Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Maria Antónia Torres e Suzana Fernandes da Costa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
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No dia 01-03-2018, A..., NIPC..., com sede na ..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa, na qualidade de única participante do FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B... (LIQUIDADO) (doravante designado, abreviadamente, por “B...” ou “Fundo”), com o número de identificação fiscal..., também com sede na ..., ..., ..., ..., ... -... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2016..., n.º 2016... e n.º 2016... e das respectivas demonstrações de liquidação de juros n.º 2016... e n.º 2016..., relativas aos períodos de tributação de 2012, 2013 e 2014 no valor global de €69.389,29.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese que:
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a matéria colectável, conforme o artigo 22.º do EBF, deverá ter por base os resultados contabilísticos relevantes, pelo que o recurso a fluxos de caixa propostos pela AT, é ilegal;
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o “Fundo” deverá ser tributado de acordo com o rendimento predial obtido pela exploração do ..., sendo a este deduzidos os encargos de conservação e manutenção suportados com o imóvel gerador de rendimentos na sua globalidade, ainda que parte do mesmo não tenha gerado rendimentos.
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o montante registado, durante o mês de Julho de 2014, na conta 878 – Outras Operações Correntes não corresponde a um rendimento, mas antes a um redébito de um gasto;
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o montante registado, em Agosto de 2012, na conta do cliente “4198001003 – C...não representou qualquer proveito para o “Fundo”;
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o montante registado na conta “888- Outros Proveitos Correntes” respeita a acertos de contas.
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No dia 02-03-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 19-04-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 11-05-2018.
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No dia 19-06-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.
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Também notificada para o efeito, pronunciou-se a Requerente, por escrito, sobre a matéria de excepção contida na resposta da Requerida.
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Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi indicado que decisão final seria notificada até ao termo do prazo fixado no art.º 21.º/1 do RJAT.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A Requerente é a única participante do FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B... (LIQUIDADO)
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O FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B... (LIQUIDADO) – doravante, designado por “Fundo” - era um fundo fechado de investimento imobiliário de distribuição integral, constituído por subscrição particular.
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O “Fundo” foi constituído em 22-10-2009, com duração inicial prevista de 7 anos, tendo este iniciado a sua actividade no dia 15-12-2009.
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Incumbiu à “D..., S.A.” a administração, gestão e representação do “Fundo”.
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As funções de depositário do “Fundo” foram assumidas pelo E... S.A. que teve a custódia de todos os activos mobiliários, sendo todas as aplicações do “Fundo” realizadas com este Banco.
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O “Fundo” foi constituído com um capital inicial de €6.650.000,00, representado por 1.330.00 unidades de participação com o valor unitário de €5,00.
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Em 31-12-2014, o “Fundo” apresentava um capital de €134.609,00, representado por 1.645,057 unidades de participação com o valor unitário de €0,0818.
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O objectivo do “Fundo” consistia em alcançar, numa perspectiva de médio e longo prazo, uma valorização crescente de capital através da constituição e gestão de uma carteira de valores predominantemente imobiliários.
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A 16 de Dezembro de 2009, através de escritura de compra e venda e assunção de dívida, o “Fundo” investiu o seu capital na aquisição do ..., sito na freguesia de ..., concelho de Lisboa.
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O “Fundo” nos anos de 2012, 2013 e 2014 não voltou a proceder a qualquer aquisição.
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O “Fundo” afectou a totalidade das fracções autónomas que constituíam o ... à actividade de arrendamento para fins não habitacionais.
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No âmbito dos contractos celebrados com os arrendatários, estes comprometeram-se a pagar uma retribuição mensal pela utilização do imóvel, bem como a suportar as despesas inerentes à manutenção das áreas comuns, rateadas de acordo com a área das várias fracções que compreendem o ... .
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O “Fundo” adoptou como base para o apuramento dos rendimentos prediais sujeitos a imposto a sua contabilidade, partindo dos rendimentos lá registados e acrescendo-lhes o saldo entre reversões e ajustamentos de cobrança duvidosa.
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Àquele montante global de rendimentos, o “Fundo” deduziu encargos contabilizados com o IMI, seguros, reparações e remodelações e outras despesas comuns, obtendo uma matéria colectável à qual aplicou a taxa de IRC referida no artigo 22.º do EBF.
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Nos exercícios de 2012, 2013 e 2014, o “Fundo” apurou os seguintes montantes de IRC:
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O “Fundo” redebitava as despesas comuns do edifício de acordo com as áreas das fracções e nos termos contratualmente estabelecidos, apenas suportando aquelas despesas quando houvesse fracções não arrendadas ou quando tivesse sido estabelecido contratualmente um limite para o redébito de despesas, sendo a diferença por si suportada.
