Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 235/2016-T
Data da decisão: 2018-11-08  ISP  
Valor do pedido: € 76.185,49
Tema: IEC – IPPE; Electricidade; Autoprodutor – Reenvio Prejudicial.
REENVIO PREJUDICIAL   Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Paulo Lourenço e Sofia Cardoso, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 20 de Abril de 2016, A..., SA., titular do cartão de pessoa coletiva e do número de identificação fiscal n.°..., com sede na ..., ...-... ..., ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de Liquidação n.º..., de 04-08-2014, no montante total de € 76.185,49, sendo € 71.197,17 relativos a Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos, € 4.986,52 relativos a juros compensatórios e € 1,80 relativos ao impresso de liquidação, e do indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação referida.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que não pode ser qualificada como auto-produtora de energia eléctrica para efeitos da al. b) do n.º 1 do artigo 4.º do CIEC, tendo em conta o disposto no terceiro parágrafo do art.º 21.º/5   da Directiva 2003/96/CE.

 

  1. No dia 21-04-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 14-06-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 01-07-2016.

 

  1. No dia 19-09-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Atendendo aos princípios da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações pelas partes.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão, após a apresentação de alegações da AT, prazo esse que foi prorrogado duas vezes por 30 dias.

 

  1. A 12-01-2017 foi proferido acórdão arbitral determinando o reenvio prejudicial para o TJUE, bem como a suspensão da instância.

 

  1. A 03-07-2018 foi recebido no processo o Acórdão do TJUE de 27-06-2018, proferido no processo C-90/17, relativo ao reenvio prejudicial determinado nos presentes autos.

 

  1. Foi facultada às partes a faculdade de exercerem o seu contraditório relativamente ao teor do referido acórdão, o que a Requerente fez.

 

  1. Foi prorrogado o prazo a que alude o art.º 21.º/1 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. Foi desencadeada pela Alfândega B... uma Acção de Natureza Fiscalizadora (ANF n.º .../2014)) à empresa A..., SA, NIPC... .
  2. O procedimento abrangeu, quanto à sua extensão, o período compreendido entre 01/01/2012 e 31/12/2013.
  3. A requerente exerce a actividade de produção de electricidade de origem térmica (CAE 035112), sendo titular, à data do período abrangido pela ANAF:
    1. de autorização de isenção para a utilização de gás natural na produção de electricidade ou de electricidade e calor (cogeração), ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 89.º do CIEC (Autorização de isenção n.º 2013/...- proc.º administrativo n.º COG .../2013 – código de isenção 1P05 – afectação à produção de electricidade, para a central de ciclo combinado ..., ...–PT...MJ);
    2. de autorização de isenção para a utilização de gás natural como combustível industrial em instalações sujeitas ao PNALE ou a um ARCE (artigo 89.º n.º 1, alínea f) do CIEC): Autorização de isenção n.º 2011/...- proc.º administrativo n.º.../CELE – código de isenção 1P14 – combustíveis industriais – CELE e ARCE, para a central de ciclo combinado ..., ...–PT...MJ;
  4. A Requerente, à mesma data, não era titular de qualquer autorização de isenção para a electricidade consumida nas suas instalações, nos termos do artigo 89.º do CIEC, não estava registada como Operador do Sector Eléctrico (OSE), nem era detentora de estatuto de destinatário isento para a utilização de electricidade.
  5. A Requerente consumia parte da electricidade por si produzida, electricidade essa, relativamente à qual não existiam contadores instalados para a respectiva medição/quantificação, nem qualquer documento de suporte, já que não existia qualquer transacção.
  6. Foi cruzada a informação prestada pela empresa quanto às quantidades autoconsumidas com informação solicitada à Direcção-Geral da Energia e Geologia.
  7. Foram apuradas na ANF as quantidades de electricidade autoconsumida, relativamente a 2012 e 2013, para as quais não havia sido apresentada qualquer declaração de introdução no consumo, nos termos do artigo 10.º do CIEC.
  8. Foi considerado na ANF que se encontrava em dívida Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) no valor de € 71.197,17, acrescido de juros compensatórios a favor do Estado no valor de € 4.986,52.
  9. A ora Requerente exerceu o direito de Audição prévia.
  10. Foi elaborado Relatório Final da ANF, em 21/07/2014, que analisou a audição prévia apresentada, tendo-se mantido as conclusões já constantes do projecto de conclusões, do qual a Requerente foi devidamente notificada.
  11. Do referido Relatório Final, consta, para além do mais, o seguinte:

“5. A A... não tem, mas reúne as condições para ter uma isenção do tipo 1P18 – ELETRICIDADE – CELE e ARCE, que lhe permitiria utilizar a eletricidade com isenção nas suas instalações que estão sujeitas ao PNALE/ARCE. Esta autorização permitiria utilizar com isenção de ISP toda a eletricidade consumida nas instalações da A..., tanto a eletricidade utilizada para a produção de eletricidade ou para a manutenção da capacidade de produzir eletricidade, como a eletricidade utilizada na parte administrativa ou nas instalações afetas às atividades sociais (independentemente da origem, produzida pela própria empresa ou importada);

6. A empresa não está registada como Operador do Setor Elétrico (OSE), nem é de detentora do estatuto de destinatário isento para a utilização de eletricidade. A A... procede ao consumo de uma pequena parte da eletricidade que produz (autoconsumo). Para proceder à introdução no consumo da eletricidade produzida e consumida na própria empresa, a A... terá necessariamente que se registar como Operador do Setor Elétrico, conforme n.º 1 e 2, do art.º 96.º-A do CIEC.”

  1. Consta, ainda, do mesmo Relatório:

“Importa salientar que a A... tem por atividade a produção de eletricidade e que a produção de eletricidade beneficia de isenção de ISP relativamente à eletricidade utilizada para produzir eletricidade ou para manter a capacidade de produzir eletricidade, nos termos da alínea a), do n.º 2, do art. 89.° do CIEC. Mais, uma vez que a A... está abrangida pelo regime CELE/ARCE, reúne as condições para beneficiar da isenção de ISP prevista na alínea e), do n.º 2, do mesmo artigo do CIEC, isenção que é mais abrangente que a referida anteriormente, uma vez que confere isenção de ISP, não só à eletricidade consumida para a produção de eletricidade e a manutenção da capacidade de produzir eletricidade, mas para toda a eletricidade consumida nas instalações da A..., seja na parte produtiva, administrativa ou na parte social.

