Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 304/2018-T
Data da decisão: 2018-10-19  Selo  
Valor do pedido: € 30.102,90
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS. Prédios urbanos em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente.
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DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

1. No dia 28 de junho de 2016, a A..., NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º..., Porto (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a anulação das liquidações de Imposto do Selo [verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, TGIS)] respeitantes aos anos de 2013, 2014 e 2015 e referentes às divisões afetas a habitação do prédio urbano, em propriedade vertical com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, inscrito sob o artigo ... na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ..., concelho do Porto, distrito do Porto, de que é titular, enquanto superficiária, no montante total de € 30.102,90.

A Requerente juntou 77 (setenta e sete) documentos e arrolou uma testemunha, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

1.1. No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte:

A Requerente é uma associação, sem fins lucrativos, constituída em 1977 e que tem como um dos objetivos fundamentais “promover, através de construção de casas ou por outros meios, a melhoria de condições de habitação dos seus associados”.

A Requerente é a legítima titular, enquanto superficiária, de um prédio urbano que se encontra no regime de propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sendo 24 delas destinadas a habitação e uma outra a arrecadação e arrumos, implantado sobre parcela de terreno municipal, cedido pela Câmara Municipal do Porto, por escritura de constituição de direito de superfície, sendo as suas unidades habitacionais destinadas exclusivamente aos respetivos associados, pessoas absolutamente carenciadas da cidade do Porto e que a elas são atribuídas de acordo com as necessidades e carências de cada associado e seu agregado familiar.

Em 18 de março de 2018, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação de Imposto do Selo que incidiu sobre as partes economicamente independentes que fazem parte daquele seu prédio urbano em propriedade total, referente aos anos de 2013, 2014 e 2015, no montante anual de € 10.034, 30, com prazo de pagamento abril de 2018.

A Requerente efetuou o pagamento de tais liquidações, as quais ascenderam ao montante global de € 30.102,90, em 02 de maio de 2018.

A norma de incidência (verba 28.1 da TGIS), introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, não abrange os prédios da natureza do que é da titularidade da Requerente, ou seja, prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, construído no âmbito do regime de habitação de custos controlados, financiado pelo antigo Fundo B..., ao abrigo do Decreto-Lei n.º 268/78, de 31 de agosto.

Acresce que o identificado prédio não se encontra submetido ao regime de propriedade horizontal, sendo que cada uma das suas unidades (economicamente independentes) foi avaliada nos termos do CIMI, tendo o respetivo valor patrimonial tributário (VPT) sido determinado separadamente, tendo cada uma das unidades funcionais um valor patrimonial tributário compreendido entre os € 37.510,00 e os € 45.940,00, ascendendo o valor patrimonial tributário do prédio em propriedade vertical, porque correspondente à soma dos valores das suas partes, a € 1.003.430,00.

É manifesto que o critério de incidência do Imposto do Selo in casu (prédio não constituído em regime de propriedade horizontal, integrado por diversos andares e divisões com utilização independente, com afetação habitacional), relevado pela Administração Tributária, foi o valor patrimonial tributário do prédio considerado no seu todo, como resultado da soma dos diferentes VPT´s de cada uma dessas unidades independentes, o que a AT fez em manifesta violação de lei e em violação clara do princípio da legalidade fiscal a que está vinculada.

Considerando o disposto no artigo 67.º, n.º 2, do CIS, é óbvio que, no procedimento de liquidação do Imposto do Selo da Verba 28.1 da TGIS, terá de ser relevado o valor patrimonial tributário de cada uma das partes para se concluir pela sujeição ou não a esta Verba, sendo o próprio CIMI que estatui que o prédio em regime de propriedade horizontal tem o mesmo regime que o prédio em propriedade total ainda que constituído por unidades de utilização independente, e que merecem tratamento igual; daí resulta que no caso do prédio da Requerente, não tendo cada unidade funcional um valor superior a € 1.000.000,00, não está nenhuma delas sujeita ao Imposto do Selo liquidado.