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A D..., enquanto sociedade gestora do “Fundo”, procedeu ao apuramento dos rendimentos daquele tendo por base o rendimento contabilisticamente relevante e não os pagamentos e recebimentos efectivos.
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O “Fundo” registou os seguintes gastos com o IMI das diversas fracções do ...:
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€49.048,83 em 2012, relativamente a 2011;
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€42.041,70 em 2013, relativamente a 2012;
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€22.575,28 em 2014, relativamente a 2013.
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Tais montantes apenas foram pagos em 2014.
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No cálculo dos rendimentos prediais sujeitos a imposto realizado pela AT, apenas foi tido em consideração, a título de IMI, o montante de €42.041,70, ou seja, o IMI respeitante a 2012 e pago em 2014.
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O “Fundo” suportou despesas com fracções que não originaram recebimentos nos exercícios em análise, nos seguintes montantes:
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€2.932, em 2012, relativamente às fracções H, I e J;
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€2.860, em 2013, relativamente às fracções B, C e L;
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€3.624,48, em 2014, relativamente às fracções B, C. L, Q;
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Nos exercícios de 2012, 2013 e 2014, o “Fundo” suportou os encargos com as despesas comuns, correspondentes, designadamente, a gastos com a administração do edifício, limpeza, manutenção geral (eléctrica, elevadores, segurança electrónica, entre outros) e utilities, no montante de €6.341,79, €11.659,68 e €66.750,13, respectivamente, para cada um daqueles anos.
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Durante o mês de Julho de 2014, o “Fundo” registou na contabilidade, na conta “878 – Outras operações correntes” juros debitados ao seu cliente F..., Lda., no montante de €4.503,48.
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Estes juros dizem respeito à alienação do ... em 2014.
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Tendo o “Fundo” e o comprador acordado uma primeira data para a escritura de compra e venda do ..., não foi possível ao comprador cumprir com a mesma, pelo que o “Fundo” redibitou-lhe o montante adicional de juros suportado.
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Em 2012, perante uma situação reiterada de incumprimento pelo arrendatário C..., o “Fundo” executou a garantia que lhe havia sido prestada pelo mesmo, tendo o valor recebido excedido a dívida com o “Fundo” no valor de €33.582,22.
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Aquele valor não excedeu a totalidade das rendas em dívida pela C... relativamente às fracções que ocupou no ..., já que ainda havia dívidas de rendas ao anterior proprietário, a G... .
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Perante a perspectiva de devolução daquele excedente à G... ou à própria C..., o “Fundo” registou em 2012 um passivo na rubrica “Outros acréscimos e diferimentos”.
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O “Fundo” registou em Novembro de 2014, na contabilidade, na conta “888-Outros Proveitos Correntes” o valor de €15.222,15, relativo a um acerto de contas.
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O acerto de contas reporta-se a um desreconhecimento contabilístico de saldos devedores e credores originados em exercícios anteriores e com significativa antiguidade.
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Este desreconhecimento correspondeu a um conjunto de lançamentos contabilísticos, e não teve implícito qualquer perdão por parte de eventuais credores, que mantiveram a possibilidade de cobrar as suas dívidas.
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Associado ao movimento em apreço, não se verificou qualquer cash flow para a Requerente.
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Em 26-03-2015, a assembleia de participantes deliberou no sentido de proceder à liquidação do “Fundo”, a qual teve lugar em 22-12-2016, tendo o produto resultante desta operação sido integralmente entregue à Requerente, na qualidade de única participante do “Fundo” à data da operação.
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O “Fundo” foi objecto de uma acção inspectiva externa através das Ordens de Serviço n.º OI2015..., OI2015... e OI2015..., abrangendo os períodos de tributação de 2012, 2013 e 2014.
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Em 15-11-2016, o “Fundo” foi notificado do Relatório de Inspecção Tributária.
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A AT apurou um montante de imposto em falta de €60.154,59, decorrente de divergências na forma de determinação da matéria colectável do “Fundo” à luz do respectivo regime, em particular no que respeita a rendimentos prediais e outros rendimentos.
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No âmbito da acção inspectiva, foram efectuadas as seguintes correcções:
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O “Fundo” foi notificado das notas de liquidação adicional de IRC n.º 2016..., n.º 2016... e n.º 2016... e da liquidação de juros n.º 2016... e n.º 2016... .
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A Requerente apresentou reclamação graciosa contra os actos de liquidação adicional com referência aos períodos de 2012, 2013 e 2014.
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O “Fundo” foi notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa a 02-01-2018, através do Ofício n.º ... de 29 de Dezembro de 2017.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
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Da matéria de excepção.