Só que subsiste um problema, nenhuma das duas isenções referidas é concedida de forma automática, dependem de reconhecimento prévio da autoridade aduaneira competente, conforme n.º 7, do art. 89.° do CIEC. Serve isto para dizer que, embora reúna a A... os requisitos para o benefício da isenção de ISP relativamente a toda a eletricidade consumida nas suas instalações (seja importada ou de produção própria), tem faltado um pequeno passo que passa por solicitar a A..., junto da Alfândega B... o benefício da isenção.

No seguimento do que ficou explanado, temos a dizer que se a A... já fosse detentora do estatuto de destinatário isento para a eletricidade, não teria que suportar o ISP relativamente à eletricidade autoconsumida, e poderia o fornecedor REN podido proceder à introdução no consumo da eletricidade fornecida à A... sem liquidação e cobrança de ISP, a coberto da invocação da isenção concedida a esta empresa.

Relativamente à eletricidade autoconsumida, ou seja, produzida e consumida na A..., terá sempre que ser introduzida no consumo pela própria empresa, tendo para o efeito que se constituir como operador do setor elétrico, nos termos do art. 96.º -A, do CIEC. Enquanto a A... não dispuser do estatuto de destinatário isento terá que pagar o ISP correspondente às introduções no consumo de eletricidade. Depois da obtenção do estatuto de destinatário isento, continuará a apresentar as respetivas DIC's relativamente à eletricidade autoconsumida, mas com isenção de ISP, por não haver lugar ao pagamento de qualquer montante de ISP.”

  1. Foi efectuada a liquidação do Imposto que se apurou estar em dívida, pela Alfândega B... (registo de liquidação 2014/..., de 01/08/2014), tendo a ora Requerente sido notificada para pagamento, pelo ofício n.º..., de 05/08/2014.
  2. Foi apresentada reclamação graciosa contra o acto de liquidação, que correu termos pela Direcção de Serviços do Impostos Especiais sobre o Consumo e do Imposto Sobre Veículos (DSIECIV) da AT, sob o n.º de processo .../2015, tendo sido indeferida, por Despacho de 07/01/2016 do Director daquela Direcção de Serviços (proferido no uso de competência delegada).
  3. A Requerente efectuou o pagamento do valor liquidado, no dia 14-08-2014.
  4. A Requerente opera, e operava durante o período abrangido pela ANF, a Central de Ciclo Combinado da ... (“Central”), central termoeléctrica, localizada no ..., com capacidade de 990 MW.
  5. A ... é, e era durante o período abrangido pela ANF, uma central de ciclo combinado com uma potência instalada de 990 MW, constituída por três grupos de produção de 330 MW, cada um composto por uma turbina a gás e uma turbina a vapor em série, chegando a produzir cerca de 9% da energia nacional.
  6.  A Central produz, e produzia durante o período abrangido pela ANF, electricidade utilizando gás natural, sendo também utilizada electricidade no seu funcionamento interno.
  7. A Central está, e estava durante o período abrangido pela ANF, ainda preparada para utilizar gasóleo quando tal se demonstre necessário.
  8. O processo de produção de electricidade necessita, e necessitava durante o período abrangido pela ANF, de energia (gás natural ou gasóleo e eletricidade) a par de outros elementos como água e matérias-primas secundárias, tais como óleos e reagentes químicos.
  9. No funcionamento interno da Central, é, e era durante o período abrangido pela ANF, consumida uma pequena parte da electricidade produzida pela instalação.
  10. Estes consumos de eletricidade verificam-se, e verificavam-se durante o período abrangido pela ANF, devido ao desenho industrial e configuração da Central.
  11. Neste sentido, existem, e existiam durante o período abrangido pela ANF, consumos de uma pequena parte da electricidade produzida pela A... .
  12. Tais consumos são, e eram durante o período abrangido pela ANF, efectuados e inerentes ao processo produtivo de electricidade.
  13. A A... opera, e operava durante o período abrangido pela ANF, a Central ao abrigo do contrato Power Purchase Agreement, (“PPA”) - contrato de aquisição de energia (“CAE”), o qual foi celebrado ao abrigo do Decreto-Lei no 183/95, de 27 de Julho.
  14. Ao abrigo deste contrato, a A... vende, e vendia durante o período abrangido pela ANF, a energia produzida na Central à REN.
  15. No âmbito do sistema eléctrico nacional, é, e era durante o período abrangido pela ANF, qualificada de Produtor.
  16. Dentro do sector da produção de eletricidade, a A... está, e estava durante o período abrangido pela ANF, enquadrada no regime legal da produção de electricidade em regime ordinário.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

B. DO DIREITO

 

            A questão, única e fundamental que se apresenta a decidir por este Tribunal arbitral nos presentes autos de acção arbitral tributária é a de apurar se a Requerente é, ou não, qualificável como autoprodutor, para efeitos da al. b) do n.º 1 do artigo 4.º do CIEC e, como tal, sujeito passivo do IEC liquidado.

 

*

            Dispõe o referido artigo 4.º, na al. b) do seu n.º 1, que:

“São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo: (...) b) no caso de fornecimento de eletricidade ao consumidor final, os comercializadores, definidos em legislação própria, os comercializadores para a mobilidade elétrica, os produtores que vendam eletricidade diretamente aos consumidores finais, os autoprodutores e os consumidores que comprem eletricidade através de operações em mercados organizados;”.

            Com interesse para a apreciação da questão a dirimir, dispõem, ainda, as seguintes disposições do CIEC:

  • Artigo 7.º:
    • “1 – Constitui facto gerador do imposto a produção ou a importação em território nacional dos produtos referidos no artigo 5.º, bem como a sua entrada no referido território quando provenientes de outro Estado membro.

2 – Em derrogação do disposto no número anterior, constitui facto gerador do imposto, o momento do fornecimento ao consumidor final de eletricidade e de gás natural por comercializadores definidos em legislação própria.”;

  • Artigo 9.º:
    • “1 – Para efeitos do presente Código considera-se introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto: (...) g) o fornecimento de eletricidade ao consumidor final, o autoconsumo e a aquisição de eletricidade por consumidores finais em mercados organizados;”;
  • Artigo 88.º:
    • “1 – Estão sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos: (...) d) a eletricidade abrangida pelo código NC 2716.

