DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., S.A., titular do NIPC..., com sede social na ..., nº..., em Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos tributários de liquidação adicional de IRC e de liquidação de juros compensatórios, no montante global de € 251.693,49, bem como do ato de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esses atos de liquidação.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma sociedade que se encontra integrada no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, tendo como sociedade dominante o Grupo B... SGPS, S.A.
Na sequência de várias ações inspetivas iniciadas em 2015, a Autoridade Tributária determinou a cessação do Regime Especial de Tributação, com referência ao exercício de 2011, em aplicação do disposto no artigo 69.º, n.º 8, alínea b), do Código do IRC, por ter concluído que a sociedade C..., Lda., que se encontrava incluída no perímetro de tributação, tinha registado prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores e não era detida em 90% pela sociedade dominante há mais de dois anos.
A cessação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades originou, relativamente à Requerente, a liquidação adicional de IRC, a título individual, no montante de € 9.925,39, a que acrescem juros compensatórios, por efeito da aplicação do regime geral de tributação.
Tendo deduzido reclamação graciosa contra a liquidação adicional, que veio a ser indeferida, a Requerente apresentou impugnação judicial no Tribunal Tributário de Lisboa dessa decisão de indeferimento, bem como da liquidação adicional de IRC, mas apenas no que se refere à correção efetuada em sede de tributação autónoma.
Ao contrário, o presente pedido de pronúncia de tribunal arbitral tem por objeto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e a liquidação adicional na parte referente ao ajustamento do lucro tributável de IRC decorrente da cessação do Regime Especial de Tributação, pelo que o pedido incide exclusivamente sobre a aplicabilidade desse regime à Requerente, enquanto sociedade integrante do Grupo, no período de tributação de 2011.
A norma do artigo 69.º, n.º 8, alínea b), do Código do IRC é inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, por constituir uma solução legal desnecessária e excessiva no ponto em que impõe a cessação do Regime Especial de Tributação à Requerente apenas com base na inclusão no âmbito do Regime de uma sociedade que apresentou prejuízos fiscais nos anos anteriores ao período de tributação.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que a questão da cessação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades ao Grupo B... foi já objeto de decisão com trânsito em julgado, no âmbito do processo arbitral n.º 10/2017-T, sendo que essa decisão constitui caso julgado quanto à matéria que está em apreciação do presente pedido arbitral. Subsidiariamente, com esse mesmo fundamento, alega que se verifica uma situação de impossibilidade jurídica da pretensão que é deduzida, visto que o Regime Especial de Tributação apenas poderia ser aplicado ao Grupo e não a uma das sociedades que o compõem.
Em sede de exceção, a Requerida invoca ainda que não se encontra comprovada a inexistência de litispendência entre o presente processo e a impugnação judicial intentada perante o Tribunal Tributário de Lisboa, e suscita a questão da incompetência material do tribunal para a apreciação do pedido, por considerar que a impugnação referente ao ajustamento em IRC resultante da cessação do Regime Especial de Tributação, conjuntamente com a impugnação judicial no tribunal judicial da liquidação relativa a tributações autónomas, implica que o tribunal arbitral, em caso de procedência, deva pronunciar-se sobre questões relacionadas com a execução do julgado, que extravasam a sua competência declarativa.
Quanto à matéria de fundo, a Administração Tributária defende a legalidade da cessação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades com base no reporte de prejuízos fiscais imputáveis a uma das sociedades do grupo e afasta a alegada inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, remetendo para o decidido no acórdão arbitral proferido no Processo n.º 10/2017-T.
2. No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e determinada produção de alegações finais pelo prazo sucessivo de dez dias.
