DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Carlos Fernandes Cadilha (Presidente), Augusto Vieira e Rui Ferreira Rodrigues (Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o tribunal arbitral, constituído em 12 de Junho de 2018, acordam no seguinte:
I – Relatório
1. A..., S. A., NIPC..., com sede no ..., ..., ..., ...-... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação adicional de IRS, a título de retenção na fonte, e de liquidação de juros compensatórios, no montante global de € 142.755,19 €, bem como do acto de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esses actos de liquidação, requerendo ainda a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
Na sequência de acção inspectiva que incidiu sobre o exercício de 2012, a Administração Tributária determinou correcções aritméticas em sede de IRS por omissão de retenção na fonte sobre ajudas de custo de trabalhadores deslocados no estrangeiro, por ter entendido que as ajudas de custo devem ser tidas como rendimento do trabalho dependente, em aplicação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea d), do Código de IRS, por respeitarem a despesas que não foram efectivamente realizadas pelos trabalhadores.
A Requerente alega que o procedimento de inspeção se encontra ferido de nulidade, por violação do direito de audição, porquanto a resposta apresentada no exercício do direito de audição foi remetida para a parte final do relatório de inspecção tributária e este limita-se a reproduzir o projecto de decisão sem efectuar qualquer análise crítica sobre as considerações formuladas pela Requerente no exercício do direito de audição. E, do mesmo modo, o procedimento de reclamação graciosa viola o direito de audição por se não ter atendido ao pedido de produção de prova testemunhal, que era necessária para a fixação da factualidade relevante, limitando-se a Direcção de Finanças a indeferir o requerimento com base em considerações genéricas sobre a viabilidade da produção de prova no âmbito da impugnação administrativa.
Por outro lado, o indeferimento do pedido de inquirição das testemunhas arroladas na reclamação graciosa sem qualquer explicitação dos motivos que justificam a dispensa da diligência instrutória inquina a decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa do vício de falta de fundamentação.
A liquidação adicional e o acto de indeferimento da reclamação graciosa encontram-se ainda feridos de vício por erro nos pressupostos de facto, ao imputar como rendimentos do trabalho, para efeito de incidência de retenção na fonte, importâncias recebidas pelos trabalhadores a título de ajudas de custo.
A Requerente assume a responsabilidade pelo pagamento das despesas do alojamento dos trabalhadores deslocados no estrangeiro e procede ao desconto da totalidade dessas importâncias no recibo de vencimento, pelo que são os trabalhadores que suportam essa despesa.
No que se refere à obra a executar na ..., nos termos contratuais, a cliente assumia as despesas de alojamento e apenas facultava a utilização do refeitório para que os trabalhadores confecionassem as suas refeições, não se responsabilizando pelo custo da alimentação, sendo que nessa como noutras situações as ajudas de custos processadas a favor dos trabalhadores não constituíam rendimento e destinavam-se a compensar as despesas por eles suportadas no estrangeiro.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que o direito de audição do interessado é levado em consideração pelos serviços, e a localização da sua análise no fim do relatório de inspecção, imediatamente antes da decisão final, deve-se apenas a razões de sistematização, sendo que, no caso, o sentido do projecto de decisão foi mantido por não terem sido aduzidos quaisquer factos novos que justificassem uma outra solução.
Não se verifica também a violação do direito de audição por efeito da não audição das testemunhas arroladas em sede de reclamação graciosa, porquanto é ao instrutor do processo que cabe decidir quais as provas que devem ser tidas como pertinentes para apreciação da questão no plano do direito, para além de que, no que se refere ao procedimento da reclamação graciosa, é a lei que determina que só é admissível a prova documental (artigo 69º, alínea e), da LGT).
O relatório de inspecção e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contêm também fundamentos claros, suficientes e congruentes, permitindo ao interessado dispor de todos os elementos que lhe permitiram compreender o alcance dos actos tributários, pelo que se não verifica o invocado vício de falta de fundamentação.