Começa a Requerida por arguir, como matéria prévia ao conhecimento do fundo da causa, que “resultando, clara e inequivocamente do douto requerimento inicial, a impugnação directa do acto de liquidação de IRC n.º 2016... e respectivos juros compensatórios, deve o pedido formulado (conducente à declaração de ilegalidade do acto e, consequentemente à sua anulação proporcional) ser declarado improcedente, por intempestivo e, consequentemente, ser a Entidade Demandada absolvida da instância – cf. alínea e), do n.o 1, do artigo 278o do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.”
A posição da Requerida assenta no entendimento de que a Requerente deveria ter identificado como objecto da pronúncia arbitral o acto de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada.
Ressalvado o devido respeito, entende-se não assistir, nesta matéria, razão à Requerida. De facto, e desde logo, necessariamente que o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação, tem subjacente, a declaração de ilegalidade de todos os actos subsequentes[2] e cuja validade seja afectada por aquela declaração, onde se inclui, obviamente, o acto de indeferimento da reclamação graciosa.
Aliás, e de resto, na parte relativa ao indeferimento, e na medida em que não estejam em causa vícios do próprio acto de decisão da reclamação graciosa/recurso hierárquico, ou do respectivo procedimento, aquele acto será meramente confirmativo, e, como tal, irrecorrível em si mesmo.
Por outro lado, e como tem sido reconhecido pela jurisprudência nacional, se, em casos como o dos autos, o objecto imediato do processo é o acto de decisão da reclamação graciosa/recurso hierárquico, o seu objecto mediato será o próprio acto primário de liquidação[3].
Esta situação, de resto, é perfeitamente clara no contencioso administrativo, como resulta do artigo 50.º/1 do CPTA, devidamente conjugado com o artigo 59.º/4 do mesmo Código. Também o regime do contencioso arbitral tributário corrobora este entendimento, já que o artigo 2.º do RJAT, toma como referente da competência dos tribunais arbitrais, os actos primários[4], sendo os actos secundários relevantes como referentes da tempestividade da pretensão impugnatória, como resulta do artigo 10.º/1/a) daquele Regime, onde se impõe que os pedidos de constituição de tribunal arbitral sejam apresentados no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.º 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Ou seja, em suma e em bom rigor, a pretensão da Requerente foi correctamente formulada, já que se reporta à al. a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT (acto de liquidação), e foi apresentada dentro do prazo fixado pela al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do mesmo diploma (90 dias contados a partir da decisão da reclamação graciosa)[5].
Deve, deste modo, improceder a excepção da intempestividade/extemporaneidade do pedido, invocada pela Requerida.
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Do fundo da causa.
Conforme sintetiza a Requerida, “as questões essenciais a dirimir prendem-se:
- por um lado, com as razões da divergência entre a AT e a Requerente à volta do método de apuramento dos rendimentos prediais líquidos sujeitos a tributação em IRC, no tocante a saber se é adoptada uma óptica de caixa ou uma óptica económica, ou seja, se devem ser consideradas as rendas efectivamente recebidas ou as rendas contabilizadas como rendimentos ou proveitos;
- e, por outro lado, com critérios a aplicar na determinação dos encargos dedutíveis, porquanto, no entendimento da AT:
(i) os encargos (de manutenção, conservação e IMI) suportados com as fracções que, nos exercícios em causa, não tenham dado origem ao recebimento de rendas, não deveriam ser aceites como dedutíveis para efeitos do apuramento dos rendimentos prediais líquidos;
(ii) as despesas comuns suportados pelo Requerente não cabem no conceito de despesas de manutenção; e
(iii) as provisões deduzidas também não integram o conceito de ‘despesas de manutenção e conservação’.”
O dissídio em causa na presente acção arbitral radica, consensualmente, na interpretação do artigo 22.º/6 do EBF aplicável (redacção em vigor em 2013, dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro) cujo texto prescreve:
“6 - Os rendimentos dos fundos de investimento imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, têm o seguinte regime fiscal:
a) Tratando-se de rendimentos prediais, que não sejam relativos à habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados, há lugar a tributação, autonomamente, à taxa de 25%, que incide sobre os rendimentos líquidos dos encargos de conservação e manutenção efetivamente suportados, devidamente documentados, bem como do imposto municipal sobre imóveis, sendo a entrega do imposto efetuada pela respetiva entidade gestora até ao fim do mês de abril do ano seguinte àquele a que respeitar, e considerando-se o imposto eventualmente retido como pagamento por conta deste imposto;”
Em execução de tal norma, a Requerente apurou o seu lucro tributável, apresentou a sua declaração de imposto (IRC) e liquidou o mesmo, tendo por base os seus registos contabilísticos, registos, estes que não foram colocados em causa pela AT em sede de inspecção.
