DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Dr. Ricardo Marques Candeias e Dr. Rui Ferreira Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 24 de maio de 2018, acordam no seguinte:
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Relatório
A... (SGPS), S.A., adiante designada por “Requerente”, pessoa coletiva identificada sob o n.º..., com sede na Rua ..., n.º...–..., em Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, 15.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
A Requerente vem deduzir pedido de anulação do despacho de indeferimento do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, de 28 de novembro de 2017, que recaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada contra os atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e de juros compensatórios emitidos sob os n.ºs 2015 ... [IRC], 2015 ... e 2015 ... [juros], referentes ao exercício de 2011, estendendo o pedido anulatório aos atos tributários. Peticiona também a restituição do valor indevidamente liquidado e pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega vícios formais e substantivos.
Começando pelos de ordem formal, a Requerente argui a caducidade do direito à liquidação e a inexistência de qualquer ato administrativo-tributário anterior que determine o pagamento adicional de imposto [IRC] e/ou a correção dos prejuízos fiscais registados em 2010 e reportados para anos subsequentes.
Segundo a Requerente, a AT, perante a conclusão de já ter decorrido o prazo de caducidade aplicável, manifestada no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) com fundamento no artigo 45.º, n.º 1 da LGT, não efetuou correções aos resultados fiscais declarados pela Requerente relativamente ao exercício de 2010 e não promoveu ou notificou qualquer ato administrativo-tributário posterior que a esta fosse desfavorável, pelo que inexiste um ato decisório que anteceda e suporte a correção por parte da AT dos prejuízos fiscais deduzidos pela Requerente ao lucro tributável no período subsequente, de 2011, nem a Requerente dele foi notificada, o que constitui condição de eficácia nos termos dos artigos 77.º, n.º 6 da LGT, 35.º, n.º 1 e 36.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 268.º, n.º 3 da Constituição (“CRP”).
Atendendo a que a “correção” ao resultado fiscal da Requerente no período de tributação de 2010 foi anunciada no RIT, mas não concretizada pela AT, a mesma não é suscetível de produzir efeitos jurídicos. O RIT tem caráter preparatório ou acessório dos atos tributários ou em matéria tributária, visando uma finalidade informativa e de fundamentação, não sendo, por si, um ato decisório, apto a produzir efeitos jurídicos externos, designadamente alterações na esfera jurídico-tributária dos contribuintes, como sejam correções futuras aos resultados fiscais nos exercícios subsequentes, em concreto o de 2011, como resulta dos artigos 11.º e 63.º-A, n.º 3 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”).
Por outro lado, se, como reconhece o RIT, a AT está impedida de corrigir os prejuízos fiscais relativos a 2010 pelo decurso do prazo de caducidade, então também está impedida de alcançar em períodos de tributação seguintes os resultados que não pôde obter em 2010, desde logo por razões de certeza jurídica, não podendo “esticar artificialmente” o prazo de caducidade através de uma errada interpretação do artigo 45.º da LGT.
Do ponto de vista material, e ainda segundo a Requerente, os atos tributários enfermam de erro de direito relativo ao regime fiscal aplicável à alienação de partes de capital e à cedência de créditos que detinha na B..., S.A. (“B...”).
Relativamente às partes de capital, a AT, ao postular a “reposição das mais-valias suspensas” associadas à participação social detida na B..., não reconheceu de forma devida o regime de suspensão de mais-valias previsto no artigo 44.º do Código do IRC[1] – que se traduziu na dedução do seu valor [das mais-valias] ao custo de aquisição dos ativos onde se concretizou o reinvestimento (in casu, a participação social na B...) –, e que se esgotou no efeito de redução do valor da menos-valia registada com a ulterior venda deste ativo.
Entende a Requerente que lhe é aplicável a disciplina inicialmente prevista no artigo 44.º do Código do IRC (sobre ativos corpóreos), extensível aos ativos financeiros detidos por sociedades gestoras de participações sociais (“SGPS”), por remissão do artigo 7.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 495/88, de 30 de dezembro[2].
Esta disciplina foi mantida pela norma transitória constante da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro (artigo 7.º, n.º 7, alínea a) da referida Lei), que revogou o regime de suspensão das mais e menos-valias previsto nesse mesmo artigo 44.º do Código do IRC, nos seguintes termos: “o disposto na anterior redação do artigo 44.º do Código do IRC continua a aplicar-se às mais-valias e às menos-valias realizadas antes de 1 de janeiro de 2001 até à realização, inclusive de mais-valias ou menos-valias relativas a bens em que se tenha concretizado o reinvestimento dos respetivos valores de realização”.
A invocação pela AT de uma outra regra constante daquele regime transitório, a alínea b) do n.º 7 do mencionado artigo 7.º, que postula a tributação diferida por um período de dez anos, em frações iguais (sendo o primeiro o da alienação), da parte da diferença positiva “entre as mais-valias e as menos-valias relativas a bens não reintegráveis, correspondente ao valor deduzido ao custo de aquisição dos bens em que se concretizou o reinvestimento nos termos do n.º 6 do artigo 44.º do Código do IRC”, caso se materialize, “nos termos da lei, o reinvestimento da parte do valor de realização que proporcionalmente lhe corresponder”, consubstancia uma errónea interpretação do campo de aplicação da norma.
A posição da AT nesta matéria viola, de igual modo, as orientações genéricas constantes de circulares por si emitidas, designadamente a Circular n.º 7/2002, de 2 de abril, que não foi revogada, e o seu dever de vinculação às mesmas, em conformidade com o artigo 68.º-A, n.º 1 da LGT.
Por outro lado, contrariamente ao afirmado pela AT, a entrada em vigor do então artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), que determinou a não sujeição a tributação das mais-valias obtidas por SGPS, não prejudicou o disposto na lei sobre o reinvestimento ou mesmo o que vem referido na Circular n.º 7/2002. Cada regime tem o seu âmbito de aplicação e a Requerente cumpriu o disposto nos dois regimes. Apenas seria de admitir um suposto problema de interpretação e conciliação entre o artigo 44.º do Código do IRC e o artigo 31.º do EBF se a alienação da B... tivesse gerado uma mais-valia, o que no caso não se coloca.
No que se refere ao reconhecimento de perdas em créditos de € 3.999.869,88 associadas à alienação, pela importância de € 1,00, de suprimentos e outros créditos que a Requerente detinha sobre a B..., aquela considera não lhe ser aplicável o regime do reconhecimento por imparidade ou por incobrabilidade dos créditos invocado pela AT como condição de dedução fiscal ao abrigo dos artigos 35.º e 36.º e 41.º, respetivamente, do Código do IRC.
Na perspetiva da Requerente, não estamos no domínio dos créditos “incobráveis”, i.e., da possibilidade de os mesmos serem reembolsáveis, mas sim no de créditos cedidos por montante inferior ao registado na contabilidade e nas demonstrações financeiras, ou seja, no do seu valor transacional de mercado, que, como já confirmado por jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte, são realidades diferentes com tratamentos fiscais distintos.
A operação foi realizada entre partes totalmente independentes e a cedência de créditos acompanhou a racionalidade do negócio de venda da participação na B..., que permitiu à Requerente desonerar-se de um expressivo passivo bancário e de contingências económico-financeiras, pelo que se afigura inequívoco o preenchimento dos pressupostos estabelecidos pelo artigo 23.º do Código do IRC, em concreto, a indispensabilidade do gasto ou perda para a obtenção de proveitos tributáveis ou para a manutenção da fonte produtora.
A Requerente conclui pelo pedido de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e das liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios respeitantes ao período de tributação de 2011, com a consequente reconstituição da situação atual hipotética, designadamente com a restituição do valor pago de € 360.203,67, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, contados desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da respetiva nota de crédito. Juntou 18 (dezoito) documentos e arrolou uma testemunha.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT.