Quanto ao alegado erro nos pressupostos de facto, a Requerida, na sua resposta, remete para os fundamentos constantes do relatório de inspecção tributária, concluindo pela improcedência do pedido.
2. No seguimento do processo foi realizada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT na qual foi produzida a prova testemunhal indicada pela Requerente.
Em alegações pelo prazo sucessivo as partes pronunciaram-se sobre os resultados probatórios resultantes dos elementos do processo e da prova testemunhal produzida e, no mais, mantiveram as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 12 de junho de 2018.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades, o presente pedido foi tempestivamente apresentado e não foram invocadas excepções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
3. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
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A Requerente foi objeto de uma acção de uma inspeção incidente sobre o ano de 2012, ao abrigo de Ordem de Serviço n.º OI2016...de que resultaram correções aritméticas em matéria de retenção na fonte sobre IRS;
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A Requerente foi notificada do acto de liquidação de retenções da fonte de IRS referente ao ano de 2012, sob o n.º 2017..., no montante de € 120.012,00, e de liquidação de juros compensatórios, no montante de € 22.743,19, correspondente ao montante global € 142.755,19;
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Em 10 de novembro de 2017 apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação;
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Em 30 de novembro de 2017, foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
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Em 15 de dezembro de 2017, a Requerente exerceu o direito de audição prévia relativamente ao projecto de decisão;
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A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 21 de dezembro de 2017, do chefe de divisão por delegação do Director de Finanças de ...;
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A Requerente efetuou o pagamento da importância correspondente à liquidação adicional de retenção na fonte sobre IRS.
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A Requerente executou vários projectos de montagem de materiais refractários e antiácidos em obras localizadas em Portugal e em países estrangeiros;
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Nos termos dos contratos de trabalho celebrados, os trabalhadores contratados aceitam prestar serviço em Portugal ou no estrangeiro e serem transferidos temporária ou definitivamente em função das necessidades da actividade comercial da Requerente;
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Encontra-se igualmente prevista a atribuição de ajudas de custo sempre que o trabalhador se encontre deslocado no estrangeiro ou fora da sua área de residência;
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A Requerente providenciava pela obtenção de alojamento para os trabalhadores deslocados e assumia a responsabilidade pela correspondente despesa;
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Os trabalhadores eram alojados em prefabricados, em parques de campismo e em hotéis tipo fórmula 1, e, nalguns casos, em quartos que dispunham de várias camas;
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Relativamente à obra ... ... –... (...), ficou definido contratualmente que a cliente B... disponibilizava o alojamento no local da obra e o acesso a cozinhas durante a fase dos trabalhos;
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A obra referida na antecedente alínea M) situava-se num local desertificado;
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No recibo de vencimento dos trabalhadores era debitada a importância de €10 por cada dia de ajuda de custo que se destinava a repercutir as despesas suportadas pela Requerente com o alojamento;
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O montante de €10 correspondia ao valor médio das despesas de alojamento calculado com base nas despesas realizadas no ano anterior nos diversos locais onde estavam a ser executadas obras;
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Em todas as situações, as despesas de alimentação eram suportadas pelos trabalhadores;
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As ajudas de custo eram processadas por cada dia de trabalho e tinham um valor variável em função do custo de vida na região onde se encontrava localizada a obra;
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As ajudas de custo não eram pagas nas férias nem integravam o subsídio de Natal;
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O relatório de inspecção tributária considerou como limite diário na atribuição de ajudas de custo o valor de € 119,13, correspondente ao valor mais elevado fixado para os funcionários públicos, nos termos da Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro, com a alteração resultante do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro;
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O cálculo mensal da retenção na fonte sobre rendimentos do trabalho é o que consta do mapa constante do ponto III 2.5. do relatório de inspecção tributária, que aqui se dá como reproduzido;
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Dão-se como reproduzidos o projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a resposta da Requerente no exercício do direito de audição prévia e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que constam, respectivamente, dos documentos n.º 3, 4 e 5 juntos com o pedido;
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Em 27 de Março de 2018 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
Matéria de direito
4. Ordem de conhecimento de vícios
A Requerente fundamenta o pedido de anulação contenciosa no vício de violação do direito de audiência prévia, relativamente ao procedimento inspectivo e à reclamação graciosa, e no vício de falta de fundamentação, imputável à decisão proferida na impugnação administrativa, bem como no vício de erro nos pressupostos de facto.