6 – Não estão sujeitos ao imposto os produtos petrolíferos e energéticos consumidos nas instalações de um estabelecimento de produção dos referidos produtos, exceto os usados para fins alheios a essa produção.”

  • Artigo 89.º:
    • “1 – Estão isentos do imposto os produtos petrolíferos e energéticos que, comprovadamente: (...) d) sejam utilizados na produção de eletricidade, de eletricidade e calor (cogeração), ou de gás de cidade, por entidades que desenvolvam tais atividades como sua atividade principal, no que se refere aos produtos classificados pelos códigos NC 2701, 2702 e 2704, pelos códigos NC 2710 19 61 a 2710 19 69, pelo código NC 2711 (...)

2 – Está isenta do imposto a eletricidade que, comprovadamente, seja:

a) Utilizada para produzir eletricidade, e para manter a capacidade de produzir eletricidade;”;

  • Artigo 96.º-A:
    • “1 – Os comercializadores de eletricidade registados e licenciados nos termos da legislação aplicável, que fornecem ao consumidor final, incluindo os comercializadores de eletricidade para a mobilidade elétrica, devem registar-se na estância aduaneira competente, para efeitos do cumprimento das obrigações fiscais previstas no presente Código. (...)

3 – As quantidades de eletricidade a declarar para introdução no consumo são as quantidades faturadas aos clientes consumidores finais.”

            Na apreciação da questão sub iudice, será, ainda, de ter presente as seguintes disposições da Directiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de Outubro de 2003, que reestruturou o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da electricidade:

  • Artigo 14.º:
    • “1.   Para além das disposições gerais previstas na Directiva 92/12/CEE relativas às utilizações isentas de produtos tributáveis, e sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros devem isentar os produtos a seguir referidos nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar uma aplicação correcta e simples dessas isenções e de modo a impedir a fraude, a evasão fiscal ou utilizações abusivas:
  1. Produtos energéticos e electricidade utilizados para produzir electricidade e electricidade utilizada para manter a capacidade de produzir electricidade. No entanto, por razões de política ambiental, os Estados-Membros podem sujeitar estes produtos a imposto, sem que tenham de respeitar os níveis mínimos de tributação estabelecidos na presente directiva. Nesse caso, a tributação destes produtos não será tomada em consideração para efeitos da observância do nível mínimo de tributação aplicável à electricidade fixado no artigo 10.º;”;
  • Artigo 21.º:

“1.   Para além das disposições gerais que definem o facto gerador e das disposições relativas ao pagamento estabelecidas na Directiva 92/12/CEE, o montante da tributação que incide sobre os produtos energéticos tornar-se-á igualmente exigível aquando da ocorrência de um dos factos geradores referidos no n.º 3 do artigo 2.º da presente directiva.(...)

3.   O consumo de produtos energéticos nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos não é considerado como facto gerador de imposto se disser respeito a produtos energéticos produzidos nas instalações do estabelecimento. Os Estados-Membros podem também considerar como não sendo um facto gerador o consumo de electricidade e de outros produtos energéticos não produzidos nas instalações desse estabelecimento, bem como o consumo de produtos energéticos e de electricidade nas instalações de um estabelecimento que produz combustíveis destinados a serem utilizados na produção de electricidade. Se se destinar a fins não relacionados com a produção de produtos energéticos e, em particular, à tracção de veículos, o consumo será considerado como facto gerador de imposto. (...)

5.   Para efeitos dos artigos 5.º e 6.º da Directiva 92/12/CEE, a electricidade e o gás natural são sujeitos a tributação, que será exigível no momento do fornecimento pelo distribuidor ou redistribuidor. Sempre que a entrega para consumo se realize num Estado-Membro onde o distribuidor ou redistribuidor não esteja estabelecido, o imposto dos Estados-Membros de entrega será exigível a uma empresa que tem de estar registada no Estado-Membro de entrega. A liquidação e a cobrança do imposto serão sempre realizadas segundo as regras estabelecidas por cada Estado-Membro. (...)

Uma entidade que produza electricidade para consumo próprio é considerada como um distribuidor. Em derrogação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º, os Estados-Membros podem isentar estes pequenos produtores de electricidade, desde que tributem os produtos energéticos utilizados para a produção dessa electricidade.”

 

*

            Essencialmente, e de um ponto de vista literal, ponto de partida necessário da interpretação da Lei, sustenta a Requerente que se deve ler a referência a “autoprodutor” ínsita na al. b) do n.º 1 do artigo 4.º do CIEC, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 20/81, de 28 de Janeiro, que considera como tal o "proprietário, pessoa singular ou coletiva, de instalações que acessoriamente, produzam energia elétrica", enquanto que a Requerida sustenta que, face à ausência de uma definição própria do CIEC, e da legislação fiscal em geral, se deve utilizar um sentido comum para tal termo, considerando-se como autoprodutor, todo aquele que produz, total ou parcialmente, para o seu próprio uso.

            Sendo certo que, da letra da Lei não se retira qualquer argumento num ou noutro sentido, a fundamentação da leitura a fazer da norma em causa, dever-se-á procurar dentro do sistema jurídico, visando assegurar, na medida do possível, a sua coerência significante.

            Essencial, nessa perspectiva, torna-se fixar o sentido do disposto no terceiro parágrafo do número 5 do artigo 21.º da Directiva 2003/96/CE.

            Nesse contexto, impõe-se apurar se, face àquele texto, e, em especial, tendo em conta o teor da segunda parte de tal parágrafo, apenas os pequenos produtores de electricidade devem ser considerados como distribuidores, enquanto “entidade que produza electricidade para consumo próprio”, para efeitos da primeira parte desse mesmo parágrafo, e do n.º 1 do mesmo artigo.

            A dúvida coloca-se porquanto o texto português da Directiva, na segunda parte do parágrafo em questão, utiliza o pronome demonstrativo “estes”, antes da expressão “pequenos produtores”, induzindo, como sustenta a Requerente nos autos, que a primeira parte do referido parágrafo se restringe a “pequenos produtores” que produzam electricidade para consumo próprio.