As partes, oportunamente notificadas dessa designação, não opuseram recusa nos termos, conjugados, dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 24 de maio de 2018, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
A Requerida apresentou resposta, na qual pugna pela manutenção das liquidações impugnadas e do ato de indeferimento da reclamação graciosa supra identificado, por configurarem a correta aplicação da lei aos factos.
Para tal, sustenta que a Requerente não reúne as condições previstas nos artigos 35.º e 36.º (perdas por imparidade) ou 41.º (créditos incobráveis), cumulativamente com o artigo 23.º, todos do Código do IRC, para a dedução fiscal das perdas referentes à venda dos créditos que detinha sobre a sociedade alienada (B...).
Relativamente às “mais-valias suspensas”, a Requerida defende que, de acordo com o regime transitório estatuído no artigo 7.º, n.º 7, alíneas a) e b) da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, a alienação pela Requerente da participação social detida na B... deve desencadear a tributação, em IRC, da mais-valia suspensa que lhe estava associada, no montante de € 4.833.138,72. Em consequência, o resultado fiscal da Requerente em 2010 foi positivo, correspondendo a um lucro de € 3.172.288,11, e não o prejuízo declarado de € 5.609.114,62.
Segundo a Requerida, apesar de não ter sido produzida qualquer liquidação adicional de IRC sobre este lucro tributável relativamente ao exercício de 2010, dado ter já corrido o prazo de caducidade aplicável, consagrado no artigo 45.º, n.º 1 da LGT, esta mesma correção deve produzir efeitos nos exercícios seguintes, em conformidade com os artigos 45.º, n.º 3 da LGT e 52.º, n.º 4 do Código do IRC.
Por fim, considera dever ser indeferido o requerimento de prova testemunhal por apenas estar em discussão matéria de direito.
Tendo sido prescindida a testemunha arrolada, o Tribunal, por despacho datado de 30 de julho de 2018, decidiu a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e determinou a notificação das partes para alegações escritas simultâneas.
Em fase de alegações, Requerente e Requerida mantiveram, de forma especificada ou por remissão, os argumentos que constam do pedido de pronúncia arbitral e da resposta, respetivamente. A Requerente procedeu à junção da decisão arbitral proferida no processo n.º 105/2018-T, em 21 de setembro de 2018, relativa aos mesmos factos, mas referente à sua repercussão no período de tributação de 2012.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 10º do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas exceções.
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Fundamentação
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Matéria de Facto
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que este Tribunal julga provados:
A. A A... (SGPS), S.A., aqui Requerente, é uma sociedade gestora de participações sociais, fundada em 1992, que tem por único objeto estatutário a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), junto com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) como documento 9.
B. No ano 2000, a Requerente alienou as participações que detinha no capital social das sociedades C..., S.A. (“C...”) e, S.A. (“D...”), através das quais mantinha uma participação indireta no capital da E..., S.A., pelo valor de € 113.188.402,95 – cf. documentos 1 e 9 (RIT) juntos com o ppa.
C. Em resultado da operação de venda de participações sociais descrita na alínea anterior, a Requerente obteve uma mais-valia de € 43.692.362,89 – cf. documentos 2 e 9 (RIT) juntos com o ppa.
D. A referida mais-valia não foi tributada em IRC, conforme declaração de rendimentos Modelo 22 relativa ao período de tributação de 2000 entregue pela Requerente, que considerou aplicável o regime fiscal do reinvestimento, no pressuposto de que o valor de realização iria ser reinvestido até ao fim do terceiro período de tributação seguinte ao da venda das participações sociais em causa (artigo 44.º, n.º 1 do Código do IRC e artigo 7.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 495/88, de 30 de dezembro) – cf. documentos 3 e 9 (RIT), juntos com o ppa.
E. A Requerente procedeu ao reinvestimento através da aquisição, em 2000 e 2001, de participações no capital social das seguintes entidades – cf. documentos 1, 4 e 9 (RIT) juntos com o ppa:
Sociedades
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Ano de aquisição
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Valor do reinvestimento
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Percentagem de reinvestimento
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Mais-valia associada
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F..., Lda.
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2000 e 2001
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1.981.195,32
|
1,7%
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758.772,33
|
G..., S.A.
|
2000 e 2001
|
2.296.381,17
|
2,0%
|
879.484,46
|
H..., Lda.
|
2000
|
579.997,21
|
0,5%
|
222.131,47
|
I..., SARL
|
2000
|
2.730.639,16
|
2,4%
|
1.045.799,69
|
J..., SGPS, S.A.
|
2000
|
1.384.049,44
|
1,2%
|
530.073,14
|
K..., Lda.
|
2000 e 2001
|
4.193.082,49
|
3,7%
|
1.605.896,68
|
B..., S.A.
|
2000 e 2001
|
12.619.584,79
|
11,1%
|
4.833.138,72
|
L..., Lda.
|
2000
|
247.500,00
|
0,2%
|
94.789,32
|
M...– SGPS, S.A.
|
2000
|
27.113.720,93
|
23,8%
|
10.384.206,50
|
N..., SGPS, S.A.
|
2001
|
60.836.955,77
|
53,3%
|
23.299.771,85
|
O..., Lda.
|
2001
|
100.000,00
|
0,1%
|
38.298,71
|
Total
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114.083.106,28
|
100,0%
|
43.692.362,89
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F. Assim, a participação na B..., S.A. ou B..., em discussão nos autos, foi adquirida pelo montante de € 12.619.584,79, tendo a mais-valia “suspensa” que lhe está associada o valor de € 4.833.138,72 – cf. documentos 1, 4 e 9 (RIT) juntos com o ppa.
G. Em 19 de abril de 2010 a Requerente celebrou com a sociedade P..., SGPS, S.A., o contrato de compra e venda de ações, cessão de créditos e remissão de dívida, através do qual alienou a totalidade das partes de capital que detinha na B... pelo preço de € 1,00 (um euro) e cedeu, a título gratuito, todos os créditos detidos sobre a B..., respeitantes a suprimentos e respetivos juros, no montante de € 3.900.676,66 – cf. documento 5 junto com o ppa, em particular cláusulas Primeira a Terceira.
H. Como contrapartida a P..., SGPS, S.A assumiu a totalidade do passivo da B... e todas as obrigações destas, desonerando a Requerente e/ou a Q...– cf. documento 5 junto com o ppa.
I. Conforme apreciação do Conselho de Administração da Requerente, formalizada na ata de reunião n.º 26, de 27 de maio de 2011, “[a] exploração e a tesouraria desta participada [B...], não obstante as diversas medidas de caráter económico-financeiro que foram sendo tomadas ao longo dos anos, foram sempre deficitárias o que obrigava a que a A..., S.A. fosse regularmente dotando a sociedade de fundos para que a B..., S.A. solvesse os seus compromissos. Concluiu-se, portanto, que a única forma de não delapidar mais o património da A..., S.A. seria alienar a participação nas melhores condições possíveis. As melhores condições possíveis do negócio implicaram que as ações, cujo valor ao preço de custo foi de 13.734.052,45 euros, fossem alienadas pelo valor simbólico de 1,00 € e os empréstimos e outros débitos da A..., S.A. à sociedade, 7.820.282,68 euros, fossem perdidos na totalidade. Como contrapartida do negócio, o comprador assumiu o Passivo Bancário da B..., SA, parte do qual tinha a garanti-lo depósitos a prazo da A..., S.A. no montante de 1.050.000,00 euros que foram libertos. O comprador assumiu também o Passivo de Fornecedores.” – cf. documento 5 junto com o ppa.