Por outro lado, em sede de interpretação, o elemento histórico é claro em evidenciar que o que está em causa são as casas de luxo, o que assenta nos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.

Ora, in casu, estamos perante habitação social, construída em cima de terreno municipal, com características qualidades construtivas simples (nomeadamente quanto a áreas, métodos e materiais construtivos de reduzido valor), a custos controlados, destinada a pessoas de baixíssimas condições socioeconómicas.

Os atos de liquidação do Imposto do Selo impugnados são ilegais porque praticados com erro de facto e de direito e ofensa das normas e princípios aplicáveis; tal erro não emerge de qualquer conduta da Requerente mas antes da Requerida que não poderia desconhecer entendimento diverso.

Anulados que sejam os atos de liquidação em crise, deve a Requerida ser condenada no reembolso à Requerente das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios, calculados sobre € 30.102,90, desde a data do seu pagamento até à emissão da respetiva nota de crédito.

A Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte:

«Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente pedido de pronúncia apresentado ser considerado inteiramente procedente, por provado, e em consequência, serem os actos tributários de liquidação de Imposto do selo (Verba 28.1 da TGIS), com referência aos anos de 2013, 2014, 2015, que incidiram sobre as partes economicamente independentes que fazem parte do seu prédio urbano inscrito na respectiva matriz no artigo..., da União de Freguesias de ... e ..., no montante anual de € 10.034,30 (dez mil e trinta e quatro euros e trinta cêntimos) e o global de € 30.102,90 (trinta mil cento e dois euros e noventa cêntimos) declarados ilegais, com todas as consequência legais, nomeadamente com a consequente anulação de tais actos e a condenação da Requerida no reembolso à Requerente do valor do imposto de selo pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios, e, bem assim, no pagamento das custas devidas a juízo.»

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 4 de julho de 2016.

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 17 de agosto de 2018, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 6 de setembro de 2018.

6. No dia 4 de outubro de 2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua absolvição do pedido.

A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.

Na mesma ocasião, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).

6.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:

A sujeição ao Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS resulta da conjugação de dois factos: a afetação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00.

O imóvel em apreço encontra-se inscrito na matriz no regime de propriedade total, constituído por divisões ou andares suscetíveis de utilização independente.

Sendo esta a informação matricial, a liquidação do Imposto do Selo em causa foi efetuada tendo em conta a natureza do prédio urbano, nomeadamente as suas divisões afetas à habitação, à data do facto tributário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras do CIMI.

  O referido prédio urbano foi avaliado nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, descrito como “prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente”, com um VPT superior a € 1.000.000,00.

 Em cumprimento e nos termos do disposto na verba 28 da TGIS, norma de incidência que refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI, com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 e, nos termos do seu 28.1, afetação habitacional, a AT procedeu à notificação dos documentos de cobrança para o pagamento das liquidações em causa.

  Assim, o que aqui está em causa são notas de cobrança/liquidações que resultam da aplicação direta da norma legal, que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária.

Quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o VPT que serve de base ao seu cálculo será o VPT que a Requerente define como “valor global do prédio”, uma vez que um prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente é diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, vários prédios (cf. artigo 2.º, n.ºs 1 e 4, do CIMI).

É, pois, consequência de o facto tributário do Imposto do Selo da Verba 28.1 da TGIS consistir na propriedade de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, o VPT relevante para efeitos da incidência do imposto ser o VPT total do prédio urbano e não o VPT de cada uma das partes que o componha, ainda quando suscetíveis de utilização independente. 

Em cumprimento do disposto no artigo 119.º, n.º 1, do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes suscetíveis de utilização independente, respetivo VPT e valor da coleta imputada a cada município da localização dos prédios.

Estando correta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos os juros indemnizatórios, desde logo por não existir qualquer erro imputável aos Serviços, que se limitaram a atuar no estrito cumprimento da norma legal; porquanto, o erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais.