            Sendo a redacção da Directiva em espanhol[1], análoga à portuguesa, mas não contendo as versões inglesa, francesa, italiana e alemã qualquer expressão análoga ao referido pronome demonstrativo, utilizado nas versões portuguesa e espanhola, surge a questão de averiguar se foi, efectivamente, intenção do legislador comunitário, no terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 21.º da Directiva em causa, restringir a qualificação de “distribuidor”, para efeitos do primeiro parágrafo do mesmo número, aos “pequenos produtores” que produzam electricidade para consumo próprio, ou se, antes, aquela qualificação como “distribuidor” abrange todas as entidades que produzam electricidade para consumo próprio, independentemente da sua dimensão, enquanto produtores de electricidade.

Pelo exposto, foi determinado o reenvio prejudicial para o TJUE, tendo sido formuladas as seguintes questões:

  1. Nos termos e para os efeitos do terceiro parágrafo do art.º 21.º/5 da Directiva 2003/96/CE, as entidades que produzam electricidade para consumo próprio para serem, consideradas como um distribuidor, e sujeitas a imposto nos termos do primeiro parágrafo do mesmo art.º 21.º/5 da Directiva, deverão ser pequenos produtores, ficando as restantes entidades (as que não sejam pequenos produtores) que produzam electricidade para consumo próprio excluídas daquela qualidade de distribuidor, ou deverão ser considerados como distribuidor, e sujeitas a imposto nos termos do primeiro parágrafo do mesmo art.º 21.º/5 da Directiva, todas as entidades que produzam electricidade para consumo próprio (independentemente da respectiva dimensão e de o fazerem como actividade económica principal ou acessória), e não sejam isentas, enquanto pequenos produtores, nos termos da segunda parte do terceiro parágrafo do referido art.º 21.º/5 da Directiva?;
  2. Em concreto, pode uma entidade como a que está em causa nos autos, que é uma grande produtora de eletricidade e que chega a produzir cerca de 9% da energia nacional, para venda da mesma à rede nacional, ser considerada como uma “entidade que produz eletricidade para consumo próprio”, tal como referido no n.º 5 do artigo 21.º da Diretiva n.º 2003/96/CE, quando só uma pequena parte da eletricidade que produz é consumida na própria produção de nova eletricidade, como parte integrante do seu processo produtivo?

Em resposta às referidas questões, e em acórdão proferido no processo C-90/17, veio o TJUE a declarar o seguinte:

O artigo 21.º, n.º 5, terceiro parágrafo, e o artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, devem ser interpretados no sentido de que uma entidade como a que está em causa no processo principal, que produz eletricidade para consumo próprio, independentemente da sua importância e da atividade económica que exerce a título principal, deve ser considerada um «distribuidor», na aceção da primeira daquelas disposições, cujo consumo de eletricidade para os fins da produção de eletricidade está, contudo, abrangido pela isenção obrigatória prevista no referido artigo 14.°, n.º 1, alínea a).

 

*

            Tendo em conta o decidido pelo Tribunal europeu, fica então determinado que a Requerente deve ser considerada um “distribuidor”.

            Todavia, em ordem a realizar a completa obediência ao determinado por aquele alto Tribunal, haverá que considerar que a Requerente está abrangida pela isenção consagrada no art.º 14.º/1/a) da Directiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de Outubro de 2003.

            Relativamente a esta matéria, referiu o TJUE que:

“38 Daqui resulta que qualquer entidade, nomeadamente a que está em causa no processo principal, que produz eletricidade para consumo próprio, independentemente da sua importância e da atividade económica exercida a título principal, deve ser considerada um «distribuidor», na aceção do artigo 21.°, n.° 5, terceiro parágrafo, desta diretiva.

39 Em segundo lugar, importa precisar que esta conclusão relativa ao facto gerador do imposto controvertido não põe em causa, contudo, o facto de a atividade económica exercida pela entidade que produz eletricidade para consumo próprio ser pertinente para efeitos da aplicação das isenções previstas pela referida diretiva.

40 Com efeito, o artigo 14.°, n.° 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2003/96, segundo o qual os produtos energéticos e a eletricidade utilizados para produzir eletricidade e a eletricidade utilizada para manter a capacidade de produzir eletricidade estão isentos de tributação, não pode ser ignorado para efeitos da apreciação da situação fiscal de uma entidade como a que está em causa no processo principal.

41 A este respeito, há que recordar que esta disposição se impõe aos Estados‑Membros, sob reserva da faculdade que lhes é concedida pelo artigo 14.°, n.° 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2003/96 de derrogar este regime de isenção por razões de política ambiental (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2018, Cristal Union, C‑31/17, EU:C:2018:168, n.ºs 26 a 28). Ora, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que a República Portuguesa tenha feito uso dessa faculdade.

42 Daqui decorre que a utilização, por uma entidade como a que está em causa no processo principal, de uma parte da eletricidade que produz, para os fins da produção de eletricidade, embora constitua um facto gerador do imposto, por força do artigo 21.°, n.° 5, primeiro e terceiro parágrafos, desta diretiva, deve estar isenta da tributação ao abrigo do artigo 14.°, n.° 1, alínea a), da referida diretiva. Qualquer outra interpretação seria prejudicial aos objetivos prosseguidos por esta última, conforme recordados nos n.os 34 e 35 do presente acórdão. Com efeito, por um lado, a eletricidade assim produzida seria necessariamente objeto de dupla tributação. Por outro lado, isso poderia dar origem a uma desigualdade de tratamento entre entidades como as que estão em causa no processo principal e os outros produtores de eletricidade que se abastecem em produtos energéticos e em eletricidade junto de terceiros, para os fins da sua própria produção, o que constituiria uma fonte de distorções de concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2018, Cristal Union, C‑31/17, EU:C:2018:168, n.° 33).