Em alegações, a Requerente respondeu às questões suscitadas na resposta em matéria de exceção, pronunciando-se no sentido da sua improcedência, e quanto ao fundo da causa manteve a sua anterior posição.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 14 de junho de 2018.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Foram invocadas as exceções de incompetência material do tribunal arbitral, litispendência, caso julgado, impossibilidade jurídica do efeito de direito que se pretende obter com a ação.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
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A Requerente é uma sociedade que, relativamente ao período de tributação de 2011, se encontrava integrada no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, que tinha como sociedade dominante o Grupo B... SGPS, S.A.;
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O Regime Especial de Tributação do Grupo B..., por referência ao período de tributação de 2011, era composto por 34 sociedades;
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Os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de ... levaram a efeito um procedimento inspetivo à sociedade dominante do grupo (Grupo B... SGPS, SA), credenciada pela ordem de serviço n.º OI2015..., incidente sobre o exercício de 2011, tendo como principal objectivo a verificação de elementos relacionados com o enquadramento da tributação dos rendimentos do sujeito passivo no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades;
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Na sequência dessa ação inspetiva, a Administração Tributária determinou a cessação do Regime Especial de Tributação, relativamente ao período de 2011, e, em resultado da aplicação do regime geral de tributação, procedeu a liquidações adicionais de IRC, a título individual, em relação às sociedades integrantes do Grupo;
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A cessação do Regime Especial de Tributação do grupo B... foi determinado pela circunstância de a sociedade C..., que integrava o Grupo, ter registado, relativamente aos períodos de tributação de 2008, 2009 e 2010, prejuízos fiscais nos montantes de € 154.961,22, € 174.863,02 e € 213.827,29, respetivamente, e a participação social nessa sociedade não ser detida em 90% pela sociedade dominante há mais de dois anos;
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O Grupo B... SGPS, S.A e 32 outras sociedades integrantes do Grupo interpuseram reclamações graciosas visando a anulação administrativa das liquidações adicionais de IRC;
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A reclamação graciosa apresentada pela D... foi objeto de indeferimento tácito, ocorrido em 19 de dezembro de 2016, e as restantes reclamações foram indeferidas expressamente por despachos da Direcção de Finanças de ... de 25, 26 e 27 de outubro de 2016;
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Por efeito da cessação do Regime Especial de Tributação, a Requerente foi objeto de ação inspectiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI2015..., que determinou a liquidação adicional de IRC, no montante de € 972.741,45 (liquidação nº 2016...), bem como a liquidação de juros compensatórios, no montante de € 34.469,74 (liquidação n.º 2016...);
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A Requerente apresentou autonomamente reclamação graciosa contra a liquidação adicional nº ...2016..., em 8 de setembro de 2016, que foi objeto de indeferimento pelo despacho da Director de Finanças Adjunto de Lisboa, de 19 de dezembro de 2017, notificado no dia imediato;
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E deduziu o presente pedido arbitral na sequência dessa decisão de indeferimento;
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O Grupo B... SGPS, S.A. e 32 sociedades integrantes do Grupo deduziram, em 4 de janeiro de 2017, um pedido arbitral, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, visando a anulação de decisões de indeferimento de reclamações graciosas e de anulação de atos de liquidação adicional de IRC na sequência da cessação do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades, e que originou o Processo n.º 10/2017-T;
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O pedido foi julgado totalmente improcedente por decisão arbitral de 3 de setembro de 2017;
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A decisão arbitral referida na anterior alínea L) transitou em julgado;
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A Requerente não integrava o conjunto de sociedades que interpôs o pedido arbitral referido na antecedente alínea J).
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
A factualidade constante das alíneas K), L), M) e N) é do conhecimento do tribunal por virtude do exercício das suas funções.
Não se encontra documentada nos autos a instauração pela Requerente de impugnação judicial perante o Tribunal Tributário de Lisboa da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação adicional de IRC.
Matéria de direito
Questões prévias
5. A Autoridade Tributária, defendendo-se por exceção, suscita as seguintes quatro questões: (a) incompetência material do tribunal arbitral relativamente a parte do pedido que tenha por objeto a execução de julgados; (b) litispendência entre o presente pedido arbitral e a impugnação judicial deduzida perante o Tribunal Tributário de Lisboa por se não encontrarem comprovados documentalmente os elementos identificativos do pedido e da causa de pedir formulados nessa impugnação; (c) exceção de caso julgado por efeito do decidido quanto à cessação da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades pelo acórdão arbitral proferido no Processo n.º 10/2017; (d) e, a título subsidiário, a impossibilidade jurídica do efeito de direito pretendido com a presente ação por inaplicabilidade do regime especial de tributação dos grupos de sociedades a uma sociedade a título individual.