Uma vez que, à data dos factos, a AT fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

A Requerida remata assim o seu articulado:

«Nestes termos, e nos demais que V. Exa. doutamente suprirá,

Deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido.»

7. Em 8 de outubro de 2018, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, a indeferir, por inútil, a requerida produção de prova testemunhal, a dispensar a apresentação de quaisquer alegações e a fixar o dia 9 de novembro de 2018 como data limite para a prolação da decisão arbitral.     

***

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

            Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos de liquidação de Imposto do Selo, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

*

Não há quaisquer exceções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO                      

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente é uma associação, sem fins lucrativos, constituída em 1977 e que tem como um dos objetivos fundamentais “promover, através de construção de casas ou por outros meios, a melhoria de condições de habitação dos seus associados”. [cf. Doc. n.º 73 anexo à P. I.]  

b) Nos anos de 2013, 2014 e 2015, a Requerente era titular, enquanto superficiária, do prédio urbano, em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na Rua ..., n.ºs ..., ..., ... e ..., União das Freguesias de ... e ..., concelho do Porto, distrito do Porto, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... . [cf. Caderneta Predial Urbana a fls. do PA junto ao autos]   

c) O mencionado prédio urbano está implantado sobre uma parcela de terreno municipal, cedida à Requerente, em direito de superfície, pela Câmara Municipal do Porto, tendo ficado convencionado, como uma das condições contratuais, que [o]s blocos habitacionais a construir, destinam-se exclusivamente aos associados [da Requerente] e não podem ser objecto de fraccionamento em unidades autónomas”. [cf. Doc. n.º 74 anexo à P. I.]    

d) O aludido prédio urbano foi construído no âmbito do regime de habitação de custos controlados (anteriormente, designada habitação social) e financiada pelo ex- B..., ao abrigo do Decreto-Lei n.º 268/78, de 31 de agosto. [cf. Doc. n.º 75 anexo à P. I. e Caderneta Predial Urbana a fls. do PA junto aos autos] 

e) Nos sobreditos anos, o referido prédio urbano estava assim descrito na respetiva matriz predial [cf. Caderneta Predial Urbana a fls. do PA junto aos autos]:   

«Tipo de Prédio: Prédio em Prop. Total com Andares ou Div. Susc. de Utiliz. Independente.

Nº de pisos do artigo: 5

Nº de andares ou divisões com utliz. independente: 25

Valor patrimonial total: € 1.026.530,00»

f) Os andares ou divisões suscetíveis de utilização independente integrantes daquele mesmo prédio urbano têm um valor patrimonial tributário próprio, apurado nos termos do Código do IMI, sendo que os andares ou divisões com utilização independente, afetos a habitação, nos anos de 2013, 2014 e 2015, tinham os seguintes valores patrimoniais tributários unitários [cf. Caderneta Predial Urbana a fls. do PA junto ao autos e Docs. n.ºs 1 a 72 anexos à P. I.]:

Andar ou divisão com utilização independente

Valor patrimonial tributário (€)

49-1D

39.530,00

49-1E

45.280,00

49-2D

37.510,00

49-2E

42.970,00

49-3D

37.510,00

49-3E

42.970,00

49-4D

37.510,00

49-4E

42.970.00

55-1D

45.280,00

55-1E

39.530,00

55-2D

42.970,00

55-2E

37.510,00

55-3D

42.970,00

55-3E

37.510,00

55-4D

42.970,00

55-4E

37.510,00

61-1D

45.490,00

61-1E

45.280,00

61-2D

43.600,00

61-2E

42.970,00

61-3D

43.600,00

61-3E

42.970,00

61-4D

43.600,00

61-4E

42.970,00

           

g) Em 30 de dezembro de 2017, a AT liquidou Imposto do Selo, reportado aos anos de 2013, 2014 e 2015 e referente aos andares ou divisões com utilização independente, afetos a habitação, elencados no facto provado anterior, tendo a coleta ascendido ao montante anual de € 10.034,30 e ao montante global de € 30.102,90. [cf. Docs. n.ºs 1 a 72 anexos à P. I.]