43 Contudo, há que precisar que a Diretiva 2003/96 não regula a questão de saber como deve ser produzida a prova da utilização dos produtos energéticos para fins que deem direito à isenção. Pelo contrário, como decorre do seu artigo 14.º, n.° 1, esta diretiva incumbe os Estados‑Membros de fixar as condições das isenções nele previstas, tendo em vista assegurar uma aplicação correta e simples dessas isenções e de modo a impedir a fraude, a evasão fiscal ou utilizações abusivas. Não obstante, no exercício do poder de que dispõem para fixar as condições a que estão subordinadas as isenções previstas no artigo 14.°, n.° 1, da referida diretiva, os Estados‑Membros devem respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União, entre os quais figura, designadamente, o princípio da proporcionalidade (Acórdão de 2 de junho de 2016, Polihim‑SS, C‑355/14, EU:C:2016:403, n.ºs 57 e 59).

44 Assim, embora os Estados‑Membros possam prever a aplicação de uma sanção pecuniária em caso de violação de exigências formais (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, ROZ‑ŚWIT, C‑418/14, EU:C:2016:400, n.° 40), essa violação não pode pôr em causa o benefício da isenção obrigatória previsto no artigo 14.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 se os requisitos materiais para a sua aplicação estiverem preenchidos (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2017, Vakarų Baltijos laivų statykla, C‑151/16, EU:C:2017:537, n.° 51).

45 Face ao exposto, há que responder às questões submetidas que o artigo 21.°, n.° 5, terceiro parágrafo, e o artigo 14.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 devem ser interpretados no sentido de que uma entidade como a que está em causa no processo principal, que produz eletricidade para consumo próprio, independentemente da sua importância e da atividade económica que exerce a título principal, deve ser considerada um «distribuidor», na aceção da primeira daquelas disposições, cujo consumo de eletricidade para os fins da produção de eletricidade está, contudo, abrangido pela isenção obrigatória prevista no referido artigo 14.°, n.° 1, alínea a).”

            A isenção a que alude o referido art.º 14.º/1/a) da Directiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de Outubro de 2003, tem correspondência, no direito nacional, no art.º 89.º do CIEC, já atrás transcrito.

            In casu, e conforme resulta da matéria de facto dada como provada, a Requerente, à data dos factos tributários, não era titular de qualquer autorização de isenção para a electricidade consumida nas suas instalações, nos termos do artigo 89.º do CIEC, não estava registada como Operador do Sector Eléctrico (OSE), nem era detentora de estatuto de destinatário isento para a utilização de electricidade.

            Não obstante, e em obediência ao acórdão proferido pelo TJUE no processo C-90/17, haverá que considerar, numa interpretação do direito nacional conforme ao direito comunitário, que “embora os Estados‑Membros possam prever a aplicação de uma sanção pecuniária em caso de violação de exigências formais (...), essa violação não pode pôr em causa o benefício da isenção obrigatória previsto no artigo 14.°, n.º 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 se os requisitos materiais para a sua aplicação estiverem preenchidos”.

            Quer isto dizer que, sem prejuízo da aplicação de sanções pecuniárias pelo incumprimento de requisitos formais, a isenção prevista no art.º 89.º/1/d) do CIEC, que é aquela que ao caso interessa, deverá operar sempre que se verifiquem os respectivos requisitos materiais, ou seja, sempre que, no que ora releva, os produtos energéticos sejam utilizados para a produção de electricidade, por entidades que desenvolvam tais actividades como sua actividade principal.

            No presente caso não existem dúvidas que a Requerente tem a produção de electricidade como actividade principal, e que a electricidade por si produzida que consumiu nas instalações que a produziam, foi utilizada no seu processo produtivo, estando ainda provado que foram apuradas na ANF as quantidades de electricidade autoconsumida pela Requerente.

            De resto, o próprio relatório final da ANF reconhece que: “A ... não tem, mas reúne as condições para ter uma isenção (...), que lhe permitiria utilizar a eletricidade com isenção nas suas instalações que estão sujeitas ao PNALE/ARCE. Esta autorização permitiria utilizar com isenção de ISP toda a eletricidade consumida nas instalações da A..., tanto a eletricidade utilizada para a produção de eletricidade ou para a manutenção da capacidade de produzir eletricidade, como a eletricidade utilizada na parte administrativa ou nas instalações afetas às atividades sociais (independentemente da origem, produzida pela própria empresa ou importada)”, sendo que o imposto apenas foi liquidado por razões formais, designadamente porquanto “A empresa não está registada como Operador do Setor Elétrico (OSE), nem é de detentora do estatuto de destinatário isento para a utilização de eletricidade”.

            Como naquele relatório se resume, “embora reúna a A... os requisitos para o benefício da isenção de ISP relativamente a toda a eletricidade consumida nas suas instalações (seja importada ou de produção própria), tem faltado um pequeno passo que passa por solicitar a A..., junto da Alfândega B... o benefício da isenção

            Ora, tendo em conta o acórdão do TJUE proferido em reenvio prejudicial formulado no presente processo arbitral, não poderá a falta desse “pequeno passo” formal obstar à concessão da isenção, obrigatória por força do art.º 14.º/1/a) da Directiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de Outubro de 2003, sem prejuízo, obviamente, das sanções pecuniárias que ao caso caibam.

            Deste modo e pelo exposto, deverá ser anulada a liquidação objecto da presente acção arbitral, procedendo, nessa medida o pedido aqui formulado.

 

*

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta o acto tributário anulado é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que o praticou, indevidamente, por sua iniciativa, não interpretando, devidamente, a lei nacional à luz do Direito Comunitário.

Como se escreveu no Ac. do STA de 18-01-2017, proferido no processo 0890/16[2]:

o facto de a ilegalidade determinante da procedência da impugnação se concretizar em violação de norma comunitária, também não implica tratamento similar àquele que equaciona a aplicação de normas que venham a ser declaradas inconstitucionais, pois que a AT «não dispõe de qualquer margem para desaplicar normas ainda não declaradas inconstitucionais, enquanto que no caso dos preceitos de direito comunitário do que se trata é da aplicação de normas que vigoram directamente na ordem jurídica interna e, mais do que isso, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo os Estados-Membros aplicar qualquer regra de direito interno que colida com as regras do direito da UE.»”.

Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto anulado e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular o acto de liquidação n.º..., de 04-08-2014, no montante total de € 76.185,49, sendo € 71.197,17 relativos a Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos, € 4.986,52 relativos a juros compensatórios e € 1,80 relativos ao impresso de liquidação, bem como o acto de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação referida;
  2. Condenar a AT na devolução do montante de imposto indevidamente pago pela ora Requerente, e no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 76.185,49, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de Novembro de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Paulo Lourenço)

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Sofia Cardoso)

 

 

 

 

 

 

Decisão de Reenvio Prejudicial

 

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Paulo Lourenço e Sofia Cardoso, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 20 de Abril de 2016, A..., SA., titular do cartão de pessoa coletiva e do número de identificação fiscal n.°..., com sede na ..., ...-... ..., ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de Liquidação n.º..., de 04-08-2014, no montante total de € 76.185,49, sendo € 71.197,17 relativos a Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos, € 4.986,52 relativos a juros compensatórios e € 1,80 relativos ao impresso de liquidação, e do indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação referida.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que não pode ser qualificada como auto-produtora de energia eléctrica para efeitos da al. b) do n.º 1 do artigo 4.º do CIEC, tendo em conta o disposto no terceiro parágrafo do art.º 21.º/5   da Directiva 2003/96/CE.

 

  1. No dia 21-04-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 14-06-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 01-07-2016.

 

  1. No dia 19-09-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Atendendo aos princípios da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações pelas partes.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT, prazo esse que foi prorrogado duas vezes por 30 dias.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. Foi desencadeada pela Alfândega B... uma Acção de Natureza Fiscalizadora (ANF n.º .../2014)) à empresa A..., SA, NIPC ... .
  2. O procedimento abrangeu, quanto à sua extensão, o período compreendido entre 01/01/2012 e 31/12/2013.
  3. A requerente exerce a actividade de produção de electricidade de origem térmica (CAE 035112), sendo titular, à data do período abrangido pela ANAF:
    1. de autorização de isenção para a utilização de gás natural na produção de electricidade ou de electricidade e calor (cogeração), ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 89.º do CIEC (Autorização de isenção n.º 2013/...- proc.º administrativo n.º COG .../2013 – código de isenção 1P05 – afectação à produção de electricidade, para a central de ciclo combinado ..., ...–PT...MJ);
    2. de autorização de isenção para a utilização de gás natural como combustível industrial em instalações sujeitas ao PNALE ou a um ARCE (artigo 89.º n.º 1, alínea f) do CIEC): Autorização de isenção n.º 2011/...- proc.º administrativo n.º .../CELE – código de isenção 1P14 – combustíveis industriais – CELE e ARCE, para a central de ciclo combinado ..., ... –PT...MJ;
  4. A Requerente, à mesma data, não era titular de qualquer autorização de isenção para a electricidade consumida nas suas instalações, nos termos do artigo 89.º do CIEC, não estava registada como Operador do Sector Eléctrico (OSE), nem era detentora de estatuto de destinatário isento para a utilização de electricidade.
  5. A Requerente consumia parte da electricidade por si produzida, electricidade essa, relativamente à qual não existiam contadores instalados para a respectiva medição/quantificação, nem qualquer documento de suporte, já que não existia qualquer transacção.
  6. Foi cruzada a informação prestada pela empresa quanto às quantidades autoconsumidas com informação solicitada à Direcção-Geral da Energia e Geologia.
  7. Foram apuradas na ANF as quantidades de electricidade autoconsumida, relativamente a 2012 e 2013, para as quais não havia sido apresentada qualquer declaração de introdução no consumo, nos termos do artigo 10.º do CIEC.
  8. Foi considerado na ANF que se encontrava em dívida Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) no valor de € 71.197,17, acrescido de juros compensatórios a favor do Estado no valor de € 4.986,52.
  9. A ora Requerente exerceu o direito de Audição prévia.
  10. Foi elaborado Relatório Final da ANF, em 21/07/2014, que analisou a audição prévia apresentada, tendo-se mantido as conclusões já constantes do projecto de conclusões, do qual a Requerente foi devidamente notificada.
  11. Foi efectuada a liquidação do Imposto que se apurou estar em dívida, pela Alfândega B... (registo de liquidação 2014/..., de 01/08/2014), tendo a ora Requerente sido notificada para pagamento, pelo ofício n.º..., de 05/08/2014.
  12. Foi apresentada reclamação graciosa contra o acto de liquidação, que correu termos pela Direcção de Serviços do Impostos Especiais sobre o Consumo e do Imposto Sobre Veículos (DSIECIV) da AT, sob o n.º de processo .../2015, tendo sido indeferida, por Despacho de 07/01/2016 do Director daquela Direcção de Serviços (proferido no uso de competência delegada).
  13. A Requerente efectuou o pagamento do valor liquidado, no dia 14-08-2014,
  14. A Requerente opera, e operava durante o período abrangido pela ANF, a Central de Ciclo Combinado da ... (“Central”), central termoeléctrica, localizada no Concelho de ..., com capacidade de 990 MW.
  15. A ... é, e era durante o período abrangido pela ANF, uma central de ciclo combinado com uma potência instalada de 990 MW, constituída por três grupos de produção de 330 MW, cada um composto por uma turbina a gás e uma turbina a vapor em série, chegando a produzir cerca de 9% da energia nacional.
  16.  A Central produz, e produzia durante o período abrangido pela ANF, electricidade utilizando gás natural, sendo também utilizada electricidade no seu funcionamento interno.
  17. A Central está, e estava durante o período abrangido pela ANF, ainda preparada para utilizar gasóleo quando tal se demonstre necessário.
  18. O processo de produção de electricidade necessita, e necessitava durante o período abrangido pela ANF, de energia (gás natural ou gasóleo e eletricidade) a par de outros elementos como água e matérias-primas secundárias, tais como óleos e reagentes químicos.
  19. No funcionamento interno da Central, é, e era durante o período abrangido pela ANF, consumida uma pequena parte da electricidade produzida pela instalação.
  20. Estes consumos de eletricidade verificam-se, e verificavam-se durante o período abrangido pela ANF, devido ao desenho industrial e configuração da Central.
  21. Neste sentido, existem, e existiam durante o período abrangido pela ANF, consumos de uma pequena parte da electricidade produzida pela A... .
  22. Tais consumos são, e eram durante o período abrangido pela ANF, efectuados e inerentes ao processo produtivo de electricidade.
  23. A A... opera, e operava durante o período abrangido pela ANF, a Central ao abrigo do contrato Power Purchase Agreement, (“PPA”) - contrato de aquisição de energia (“CAE”), o qual foi celebrado ao abrigo do Decreto-Lei no 183/95, de 27 de Julho.
  24. Ao abrigo deste contrato, a A... vende, e vendia durante o período abrangido pela ANF, a energia produzida na Central à REN.
  25. No âmbito do sistema eléctrico nacional, é, e era durante o período abrangido pela ANF, qualificada de Produtor.
  26. Dentro do sector da produção de eletricidade, a A... está, e estava durante o período abrangido pela ANF, enquadrada no regime legal da produção de electricidade em regime ordinário.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