J. Em 12 de abril de 2012, a Requerente entregou a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao período de tributação de 2010, na qual acresceu, no campo 736 do quadro 07, as menos-valias contabilísticas derivadas da alienação de participações sociais no valor de € 12.619.584,79, desconsiderando fiscalmente por essa via a totalidade da menos-valia gerada com a venda das partes de capital da B... . Não foram pela Requerente reportadas nessa declaração mais-valias respeitantes à venda de participações sociais “suspensas” de tributação com o valor associado de € 4.833.138,72 – cf. documentos 7 e 9 (RIT) juntos com o ppa.
K. Na referida declaração Modelo 22 (exercício de 2010), a Requerente apurou e declarou um prejuízo para efeitos fiscais de € 5.609.114,62, com base no pressuposto de que as perdas, no valor de € 3.999.869,88, sofridas com a alienação dos créditos detidos sobre a B..., deviam ser fiscalmente dedutíveis – cf. documentos 7 (campo 777 do quadro 07) e 9 (RIT) juntos com o ppa.
L. A Requerente, no período de tributação seguinte – 2011 –, apurou lucro tributável no valor de € 1.364.021,63. Atendendo ao prejuízo fiscal apurado e declarado em 2010 (de € 5.609.114,62), deduziu uma parte desse prejuízo, na importância de € 1.364.021,63, conforme reportado na declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa a esse período de tributação (2011), submetida em 29 de maio de 2012 – cf. documentos 8 (campo 778 do quadro 07, campos 302, 303 e 309 do quadro 09) e 9 (RIT) juntos com o ppa.
M. Em 15 de julho de 2015, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa iniciaram um procedimento inspetivo, de âmbito parcial, que incidiu sobre o IRC do exercício de 2011, ao abrigo da Ordem de serviço n.º OI2014..., de 2 de abril de 2014, que depois foi estendido aos períodos de tributação de 2009 e 2010, ao abrigo das Ordens de serviço n.ºs OI2015... e OI2015..., ambas de 17 de setembro de 2015 – cf. documento 9 (RIT) junto com o ppa.
N. Na sequência desta ação inspetiva, a Requerente foi notificada para, querendo, exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de RIT que contemplava as situações infra elencadas:
(a) Favoráveis à Requerente – proposta de correções derivadas de ajustamentos correlativos efetuados em matéria de preços de transferência, após correções primárias realizadas à contraparte (artigo 63.º, n.º 11 do Código do IRC):
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Em 2009 - € 27.054,63
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Em 2010 - € 51.605,87
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Em 2011 - € 87.317,88
(b) Desfavoráveis à Requerente em 2010 – discordância relativa ao enquadramento fiscal dado pela Requerente à alienação das partes de capital da B... e da cedência dos créditos que detinha sobre esta entidade, embora se indique que “não será produzida qualquer liquidação adicional de IRC sobre este lucro tributável relativamente ao exercício de 2010, dado já ter corrido o prazo de caducidade aplicável, conforme consagrado no n.º 1 do art.º 45.º da Lei Geral Tributária (LGT)”. As divergências correspondem a um acréscimo de € 8 833 008,60 à matéria coletável, que passaria de prejuízo fiscal de € 5.609.114,62, para lucro tributável de € 3.172.288,11, tendo em conta a correção a favor da requerente, antes referida, do ano de 2010, no montante de € 51.605,87;
(c) Desfavoráveis à Requerente em 2011 – correção dos prejuízos reportados e utilizados nesse período de tributação, na importância de € 1.364.021,63, entendendo que “esta mesma correção [a relativa ao exercício de 2010] deverá produzir efeitos nos exercícios seguintes a cujos lucros a A... [a Requerente] tenha deduzido valores reportados deste exercício de 2010, em virtude da subvalorização aqui apontada, em conformidade com o n.º 3 do art.º 45.º da LGT e com o n.º 4 do art.º 52.º do código do IRC” – cf. documento 9 (RIT) junto com o ppa.
O. A Requerente exerceu o direito de audição, na sequência do que a AT manteve as correções preconizadas na alínea anterior – cf. documento 9 (RIT) junto com o ppa.
P. Foi emitido o RIT definitivo, cujo teor se dá por reproduzido, do qual consta a seguinte fundamentação relativa à matéria em discussão nos presentes autos arbitrais:
“III.2 – Correções à Matéria Tributável do Exercício de 2010
[...]
III.2.2. – Alienação da B...
A A... alienou no decurso do exercício de 2010 a participação que detinha na B..., S.A. (NIPC...) (adiante “B...”), representativa de 99% do capital da empresa. Concluiu-se da análise feita que os resultados para efeitos fiscais declarados pela A... relativamente a este exercício de 2010 se encontram indevidamente afetados de duas formas por esta alienação: i) pelo reconhecimento de perdas em créditos sobre a B..., em 3.999.869,88 €, e ii) pelo não reconhecimento de uma mais-valia suspensa associada à participação na B..., em 4.833.138,72 €. Os subpontos seguintes fundamentam estas conclusões.
[...]
III.2.3. – Síntese e efeitos das correções propostas aos resultados de 2010
Decorre do exposto nos pontos anteriores que o correto resultado para efeitos fiscais da A... relativamente ao exercício e 2010 é, não um prejuízo com o valor de 5.609.114,62 €, como foi declarado pela empresa, mas sim um lucro de 3.172.288,11 €, a que se passa da forma seguinte:
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Valores (€)
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Pts. Relat.
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Resultado Declarado
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-5.609.114,62
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Correções
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Op. Fin. Vinculada – Aj.to correlativo
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-51.605,87
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III.2.1.
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Venda da B...
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Perdas em créditos
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3.999.869,88
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III.2.2.1
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Valia suspensa
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4.833.138,72
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III.2.2.2
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Resultado Corrigido
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3.172.288,11
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Não será produzida qualquer liquidação adicional de IRC sobre este lucro tributável relativamente ao exercício de 2010, dado ter já corrido o prazo de caducidade aplicável, conforme consagrado no n.º 1 do art.º 45.º da Lei Geral Tributária (LGT).
No entanto, esta mesma correção deverá produzir efeitos nos exercícios seguintes a cujos lucros a A... tenha deduzido valores reportados deste exercício de 2010, em virtude da subvalorização aqui apontada, em conformidade com o n.º 3 do art.º 45.º da LGT e com o n.º 4 do art º 52.º do código do IRC (ver subponto III. 3. 2. - Dedução de prejuízos fiscais).
III. 3. – Correções à Matéria tributável do Exercício de 2011
[...]
III. 3. 2. - Dedução de prejuízos fiscais
No exercício de 2011 a A... apura e declara um lucro tributável com o montante de 1.364.021,63 €. A este lucro deduz um valor igual (1.364.021,63 €) de prejuízos fiscais reportados de exercícios anteriores, apurando matéria coletável nula.
Ao lucro tributável declarado relativamente ao exercício de 2011, o sujeito passivo poderia deduzir, nos termos do art.º 52.º do código do IRC, tendo-os, prejuízos fiscais apurados nos seis exercícios anteriores, ou seja, prejuízos fiscais gerados no período compreendido entre os exercícios de 2005 e 2010, inclusive.
Analisados os valores dos resultados apurados e os reportes de prejuízos fiscais declarados pela A... ao longo do período abrangido pelos seis exercícios referidos, verifica-se que o valor deduzido em 2011 respeita a um prejuízo declarado relativamente ao exercício de 2010, com o valor total de 5.609.114,62 € (Anexo n.º 3, fls. 6).