A AT, por seu lado, considerou que o procedimento adoptado pela Requerente não era o que legalmente se lhe impunha, entendendo que o lucro tributável sujeito a imposto, no caso, deveria ser computado com base nos rendimentos líquidos dos encargos de conservação e manutenção efectivamente suportados pelo fundo e devidamente documentados, tendo em conta o disposto no artigo 8.º/1 e 2 do CIRS.
Sustenta a Requerida, em abono da sua tese, que “o regime fiscal dos fundos de investimento imobiliário tinha como linha orientadora a tributação dos rendimentos obtidos pelos fundos de forma tão aproximada quanto possível da tributação que ocorreria se os mesmos rendimentos fossem auferidos por pessoas singulares”, por isso, “ao nível dos rendimentos brutos, o paradigma para o disposto na alínea a) do n.º 6 do art. 22.º do EBF são os rendimentos da categoria F e a definição de “rendas”, fornecida pelo n.º 1 do art. 8.º do Código do IRS, o qual refere, expressamente que o imposto incide sobre as rendas pagas ou postas à disposição, deixando claro que não constituem rendimento de determinado ano nem as rendas cobradas antecipadamente nem aquelas rendas que os inquilinos não tenham chegado a pagar nem a colocar à disposição dos senhorio, por não as ter satisfeito”.
Sugere, por fim, a Requerida, que “Sendo verdade o que a Requerente alega (...) que, na alínea a) do n.º 6 do art. 22.º do EBF, não se equipara expressamente a tributação dos rendimentos dos Fundos de Investimento Imobiliário (FII) à tributação das pessoas singulares, tal constitui uma decorrência natural do regime fiscal dos Fundos Mobiliários e Imobiliários”.
Ressalvado o respeito devido, julga-se não ser correcta a interpretação formulada e aplicada pela AT, e que se vem de descrever, como fundamento das correcções sub iudice.
Com efeito, quer o postulado do preenchimento do regime do artigo 22.º/6 do EBF aplicável com recurso ao regime da tributação de rendimentos da categoria F do IRS, quer o postulado da neutralidade fiscal face às pessoas singulares como pedra basilar do regime de tributação dos rendimentos prediais dos FII, carecem de fundamento material e teleológico conforme se passará a explicar.
Assim, e desde logo, o processo hermenêutico seguido pela AT, e ora sustentado pela Requerida, obnubila um dado fundamental, que é a circunstância de, por definição, os Fundos de Investimento Imobiliário (FII), e consequentemente a Requerente, enquanto sociedades e sujeitos passivos de IRC, se dedicarem a actividades empresariais.
Tal circunstância, desde logo, face à predominância do regime da categoria B sobre a categoria F em IRS, consagrada, para além do mais, no artigo 3.º/1 e 2/a) do CIRS, evidencia a desadequação do operado preenchimento do regime do artigo 22.º/6 do EBF aplicável com recurso ao regime da tributação de rendimentos da categoria F do IRS, assim como a falácia do raciocínio da suposta neutralidade fiscal do regime dos FII em relação às pessoas singulares em IRS.
Efectivamente, as pessoas singulares que, como os FII, se dediquem empresarialmente a actividades geradoras de rendimentos prediais, serão tributadas, por força do já referido artigo 3.º/1 e 2/a) CIRS, de acordo com o regime da categoria B, e não com o regime da categoria F, assim se demonstrando que a posição aplicada pela AT e sustentada pela Requerida não realiza, de modo algum, qualquer espécie de neutralidade em relação aos sujeitos passivos de IRS que aufiram rendimentos prediais, nas mesmas circunstâncias dos FII, notando-se que o artigo 41.º/1 do CIRS aplicável, que incorpora o método de tributação aplicado in casu pela AT, se restringe aos “rendimentos brutos referidos no artigo 8.º”, ou seja aos rendimentos prediais sujeitos a tributação na categoria F, e não àquela espécie de rendimentos aos quais seja aplicada a categoria B.
Acresce ainda que a tributação pela categoria F em IRS tem outras características próprias, que não se verificam relativamente aos FII, como é o caso da inexistência de obrigação de contabilidade organizada (que em IRS está restringida a determinados casos sujeitos à categoria B – cfr. artigo 28.º do CIRS aplicável), o que, desde logo, justifica que os rendimentos sujeitos à categoria F do IRS tenham um regime específico (e porventura mais restritivo) no que à consideração de gastos diz respeito, e que, por outro lado, os sujeitos passivos sujeitos ao regime da categoria F do IRS – na medida, pelo menos, de que não disponham nem tenha de dispor contabilidade organizada - não estejam sujeitos às tributações autónomas, previstas no art.º 73.º do CIRS, ao contrário dos FII, que sendo sujeitos passivos de IRC, estão sujeitos às tributações autónomas previstas no art.º 88.º do CIRC.