B. DO DIREITO

 

            A questão, única e fundamental que se apresenta a decidir por este Tribunal arbitral nos presentes autos de acção arbitral tributária é a de apurar se a Requerente é, ou não, qualificável como autoprodutor, para efeitos da al. b) do n.º 1 do artigo 4.º do CIEC e, como tal, sujeito passivo do IEC liquidado.

 

*

            Dispõe o referido artigo 4.º, na al. b) do seu n.º 1, que:

“São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo: (...) b) no caso de fornecimento de eletricidade ao consumidor final, os comercializadores, definidos em legislação própria, os comercializadores para a mobilidade elétrica, os produtores que vendam eletricidade diretamente aos consumidores finais, os autoprodutores e os consumidores que comprem eletricidade através de operações em mercados organizados;”.

            Com interesse para a apreciação da questão a dirimir, dispõem, ainda, as seguintes disposições do CIEC:

  • Artigo 7.º:
    • “1 – Constitui facto gerador do imposto a produção ou a importação em território nacional dos produtos referidos no artigo 5.º, bem como a sua entrada no referido território quando provenientes de outro Estado membro.

2 – Em derrogação do disposto no número anterior, constitui facto gerador do imposto, o momento do fornecimento ao consumidor final de eletricidade e de gás natural por comercializadores definidos em legislação própria.”;

  • Artigo 9.º:
    • “1 – Para efeitos do presente Código considera-se introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto: (...) g) o fornecimento de eletricidade ao consumidor final, o autoconsumo e a aquisição de eletricidade por consumidores finais em mercados organizados;”;
  • Artigo 88.º:
    • “1 – Estão sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos: (...) d) a eletricidade abrangida pelo código NC 2716.

6 – Não estão sujeitos ao imposto os produtos petrolíferos e energéticos consumidos nas instalações de um estabelecimento de produção dos referidos produtos, exceto os usados para fins alheios a essa produção.”

  • Artigo 89.º:
    • “1 – Estão isentos do imposto os produtos petrolíferos e energéticos que, comprovadamente: (...) d) sejam utilizados na produção de eletricidade, de eletricidade e calor (cogeração), ou de gás de cidade, por entidades que desenvolvam tais atividades como sua atividade principal, no que se refere aos produtos classificados pelos códigos NC 2701, 2702 e 2704, pelos códigos NC 2710 19 61 a 2710 19 69, pelo código NC 2711 (...)

2 – Está isenta do imposto a eletricidade que, comprovadamente, seja:

a) Utilizada para produzir eletricidade, e para manter a capacidade de produzir eletricidade;”;

  • Artigo 96.º-A:
    • “1 – Os comercializadores de eletricidade registados e licenciados nos termos da legislação aplicável, que fornecem ao consumidor final, incluindo os comercializadores de eletricidade para a mobilidade elétrica, devem registar-se na estância aduaneira competente, para efeitos do cumprimento das obrigações fiscais previstas no presente Código. (...)

3 – As quantidades de eletricidade a declarar para introdução no consumo são as quantidades faturadas aos clientes consumidores finais.”

            Na apreciação da questão sub iudice, será, ainda, de ter presente as seguintes disposições da Directiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de Outubro de 2003, que reestruturou o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da electricidade:

  • Artigo 14.º:
    • “1.   Para além das disposições gerais previstas na Directiva 92/12/CEE relativas às utilizações isentas de produtos tributáveis, e sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros devem isentar os produtos a seguir referidos nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar uma aplicação correcta e simples dessas isenções e de modo a impedir a fraude, a evasão fiscal ou utilizações abusivas:
  1. Produtos energéticos e electricidade utilizados para produzir electricidade e electricidade utilizada para manter a capacidade de produzir electricidade. No entanto, por razões de política ambiental, os Estados-Membros podem sujeitar estes produtos a imposto, sem que tenham de respeitar os níveis mínimos de tributação estabelecidos na presente directiva. Nesse caso, a tributação destes produtos não será tomada em consideração para efeitos da observância do nível mínimo de tributação aplicável à electricidade fixado no artigo 10.º;”;
  • Artigo 21.º:

“1.   Para além das disposições gerais que definem o facto gerador e das disposições relativas ao pagamento estabelecidas na Directiva 92/12/CEE, o montante da tributação que incide sobre os produtos energéticos tornar-se-á igualmente exigível aquando da ocorrência de um dos factos geradores referidos no n.o 3 do artigo 2.o da presente directiva.(...)

3.   O consumo de produtos energéticos nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos não é considerado como facto gerador de imposto se disser respeito a produtos energéticos produzidos nas instalações do estabelecimento. Os Estados-Membros podem também considerar como não sendo um facto gerador o consumo de electricidade e de outros produtos energéticos não produzidos nas instalações desse estabelecimento, bem como o consumo de produtos energéticos e de electricidade nas instalações de um estabelecimento que produz combustíveis destinados a serem utilizados na produção de electricidade. Se se destinar a fins não relacionados com a produção de produtos energéticos e, em particular, à tracção de veículos, o consumo será considerado como facto gerador de imposto.(...)

5.   Para efeitos dos artigos 5.º e 6.º da Directiva 92/12/CEE, a electricidade e o gás natural são sujeitos a tributação, que será exigível no momento do fornecimento pelo distribuidor ou redistribuidor. Sempre que a entrega para consumo se realize num Estado-Membro onde o distribuidor ou redistribuidor não esteja estabelecido, o imposto dos Estados-Membros de entrega será exigível a uma empresa que tem de estar registada no Estado-Membro de entrega. A liquidação e a cobrança do imposto serão sempre realizadas segundo as regras estabelecidas por cada Estado-Membro.(...)