h) As liquidações de Imposto do Selo referidas no facto provado anterior resultaram da aplicação da verba 28.1 da TGIS a todos e cada um dos andares ou divisões com utilização independente, afetos a habitação, elencados no facto provado f). [cf. Docs. n.ºs 1 a 72 anexos à P. I.]

i) Na sequência das mencionadas liquidações de Imposto do Selo, foram emitidos e notificados à Requerente os seguintes documentos únicos de cobrança [cf. Docs. n.ºs 1 a 72 anexos à P. I.]:

ANO DE 2013

Andar ou divisão com utilização independente

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Única

429,70

 

j) Em 2 de maio de 2018, a Requerente efetuou o pagamento integral dos valores de Imposto do Selo mencionados no facto provado anterior, no montante global de € 30.102,90. [cf. Docs. n.ºs 1 a 72 anexos à P. I.]

k) Em 28 de junho de 2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]

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§2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos e no processo administrativo juntos aos autos.

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III.2. DE DIREITO

§1. DA INTERPRETAÇÃO E DELIMITAÇÃO DO ÂMBITO DE INCIDÊNCIA OBJETIVA DA VERBA 28.1 DA TGIS

No epicentro do dissenso que opõe as Partes neste processo, está a norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, pelo que se impõe, naturalmente, começar por proceder à interpretação desta norma, tendo em vista aferir o seu escopo e, dessa forma, delimitar aquele que é o seu campo de aplicação.

 A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu diversas alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28 (cf. artigo 4.º), com a seguinte redacção:

“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional— 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”

Posteriormente, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE 2014), alterou a redação da verba 28.1 da TGIS (cf. artigo 194.º), tendo esta passado a ter o seguinte teor: 

 “28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI— 1 %”

A interpretação da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS não poderá deixar de ser efetuada com base nas diretrizes hermenêuticas que dimanam do artigo 11.º da LGT e do artigo 9.º do Código Civil, normas que estatuem o seguinte:

“Artigo 11.º [LGT]

Interpretação

1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender -se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”

“Artigo 9.º [CC]

Interpretação da lei

1. A interpretação não deve cingir -se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de cor respondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

A propósito desta tarefa interpretativa, data venia, apropriamo-nos aqui dos seguintes considerandos vertidos na decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T do CAAD:

«A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.

A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.

Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afectação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos, atinge muito mais alguns do que propriamente todos.

Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»

Dito isto. Analisada a redação – quer a primitiva, quer a resultante da aludida alteração legislativa – da verba 28.1 da TGIS, verificamos que esta norma possui um cariz fulcralmente remissivo, pois o respetivo conteúdo regulativo relevante depende da normatividade ad quam constante do Código do IMI.

Na verdade, seja quanto à incidência objetiva, com a referência a “prédios urbanos” e ao “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, seja quanto à fixação da matéria coletável, com a referência ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, o teor regulativo desta verba 28 da TGIS resulta da devolução – nos termos de uma remissão geral – para o conjunto regulativo que se encontra no Código do IMI.

Aliás, esse aspeto resulta reforçado pelo n.º 2 do artigo 67.º do CIS, que determina que às matérias não reguladas no CIS respeitantes à verba 28 da TGIS aplica-se, subsidiariamente, o disposto no Código do IMI.

Nesta conformidade, cumpre então coligir as normas do Código do IMI que se afiguram pertinentes para a compreensão e, logo, para a aplicação da verba 28.1 da TGIS.

No Código do IMI, o conceito de “prédio” surge assim definido no seu artigo 2.º:

1. Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2. Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3. Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4. Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

Seguidamente, nos artigos 3.º a 5.º do CIMI, são enumeradas as espécies de prédios existentes, a saber:

Prédios rústicos (artigo 3.º):

“São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.

