O Árbitro Marisa Almeida Araújo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar este Tribunal Arbitral Singular, toma a seguinte,
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
Município de A... pessoa coletiva n.º ... (adiante designada por “Município” ou “Requerente”), com sede na Rua ..., n.º..., ...-... ..., veio, ao abrigo do art. 2.º n.º 1, al. a) e dos arts. 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, apresentar pedido de pronúncia arbitral para anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2017... e, consequentemente condenar a Autoridade Tributária ao reconhecimento do crédito de IVA de € 31.029,45 e respectivos juros indemnizatórios.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado a 28/03/2018, foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a 29/03/2018 e automaticamente notificado à Requerida nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da al. b) do n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legal.
Em 21/05/2018, as Partes foram devidamente notificadas, não tendo manifestado, nos termos e prazo legais, vontade de recusar a designação do árbitro (art. 11.º, n.º 1, al. a) e b) do Regime Jurídico de Arbitragem Tributária (RJAT), conjugado com os arts 6.º e 7.º do Código Deontológico).
Em conformidade com o preceituado na al. c), do n.º 1, do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 12/06/2018.
Devidamente notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu, para além de suscitar matéria de excepção (dilatória), a improcedência do pedido e remeteu cópia do processo administrativo.
Considerando a defesa por excepção apresentada pela AT, foi dado cumprimento ao princípio do contraditório, tendo a Requerente apresentado resposta àquela matéria a 03/09/2018.
Foi dispensada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e o processo para alegações escritas facultativas que a Requerente apresentou a 04/10/2018.
A 25/10/2018 foram as partes notificadas da prolação da decisão final até 26/11/2018.
A Requerente sustentou o seu pedido, sumariamente, alegando que,
(i) A Requerente é uma pessoa colectiva de direito público, encontrando-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal trimestral. O Município tanto realiza operações tributadas em IVA (e.g. distribuição de água aos munícipes) como operações isentas deste imposto (e.g. arrendamento de habitações sociais).
(ii) No ano de 2013 o Município deduziu imposto incorrido na aquisição de determinados recursos directamente relacionados com a distribuição de água aos munícipes com base na aplicação do método da afectação real.
(iii) A Requerente verificou, em relação ao ano de 2013, tendo em conta os arts. 19.º, 20.º e 23.º do CIVA, que limitou indevidamente, sendo aquela, o exercício do direito à dedução do IVA incorrido, tendo, assim, suportado imposto que, de acordo com as regras do CIVA seria recuperável. Concretamente, durante o ano de 2013, havia limitado indevidamente, segundo a Requerente, o seu direito à dedução do IVA incorrido na aquisição dos recursos “comuns” (i.e., recursos utilizados, simultaneamente, em actividades tributadas e não tributadas – cujo IVA é recuperável pelo método prorata ou com base em critério objectivos). Neste âmbito, apurou IVA a deduzir adicionalmente pelo método prorata no montante de € 17.547,65.
(iv) Verificou ainda a Requerente que, durante o ano de 2013, havia limitado indevidamente, segundo a sua posição, o seu direito à dedução de IVA incorrido em determinados recursos afectos integralmente à realização de operações tributadas (cujo IVA é recuperável na totalidade). Apurou a Requerente IVA a deduzir adicionalmente pelo método da afectação real de € 13.481,80.
(v) A 29/01/2016 a Requerente submeteu uma declaração periódica de substituição relativa ao 4.º trimestre de 2013 (tendo a declaração inicialmente entregue sido submetida a 06/02/2014), apurando um crédito de IVA a seu favor no valor de € 31.029,45.
(vi) Tendo em vista a confirmação do valor do aludido crédito de IVA e a sua utilização para efeitos de exercício de compensação, a Requerente apresentou a 10/05/2016 requerimento junto do Serviço de Finanças de ... que a AT convolou em Reclamação Graciosa, tendo a 29/12/2017 sido o Município notificado do seu indeferimento.
(vii) A Requerente começa por suscitar a insuficiente e obscura fundamentação da AT da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa ora em apreço.
(viii) Quanto ao mérito, a Requerente alega que no ano de 2013 suportou IVA em excesso sendo o mesmo dedutível.