São estas as questões que interessa começar por analisar.
Incompetência material do tribunal arbitral
6. Se bem se entende, a alegada incompetência material do tribunal arbitral resulta de a Requerente ter deduzido um pedido arbitral da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e das liquidações subjacentes apenas na parte referente ao ajustamento em sede de IRC, em decorrência da cessação da aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, e, ao mesmo tempo, ter impugnado junto do Tribunal Tributário de Lisboa a mesma decisão da reclamação graciosa e a liquidação de IRC em matéria de tributação autónoma, o que é interpretado no sentido de que se pretende que o tribunal se pronuncie sobre pedidos de reconhecimento de direitos e matéria respeitante à execução de julgado, o que extravasaria a sua competência.
Ora, no pedido arbitral, a Requerente limitou-se a solicitar a anulação do despacho de indeferimento de reclamação graciosa e dos atos de liquidação adicional de IRC. E um tal pedido enquadra-se no âmbito da competência definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, visto que se refere à “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, que se entende abrangerem os atos de segundo grau – como é o caso das decisões de indeferimento de reclamação graciosa – quando estas tenham por objeto a apreciação da legalidade do ato tributário.
Ao referir, na petição inicial, que o pedido de pronúncia de tribunal arbitral tem em vista a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa na parte referente ao ajustamento em sede de lucro tributável de IRC decorrente da cessação do Regime Especial de Tributação, a Requerente pretende unicamente delimitar o objeto do litígio, por confronto com a impugnação judicial apresentada perante Tribunal Tributário de Lisboa, para evidenciar que, não obstante a concorrência de meios processuais, não se verifica a possibilidade de repetição da causa.
Neste contexto, nada permite concluir que a pronúncia do tribunal arbitral, indo além da declaração de ilegalidade dos atos de liquidação e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa - que constitui o objeto do pedido –, possa proferir qualquer outra declaração judicial incidente sobre os atos e operações que devam ser praticados pela Administração no caso de um eventual julgado anulatório.
A arguição é, por conseguinte, improcedente.
Litispendência
7. A Requerida suscita ainda a litispendência entre o presente pedido arbitral e a impugnação judicial deduzida perante o Tribunal Tributário de Lisboa por considerar que não se encontra comprovada a não identidade do pedido e da causa de pedir que foram formulados nesses processos.
A litispendência opera quando uma causa se repete estando a anterior ainda em curso e tem por objetivo “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior”. Entende-se que a causa se repete “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”, o que significa que se exige não apenas a identidade de sujeitos processuais, mas a identidade do pedido e da causa de pedir, ou seja, a identidade quanto ao próprio objeto do processo (artigos 580º, nº 2, e 581º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT).
A Requerente alega que deduziu impugnação judicial no Tribunal Tributário de Lisboa contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como da liquidação adicional de IRC, mas apenas no que se refere à correção efetuada em sede de tributação autónoma, ao passo que o presente pedido de pronúncia de tribunal arbitral tem por objeto esses mesmos atos mas na parte em que geram a liquidação adicional de IRC por efeito da cessação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades.
O que a Administração Tributária vem dizer quanto a este ponto é que não se comprova a inexistência da litispendência uma vez que a Requerente não juntou qualquer documento certificativo do teor da impugnação judicial que tenha sido deduzida. Mas se não é feita essa demonstração, não pode concluir-se que se verifica a exceção da litispendência, visto que esta apenas poderia dar-se como procedente se houvesse evidência de que a presente ação tem o mesmo objeto da impugnação judicial apresentada perante o tribunal estadual.
Não se verifica, por isso, a exceção de litispendência.
Exceção de caso julgado
8. A Autoridade Tributária invoca o efeito de caso julgado resultante da decisão arbitral proferida no Processo n.º 10/2017-T, que incidiu sobre a apreciação da legalidade da cessação da aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades ao Grupo B..., SGPS, S.A., na sequência do pedido arbitral deduzido pela sociedade dominante e trinta e duas outras sociedades que integravam o Grupo, alegando existir uma relação de prejudicialidade entre essa decisão, já transitada, e o objeto processual do presente pedido arbitral.