3 – São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.”

Prédios urbanos (artigo 4.º):

“Prédios urbanos são todos aqueles que não devem ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”

Prédios mistos (artigo 5.º):

“1. Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2. Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.”

Seguidamente, no artigo 6.º do CIMI, são indicadas as espécies de prédios urbanos:

1. Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2. Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3. Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4. Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.”

Sobre o valor patrimonial tributário, o artigo 7.º do CIMI estatui o seguinte:

 “1. O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do presente Código.

2. O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior determina-se:

a) Caso uma das partes seja principal e a outra ou outras meramente acessórias, por aplicação das regras de avaliação da parte principal, tendo em atenção a valorização resultante da existência das partes acessórias;

b) Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.

3. O valor patrimonial tributário dos prédios mistos corresponde à soma dos valores das suas partes rústica e urbana determinados por aplicação das correspondentes regras do presente Código.”

Sob a epígrafe “Conceito de matrizes prediais”, o artigo 12.º do CIMI estatui o seguinte:

“1. As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários.

2. Existem duas matrizes, uma para a propriedade rústica e outra para a propriedade urbana.

3. Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

4. As matrizes são actualizadas anualmente com referência a 31 de Dezembro.

4. As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade.”

 Ainda a propósito das matrizes prediais, importa atender ao n.º 1 do artigo 13.º do CIMI, do qual decorre que [a] inscrição de prédios na matriz e a actualização desta são efectuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo”.

No respeitante à determinação do valor patrimonial tributário, importa aqui convocar o artigo 38.º do CIMI, epigrafado “Determinação do valor patrimonial tributário”:

“1. A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = Coeficiente de afectação;

Cl = coeficiente de localização;

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

2. O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.”

Como normas densificadoras dos valores e coeficientes referidos neste preceito legal, temos os artigos 39.º (“Valor base dos prédios edificados”), 40.º (“Tipos de áreas dos prédios edificados”), 40.º-A (“Coeficiente de ajustamento de áreas”), 41.º (“Coeficiente de afectação”), 42.º (“Coeficiente de localização”), 43.º (“Coeficiente de qualidade e conforto”) e 44.º (“Coeficiente de vetustez”) do CIMI. 

À face do teor literal da verba 28.1 da TGIS, estão sujeitos a esta norma de incidência tributária os prédios urbanos habitacionais de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00.

Atentas as normas do CIMI acima citadas, temos que são habitacionais os edifícios ou construções licenciadas pelos municípios para esse fim ou, na falta de licenciamento, que tenham como destino normal essa utilização (artigo 6.º, n.º 2, do CIMI); assim, são prédios habitacionais os referidos edifícios ou construções, sendo, pois, estes que estão sujeitos à verba 28.1 da TGIS.  

A correção desta interpretação, quanto ao âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS é confirmada pela ratio legis percetível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios habitacionais – restrição que se manteve quanto à afetação (habitação) na alteração legislativa que veio alargar o âmbito de incidência aos terrenos para construção –, no contexto das “circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, que o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil também consagra como elementos interpretativos.

Efetivamente, a limitação da aplicação do imposto aos prédios habitacionais e, posteriormente, aos terrenos para construção em que esteja prevista ou autorizada a construção de habitação, revela a intenção de não onerar o setor produtivo e as empresas em geral e, nesse sentido, não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto nem os prédios afetos a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afetos à atividade económica, nem os terrenos para construção relativamente aos quais esteja prevista ou autorizada edificação para esses outros fins. Tal resulta compreensível num contexto em que a economia se encontrava em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis históricos, com avalanche de encerramento de empresas devido a insustentabilidade económica. Sobre a ratio legis da introdução da verba 28 da TGIS, vejam-se, entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 50/2013-T, 132/2013-T 132/2013-T, 181/2013-T, 182/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 100/20114-T, 238/2014-T, 290/2014-T, 428/2014-T, 518/2014-T, 707/2014-T e 756/2014-T do CAAD.    