(ix) A Requerente, para o 4.º trimestre de 2013, apresentou declaração de substituição com alteração do método de dedução e que resultou, segundo a Requerente, num crédito de IVA que a AT não reconhece.
(x) A Requerente entende que, nos termos do art. 22.º, n.º 2 do CIVA pode deduzir IVA em momento posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, no prazo previsto no n.º 2 do art. 98.º do CIVA.
(xi) A Requerente entende que é esta a interpretação que, de acordo com a letra da lei, e sem qualquer prejuízo para o Estado, resulta também do acórdão do TJUE de 8 de maio de 2008, proferido no âmbito dos processos C-95/07 e C-96/07, que estabelece que o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder à dedução, mesmo que não o tivesse feito no momento em que esse direito surgiu.
(xii) Assim, entende a Requerente, ao contrário da posição da AT, que o direito à dedução pode ser exercido em momento posterior ao da data da recepção das facturas, nos termos do art. 22.º do CIVA, tendo como limite o prazo de 4 anos revisto no art. 98.º do mesmo diploma.
(xiii) Pelo exposto, segundo a Requerente, tendo esta exercido o direito à dedução do IVA no prazo de 2 anos, actuou nos termos legais.
(xiv) Não resultando disto, segundo a Requerente como sufraga a AT, que o Município tivesse optado por suportar IVA em “excesso”; o que aconteceu foi que a Requerente, segundo esta suportou IVA em excesso no ano de 2013 porque não aproveitou na totalidade os métodos de dedução que a lei confere.
(xv) A Requerente, em 2013, entendeu incorrectamente que o IVA não era dedutível, quando o era e, de acordo com a posição que sufraga, quando os sujeitos passivos incorrem em erros de direito têm legitimidade para os corrigir. Como foi o caso, mediante a submissão de uma declaração de substituição.
(xvi) E caso assim não fosse estaria em causa o próprio princípio da neutralidade fiscal, no qual assenta o IVA.
(xvii) O art. 23.º do CIVA, segundo a Requerente, prevê que os sujeitos passivos mistos tenham de optar, em cada situação concreta, pelo método segundo o qual vão efectuar a dedução do IVA incorrido, mas, não decorre do preceito, que o sujeito passivo não posso rever a opção.
(xviii) Pelo que, conclui a Requerente, estando perante um erro de direito passível de correcção é aplicável o disposto no n.º 2 do art. 98.º do CIVA.
(xix) Não tendo, segundo a Requerente, cabimento a tese da AT segundo a qual o sujeito passivo não pode alterar retroactivamente o método de dedução (art. 23.º, n.º 6 do CIVA), uma vez que tal interpretação não tem acolhimento legal.
(xx) Mas, mesmo que a interpretação não fosse como a Requerente propugna, sempre a AT, segundo aquela, devia aceitar a dedução adicional de IVA através do método da afectação real não havendo, neste caso, alteração retroactiva já que era o método aplicado anteriormente.
(xxi) Para além disso, segundo a Requerente, a AT alega que com a submissão da declaração periódica de substituição, aquela declarou deduções de IVA que não se encontram registadas contabilisticamente no próprio período, pelo que os valores declarados passam a ser divergentes dos registados na contabilidade.
(xxii) A Requerente sustenta que não há qualquer divergência.
(xxiii) Outro entendimento inviabiliza a possibilidade de correcção de erros de direito ocorridos em exercício diferente, como a Requerente sustenta que é o caso.
(xxiv) Negar o direito à dedução a um sujeito passivo por ter contabilizado correcta e tempestivamente os documentos, favorecendo sujeitos passivos que não tivessem o mesmo rigor no registo dos documentos, violaria, segundo a Requerente, o princípio da igualdade previsto no art. 5.º da LGT.
(xxv) A Requerente afasta ainda o argumento da AT que sustenta que a dedução do imposto pressupõe o registo contabilístico do documento de suporte, que nos termos do art. 48.º, n.º 1 do CIVA, deve efectuar-se, o mais tardar, até à data limite de envio da declaração periódica.
(xxvi) Segundo a Requerente, este preceito está relacionado com os registos contabilísticos dos documentos que servem de base para a dedução de imposto, nada tem que ver com o prazo que o sujeito passivo dispõe para efectivar a dedução.