No entanto, conforme se diz no anterior subponto III. 2. 3. - Síntese e efeitos das correções propostas aos resultados de 2010 (e detalhadamente se fundamenta nos anteriores), o resultado declarado para efeitos fiscais pela A.. relativamente ao exercício de 2010 encontra-se subvalorizado em 8.781.402,73 €, o que significa que, neste exercício, apurado nos termos devidos, a sociedade regista não um prejuízo de 5.609.114,62 € mas sim um lucro com o valor de 3.172.288,11 €.
Nestes termos, o sujeito passivo chega ao exercício de 2011 sem qualquer saldo de prejuízos fiscais reportados de exercícios anteriores, sendo indevida a dedução declarada, no montante de 1.364.021,63 €, a qual se corrige nos termos do n.º 4 do art.º 52.º do código do IRC, a favor do Estado (Anexo n.º 3, fls. 7).
[...]” – cf. documento 9 (RIT) junto com o ppa.
Q. Sobre esse Relatório foi emitido o Parecer do Chefe de Equipa, que refere o seguinte:
“Concordo com o teor e fundamentos do Relatório de Conclusões junto.
Dos fundamentos dele constantes resulta que se encontram verificados os pressupostos legais para, mantendo-se a avaliação direta da matéria coletável, proceder às correções técnicas propostas, relacionadas, em primeiro lugar, com um ajustamento correlativo subsequente à aplicação do regime dos preços de transferência num outro procedimento inspetivo, nos termos do artº 63º do Código do IRC, conjugado com a Portaria nº 1446-C/2001. A este ajustamento, favorável ao sujeito passivo, aplicam-se, ainda, as disposições legais contidas no artº 23º do Código do IRC e no artº 32º nº 2 do EBF, relacionadas com o facto do montante dos encargos financeiros em causa não ser totalmente dedutível ao lucro tributável, por ser imputável a partes de capital detidas pela sociedade, pelo que os ajustamentos se limitam aos valores de 27.054,63 euros em 2009, 51.605,87 euros em 2010 e 87.317,88 euros em 2011.
Em segundo lugar, no exercício de 2010, da correta aplicação dos artºs 35º, 36º e 41º do Código do IRC às perdas verificadas em créditos, bem como do regime transitório previsto no artº 7º da Lei 30-G/2000 às mais valias suspensas, que, neste caso, deviam ter sido Incluídas no lucro tributável do exercício, resulta que o prejuízo fiscal determinado em 2010, no valor de 5.609.114,62 euros, na prática seria de corrigir para um lucro tributável de 3.172.288,11 euros, que, ainda que não seja liquidável, impossibilita a dedução daquele prejuízo ao lucro tributável dos exercícios seguintes, face à aplicação do artº 45º da LGT e do artº 52º do Código do IRC.
Propõe-se, assim, efetuar ainda a correção do reporte daquele prejuízo fiscal, deduzido ao lucro tributável do exercício de 2011, no valor de 1.364.021.63 euros.
Notificado para o exercício do Direito de Audição Prévia, nos termos do artº 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artº 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), o sujeito passivo entregou uma exposição que depois de analisada se concluiu não apresentar elementos suscetíveis de alterar as correções inicialmente propostas, conforme melhor explicado no Capítulo IX do Relatório. […]” – cf. documento 9 (RIT) junto com o ppa.
R. As correções efetuadas no Relatório da Inspeção Tributária relativo aos exercícios de 2009 a 2011 são assim sintetizadas:
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2009
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2010
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2011
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Resultado declarado
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808.946,35 €
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-5.609.114,62 €
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1.364.021,63 €
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Prejuízo fiscal deduzido
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-1.364.021,63 €
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Natureza das correções
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Ajustamento correlativo em matéria de PT
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-27.054,63 €
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-51.605,87 €
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-87.317,88 €
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Perdas em créditos
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3.999.869,88 €
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Reposição de mais-valias suspensas
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4.833.138,72 €
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Correção do prejuízo fiscal deduzido
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1.364.021,63
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Resultado fiscal corrigido
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781.891,72 €
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3.172.288,11 €
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1.276.703,75 €
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– cf. documento 9 (RIT) junto com o PPA.
S. O referido Relatório foi notificado à Requerente através de Ofício da AT, datado de 22 de dezembro de 2015, que menciona a seguinte informação:
“Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 62.º do RCPITA, do Relatório de Inspeção Tributária, que se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada.
Das correções meramente aritméticas efetuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indireta, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar.
Da presente notificação e respetiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação.“
– cf. documento 9 junto com o ppa.
T. Até ao presente, a AT não notificou à Requerente um ato que determinasse a correção dos prejuízos fiscais relativos aos exercícios de 2009 a 2011 – cf. análise conjugada dos documentos 9, 10, 13 e 14 (fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa) juntos com o ppa.
U. A Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IRC n.º 2015..., e de juros compensatórios n.ºs 2015... e 2015..., respeitantes ao período de tributação de 2011, cujo saldo a pagar na demonstração de acerto de contas n.º 2015... se cifrou em € 360.203,67, com data limite de pagamento de 26 de fevereiro de 2016[3] – cf. documento 10 junto com o ppa.
V. A Requerente procedeu ao pagamento da importância de € 360.203,67, em 4 de março de 2016, com data valor de 1 de março de 2016 – cf. documento 11 junto com o ppa.
X. Não se conformando com as liquidações identificadas na alínea U supra, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, que foi indeferida por despacho da Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 28 de novembro de 2017 e notificado em 11 de dezembro de 2017, através do ofício n.º..., de 5 de dezembro de 2017 – cf. documentos 12, 13 e 14 juntos com o ppa.
Z. Como fundamentos para a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, invoca a AT:
“Apreciação
O Reclamante foi sujeito a ações inspetivas aos anos de 2009, 2010 e 2011, donde resultaram correções desfavoráveis ao sujeito passivo em sede de IRC, conforme se pode observar através do mapa seguinte:
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2009
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2010
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2011
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Lucro tributável declarado pelo s.p.
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808.946,35
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(5.609.114,62)
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1.364.021,63
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Correções propostas ao lucro tributável
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(27.054,63)
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8.781.402,73
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(87.317,88)
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Lucro tributável corrigido
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781.891,72
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3.172.288,11
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1.276.703,75
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Os prejuízos declarados pelo Reclamante referentes ao ano de 2010 foram corrigidos pelos Serviços de Inspeção, os quais foram anulados e o Lucro Tributável passou a ser de € 3.172.288,11; ou seja, houve correções técnicas para o exercício de 2010, tendo o prejuízo declarado pelo s.p. passado para lucro tributável (houve anulação total dos prejuízos declarados).
Assim, para o ano de 2011 e seguintes, o sujeito passivo não tinha quaisquer valores passíveis de serem deduzidos ao Lucro Tributável.
Analisando os argumentos ora apresentados, somos a dizer que não imputou/invocou qualquer ilegalidade à liquidação em apreço de 2011, outro sim uma de diferente interpretação da efetuada pelos SIT, e com a qual concordamos, somos do parecer que o pedido é de INDEFERIR. […] – cf. documento 14 junto com o ppa.
AA. Em discordância com as liquidações de IRC e de juros compensatórios acima identificadas e com a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, a Requerente apresentou no sistema informático do CAAD, em 12 de março de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.
Motivação e Factos Não Provados
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, nas posições assumidas pelas partes, cuja divergência é de direito e não relativa aos factos essenciais, e na análise crítica da prova documental junta aos autos.
Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.