            Tendo presente essa situação e sendo consabido e público que a reanimação da atividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que, pese embora a necessidade premente de aumentar as receitas fiscais, não se tomassem medidas legislativas que dificultassem a atividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afeta a competitividade em termos internacionais.

            Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as “circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS os prédios não habitacionais e, posteriormente, também os terrenos para construção relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista a edificação para fins diferentes da habitação. 

A encerrar esta exegese da verba 28.1 da TGIS, importa, ainda, salientar que os citados artigos 38.º a 46.º do CIMI não têm qualquer relação com a classificação dos prédios urbanos, pois naquelas normas apenas são indicados os fatores a ponderar na respetiva avaliação (neste sentido, ver a decisão proferida no processo n.º 53/2013-T do CAAD). 

Posto isto. Resulta da análise conjugada dos citados preceitos do CIMI que neste compêndio legal não é feita qualquer distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou total. Com efeito, pese embora o n.º 4 do artigo 2.º refira expressamente que as frações autónomas dos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal constituem, cada uma delas, um prédio, a verdade é que não exclui de tal classificação as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total ou vertical.

E, onde a lei não distinguiu, não pode o intérprete fazê-lo.

 Analisada, pois, a definição de prédio ínsita no n.º 1 do artigo 2.º do CIMI, não vislumbramos qualquer razão para aqui não incluir as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total, pois que estas constituem uma fração de território que faz parte integrante do património de uma pessoa singular ou coletiva e que tem valor económico.

Assinale-se que a cada uma dessas divisões ou frações é atribuído um valor patrimonial tributário.

Assente que está a classificação das divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total como “prédios”, nos termos e para os efeitos do CIMI, parece-nos evidente constituírem cada uma destas divisões, quando esse seja o fim a que se destinam, prédios habitacionais.

No caso concreto, as divisões ou andares do prédio urbano aqui em causa são suscetíveis de utilização independente e estão afetas a habitação. 

Aliás, não fossem as divisões ou andares em causa nos presentes autos individualmente classificadas como “prédios” e não teria qualquer sentido ou lógica a elaboração, no caso, de uma liquidação do Imposto do Selo por cada uma dessas unidades.

É certo que a aplicação subsidiária do CIMI poderia inculcar a ideia de que só as frações autónomas, no regime de propriedade horizontal, é que são havidas como prédios à luz do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do CIMI.

Todavia, se se atentar na redação dessa norma legal, logo se verificará que o pressuposto da constituição do regime de propriedade horizontal apenas é necessário para efeitos de tributação em IMI.

  Assinale-se, por outro lado, que, à luz do disposto no artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, “cada andar ou parte do prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”.

Acresce ainda que, como acima já se disse, a introdução da verba 28 na TGIS teve como objetivo a tributação dos prédios urbanos de elevado valor com afetação habitacional, tributando a riqueza, exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície, de prédios urbanos de luxo, ou suas frações ou divisões autónomas, com afetação habitacional.

Ora, se o objetivo da lei foi adequar a tributação em sede de Imposto do Selo à capacidade contributiva dos contribuintes, parece não revestir qualquer relevância a distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou vertical.

Manifestamente, não é por aí que se revela a maior ou menor capacidade contributiva, tanto mais que, como é sabido, a propriedade horizontal é um instituto jurídico relativamente recente, sendo certo que uma grande parte dos prédios antigos não se encontram sequer constituídos neste regime, apesar de, na prática, funcionarem como tal.

Ora, o princípio da prevalência da substância sobre a forma impõe que a AT deva valorizar a verdade material. E, no caso dos autos, a verdade material consiste na inexistência de qualquer diferença substantiva entre as divisões ou andares suscetíveis de utilização independente do prédio urbano em apreço e as frações de um prédio constituído em propriedade horizontal.