(xxvii) Face ao exposto, conclui a Requerente que a posição da AT não tem cabimento legal.
(xxviii) Nessa esteira, peticiona juros indemnizatórios.
Por sua vez, a Requerida, sustenta a sua posição, sumariamente, alegando que,
(i) A Requerida defende-se por excepção e por impugnação; quanto à matéria de excepção alega a incompetência material do tribunal arbitral, já que à luz do artigo 2º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, a competência dos tribunais arbitrais compreende, entre outras, a apreciação de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” – cf. n.º 1, alínea a).
(ii) Segundo a Requerida, a Requerente pretende é que, em relação ao ano de 2013, lhe seja reconhecido o crédito de imposto a que alegadamente refere ter direito.
(iii) Este pedido, segundo a AT, não tem cabimento na presente instância arbitral já que o âmbito de competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), não contempla a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária.
(iv) Ocorre, segundo a AT, a excepção (dilatória) de incompetência material do Tribunal Arbitral.
Por impugnação a Requerida sustenta que,
(VI) Ao contrário do que o Requerente alega o acto de indeferimento da reclamação graciosa, aqui em causa, não padece do vício de falta de fundamentação já que tem como suporte a informação que dele faz parte integrante, onde estão amplamente demonstrados os motivos de facto e de direito que determinaram o referido acto.
(VII) Por outro lado, o Município de A... é uma pessoa colectiva de direito público enquadrado, para efeitos de IVA, como sujeito passivo misto, de periodicidade trimestral e, no âmbito das suas atribuições, o ora Requerente realiza operações que estão fora do campo de aplicação do imposto, por decorrerem dos seus poderes de autoridade – loteamento de obras, etc. - operações tributáveis no âmbito do imposto, designadamente prestações de serviços de diversa natureza – fornecimento de água etc. - e, ainda, operações isentas de imposto sem direito à dedução – arrendamento de habitações sociais.
(VIII) A Requerente optou pelo método de dedução da afectação real total, o que importa a dedução do imposto incorrido na aquisição de bens e serviços exclusivamente imputados à actividade tributada com direito à dedução.
(IX) A 14 de Janeiro de 2014 a Requerente procedeu à entrega de uma declaração de alteração de actividade em que solicitou a alteração do método de dedução da afectação real total para o método de dedução da afectação real parcial, sendo que este último permite efectuar a dedução do imposto suportado a montante mediante a imputação a cada sector de actividade e, relativamente aos inputs de bens e serviços indistintamente utilizados nos diversos sectores, recorrendo a uma percentagem de dedução ou pro rata, ou ainda socorrendo-se de um outro critério objectivo que melhor espelhe essa utilização.
(X) Segundo a Requerida, a Requerente, que em seu entender deduziu um imposto inferior ao que tinha direito, submeteu, em 29 de janeiro de 2016, uma declaração periódica de substituição relativa ao 4.º trimestre de 2013, onde apurou um crédito de imposto a seu favor no valor de € 31 029,45.
(XI) Mas, segundo a Requerida, ainda que a Requerente, entenda que tem legitimidade para deduzir o imposto e que o fez no momento e prazo, previstos não assiste, segundo aquela, razão à Requerente neste entendimento.
(XII) Já que, estando perante uma alteração do método de dedução do imposto pelo qual a Requerente havia optado, não se trata, pois, de um erro material ou de cálculo de registo ali mencionado, nem de um erro de direito, pelo que não pode a Requerente socorrer-se dessas previsões legais para a habilitarem a proceder a qualquer regularização do imposto, anteriormente deduzido.
(XIII) Segundo a Requerida, ao contrário do que entende a Requerente, o momento para o exercício do direito à dedução encontra-se previsto no Código do IVA, não sendo permitido ao sujeito passivo escolher a seu bel prazer o momento da sua concretização.
(XIV) O mecanismo das deduções do IVA está previsto nos artigos 19.º a 26.º do Código do IVA e faz parte da essência do próprio imposto, referindo o artigo 19.º que, para apuramento do imposto devido (autoliquidação), os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis num determinado período, o imposto que lhes foi facturado na aquisição de bens e serviços por outros sujeitos passivos, mencionado em facturas ou documentes equivalentes passados em forma legal, no mesmo período, situação que deverá ser reflectida na declaração periódica a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA.