-
Do Direito
2.1. Delimitação das questões a decidir
Cabe ao Tribunal conhecer os vícios imputados pela Requerente aos atos tributários e à reclamação graciosa que constituem o objeto do processo. Respeitam estes:
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À falta de notificação de um indispensável ato decisório que desconsiderasse os prejuízos fiscais da Requerente (gerados em 2010) e que constituísse suporte legal da liquidação de IRC e de juros compensatórios, relativa a 2011, derivada unicamente da desconsideração desses prejuízos fiscais que nunca foram corrigidos;
-
À caducidade do direito à liquidação, por não ter sido notificado à Requerente, no correspondente prazo (do artigo 45.º da LGT) o ato corretivo do resultado fiscal (prejuízos fiscais) da Requerente;
-
Ao erro de direito (substantivo) por incorreta interpretação do regime de tributação das mais-valias decorrentes da alienação de partes de capital ao abrigo do artigo 44.º do Código do IRC, aplicável, por remissão, às mais-valias financeiras das sociedades gestoras de participações sociais, que foi mantido pela norma transitória constante do artigo 7.º, n.º 7, alínea b) da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro; e
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Ao erro de direito (substantivo) pela não aceitação da dedução fiscal das perdas em créditos cedidos que detinha na B..., por inaplicabilidade dos artigos 35.º, 36.º e 41.º do Código do IRC, atento o preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 23.º do Código do IRC.
2.2. Inexistência de ato administrativo-tributário anterior: ineficácia das correções relativas ao exercício de 2010
As liquidações de IRC e de juros compensatórios relativas a 2011 e aqui impugnadas têm por fundamento direto a não aceitação, por parte da AT, da dedução ao lucro tributável apurado e declarado no exercício de 2011 (de € 1.364.021,63) dos prejuízos fiscais reportados do ano anterior (2010). Dito de outro modo, o resultado apurado em 2011 que correspondeu a lucro tributável não foi alvo de correções ou ajustamentos pela AT, mas apenas a utilização ou dedução a esse lucro dos prejuízos fiscais anteriores (gerados em 2010 e objeto de reporte). Em razão da utilização desses prejuízos fiscais[4], a matéria coletável de IRC declarada pela Requerente para o exercício de 2011 foi nula.
Assim, a questão que se suscita é, antes de mais, a de determinar se os prejuízos utilizados pela Requerente em 2011 e que haviam sido por esta declarados em 2010 foram efetivamente corrigidos pela AT, por forma a que esta pudesse validamente rejeitar o seu reporte e utilização pela Requerente em anos posteriores.
A alteração da situação tributária dos contribuintes, designadamente da matéria coletável ou da base de incidência dos impostos, reclama uma atuação juridicamente válida por parte da Autoridade Pública, dotada de especial força jurídica, que defina a obrigação tributária e seja apta a produzir, através de um ato decisório por esta praticado, efeitos jurídico-tributários externos, impositivos e lesivos.
Segundo o Relatório de Inspeção, não devia ser produzida qualquer liquidação adicional de IRC relativamente ao exercício de 2010, dado ter já corrido o prazo de caducidade aplicável, nos termos do artigo 45.º, n.º 1 da LGT. No entanto, preconizava-se a correção nos exercícios seguintes “a cujos lucros a A... tenha deduzido valores reportados deste exercício de 2010”, em conformidade com o artigo 45.º, n.º 3 da LGT e o artigo 52.º, n.º 4 Código do IRC.
Simplesmente, constata-se que não chegou a ser efetuada qualquer correção que tenha chegado ao conhecimento da Requerente.
Os Relatórios das ações inspetivas inserem-se na categoria de atos meramente preparatórios, constituem pareceres não vinculativos, que opinam e informam. Neles, a Autoridade Tributária expõe o seu entendimento acerca de determinada questão de facto e/ou de direito que é analisada, sem prejuízo de, para produzir efeitos jurídicos, sobre o mesmo ter de ser praticado um ato decisório autónomo, i.e., um ato administrativo em matéria tributária (se não gerar a liquidação de imposto), ou um ato tributário de liquidação, que, em qualquer dos casos[5], produza efeitos jurídicos externos na situação individual e concreta, conforme preceitua o artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo. Ato este que, aliás, não tem sequer de ser de sentido coincidente com o do Relatório, pois este não reveste a natureza de parecer vinculativo (cf. artigo 63.º do RCPITA).
No caso concreto, o próprio ofício de notificação do Relatório transmite que “[d]a presente notificação e respetiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação”, de harmonia com o artigo 63.º-A, n.º 3 do RCPITA, que dispõe não poder “ser efetuada qualquer correção da matéria tributável, liquidação de imposto ou aplicação de penalidade, com base no relatório”.
Deste modo, o Relatório não podia corrigir os prejuízos declarados pela Requerente, pela simples razão de que constitui um parecer não vinculativo e seria indispensável, para tanto, uma decisão que não se materializou, pois, até ao presente, a AT não notificou à Requerente um ato que determinasse a correção dos prejuízos fiscais relativos aos exercícios de 2009 a 2011.
Por outro lado, a existir um ato decisório que determinasse a correção dos prejuízos fiscais, o que este tribunal desconhece, aquele sempre teria de ser notificado à Requerente (e não foi) para que lhe fosse oponível, pois “[o]s atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”, dependendo a produção de efeitos da decisão da notificação (cf. artigos 36.º do CPPT e 77.º, n.º 6 da LGT).
A notificação é, deste modo, condição de eficácia da decisão do procedimento tributário e deriva de exigência constitucional desde a revisão de 1982 (cf. artigo 268.º. n.º 3 da CRP[6]), como assinala Jorge Lopes de Sousa no seu Comentário ao CPPT (cf. Vol. I, 6.ª Edição, 2011, Áreas Editora, pp. 340-341).
As pronúncias do Tribunal Constitucional (“TC”) em matéria de notificação de atos lesivos têm reiterado a exigência da notificação pessoal, formal e oficial aos respetivos destinatários, atento o pendor garantístico do comando constitucional e os interesses legalmente protegidos que visa tutelar – cf. Acórdãos do TC n.ºs 72/2009, de 11 de fevereiro de 2009 e 145/01, de 28 de maio de 2001. Assim, uma declaração que não comunique de forma autónoma e individualizada o ato notificando não deve ser aceite como notificação nem produzir os efeitos a esta tipicamente inerentes: “(…) a iniciativa da notificação deve sempre caber aos serviços, na medida em que se impõe constitucionalmente um dever à Administração de «dar conhecimento aos interessados mediante comunicação oficial e formal», dos atos administrativos que lhe respeitem” (cf. Pedro Gonçalves, Notificação dos Atos Administrativos, Ab Uno Ad Omnes, Coimbra Editora, p. 1091).
De igual modo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) reitera o imperativo de notificação para que o ato de correção da matéria tributável produza os seus efeitos na esfera jurídico-tributária do contribuinte, expressando que “[o] direito à notificação constitui uma garantia […] dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o ato praticado pela Administração tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância” e, como tal “[o]s atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação a eles quando lhes sejam validamente notificados” – cf. Acórdão do STA de 2 de março de 2011, processo n.º 967/10.
Entendimento que é secundado pelo Tribunal Central Administrativo Sul (“TCASul”) nos seguintes termos: “[a] decisão que altera o lucro tributável declarado pelo contribuinte carece de lhe ser notificad[a], sob pena de a mesma não lhe poder produzir efeitos” e “[n]ão tendo o exercício a corrigir dado origem a qualquer liquidação, nem por isso a AT está dispensada de proceder às correções e de as notificar ao contribuinte no prazo de caducidade, sob pena de estabilização da matéria coletável subjacente ao ato de liquidação” – cf. Acórdãos do TCASul n.ºs 963/06, de 12 de maio de 2009, e 2859/09, de 9 de fevereiro de 2010, respetivamente.