Embora a Requerida caracterize o caso julgado como matéria de exceção, afigura-se que não pretenderá obter o efeito processual negativo da inadmissibilidade da apreciação da causa numa segunda ação (a que corresponderia a exceção dilatória do caso julgado e implicaria a identidade de sujeitos processuais), mas antes o efeito positivo da autoridade do caso julgado, levando a garantir a imodificabilidade de decisão anterior já transitada.
De facto, os efeitos do caso julgado material poderão projetar-se numa relação processual posterior por duas vias: ou através da invocação de uma exceção dilatória, que impede que o tribunal se pronuncie noutro processo sobre a questão de mérito já anteriormente decidida, e que conduzirá à absolvição da instância – efeito negativo (artigo 577.º, alínea i), do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT); ou através da invocação da força de caso julgado, que vincula o tribunal a aplicar a definição do direito já transitada em julgado relativamente a uma mesma questão que volte a suscitar-se numa outra ação – efeito positivo (artigo 619.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT). No primeiro caso, havendo total identidade do objeto do processo relativamente a um outro já anteriormente decidido (por estar em causa uma mesma pretensão), o tribunal não tem de emitir qualquer pronúncia e declara extinta a instância; no segundo caso, o tribunal limita-se a adotar o conteúdo da decisão anterior relativamente ao aspeto jurídico que se encontra coberto pelo caso julgado (quanto a esta distinção, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2.º vol., 3.ª edição, pág. 749).
No caso em presença, a Requerida, ao basear o efeito do caso julgado numa relação de prejudicialidade entre objetos processuais, terá em vista assegurar não a proibição de repetição de julgamento, que a lei previne através da exceção dilatória, mas a proibição de contradição, que é garantida através da autoridade do caso julgado, mas também através da prevalência da primeira decisão que transitou em julgado quando o tribunal, em processos distintos, venha a emitir sobre a mesma pretensão decisões contraditórias (artigo 625º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT).
E nestes termos, a questão não tem de ser analisada como exceção dilatória, mas como pressuposto ou condição da decisão de mérito a proferir, carecendo de ser considerada no âmbito da matéria de fundo. A apreciação do caso julgado material prejudica também o conhecimento da alegada exceção de impossibilidade jurídica do efeito de direito pretendido com a presente ação, que foi suscitada a título subsidiário.
Questões de fundo
Autoridade do caso julgado
9. Defende a Requerida que a decisão proferida no Processo n.º 10/2017-T constitui questão prejudicial relativamente ao objeto da presente ação porquanto a questão de saber se se encontram verificados os requisitos de aplicabilidade do regime especial de tributação dos grupos de sociedades integradas no Grupo B... foi já submetida a apreciação jurisdicional nesse processo.
A questão que se coloca, neste plano de análise, como se deixou já esclarecido (cfr. supra 8.), relaciona-se com a autoridade do caso julgado.
Entendido neste plano substantivo, o caso julgado obsta “a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por uma anterior decisão, e portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados” (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pág. 317).
Por outro lado, tem-se entendido que a autoridade do caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir a que alude o artigo 581º do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT, tendo como pressuposto, não a identidade entre relações jurídicas - que visa impedir que uma mesma relação jurídica seja submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional -, mas uma relação de prejudicialidade que opera quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objeto de uma ação posterior (cfr. acórdãos do STJ de 23 de novembro de 2011, Processo n.º 644/08, de 6 de março de 2008, Processo n.º 08B402, e de 13 de dezembro de 2007, Processo n.º 07A3739) .
Quanto ao âmbito objetivo do caso julgado, o entendimento dominante aponta também para uma aceção ampla segundo a qual o caso julgado não cobre apenas a parte decisória da sentença, mas toda a matéria apreciada incluindo os fundamentos da decisão (cfr. acórdãos do STJ de 7 de maio de 2015, Processo n.º 15698/04 e de 21 de março de 2013, Processo n.º 3210/07). Nesse sentido, Teixeira de Sousa, sublinha que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” (Estudos sobre o novo processo civil, Lisboa, 1997, págs. 578-579).