(XV) De acordo com o n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA «O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período» e, no nº 2 da citada norma dispõe-se que «Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.»
(XVI) Por fim, no n.º 3 do artigo 22.º do Código do IVA determina-se que, «se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.»
(XVII) Assim, segundo a Requerida, as deduções de imposto efectuadas por um sujeito passivo de IVA apresentam, em princípio carácter definitivo, podendo, contudo, em certos casos expressamente previstos no artigo 78.º do Código do IVA, ser objecto de alteração.
(XVIII) Dispõe-se no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA que «A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.».
(XIX) Não obstante todo o exposto, maxime de o direito à dedução e a possibilidade de regularização de erros materiais ter disciplina legal específica, a Requerente, segundo a Requerida, pretende fazer-se valer, no caso sub judice, do prazo de quatro anos para proceder à correcção do IVA que conforme alega suportou em excesso, o qual decorre, em seu entender, do n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA.
(XX) Apesar de o n.º 2 do artigo 98.º do IVA estabelecer que, sem prejuízo de disposições especiais. Ou seja, as normas que preveem prazos especiais não teriam qualquer sentido útil, já que sempre lhes sobreporia a norma que estabelece o prazo geral de quatro anos, em manifesta violação do disposto no n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil. Acresce que, a questão da especialidade do artigo 78.º face ao artigo 98.º, ambos do Código do IVA não aparenta ser, sequer, controvertida para este Tribunal.
(XXI) A segregação dos custos associadas a específicos sectores de actividade de um sujeito passivo misto – como o caso do Requerente - tem de ser realizada no momento do exercício do direito à dedução ou, no limite, nos termos do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, não sendo aceitáveis, segundo a Requerida, alegações de erro com base em segregações de custos só posteriormente realizadas.
(XXII) Efectivamente, aquando do exercício do direito à dedução, a Requerente não segregava contabilisticamente os custos associados aos seus diferentes sectores de actividade, inexistindo qualquer erro na omissão de dedução de imposto. E se assim é quando os sujeitos passivos pretendem regularizar imposto quando já não estão reunidos os pressupostos legais para o direito à dedução, como por exemplo a tempestividade, por maioria de razão também o não podem fazer quando tal regularização se fundamenta na alteração do método utilizado para exercer aquele direito.
(XXIII) Pelo que, face à legislação aplicável ao caso concreto, segundo a Requerida, não pode deixar de se entender que, o prazo de quatro anos estatuído no n.º 2 do artigo 98.º, do Código do IVA, não pode ser aplicável no caso dos presentes autos.
(XXIV) Assim, segundo a Requerida, o que se constata é que o Requerente deveria ter cumprido com as regras previstas no artigo 23.º do Código do IVA, ou seja, deveria ter efectuado a dedução do imposto referente dos bens e serviços de utilização mista, o qual seguramente registou na sua contabilidade, respeitando quer a regra geral do n.º 2 do artigo 22.º do Código do IVA, quer ainda o n.º 6 do seu artigo 23.º, corrigindo no final de cada ano esses montantes.
(XXV) Concluindo a Requerida pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
(XXVI) Quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, e ainda que o pedido fosse procedente: a Requerida conclui que não assiste razão à Requerente não havendo, não caso em apreço, “erro imputável aos serviços”. A lei não previu uma responsabilidade objectiva, mas antes uma responsabilidade ligada à culpa dos serviços. No caso em apreço, não se verifica a existência de qualquer erro imputável aos serviços na decisão do indeferimento impugnado, pelo que improcede, por infundado, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
A Requerente respondeu à matéria de excepção alegada pela AT sustentando que,
(I) A Requerente pretende que seja declarada ilegal a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2017..., com todas as consequências legais que daí advêm – entre as quais que seja reconhecido o crédito de IVA de € 31.029,45 a favor do Município, o qual foi analisado e negado pela AT em sede da referida Reclamação Graciosa e não o reconhecimento de um direito.
(II) O reconhecimento do crédito por parte da AT, segundo a Requerente, trata-se de um efeito que se encontra numa relação de prejudicialidade, surgindo como uma consequência dessa declaração de ilegalidade.