Assim, na situação concreta sob apreciação, em face da ausência de notificação de um ato administrativo em matéria tributária que tenha procedido à correção dos prejuízos fiscais de 2010 declarados pela Requerente, na importância de € 5.609.114,62, há que concluir como aquela que estes se mantiveram válidos, sendo contrária à lei a sua ulterior desconsideração por parte da AT no exercício de 2011 em apreciação.
2.3. Caducidade do direito à liquidação
Um outro efeito produzido pela falta de notificação do ato decisório relativo à correção dos prejuízos da Requerente no ano 2010, que invalida os atos de liquidação do ano 2011 que têm pressuposto essencial nessa correção, é o decurso do prazo de caducidade.
Juridicamente, a caducidade é “mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto […] reporta-se a situações jurídicas em formação e aos direitos potestativos, cujo exercício está sujeito a prazos curtos. Em termos sintéticos, podemos dizer que a prescrição determina a extinção de um direito e a caducidade a impossibilidade de o exercitar num caso concreto (Cfr. A caducidade no Direito Administrativo: Breves considerações, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2005, Coimbra Editora)” – cf. Acórdão do STA, de 30 de maio de 2012, processo n.º 410/12, reiterado pelo Acórdão do STA, de 12 de fevereiro de 2015, processo n.º 1610/13.
Na situação vertente, interessa considerar que o prazo de caducidade do direito à liquidação em 2010 (ano em que houve prejuízos) era de quatro anos, por força do artigo 45.º, n.º 1 da LGT[7], que estatui que “[o] direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”. De harmonia com o n.º 4 do citado artigo o prazo de caducidade conta-se nos impostos periódicos “a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”.
Nestes moldes, no que ao período de tributação de 2010 diz respeito, o prazo de caducidade do direito de liquidação de tributos (de quatro anos) terminou, e com ele, de igual modo, a possibilidade de ajustamento oficioso da matéria coletável (prejuízos fiscais) declarada pela Requerente, em 31 de dezembro de 2014.
O próprio Relatório da AT reconhece o decurso do prazo de caducidade relativamente ao exercício de 2010, embora preconize que a “correção” (que, relembre-se, não sabemos se existe, mas sabemos que não foi notificada à Requerente) deveria produzir efeitos nos exercícios seguintes, posição esta que não se acompanha.
Com efeito, como tem sido decidido pela jurisprudência do STA, “[as] razões de certeza e segurança jurídicas que subjazem ao instituto da caducidade impedem que a AT possa legalmente proceder a correções ao lucro tributável de exercício em relação ao qual já se mostre verificada a caducidade do direito de liquidação, ainda que se abstenha de liquidar tributo referente a esse período, para delas extrair consequências tributárias em exercícios posteriores […] pois que, por essa via, se lhe permitiria extrair consequências jurídico tributárias novas de situações que a lei, por razões de paz social, pretende definitivamente consolidadas no domínio tributário.” – cf. Acórdão do STA de 10 de maio de 2017, processo n.º 699/16.
Acresce que não resulta do artigo 45.º da LGT um método distinto de contagem do prazo de caducidade na situação específica de reporte de prejuízos fiscais. Como assinala o TCASul: “[n]os casos em que é efetuado reporte de prejuízos, a contagem do competente prazo de caducidade do direito à liquidação tem de processar-se no estrito cumprimento das regras comuns, aplicáveis a todos os prazos de caducidade tributária […]. Estas situações não pressupõem, portanto, qualquer tipo de especificidade ao nível da forma de computar o prazo de caducidade, determinado por correspondência com o período de permissão do exercício da possibilidade de dedução protelada” – cf. Acórdão de 22 de janeiro de 2013, processo n.º 2857/09 (vide em sentido similar o Acórdão proferido no processo n.º 651/13, de 5 de novembro de 2015).
No sentido preconizado, compulsa-se ainda a decisão arbitral no processo n.º 119/2012-T, de 9 de abril de 2013, cujo entendimento se subscreve:
“[…] a caducidade do direito à liquidação prende-se com a necessidade de certeza dos direitos e das relações jurídicas dentro de um prazo de tempo tido por adequado e estes objetivos apenas são alcançados, nos casos em que esteja em causa a correção da matéria coletável de um exercício que não tenha dado origem a qualquer liquidação, mas em que haja prejuízos suscetíveis de se repercutirem em posteriores exercícios, se tal correção for efetuada também dentro do prazo de caducidade do direito de liquidação. Por isso, nos casos em que o exercício a corrigir não dá origem a qualquer liquidação, mas existem prejuízos fiscais, a Administração Tributária não está dispensada de proceder às correções e de as notificar ao contribuinte no prazo de caducidade, sob pena de estabilização da matéria coletável subjacente ao ato de liquidação. Aliás, o facto de a lei atribuir expressamente aos contribuintes o direito de impugnarem os atos de «fixação da matéria tributável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo» [artigo 97.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário] confirma que os atos desse tipo não podem deixar de ser notificados aos contribuintes, pois só com a sua notificação estes poderão exercer o direito de os impugnarem.”
À face do exposto não pode deixar de concluir-se que também assiste razão à Requerente quanto à questão da caducidade do direito de liquidação, que, por si, é suficiente para concluir pela invalidade dos atos tributários impugnados e do despacho de indeferimento da reclamação graciosa relativa aos mesmos.
2.4. Vícios substantivos
Sem prejuízo da procedência dos vícios de ordem formal acima apreciados, da qual resulta a estável e eficaz tutela dos direitos da Requerente no que se refere à invalidade e consequente anulação dos atos objeto desta ação, a procedência do pedido de juros indemnizatórios, derivado de anulação judicial de um ato de liquidação, com base no artigo 43.º da LGT, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.
Neste âmbito, e conforme firmado pela jurisprudência do STA, “[a]
anulação de um ato de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por a notificação daquele ato não ter sido efetuada dentro do prazo da caducidade, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do ato de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do art. 43.º da LGT” – cf. Acórdão do STA, de 30 de maio de 2012, processo n.º 410/12, e, mais recentemente, o Acórdão do STA, de 12 de fevereiro de 2015, processo n.º 1610/13.
De acordo com esta jurisprudência e “[c]omo salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos atos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício».
[…]
Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531).
O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do ato: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no ato anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adotado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
[…] nos casos em que o vício que leva à anulação do ato é relativo a uma norma que regula a atividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do ato não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.”
À face do exposto, o vício de caducidade ou, por idênticas razões, o vício de falta de notificação de um prévio ato decisório de correção dos prejuízos fiscais, de que padecem os atos tributários em crise, nada nos dizem sobre o acerto ou justeza material destes atos, pelo que, para determinarmos o direito a juros indemnizatórios ter-se-á, também, de apreciar os fundamentos materiais dos atos de liquidação, sob pena de a sua invalidação unicamente por vício de forma coartar o direito a juros indemnizatórios na esfera da Requerente, de acordo com a posição sufragada de que aqueles juros, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, dependem de um erro material imputável à AT, como resulta da jurisprudência do STA citada.
-
Sobre a tributação ou reposição das “mais-valias suspensas”
Está em causa a tributação de mais-valias (no valor global de € 43.692.362,89) realizadas pela Requerente em 2000 com a alienação das participações que detinha nas sociedades C... e D..., cujo valor de realização (de € 113.188.402,95) foi integralmente reinvestido nos anos 2000 e 2001, tendo a respetiva tributação ficado “suspensa”.
Uma parte desse reinvestimento ocorreu na B..., ao qual correspondeu a proporção de 11,1% do valor total reinvestido, tendo associada uma mais-valia excluída de tributação de € 4.833.138,72.