10. No caso em apreço, a Requerente formula um pedido de pronúncia arbitral tendo por objeto a liquidação adicional de IRC, a título autónomo e individual, que resultou da aplicação do regime geral de tributação das pessoas coletivas, na sequência da cessação em relação ao grupo societário a que pertence do Regime Especial de Tributação a que se refere o artigo 69.º do Código de IRC.
A sociedade dominante (Grupo B... SGPS, S.A.) e trinta e duas outras sociedades que integravam o Grupo tinham já deduzido um pedido arbitral, ao abrigo do Regime de Jurídico da Arbitragem Administrativa em Matéria Tributária, visando a anulação contenciosa dos atos de liquidação adicional de IRC (bem como dos atos de indeferimento das correspondentes reclamações graciosas), em que vinha suscitada a violação do princípio da proporcionalidade e que o tribunal arbitral julgou improcedente por decisão proferida no Processo n.º 10/2017-T.
A Requerente, que pertencia ao mesmo Grupo de Sociedades, não integrou o conjunto de sociedades que, em coligação, deduziram o pedido arbitral e veio a formular o presente pedido arbitral num momento ulterior, visando obter por via da declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa e do ato tributário de liquidação adicional, a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades ao seu caso concreto. Alegou para tanto que a decisão da Administração Tributária de cessação da aplicação do regime especial de tributação de grupos de sociedades, por efeito da regra do artigo 69.º, n.º 8, alínea b), do Código de IRC, é inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, por constituir uma solução legal desnecessária e excessiva.
11. Como é sabido, o Regime Especial de Tributação de Grupos de sociedades veio reconhecer os grupos societários como uma realidade jurídico-tributária autónoma, permitindo que, não obstante a individualidade jurídica dos respetivos elementos integrantes, seja o grupo como um todo que passa a constituir o ponto de referência dos direitos e obrigações tributárias, assegurando uma eventual redução da carga fiscal global, mediante a compensação e a comunicação dos lucros e prejuízos fiscais entre as sociedades. Esse é o princípio geral que resulta do artigo 69.º do Código de IRC, que delimita o conceito jurídico-fiscal do grupo de sociedades e define os pressupostos relativos às relações intersocietárias e às próprias sociedades agrupadas de que depende a submissão ao Regime Especial de Tributação.
Um dos pressupostos relativos às sociedades agrupadas traduz-se no facto de não poderem ter registado prejuízos nos três anos anteriores ao início da aplicação do regime especial de tributação, o que apenas deixa de relevar se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos (artigo 69.º, n.º 4, alínea c) do CIRC, fixando a lei como consequência do incumprimento desse requisito a cessação do regime especial de tributação e considerando-se os respetivos efeitos reportados ao final do período de tributação anterior ao da sua verificação (artigo 69.º, n.º 8, alínea b), e n.º 9, alínea c) do CIRC.
Subsistem ainda disposições legais específicas que regulam o regime de tributação, de entre as quais se destacam: o dever de apresentação de uma declaração periódica de rendimentos na qual se determine o lucro tributável do grupo, bem como o de apresentação de declarações periódicas de rendimentos individuais (artigos 70.º, 117.º, nº 1, alínea b), e 120.º, n.º 6, alínea b) do CIRC e as regras atinentes à determinação do lucro tributável e à dedução dos prejuízos fiscais (artigo 71.º do CIRC). Neste particular, tem relevo o disposto nesse artigo 70.º do CIRC, pelo qual o lucro é calculado pela sociedade dominante mediante a soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados por cada uma das sociedades integradas no perímetro do grupo, e no artigo 71.º do CIRC, que permite que os prejuízos fiscais de sociedades abrangidas possam ser deduzidos ao lucro tributável do grupo (sobre todos estes aspetos, cfr. José Engrácia Antunes, “Tributação de grupos de sociedades”, Fiscalidade, n.º 45, janeiro-março 2011, págs. 7-9).
12. Sendo esse o regime jurídico aplicável dificilmente se poderia conceber que a decisão judicial de improcedência em ação interposta por alguma ou algumas das sociedades agrupadas que tenha por objeto a cessação do regime especial de tributação pudesse ser revertida relativamente a outra ou outras sociedades do mesmo grupo por efeito da interposição de uma outra ação que tenha o mesmo objeto.