(III) Efetivamente, o pedido de pronúncia arbitral em causa foi motivado pelo indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, indeferimento esse que constitui um acto administrativo em matéria tributária, o qual é sindicável através de impugnação judicial, bem como pela via arbitral, na medida em que comporta a apreciação da (i)legalidade de atos de liquidação.
(IV) Com a apresentação da Reclamação Graciosa, o Município solicitou que a AT se pronunciasse sobre a (i)legalidade de um ato de autoliquidação, por forma a averiguar a legitimidade do crédito de IVA existente.
(V) Neste sentido, conclui a Requerente, que deve concluir-se pela competência deste Tribunal Arbitral.
II – SANEADOR
Tendo sido suscitada a questão da incompetência do tribunal arbitral sendo matéria prejudicial à decisão sobre o mérito ou fundo da causa, cumpre decidir.
O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária. O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando designadamente uma competência alternativa à da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art.º 2.º” fazendo depender a vinculação da Administração Tributária de“portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”[1].
O âmbito da jurisdição arbitral tributária está, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material da competência, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de:
a) ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; e
b) de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.
Dado o carácter voluntário da sujeição à jurisdição arbitral, numa segunda linha “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º, n.º 1 do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça” [2].
Dispõe a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, no seu artigo 2.º, que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:...”, indicadas nas alíneas subsequentes do mesmo artigo, onde se inclui na al. c), para o que ao caso interessa, “Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;”.
A mesma Portaria, no seu artigo primeiro, como indica a AT, vincula:
“os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:
a. A Direcção-Geral do Impostos (DGCI); e
b. A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC)”.
Objectivamente, a vinculação aos tribunais arbitrais, em matéria tributária, a funcionar no CAAD, como se disse supra, está delimitada nos termos do 2.º do RJAT, conjugado com o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
A competência do Tribunal afere-se pela delimitação que resulta da causa de pedir e do pedido formulado pelo autor da acção. Considerando a descrição factual e respectivo exercício de subsunção da Requerente ao longo da sua petição temos que concluir que o âmbito do seu petitório reside na apreciação da legalidade do acto sub judice. De facto, a Requerente, na sua petição inicial, baseia o seu pedido na anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2017... e, consequentemente, sendo procedente aquele pedido as consequências que entende que dali advêm, nomeadamente, segundo entende, o reconhecimento do crédito de IVA de € 31.029,45, sejam os respectivos juros indemnizatórios. Mas, como resulta da articulação o objecto da causa é a apreciação da legalidade do acto posto em crise.
Por isto, considerando que o pedido formulado se baseia, expressamente, no pedido de anulação de decisão de indeferimento em apreço nos autos, temos que concluir que está em causa a apreciação da legalidade de actos compreendidos na delimitação resultante da articulação dos artigos 2.º do RJAT e 2.º da Portaria 112-A/2011, o que permite concluir pela competência material deste tribunal arbitral.
Face ao exposto, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral, estão devidamente representadas e o tribunal é competente, nos termos do disposto nos arts 4.º e 10.º do RJAT e do art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Não se verificando (outra) matéria de excepção para apreciar e o processo não enferma de nulidades, pelo que se impõe conhecer, agora, do mérito da causa.
III. MÉRITO
1. MATÉRIA DE FACTO
1.1. Factos provados e não provados
Cabe ao tribunal seleccionar os factos que importam para a decisão da causa e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados.
a) A Requerente é uma pessoa colectiva de direito público enquadrado, para efeitos de IVA, como sujeito passivo misto, de periodicidade trimestral.
b) A Requerente realiza operações que estão fora do campo de aplicação do imposto, por decorrerem dos seus poderes de autoridade – loteamento de obras, etc. - operações tributáveis no âmbito do imposto, designadamente prestações de serviços de diversa natureza – fornecimento de água etc. - e, ainda, operações isentas de imposto sem direito à dedução – arrendamento de habitações sociais.
c) Aquando da sua declaração de início de actividade a Requerente optou pelo método de dedução da afectação real total, o que importa a dedução do imposto incorrido na aquisição de bens e serviços exclusivamente imputados à actividade tributada com direito à dedução.