Este enquadramento baseou-se no artigo 7.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que permitia que às mais-valias e menos valias obtidas pelas SGPS, mediante a venda ou troca de quotas ou ações de que eram titulares, fosse aplicável o disposto no artigo 44.º, n.º 1 do Código do IRC (na redação em vigor em 2000), sempre que o respetivo valor de realização fosse reinvestido, total ou parcialmente, na aquisição de outras quotas ou ações, no prazo fixado neste normativo.
Por sua vez, o referido artigo 44.º, n.º 1 do Código do IRC dispunha que não concorria para o lucro tributável do exercício a que respeitasse, na parte que tivesse influenciado a base tributável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa de elementos do ativo imobilizado (corpóreo), sempre que o valor de realização correspondente à totalidade dos referidos elementos fosse reinvestido na aquisição de elementos do ativo imobilizado (também corpóreo) até ao fim do terceiro exercício seguinte ao da realização.
Dispunha ainda o artigo 44.º, n.º 6 do Código do IRC que o valor da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias não tributadas, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, seria deduzido ao custo de aquisição dos bens do ativo imobilizado (corpóreo) em que se concretizou o reinvestimento, acrescentando o n.º 6 deste preceito que esta dedução seria feita proporcionalmente à parte que no total a reinvestir representasse o valor de cada bem em que se concretizou o investimento.
A mencionada dedução ao custo de aquisição das participações nas quais tinha sido feito o reinvestimento tinha por efeito que a exclusão de tributação, verificada no ano da realização das mais-valias, acabaria por ser refletida mais tarde, quando da eventual alienação destas participações. Com efeito, nessa ulterior ocasião, o custo de aquisição “para efeitos fiscais” seria menor, pois estava subtraído do valor das mais-valias que tinham sido excluídas de tributação (em virtude do reinvestimento) e, portanto, incrementaria o valor da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição.
Assim, a venda dos bens (participações sociais) objeto do reinvestimento traduzir-se-ia fiscalmente numa mais-valia superior ou numa menos-valia inferior, consoante o caso, razão pela qual alguns autores referem que não se tratava de uma exclusão de tributação das (primeiras) mais-valias, mas de um diferimento dessa tributação, que iria verificar-se num segundo momento, com o aumento da matéria coletável da venda das participações nas quais tinha ocorrido o reinvestimento, derivado da dedução ao custo de aquisição daquelas “mais-valias suspensas”.
O artigo 7.º, n.º 7, alínea a) da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, alterou o artigo 44.º, n.º 1 do Código do IRC, e previu, como medida avulsa e transitória, que o disposto na anterior redação deste artigo continuasse a aplicar-se às mais-valias e menos-valias realizadas antes de 1 de janeiro de 2001 até à realização, inclusive, de mais-valias ou menos-valias relativas a bens em que se tivesse concretizado o reinvestimento dos respetivos valores de realização.
Como o reinvestimento do valor de realização das ações alienadas pela Requerente em 2000 foi efetuado nos anos de 2000 e 2001, ou seja, no prazo de três anos, e as ações adquiridas pertinentes aos presentes autos (as da B...), fruto do reinvestimento, foram alienadas em 2010, a Requerente apurou uma menos-valia fiscal, no montante de € 9.888.785,51, assim calculada: valor de realização € 1,00 – [(custo de aquisição das ações adquiridas para reinvestimento € 12.619.584,79 – mais-valias excluídas/suspensas de tributação € 4.833.138,72) x coeficiente de correção monetária 1,27 do artigo 47.º do Código do IRC], apuramento consonante com a posição da AT veiculada pela Circular n.º 7/2002, da Direção de Serviços de IRC, de 2 de abril de 2002.
Estas menos-valias não foram consideradas pela Requerente, para efeitos de apuramento do seu lucro tributável do exercício de 2010, uma vez que entendeu ser aplicável o artigo 31.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (redação ao tempo) que estipulava que as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que fossem titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, não concorriam para a formação do lucro tributável destas sociedades. Relativamente a esta parte, a AT manifestou a sua concordância.
Porém, a AT entende que a mais-valia “suspensa” de € 4.833.138,72 associada às ações da B... teria que ser dada à tributação, pois, em 2010, data em que as ações foram alienadas, o regime do reinvestimento na forma prevista no artigo 44.º do Código do IRC (na redação em vigor em 2000) já terminara. Conclui que o valor a incluir no lucro tributável deveria ser o da mais-valia suspensa que se encontrava associada ao ativo alienado, no montante de € 4.833.138,72, sem qualquer apuramento adicional (designadamente, sem ter em conta as menos-valias apuradas na operação de venda das ações B...).
Para a AT, as “fórmulas” previstas naquele artigo 44.º do Código do IRC e no artigo 7.º, n.º 7 da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, bem como na Circular n.º 7/2002, da Direção de Serviços de IRC, de 2 de abril de 2002, deixaram de ter sentido e de vigorar em 1 de janeiro de 2003, com a entrada em vigor do então artigo 31.º do EBF, com o qual as mais-valias financeiras geradas pelas SGPS deixaram de estar sujeitas a tributação.
Afigura-se que não assiste razão à AT.
O artigo 7.º, n.º 7, alínea a) da citada Lei n.º 30-G/2000 é claro na salvaguarda da anterior redação do artigo 44.º do Código do IRC para as mais-valias realizadas até 31 de dezembro de 2000, desde que se tenha concretizado o reinvestimento dos respetivos valores de realização nos três exercícios seguintes, como foi o caso, com a consequente dedução do valor da mais-valia (excluída de tributação) ao custo de aquisição dos bens no qual ocorreu o reinvestimento. Tudo isto foi observado pela Requerente.
No que se refere à alínea b) do mesmo n.º 7, a interpretação da AT não se pode acolher, pois a norma refere-se a um pressuposto que não se verificou na situação vertente, o de existir uma diferença positiva na alienação dos bens em que se concretizou o reinvestimento, ou seja, na venda da participação social na B... . De forma bem diversa, esta participação foi adquirida por 12,6 milhões de euros (em 2000 e 2001) e vendida por 1 euro (em 2010), o que, sem mais delongas, afasta qualquer lucubração assente numa mais-valia ou diferença positiva.
Por outro lado, contrariamente ao afirmado pela AT, a entrada em vigor do artigo 31.º do EBF, não revogou, explícita ou implicitamente, o regime transitório em análise, cujo sentido não o prejudica, nem a citada Circular n.º 7/2002, que, desta forma, pretende afastar, em violação do artigo 68.º-A, n.º 1 da LGT.
Saliente-se ainda que relativamente ao regime do artigo 31.º do EBF (à data), que passou a determinar a não sujeição a tributação das mais-valias auferidas por SGPS, a partir de 1 de janeiro de 2003, a Requerente foi consistente, não relevando fiscalmente a menos-valia que apurou com a alienação da B... .
O entendimento preconizado quanto à aplicação do regime previsto no artigo 44.º do Código do IRC (redação em vigor no ano 2000) é o que, de idêntica forma, se extrai da jurisprudência do STA, em concreto, do Acórdão de 16 de janeiro de 2013, no processo n.º 1124/11, de que se transcreve o seguinte excerto:
“Da análise desta norma [refere-se ao artigo 7.º, n.º 7 da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro] decorre, claramente, que apesar da regra contida no citado art.º 21º, o legislador pretendeu que, nalguns casos, continue a aplicar-se a anterior redação do artigo 44º do CIRC, isto é, que ela continue a aplicar-se às mais-valias e menos-valias realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001 até à realização, inclusive, de mais-valias ou menos-valias relativas a bens em que se tenha concretizado o reinvestimento dos respetivos valores de realização.