Conforme dispõe o artigo 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, na sentença a proferir no processo de impugnação, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação (n.º 1), havendo lugar, no primeiro grupo, à apreciação prioritária dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, e, no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público (n.º 2).
No presente caso, não são arguidos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado ou outros que resultem do exercício da ação pública, estando apenas em causa vícios que conduzem à anulação do ato administrativo. Por outro lado, não se encontra estabelecida uma relação de subsidiariedade entre os vícios alegados, pelo que, em aplicação do critério geral da ordem de conhecimento dos vícios, deverá começar-se pela apreciação do tipo de ilegalidade que confere mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
Neste sentido, no confronto entre vícios de forma, que não obstam à renovação do acto impugnado em execução de sentença, e o erro nos pressupostos de facto que coloca em causa os aspectos substanciais da decisão, parece ser de conhecer prioritariamente deste último fundamento de impugnação.
Erro nos pressupostos de facto
5. A questão que se coloca, num primeiro momento, é a de saber se as ajudas de custo processadas pela Requerente, enquanto entidade patronal, a favor dos seus trabalhadores deslocados no estrangeiro devem ser qualificadas como remuneração para efeitos de retenção na fonte nos termos do Código de IRS.
A Administração Tributária, partindo do disposto no artigo 2.º, n.º 2, alínea d), do Código de IRS e da instrução de serviço veiculada pelo ofício n.º 34931, de 30 de agosto de 1995, da Direcção Geral das Contribuições e Impostos, entende que há lugar a retenção na fonte relativamente à totalidade das ajudas de custo processadas a favor dos trabalhadores deslocados na ..., por virtude de as respectivas despesas de alimentação e alojamento terem sido integralmente suportadas pela cliente B..., e, nos restantes casos, a retenção na parte que excede o limite de 70% da ajuda de custo diária, subtraindo ao valor a considerar €10 diários que os trabalhadores reembolsaram à empresa a título de encargos com o alojamento.
A Administração tem ainda como assente que os encargos com a alimentação eram assumidos pelos trabalhadores, excepto no que refere à obra na ... em que essas despesas, tal como as despesas com o alojamento, estavam a cargo da cliente.
A Requerente sustenta que, embora proceda ao pagamento das despesas do alojamento dos trabalhadores deslocados no estrangeiro, efectua posteriormente o débito da totalidade dessas importâncias no recibo de vencimento, no montante de €10 por cada dia de ajuda de custo paga, pelo que eram os trabalhadores que suportavam a final essa despesa. E, por outro lado, as despesas com a alimentação eram da responsabilidade dos trabalhadores, sendo que apenas num caso (1098 - ...) é que a cliente se comprometeu, nos termos contratuais, a facultar a utilização do refeitório para que os trabalhadores confecionassem as suas refeições sem que assumisse os custos da alimentação.
A questão central é, pois, a de saber se as ajudas de custo abonadas aos trabalhadores deslocados excederam os limites fixados na lei e se correspondem a despesas que não foram efectivamente realizadas pelos trabalhadores.
6. Segundo dispõe o artigo 98.º, n.º 1, do Código do IRS, na redacção que vigorava à data, nos casos em que haja lugar à retenção de imposto no momento do pagamento de rendimentos do trabalho dependente, as entidades devedoras dos rendimentos sujeitos a retenção são obrigadas, no acto do pagamento do vencimento, a deduzir as importâncias correspondentes à aplicação das taxas de tributação que se encontram previstas para essa categoria de rendimentos.
Ainda nos termos do artigo 2.º do mesmo diploma consideram-se rendimentos do trabalho dependente, entre outros, todas as “remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado” e ainda as “ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais” (artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e d)).
