negócios, pois que a Requerente outorga a escritura pública de compra e venda do Imóvel, tendo nela sido feita menção ao arquivamento do conhecimento de sisa n.º... . Pelo n.º 3 do artigo 17.º da LGT, teremos de presumir a ratificação da gestão de negócios, em caso de cumprimento de obrigações acessórias ou de pagamento, como sucedeu aqui.
[3] Vejam-se, a título de exemplo, as decisões proferidas no âmbito dos processos números 233/2013-T, 112/2013-T e 36/2013-T.