d) A 14 de Janeiro de 2014 a Requerente procedeu à entrega de uma declaração de alteração de actividade em que solicitou a alteração do método de dedução.
e) Com base na alteração do método de dedução, em 29 de Janeiro de 2016, a Requerente submeteu uma declaração periódica de substituição relativa ao 4.º trimestre de 2013, onde apurou um crédito de imposto a seu favor no valor total de € 31.029,45, correspondente à dedução do IVA incorrido na aquisição dos recursos “comuns” (i.e., recursos utilizados, simultaneamente, em actividades tributadas e não tributadas – cujo IVA é recuperável pelo método prorata ou com base em critério objectivos). Neste âmbito, foi apurado IVA a deduzir adicionalmente pelo método prorata no montante de € 17.547,65 e, também, foi apurada a dedução adicional pelo método da afectação real de € 13.481,80 relativo a determinados recursos afectos integralmente à realização de operações tributadas (cujo IVA é recuperável na totalidade).
f) A declaração inicialmente entregue havia sido submetida a 06/02/2014.
g) A AT havia procedido, através da ordem de serviço n.º OI 2014..., a procedimento inspectivo ao exercício de 2013, do qual a Requerente foi notificada do Relatório da Inspecção Tributária a 07/01/2016 onde foram efectuadas correcções.
h) A 10/05/2016 a Requerente apresentou requerimento junto do Serviço de Finanças de ... com o escopo de confirmar o valor do aludido crédito de IVA e a sua utilização para efeitos de exercício de compensação que a AT convolou em Reclamação Graciosa, com o n.º ...2017..., tendo a 29/12/2017 sido o Município notificado do seu indeferimento com os fundamentos descritos no documento junto aos autos.
i) A Requerente apresentou pedido de pronuncia arbitral a 28/03/2018.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa, considerando as possíveis soluções de direito.
Não há factos dados como não provados.
1.2. Motivação quanto à matéria de facto
Os factos provados, sobre os quais não há controvérsia, têm por base os documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e o processo administrativo junto pela Requerida.
2. MATÉRIA DE DIREITO
2.1. Questões principais
Do peticionado pela Requerente resultam as seguintes questões de fundo a apreciar neste processo e que elencamos de seguida:
a) Da falta de fundamentação do acto de indeferimento da Reclamação Graciosa;
b) Do direito à dedução de IVA;
c) Do direito a juros indemnizatórios.
Indicando a Requerente uma ordem de subsidiariedade na imputação de vícios à decisão impugnada, será de observá-la na sua apreciação, como decorre da alínea b) do n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Cumpre decidir:
a) Da falta de fundamentação do acto de indeferimento
A obrigação de fundamentação dos actos, como imposição constitucional e legal, que a Requerida não nega.
De acordo com o artigo 77.º da LGT, a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária (n.º 1).
Referindo o n.º 2, do mesmo artigo 77.º da LGT, que a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
Pela factualidade descrita e pelo exercício de subsunção jurídico a cargo da Requerente foi, de facto, cumprido o dever de fundamentação, sendo a descrição clara e perceptível e, tanto o foi, que a Requerente não teve qualquer obstáculo ao exercício do respectivo contraditório, impugnando e invocando questões de direito relacionadas com a interpretação das normas jurídicas aplicáveis.
Desta forma, conclui-se que não padece o acto, em qualquer um dos seus afloramentos, de falta fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, por ser clara, congruente e contemplou os aspectos, de facto e de direito, o que a Requerente apreendeu de forma cabal e, em conformidade, exerceu o contraditório sem qualquer obstáculo à sua defesa.
b) Do direito à dedução de IVA
Não havendo conflito quanto à matéria de facto, o cerne da questão que se coloca é a qualificação do alegado “erro” que a Requerente sustenta para apresentação da declaração de substituição relativa ao 4.º trimestre de 2013.
A Requerente é uma pessoa coletiva de direito público enquadrada, para efeitos de IVA, como sujeito passivo misto e, conforme é dado como provado, alterou o método de dedução do imposto e que levou a que apresentasse a declaração de substituição em apreço nos autos com crédito de IVA no valor global de € 31.029,45.
Pela legislação em vigor à data dos factos, o art. 22.º do Código do IVA prevê:
1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.