A referência aos limites legais que consta da alínea d) do n.º 1 deste último preceito deverá entender-se como pretendendo remeter para o Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de julho, que disciplina o abono de ajudas de custo por deslocações em serviço público no estrangeiro e, especificamente, para o disposto no artigo 2.º, n.º 1, desse diploma, que estipula o seguinte:
“O pessoal que se desloque ao estrangeiro e no estrangeiro, por motivo de serviço público, tem direito, em alternativa e de acordo com a sua vontade, a uma das seguintes prestações:
a) Abono da ajuda de custo diária, em todos os dias da deslocação, de acordo com a tabela em vigor;
b) Alojamento em estabelecimento hoteleiro de três estrelas, ou equivalente, acrescido do montante correspondente a 70% da ajuda de custo diária, em todos os dias da deslocação, nos termos da tabela em vigor.”
Segundo a factualidade tida como assente, os contratos de trabalho tipo para trabalhadores deslocados no estrangeiro previam o pagamento de ajudas de custo de acordo com as tabelas que eram praticadas pela empresa.
Em regra, o alojamento era disponibilizado pela Requerente, que assumia directamente a correspondente despesa e debitava no recibo de retribuição mensal o montante de €10 por cada dia de ajuda de custo atribuída, que se destinava a compensar o encargo que era suportado pela empresa.
As despesas com a alimentação eram sempre da responsabilidade dos trabalhadores.
No que se refere à obra ... ... -..., comprova-se que a cliente assumiu, por efeito do contrato de adjudicação, as despesas de alojamento e facultava a utilização do refeitório para que os trabalhadores confecionassem as suas refeições, não se responsabilizando pelo custo da alimentação.
7. Para concluir pela obrigatoriedade da retenção na fonte, a Administração Tributária parte de duas diferentes ordens de considerações: no tocante à obra executada na ..., as ajudas de custo respeitam a despesas que não foram efectivamente realizadas pelos trabalhadores; no que se refere às restantes obras, as ajudas de custo excedem o montante correspondente a 70% da ajuda de custo diária por ser esse o limite legalmente previsto para os casos em que há lugar ao fornecimento de alojamento pela entidade empregadora.
No que respeita à primeira questão, o argumento invocado pela Administração não se encontra suficientemente apoiado na factualidade tida como assente. Na verdade, o que se demonstra é que a cliente se comprometeu a disponibilizar o alojamento aos trabalhadores e a facultar a utilização das cozinhas para a confecção das refeições. E isso terá ficado a dever-se às dificuldades logísticas que se podiam deparar por inexistência de locais comerciais de pernoita ou de fornecimento de alimentação.
Em todo o caso, o sujeito passivo – como também se comprova – não deixou de repercutir na esfera patrimonial do trabalhador a despesa com o alojamento mediante o débito, na folha de vencimentos, de €10 por cada dia de ajuda de custo. E os trabalhadores não deixaram de assumir despesas próprias com a alimentação, visto que a cliente B... não fornecia a alimentação nem custeava a aquisição dos produtos alimentares e apenas facultava os locais onde poderiam ser preparadas as refeições.
No que se refere à aplicação do limite de 70% da ajuda de custo, a Administração assenta também em factos de que não existe prova bastante.
Como se viu, a referida norma do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de julho, há pouco transcrita, prevê duas modalidades de abono de ajudas de custo: a correspondente à totalidade do montante estabelecido por cada dia deslocação; 70% da ajuda de custo diária quando o trabalhador tenha optado pela prestação de alojamento em estabelecimento de três estrelas ou equivalente, sendo que a limitação aqui estabelecida assenta no pressuposto de que o custo do alojamento fica a cargo da entidade empregadora.
O que se comprova, no caso vertente, é que os trabalhadores da Requerente nunca ficaram instalados em estabelecimentos hoteleiros de três estrelas ou equiparados, mas em prefabricados, parques de campismo ou hotéis tipo fórmula 1, e, nalguns casos, em quartos que dispunham de acomodação para várias pessoas. E, para além disso, procediam ao desconto no recibo de vencimento do montante €10 por cada dia de ajuda de custo, que correspondia ao valor médio das despesas com alojamento que eram suportadas pela empresa.