Ademais, sendo a constituição da propriedade horizontal operação meramente jurídica e não factual, não se descortinam razões para diferenças de tributação nesta sede, porquanto o que relevará é sempre o valor individual de cada uma das frações, esteja ou não o prédio constituído no regime de propriedade horizontal.

Em face de tudo quanto ficou exposto, dúvidas não restam de que o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo nos casos de prédios constituídos em regime de propriedade total, compostos por várias divisões com utilização independente, das quais algumas com afetação habitacional, é o valor patrimonial tributário de cada uma das divisões do prédio e não o valor patrimonial tributário global do prédio, correspondente à soma de todos os valores patrimoniais tributários das divisões que o compõem.

Assim, em conclusão, relativamente aos prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, deve atender-se exclusivamente ao valor patrimonial tributário próprio de cada andar ou divisão com afetação habitacional, constante da matriz, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS.

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§2. DO CASO SUB JUDICE

Como resultou provado, nenhum dos andares ou divisões com utilização independente, afetos a habitação, do prédio urbano em apreço, possui um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 (cf. facto provado f)).

Acresce que, como também resultou provado, as divisões ou andares suscetíveis de utilização independente, afetas a habitação, integradas no dito prédio urbano, são destinadas a habitação social sujeita a custos controlados, nelas residindo associados da Requerente que são pessoas economicamente carenciadas (cf. factos provados c) e d)).

Nesta conformidade, uma vez que o valor patrimonial tributário de cada um dos referidos andares ou divisões com utilização independente, afetos a habitação, é inferior ao valor a que se reporta a verba 28.1 da TGIS, segue-se que tais andares ou divisões não se subsumem na norma de incidência tributária constante dessa verba 28.1, pelo que as liquidações de Imposto do Selo controvertidas padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e sequente anulação, com todas as inerentes consequências legais.

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§3. DO REEMBOLSO DA QUANTIA PAGA E DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

            A Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT ao reembolso do Imposto do Selo pago indevidamente, no montante total de € 30.102,90, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios; sendo que resultou comprovado que a Requerente procedeu ao pagamento integral dos valores resultantes dos atos tributários controvertidos (cf. facto provado j)).

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

Isto posto. Cumpre, então, apreciar os pedidos de reembolso dos montantes de imposto indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

§3.1. DO DIREITO AO REEMBOLSO DA QUANTIA PAGA

Na sequência da ilegalidade e anulação dos atos de liquidação controvertidos, há lugar a reembolso do imposto pago indevidamente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se os mencionados atos tributários não tivessem sido praticados.

Destarte, procede o pedido de reembolso da quantia de € 30.102,90.

 

§3.2. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.

            No caso concreto, a Requerente pagou os montantes de Imposto do Selo liquidados e, por os mesmos serem indevidos, tem direito ao reembolso do montante total de € 30.102,90.

Ademais, verifica-se que a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo controvertidas é imputável à AT por, naquelas liquidações, ter incorrido em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na incorreta interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar, calculados desde a data em que efetuou o pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos estatuídos nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.      

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

  1. As liquidações de Imposto do Selo impugnadas nos presentes autos, respeitantes aos anos de 2013, 2014 e 2015 e referentes ao prédio urbano inscrito sob o artigo ... na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ..., concelho do Porto, distrito do Porto, são declaradas ilegais e anuladas;
  2. A Autoridade Tributária e Aduaneira é condenada:
  1. a reembolsar à Requerente os valores de Imposto do Selo indevidamente pagos, no montante total de € 30.102,90 (trinta mil cento e dois euros e noventa cêntimos);
  2. a pagar juros indemnizatórios à Requerente, calculados sobre o montante de € 30.102,90 (trinta mil cento e dois euros e noventa cêntimos), desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos;
  3. a pagar as custas do presente processo.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de 30.102,90 (trinta mil cento e dois euros e noventa cêntimos).

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CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Lisboa, 19 de outubro de 2018.

 

O Árbitro,

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)