2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.
(…)
Quanto aos métodos de dedução relativa a bens de utilização mista, o artigo 23.º do Código do IVA, prevê:
1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.
(…)
Quanto a alterações, o n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, prevê que podem ser objecto de alteração em momento posterior nas situações aí previstas:
(…)
“6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.”
(…)
Nos termos do artigo 7.º n.º 1 alínea a) e b) do Código do IVA, o momento da exigibilidade do imposto, nas transmissões de bens, é no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente e nas prestações de serviços, no momento da sua realização.
(…)
Por sua vez, o n.º 2 do art. 98º do Código do IVA prevê um prazo de 4 anos, desde que os pressupostos elencados sejam cumpridos, a saber:
1 - Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária.
2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.
(…)
Como resulta do transcrito teor do n.º 6 do art. 78.º do Código do IVA, preceito é aplicável à correcção de erros materiais ou de cálculo, inclusivamente nas declarações periódicas.
No caso em apreço, impõe-se analisar o enquadramento jurídico a conferir ao tipo de “erro” praticado pelo Requerente, nos termos do artigo 78.º n.º 6 do CIVA e do artigo 98.º n.º 2 do CIVA.
Sobre a questão ora em causa, existe abundante jurisprudência.
O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo 1427/14, de 28-6-2017, e as decisões proferidas pelo CAAD, nomeadamente, nos processos n.os 91/2013-T, 117-2013-T, 502/2014-T, 549/2016-T, 85/2017-T, 252/2017-T, 138/2018-T.
Do teor das decisões resulta posição que acolhemos quanto à dedução de IVA adicional por alteração retroactiva do método de dedução. Desta forma,
Na senda do acórdão proferido no âmbito do processo n.º 117-2013-T:
“O artigo 95.º-A, n.º 2 (do CPPT) fornece um conceito de «erros materiais ou manifestos» indicando que nele se integram, «designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexactidão ou lapso».
A associação do erro de cálculo ao erro material que se faz neste n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, à semelhança do que sucede noutras normas (como o artigo 249.º do Código Civil, o artigo 667.º do CPC de 1961 e o artigo 614.º do CPC de 2013) revela que os erros de cálculo a que se pretende aludir serão deste tipo, designadamente erros aritméticos nas operações de cálculo do montante a deduzir.
(…) Estar-se-á perante um erro de cálculo, quando as operações aritméticas para determinar o montante do IVA dedutível foram mal efectuadas, na própria declaração ou em algum dos documentos em que ela se baseou”.
Desta forma conclui-se, como se faz naquela decisão que “o erro quanto à aplicação de determinados regimes jurídicos não constitui nem erro material nem erro de cálculo, pelo que é manifesto que não pode ser-lhe aplicado o regime do referido n.º 6 do artigo 78.º do CIVA. Designadamente, o erro de cálculo do pro rata não é um erro de cálculo enquadrável nesta norma porque consubstancia um erro de direito sobre o regime jurídico aplicável e não um erro de natureza aritmética.
Assim, não sendo aplicável o regime do referido artigo 78.º, n.º 6, nem existindo qualquer regime limite temporal especial para exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, será aplicável o regime geral sobre esta matéria que consta do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA que, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-5-2011, proferido no processo n.º 966/10, fixa um limite máximo de quatro anos que não pode ser excedido em nenhum caso”.
No mesmo sentido segue o Acórdão do STA no Processo 1427/14, de 28-6-2017:
“A aplicação dos métodos de dedução relativos a bens de utilização mista é juridicamente complexa pelo que o erro decorrente da aplicação deste regime jurídico não constitui nem erro material nem erro de cálculo. Estabelece o artigo 95.º-A, n.º 2, do CPPT que se consideram erros materiais ou manifestos os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso. Incluem-se neste conceito (cf. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª ed. 2011) “todo o tipo de lapsos materiais, que são situações em que o autor do acto deixou nele escrito algo que não correspondia à sua vontade, como por exemplo, errada indicação do nome do contribuinte ou do tributo em causa ou erro aritmético no cálculo do tributo. Neste conceito de lapsos materiais incluem-se ainda os derivados do deficiente funcionamento do sistema informático da administração tributária.”. Ora no caso controvertido é convicção deste Tribunal Arbitral que o “erro” cometido pelo Requerente ao efetuar a regularização do imposto após a última declaração do último período de 2011 (isto é, na DP de 201203T) é um erro de direito, sendo aplicável o regime legal previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, entendimento conforme com o STA no aresto acima referido “O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA”.