Face a esta factualidade, não subsistia nenhum motivo para enquadrar a situação na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 192/95, visto que não só não se encontra verificado o pressuposto de que depende o funcionamento dessa regra (alojamento em estabelecimento hoteleiro de três estrelas ou equivalente), como também não ocorre uma efectiva prestação de alojamento em espécie quando o trabalhador se encontra obrigado ao reembolso das despesas efectuadas pelo empregador.
Ciente desta dificuldade, a Autoridade Tributária determinou a subtração do desconto de €10 ao valor diário da ajuda de custo para efeitos da determinação do limite legal de 70%, bem como ao valor diário da ajuda de custo no caso em que considera sujeita na sua totalidade a retenção na fonte.
Mas a questão não pode ser solucionada deste modo.
O limite de 70% apenas seria aplicável nas condições definidas na referida disposição do Decreto-Lei n.º 192/95, que, no caso, se não verificam. E o reembolso que é efectuado pelos trabalhadores não releva para calcular o valor diário da ajuda de custo a considerar, mas é, em si mesmo, um factor excludente da retenção na fonte no ponto em que evidencia que o alojamento não era disponibilizado sem custos para o trabalhador.
Por identidade de razão, esse reembolso releva para demonstrar que os trabalhadores não deixaram de suportar as despesas com o alojamento que lhes foi disponibilizado na obra realizada na ..., pelo que não há sequer que caracterizar a ajuda de custo, nesse caso, como rendimento do trabalho para efeito de retenção na fonte.
Por outro lado, na apreciação do caso, não pode deixar de se ter presente as regras do direito probatório material que resultam dos artigos 74.º e 75.º da LGT. Cabe à Administração Tributária a prova dos factos constitutivos da existência do excesso dos limites aplicáveis às ajudas de custo (artigo 74.º, n.º 1). Acresce que os dados e apuramentos inscritos na contabilidade do sujeito passivo presumem-se verdadeiros e só quando a contabilidade contiver omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável é que cessa essa presunção, implicando que recaia sobre o sujeito passivo o ónus da prova dos factos que constam da escrita (artigo 75.º, n.º 1, e n.º 2, alínea a)).
Não tendo sido invocada a existência de qualquer das situações que justificam a cessação da presunção e baseando-se a Administração Tributária unicamente no diferente enquadramento jurídico das verbas contabilizadas como ajudas de custo, haverá de ter-se em consideração, tomando como verdadeiros, os lançamentos contabilísticos que constam da escrita, cabendo à Administração Tributária o ónus da prova de que os trabalhadores não suportaram os custos com o alojamento e a alimentação ou beneficiaram de prestação de alojamento pela entidade empregadora nas condições que justificam a limitação da ajuda de custo a 70%.
Não tendo sido efectuada essa prova e tendo-se chegado antes a resultados probatórios que apontam em sentido oposto, haverá de considerar-se verificada a ilegalidade do acto tributário de liquidação adicional.
Pedidos cujo conhecimento fica prejudicado
8. Face à solução jurídica do caso, fica prejudicado o conhecimento dos vícios de preterição do direito de audiência prévia e de falta de fundamentação, que, ainda que julgados procedentes, não obstariam à renovação dos actos impugnados.
Juros indemnizatórios
9. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de retenção na fonte, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
III – Decisão
Termos em que se decide
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o acto de liquidação de retenções da fonte de IRS referente ao ano de 2012, sob o n.º 2017..., no montante de € 120.012,00, e de liquidação de juros compensatórios, no montante de € 22.743,19;
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Consequentemente, julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o acto de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o acto tributário de liquidação adicional;
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Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 145.425,19, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3 060,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 31 de outubro de 2018
O Presidente do Tribunal Arbitral,
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Augusto Vieira
O Árbitro vogal
Rui Rodrigues