Uma entidade que produza electricidade para consumo próprio é considerada como um distribuidor. Em derrogação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º, os Estados-Membros podem isentar estes pequenos produtores de electricidade, desde que tributem os produtos energéticos utilizados para a produção dessa electricidade.”

 

*

            Essencialmente, e de um ponto de vista literal, ponto de partida necessário da interpretação da Lei, sustenta a Requerente que se deve ler a referência a “autoprodutor” ínsita na al. b) do n.º 1 do artigo 4.º do CIEC, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 20/81, de 28 de Janeiro, que considera como tal o "proprietário, pessoa singular ou coletiva, de instalações que acessoriamente, produzam energia elétrica", enquanto que a Requerida sustenta que, face à ausência de uma definição própria do CIEC, e da legislação fiscal em geral, se deve utilizar um sentido comum para tal termo, considerando-se como autoprodutor, todo aquele que produz, total ou parcialmente, para o seu próprio uso.

            Sendo certo que, da letra da Lei não se retira qualquer argumento num ou noutro sentido, a fundamentação da leitura a fazer da norma em causa, dever-se-á procurar dentro do sistema jurídico, visando assegurar, na medida do possível, a sua coerência significante.

            Essencial, nessa perspectiva, torna-se fixar o sentido do disposto no terceiro parágrafo do número 5 do artigo 21.º da Directiva 2003/96/CE.

            Com efeito, torna-se necessário apurar se, face àquele texto, e, em especial, tendo em conta o teor da segunda parte de tal parágrafo, apenas os pequenos produtores de electricidade devem ser considerados como distribuidores, enquanto “entidade que produza electricidade para consumo próprio”, para efeitos da primeira parte desse mesmo parágrafo, e do n.º 1 do mesmo artigo.

            A dúvida coloca-se porquanto o texto português da directiva, na segunda parte do parágrafo em questão, utiliza o pronome demonstrativo “estes”, antes da expressão “pequenos produtores”, induzindo, como sustenta a Requerente nos autos, que a primeira parte do referido parágrafo se restringe a “pequenos produtores” que produzam electricidade para consumo próprio.

            Sendo a redacção da Directiva em espanhol[3], análoga à portuguesa, mas não contendo as versões inglesa, francesa, italiana e alemã qualquer expressão análoga ao referido pronome demonstrativo, utilizado nas versões portuguesa e espanhola, surge a questão de averiguar se foi, efectivamente, intenção do legislador comunitário, no terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 21.º da Directiva em causa, restringir a qualificação de “distribuidor”, para efeitos do primeiro parágrafo do mesmo número, aos “pequenos produtores” que produzam electricidade para consumo próprio, ou se, antes, aquela qualificação como “distribuidor” abrange todas as entidades que produzam electricidade para consumo próprio, independentemente da sua dimensão, enquanto produtores de electricidade.

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            Como se escreveu no Acórdão de reenvio proferido no processo arbitral 96/2013T[4]:

“Embora o texto do RJAT não contenha norma expressa aludindo à possibilidade de efectuar reenvio prejudicial nos processos arbitrais tributários, no seu Preâmbulo refere-se que «Nos casos em que o tribunal arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é susceptível de reenvio prejudicial em cumprimento do § 3 do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

Independentemente de esta possibilidade de reenvio prejudicial não ter sido transposta para o texto do RJAT, ela resulta do referido § 3.º do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pelo que deve ser aplicada, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Embora todas as decisões dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD sejam passíveis de recurso, já que não se estabelece qualquer alçada, apenas são admissíveis recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento e inconstitucionalidade, e para o Supremo Tribunal Administrativo, com fundamento em oposição de julgados (artigo 25.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT). (...)”

            No caso em apreço, não são discutidas questões de inconstitucionalidade, relativamente à matéria em causa, o que afasta a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, não sendo conhecida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ou dos Tribunais Centrais Administrativos sobre a referida questão, pelo que não se pode concluir pela possibilidade de recurso relativamente à mesma.

            Assim, aqui, como no referido processo, há que concluir que:

“Neste contexto, é de entender que é obrigatório o reenvio prejudicial, à face do preceituado no artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia, que estabelece que «sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal».”

Pelo exposto, formulam-se as seguintes questões, em reenvio prejudicial:

  1. Nos termos e para os efeitos do terceiro parágrafo do art.º 21.º/5 da Directiva 2003/96/CE, as entidades que produzam electricidade para consumo próprio para serem, consideradas como um distribuidor, e sujeitas a imposto nos termos do primeiro parágrafo do mesmo art.º 21.º/5 da Directiva, deverão ser pequenos produtores, ficando as restantes entidades (as que não sejam pequenos produtores) que produzam electricidade para consumo próprio excluídas daquela qualidade de distribuidor, ou deverão ser considerados como distribuidor, e sujeitas a imposto nos termos do primeiro parágrafo do mesmo art.º 21.º/5 da Directiva, todas as entidades que produzam electricidade para consumo próprio (independentemente da respectiva dimensão e de o fazerem como actividade económica principal ou acessória), e não sejam isentas, enquanto pequenos produtores, nos termos da segunda parte do terceiro parágrafo do referido art.º 21.º/5 da Directiva?;
  2. Em concreto, pode uma entidade como a que está em causa nos autos, que é uma grande produtora de eletricidade e que chega a produzir cerca de 9% da energia nacional, para venda da mesma à rede nacional, ser considerada como uma “entidade que produz eletricidade para consumo próprio”, tal como referido no n.º 5 do artigo 21.º da Diretiva n.º 2003/96/CE, quando só uma pequena parte da eletricidade que produz é consumida na própria produção de nova eletricidade, como parte integrante do seu processo produtivo?

 

Termos em que acordam os árbitros que constituem este Tribunal arbitral em matéria tributária em suspender a instância, incluindo o prazo a que se refere o artigo 21.º/1 do RJAT, até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, determinando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira e das alegações das Partes, bem como dos documentos juntos com essas peças processuais.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Janeiro de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Paulo Lourenço)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Sofia Cardoso)

 

 



[1] Utilizando o pronome demonstrativo “estos”, equivalente ao portugês “estes”.

[3] Utilizando o pronome demonstrativo “estos”, equivalente ao portugês “estes”.