De facto, o regime de tributação conjunta dos grupos de sociedades corresponde a um regime específico de tributação que, nos seus traços gerais, abstrai da individualidade jurídica de cada uma das entidades que constituem o grupo e assenta em pressupostos muito diferentes do sistema geral de tributação das sociedades.
Trata-se de um regime em que a capacidade contributiva do grupo é quantificada em conjunto e será objeto de uma tributação única em sede de imposto sobre o rendimento, daí resultando que o lucro tributável do grupo seja determinado pela soma dos resultados positivos e negativos que são apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo. Sendo ainda exigível que o grupo assuma, para esse efeito, certas características e particularidades que o próprio legislador fiscal venha a definir (cfr. Gonçalo Avelãs Nunes, Tributação de grupos de sociedades pelo lucro consolidado em sede de IRC, Coimbra, 2001, págs. 45 e 48).
Tal significa que uma sociedade do grupo, individualmente considerada, não pode pretender que o rendimento sujeito a imposto seja calculado de acordo com as regras de apuramento do lucro tributável do grupo, quando o Regime Especial de Tributação deixou de ter aplicação em relação ao grupo que essa entidade integra. De facto, e em tese geral, o que caracteriza o mecanismo de tributação dos grupos de sociedades é a quantificação do resultado do conjunto mediante a compensação dos resultados parcelares entre as várias sociedades agrupadas, pelo que a unidade que é constituída pelas sociedades do grupo deixa de ser considerada para efeito das operações de quantificação e liquidação do imposto quando tenha cessado o regime fiscal que justificava em concreto esse modelo de tributação.
Ora, no caso vertente, o que se constata é que, não só foi declarada a cessação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades relativamente ao exercício de 2011, como também essa situação jurídica se consolidou na ordem jurídica por efeito da decisão judicial proferida no Processo n.º 10/2017-T.
Com efeito, nesse processo, o tribunal arbitral, por decisão de 3 de setembro de 2017, julgou totalmente improcedente o pedido arbitral referente às liquidações adicionais de IRC que resultaram da cessação do regime específico de tributação, no âmbito da ação interposta pela sociedade dominante e trinta e duas sociedades agrupadas, e não deixou de apreciar, na sua fundamentação, a alegada violação do princípio da proporcionalidade, quer na perspetiva da proporcionalidade como princípio conformador da actividade administrativa, quer no plano da constitucionalidade normativa, por referência a artigo 69.º, n.º 1, alínea b), do Código de IRC, que comina com a cessação do regime especial a situação elencada na alínea c) do n.º 4 desse artigo.
A decisão arbitral adquire neste contexto a força de caso julgado, impedindo que possa ser discutida numa segunda ação, interposta individualmente por uma sociedade do grupo, a questão da aplicabilidade em relação a essa sociedade do regime especial de tributação que anteriormente vigorava para o grupo enquanto unidade tributária. Subsiste aqui uma clara relação de prejudicialidade entre a decisão transitada em julgado e a apreciação do objeto do presente pedido arbitral, na medida em que, tendo sido confirmada, por decisão transitada, a cessação do regime especial de tributação de grupos de sociedades, fica já definido um pressuposto que se torna indiscutível e condiciona necessariamente a apreciação dessa mesma questão numa ação interposta posteriormente.
E nesses termos, não sendo possível, por efeito da autoridade de caso julgado, reapreciar a questão da cessação do regime especial de tributação fica também precludida a possibilidade de submeter a situação da Requerente, enquanto sociedade agrupada, a esse mesmo Regime Especial de Tributação.
A pretensão da Requerente, visando obter a anulação contenciosa do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação adicional de IRC para efeito de o rendimento tributável ser apurado em função daquele regime especial, mostra-se assim ser inteiramente improcedente.
Questões de conhecimento prejudicado.
13. Improcedendo a pretensão com fundamento na autoridade de caso julgado, fica prejudicado o conhecimento da questão de constitucionalidade que constituía fundamento do pedido.
III – Decisão
Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido arbitral.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 251.693,49, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, que fica a cargo da Requerente.
Notifique.
Lisboa, 14 de novembro de 2018
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Francisco Nicolau Domingos
O Árbitro vogal
Vera Figueiredo