Realçamos, como resulta da decisão do CAAD proferida no âmbito do processo n.º 138/2018-T, transcrevendo o Acórdão Arbitral proferido no processo nº 502/2014-T, que,
“Na redacção dada àquele n.º 2 do artigo 22.º pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro), passou a estabelecer-se o seguinte: «Sem prejuízo do disposto no artigo 71.º, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação».
A enorme diferença está na possibilidade de dedução do IVA não só na declaração do período de recepção dos documentos, mas também em declaração «de período posterior», sem qualquer restrição.
Com efeito, no pressuposto de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como se tem de presumir, por força do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, o uso da expressão «de período posterior», sem artigo definido, e não «do período posterior» revela que não se exige sequer que o IVA seja deduzido na declaração do período imediatamente seguinte ao da recepção dos documentos, sendo permitida na declaração de qualquer período posterior, sem prejuízo, naturalmente, dos limites especiais e geral, designadamente os que constam dos artigos 78.º e 92.º, n.º 2”.
O artigo 98.º, n.º 2, do CIVA estabelece que «sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente».
No caso em apreço, como descrito, não se está perante uma situação enquadrável o artigo 78.º, n.º 6, do CIVA, em que se prevê um prazo especial de dois anos para regularização de «correcção de erros materiais ou de cálculo», inclusivamente nas declarações periódicas, nos seguintes termos: «a correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado».
Sendo a Requerente uma pessoa coletiva de direito público enquadrada, para efeitos de IVA, como sujeito passivo misto, e que entregou a declaração de substituição com o fundamento descrito, de acordo com a jurisprudência supra citada, resulta o entendimento, que sufragamos, no sentido de que ocorrendo um erro material ou de cálculo, em prejuízo do sujeito passivo, o mesmo possa ser corrigido no prazo fixado pelo disposto no artigo 78.º n.º 6 do CIVA, e que ocorrendo um erro de direito, como é o caso de acordo com a fundamentação descrita, que se tenha dado em prejuízo do sujeito passivo, o mesmo possa ser corrigido no prazo de quatro anos, nos termos do disposto pelo artigo 98.º n.º 2, do CIVA.
Termos em que se conclui que o indeferimento da reclamação graciosa enferma de erro sobre os pressupostos de direito, por erro de interpretação dos artigos 78.º, n.º 6 e 98.º, n.º 2, do CIVA, que justifica a sua anulação.
O Tribunal Arbitral, os termos dos arts. 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 679.º do Código de Processo Civil por aplicação do artigo 29.º do RJAT, não se encontra obrigado a apreciar todos os argumentos alegados pelo Requerente ou pela Requerida, quando a decisão fique prejudicada pela solução já proferida, como é o caso dos autos, motivo pelo qual ficam prejudicadas para a apreciação as restantes questões submetidas a pedido de pronúncia.
c) Dos juros indemnizatórios
A Requerente peticiona, ainda, juros indemnizatórios.
Tendo ficado demonstrado que a decisão da AT enferma de erro de direito imputáveis exclusivamente à Requerida por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem o Requerente direito aos juros indemnizatórios devidos desde a data de indeferimento da reclamação graciosa até à data da emissão da respetiva nota de crédito, cujo prazo para pagamento se conta da data de início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPT), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT.
Face a todo o exposto e às invocadas normas legais, decide-se pelo provimento do pedido do Requerente.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a. Considerar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2017... com as consequências legais.
b. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 24.º, n.º 5, do RJAT, 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT;
c. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2 do CPC, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 31.029,45.
VI. CUSTAS
Nos termos do art. 22º, nº 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em
€ 1.836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, ficando a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de novembro de 2018
O árbitro,
Marisa Almeida Araújo
[1] Na redacção dada pela Lei n.º 64.º-B/2011, de 30 de dezembro.
[2] Excerto do Acórdão Arbitral, processo n.º 48/2012.