Nota-se, ainda, que a putativa neutralidade sempre seria, para além de tudo o mais, esvaziada pela circunstância de os rendimentos prediais dos FII serem tributados autonomamente às taxas de 20% (até 2012) e 25% (de 2013 em diante), enquanto que os rendimentos prediais sujeitos à categoria F em IRS são sujeitos às taxas de 15% (até 2011), 16,5% (2102) e 28% (a partir de 2013), o que denota a ausência de propósito do legislador de estabelecer qualquer conjugação entre os dois regimes.
Julga-se, deste modo, não ter fundamento o entendimento da Requerida, segundo o qual “não resultam dos normativos legais aplicáveis, máxime da alínea a) do n.º 6 do art. 22.º do EBF, que todos os encargos suportados sejam deduzidos, em particular quando inexistem rendimentos gerados pelo mesmo prédio ou fracção autónoma de prédio aos quais possam ser imputados”.
Considera-se, antes, que os FII, enquanto sujeitos passivos de IRC, devem ser tributados nos termos das regras do respectivo Código, com as adaptações necessárias à aplicação do artigo 22.º/6 do EBF[6], o que significa, para além do mais, a aplicação do artigo 17.º/1 do CIRC aplicável, ou seja, e no que diz respeito aos rendimentos prediais, a sua determinação com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do CIRC.
Deste modo, dever-se-ão considerar como rendimentos prediais aqueles que nos termos das normas contabilísticas são qualificáveis como tal, deduzidos dos gastos que, nos mesmos termos, se revistam da mesma natureza, acrescidos dos que tenham a natureza de gastos comuns, na proporção em sejam imputáveis àqueles rendimentos.
A tal entendimento não obstará a letra do artigo 22.º/6 do EBF, ao contrário do que parece à Requerida.
Com efeito, e crê-se ser, no que à matéria da literalidade diz respeito, suficientemente esclarecedor, o artigo 3.º/2/a) do CIRS aplicável, referente à tributação de rendimentos prediais no âmbito da categoria B de IRS, utiliza precisamente a mesma expressão do artigo 22.º/6 do EBF – “rendimentos prediais” – sem que se tenha conhecimento de qualquer entendimento que sustente que tais rendimentos deverão ser tributados nos termos ora aplicados pela AT.
Face ao exposto, e encontrando-se provado que a Requerente apurou o seu IRC, de acordo com a sua contabilidade, e que a mesma não foi questionada pela AT, que não lhe detectou incorreções, atento o erro de direito verificado, deverão ser anuladas as liquidações de IRC objecto da presente acção arbitral, bem como as liquidações de juros que naquelas assentam.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
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Anular a liquidação adicional de IRC n.º 2016..., n.º 2016... e n.º 2016... e as demonstrações da liquidação de juros n.º 2016... e n.º 2016...;
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Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 69.389,29, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 06 de Novembro de 2018
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Maria Antónia Torres)
O Árbitro Vogal
(Suzana Fernandes da Costa)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[2] Não obstante terem sido retirados do elenco dos actos nulos, que constava do artigo 133.º/1 e 2/i) do antigo CPA, serão nulos os actos consequentes que forem desconformes com a sentença proferida em processo impugnatório, conforme resulta, para além do mais, do artigo 179.º/2 do CPTA vigente, estando ainda a sua anulação abrangida pela obrigação de reconstituição da legalidade, imposto pelos artigos 100.º da LGT e 24.º/1/b do RJAT.
[3] Neste sentido, cfr., por exemplo, o Ac. do STA de 16-11-2011, proferido no processo 0723/11, e disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler: “A impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objeto imediato a decisão da reclamação e por objeto mediato os vícios imputados ao ato de liquidação.”.
[4] Cfr. artigo 2.º/1/a) do RJAT: “actos de liquidação de tributos, de autoliquidação,...”.
[5] Cfr., neste sentido, Carla Castelo Trindade, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - Anotado”, Almedina, 2016, pp. 69 e ss. e 241 e ss.
[6] O que, de resto, foi reafirmado pela redacção dada pelo DL n.º 7/2015, de 13 de Janeiro ao artigo 22.º do EBF, que no n.º 1 passou a dispor que “São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.” (sublinha nosso).