Ora, nada referindo quanto às situações em que, não obstante ter sido manifestada a intenção de reinvestimento, este não tenha efetivamente ocorrido, parece-nos claro que o que se pretendeu disciplinar, nesta norma de direito transitório, são as situações em que tenha existido esse efetivo reinvestimento dos valores de realização. E, salvo o devido respeito por contrária opinião, não assiste qualquer razão à Recorrente quando defende que determinando esta norma de direito transitório a aplicação da anterior redação do art. 44º do CIRC às situações em que se verificou o reinvestimento, então é porque se pretendeu que a nova redação seja igualmente aplicável às situações em que não existiu esse reinvestimento.
Tal regra de direito transitório constitui, inquestionavelmente, e pela sua própria natureza, uma norma de carácter excecional, que não pode, obviamente, ser alvo de interpretação extensiva; quer dizer, não se podem extrair dela consequências ou previsões que extravasem o seu conteúdo. E, por outro, não sendo uma norma interpretativa, a nova redação dada ao art. 44º, nº 5, do CIRC pela Lei nº30-G/2000, apenas rege para o futuro, como resulta expressamente do disposto no artigo 21º dessa Lei e do corpo do seu art.º 7.º, bem como do disposto no artº 12º da LGT, tendo em conta que o facto tributário, consubstanciado na alienação e obtenção das mais-valias, ocorreu em 1999, ficando, assim, sujeito ao regime de tributação e de reinvestimento vigente nessa data”.
Assim, pelas razões aduzidas, apoiadas na jurisprudência referida, procede o vício material invocado pela Requerente de violação de lei por erro nos pressupostos, relativo à tributação das “mais-valias suspensas”, sendo os atos tributários nessa medida inválidos.
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Sobre a não dedutibilidade fiscal das perdas em créditos
A Requerente não se conforma com a não aceitação, pela AT, da dedução fiscal das perdas que registou nos créditos cedidos que detinha sobre a B..., no montante de € 3.999.869,88, por entender que esta incorreu em erro de direito ao aplicar normas e requisitos que não têm cabimento no caso concreto, designadamente os artigos 35.º, 36.º e 41.º do Código de IRC. Entende que a situação em apreço não é enquadrável como perda por imparidade relativa a um crédito de cobrança duvidosa como tal evidenciado na contabilidade, nem no âmbito de um processo de insolvência e de recuperação de empresas, ou de um processo de execução ou de procedimento extrajudicial de conciliação para viabilização de empresas em situação de insolvência ou em situação económica difícil mediado pelo IAPMEI.
Afigura-se que a Requerente tem razão. Conforme se extrai do quadro factual adquirido nos autos, os créditos sobre a B... foram cedidos pela Requerente no contexto de um negócio global, celebrado com uma entidade terceira independente, através do qual foram também alienadas as partes de capital daquela sociedade, do qual resultou um valor de mercado distinto do registado na contabilidade. Isto não acarreta necessariamente que os créditos fossem incobráveis, no sentido de não reembolsáveis.
Não tendo a AT justificado o enquadramento da situação concreta e sua subsunção aos pressupostos normativos dos artigos 35.º, 36.º e 41.º do Código do IRC, i.e., como imparidade ou incobrabilidade definitiva, não cumpriu o ónus que sobre si impendia (cf. artigo 74.º, n.º 1 da LGT).
A dedutibilidade, para efeitos fiscais, destas perdas tem, assim, de ser julgada à luz do artigo 23.º do Código do IRC, e da necessária conexão para a obtenção de proveitos tributáveis ou para a manutenção da sua fonte produtora, não podendo a AT imiscuir-se na gestão da Requerente, face ao princípio da liberdade de gestão.
Neste âmbito, a Requerente carreou factos que militam no sentido da indispensabilidade das perdas, pois com a alienação da participação da B... conteve a título definitivo a continuada delapidação de património que a situação deficitária desta lhe estava a causar e desonerou-se das responsabilidades do seu passivo bancário e de fornecedores.
2.5. Atos de liquidação de juros compensatórios
Na situação sub iudice, os juros compensatórios incidem sobre a dívida tributária de IRC que é anulada in totum, nos termos e pelas razões expostas. Estes juros integram a relação jurídica tributária e supõem o retardamento de uma prestação tributária devida (cf. artigos 30.º, n.º 1, alínea d) e 35.º, ambos da LGT), sendo a forma processual própria para a sua discussão a impugnação judicial.
Dada a equiparação da ação arbitral ao processo de impugnação judicial, cabe nos poderes de cognição e pronúncia dos Tribunais Arbitrais a apreciação e declaração da (i)legalidade dos juros compensatórios (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e b) do RJAT), pelo que, perante a anulação do ato tributário de liquidação de IRC que constitui seu pressuposto, os atos de liquidação dos juros compensatórios inerentes partilham de idênticos vícios[8] e desvalor invalidante, devendo, por isso, ser igualmente anulados.
2.6. Anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa
A invalidade dos atos tributários em discussão, implica ainda a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que os confirmou.
2.7. Juros indemnizatórios
O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Dispõe esta norma que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Os atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios objeto desta ação enfermam de diversos vícios, de ordem formal e material. Quanto a estes últimos, está em causa a errada interpretação e aplicação de normas de incidência tributária por parte da AT e tem sido pacificamente entendido que os Tribunais Arbitrais tributários têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos no processo de impugnação judicial, incluindo, portanto, as que derivam do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.
Retomando a situação em análise, a Requerente comprovou a ilegalidade substantiva dos atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios e o pagamento do valor resultante dos mesmos, na importância de € 360.203,67. Esta prestação tributária não decorria da lei e é atribuível à errada interpretação do regime transitório previsto no artigo 7.º, n.º 7 da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, e à errada aplicação, atenta a falta de demonstração dos respetivos pressupostos, dos artigos 35.º, 36.º e 41.º do Código do IRC.
Estes erros não podem deixar de ser imputáveis à AT, que emitiu estes atos tributários, cobrando com caráter indevido, por ilegal, a prestação tributária em apreço.
Nestes termos, consideram-se verificados os pressupostos legais do direito a juros indemnizatórios, em conformidade com o artigo 43.º, n.º 1 da LGT.
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Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras (cf. artigo 608.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
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Decisão
Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:
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Anular o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, proferido em 28 de novembro de 2017, pela Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa;
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Anular as liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios supra identificadas, cujo valor total a pagar na demonstração de acerto de contas n.º 2015... se cifrou em € 360.203,67, com as legais consequências, designadamente da sua restituição à Requerente;
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Julgar procedente, o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, calculado sobre a referida quantia de € 360.203,67, desde a data do seu pagamento pela Requerente até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
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Fixa-se ao processo o valor de € 360.203,67 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Custas no montante de € 6.120,00, a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Lisboa, 13 de novembro de 2018
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]
Os Árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Ricardo Marques Candeias
Rui Ferreira Rodrigues
[1] Na redação em vigor à data da realização da mais-valia e do reinvestimento na B..., salvaguardada pela norma transitória constante da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro (artigo 7.º, n.º 7, alínea a)).
[2] Diploma que estabelece o regime jurídico das SGPS.
[3] O referido valor tem incorporado no seu cálculo o montante do ajustamento correlativo favorável em sede de preços de transferência.
[4] Utilização esta que compensara o lucro tributável apurado e declarado relativamente ao exercício de 2011, de € 1.364.021,63.
[5] I.e. com sem liquidação de imposto ou com liquidação de imposto.
[6] Segundo a lei fundamental, “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
[7] O artigo 101.º do Código do IRC opera a remissão expressa para a disciplina constante da LGT: “[a] liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efetuar-se nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária”.
[8] Sem prejuízo dos que lhes sejam próprios.