Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Maria do Rosário Anjos e Paulo Ferreira Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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No dia 12 de Abril de 2018, A...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, NIPC..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, representado por B...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, S.A., com NIPC..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis n.º..., no valor de €437.125,00.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, a ocorrência de vício de violação de lei que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
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No dia 13-04-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 05-06-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 25-06-2018.
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No dia 07-09-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações pelas partes.
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Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo a que alude o art.º 21.º/1 do RJAT.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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O Requerente é, e era à data dos factos, um fundo de investimento imobiliário fechado, constituído nos termos previstos no Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário.
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O Requerente é administrado, gerido e representado pela sociedade B...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, S.A..
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Em 22-02-2016, o Requerente celebrou um contrato de compra e venda com a C..., S.A., através do qual adquiriu o prédio urbano, composto de rés do chão e seis andares, sito na Rua ..., n.º ... a ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º... e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ..., pelo valor de €6.725.000,00.
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O prédio foi adquirido pelo Requerente, representado no acto pela B...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, S.A, para integrar o património daquele.
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No dia 19-02-2016, a pedido do Requerente, foi efectuada a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis n.º..., no valor de €437.125,00, que resultou da aplicação da taxa de 6,50% ao preço de compra e venda.
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O Requerente efectuou o pagamento da referida liquidação.
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A liquidação de IMT paga pelo Requerente instruiu o contrato de compra e venda.
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Em 13-11-2017, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa tendo por objecto o referido acto de liquidação de IMT.
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Até à data da apresentação do pedido arbitral, o Requerente não havia sido notificado de qualquer decisão proferida nesse procedimento.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Conforme a própria Requerida aponta, a questão essencial suscitada nos presentes autos é a de apurar “se o art. 1.º do DL n.º 1/97, de 3 de Janeiro, se encontra em vigor ou não, o que determinará se os Fundos de Investimento Imobiliário, independentemente da sua tipologia, estarão ou não isentos de IMT na aquisição de imóveis”.
Por outro lado, importa decidir se a isenção de IMT introduzida no artigo 46.º do EBF pela Lei do Orçamento de Estado para 2007 veio ou não revogar – e, se sim, expressa ou tacitamente – a isenção de sisa (IMT) constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.
Sobre esta questão já se pronunciaram as decisões do CAAD proferidas nos processos n.º 544/2016-T, n.º 677/2016-T e n.º 440/2017-T[2].
Importa desde logo elencar as normas jurídicas relevantes à data de ocorrência dos factos.
De acordo com o artigo 5.º, n.º 1 do Código do IMT, a incidência do IMT é regulada pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária, estabelecendo o n.º 2 que esta se constitui no momento em que ocorrer a transmissão.
Ora, conforme consta da factualidade assente, o Requerente é um fundo de investimento imobiliário aberto, constituído e a operar nos termos previstos no Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20 de Março.
O Requerente adquiriu, por escritura pública, em 22-02-2016, um imóvel, sito na Rua ..., n.º ... a ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa.
Por relevante, começar-se-á por fazer um enquadramento do regime jurídico aplicável aos fundos de investimento, criado pelo Decreto-Lei n.º 246/85, de 12-07.
Subsequentemente, o Decreto-Lei n.º 1/87 de 03-01 procedeu à criação de incentivos fiscais à constituição de fundos de investimento imobiliário.
E no preâmbulo deste Decreto-Lei n.º 1/87 é expressamente reconhecido o importante contributo que este novo tipo de instituições financeiras poderá trazer à formação das poupanças e à sua mobilização para investimentos no sector imobiliário, além dos efeitos positivos que por essa via se induzirão nas indústrias da construção e no mercado de arrendamento de imóveis para habitação e para escritórios.
O artigo 1.º do referido Decreto-Lei n.º 1/87de 03-01 determinou que “são isentas de Sisa as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora”.
Assim, de acordo com esta norma legal, as aquisições de bens imóveis efectuadas com o objectivo de integrarem um fundo de investimento imobiliário estariam isentas de Sisa.
Mais tarde, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, procedeu à reforma da tributação do património, aprovando o CIMI, e o CIMT, publicados, respetivamente, nos seus anexos I e II.
Relativamente às remissões, determinou o artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12-11, que:
“1 - Todos os textos legais que mencionam Código da Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI).
2 - Todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto do Selo, ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respectivamente.”
O referido Decreto-Lei n.º 287/2003, incluiu ainda uma norma de revogação, no seu artigo 31.º, cujo n.º 6 dispunha:
“Mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de Novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT.”
Com efeito, de acordo com os artigos 28.º e 31.º n.º 6 do Decreto-Lei n.º 287/2003, e conforme refere a decisão do CAAD do processo n.º 544/2016-T, “as isenções de imposto de sisa deveriam considerar-se reportadas ao IMT, pelo que as aquisições de bens imóveis levadas a cabo por uma sociedade gestora de um fundo de investimento imobiliário com o intuito de os mesmos passarem a integrar esse fundo continuariam isentas de IMT (aquela isenção de sisa prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro). A isenção existiria sempre que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel.”
Refira-se, tal como se escreveu na decisão do CAAD do processo n.º 544/2016-T, “que esta isenção tinha uma finalidade clara e inteiramente assumida pelo legislador tributário. Em causa estava o objectivo, de natureza social e económica, de definição de um quadro fiscal susceptível de incentivar a criação de fundos de investimento com capacidade para mobilizar as poupanças para a realização de investimentos no sector imobiliário, estimulando, desse modo, as indústrias da construção e o mercado de arrendamento de imóveis para habitação e para escritórios.”
A Lei do Orçamento de Estado para 2007, no seu artigo 82.º, alterou a redação do artigo 46.º do EBF, que passou a prever, além da isenção da Contribuição Autárquica (IMI) para os prédios integrados em fundos imobiliários abertos, uma isenção de IMT para os referidos prédios. Assim, os prédios integrados nos fundos mistos ou fechados, verificadas certas condições, teriam direito à redução de 50% na taxa de IMT.
Este artigo 82.º não fez qualquer referência à isenção de sisa (IMT) que se encontrava consagrada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 de 03-01.
Tal como alude a decisão do CAAD do processo n.º 544/2016-T, a questão que se coloca prende-se com a problemática de saber se a isenção de IMT introduzida no artigo 46.º do EBF pela LOE de 2007 veio ou não revogar – e, se sim, expressa ou tacitamente – a isenção de Sisa (IMT) constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 de 03-01 – que, até então, ninguém duvidou manter-se. Esta questão é pertinente na medida em que, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do Código Civil, a regra geral em matéria de cessação da vigência da lei é que “quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.”
O Decreto-Lei n.º 1/87 não contém qualquer indicação de que o artigo 1.º teria uma vigência temporária, pelo que, admitindo-se a sua não revogação por outra lei, a isenção dali constante, permanecerá – ainda hoje – em vigor, tal como concluiu a decisão do CAAD do processo n.º 544/2016-T.
Deste modo, a resposta a esta questão responderá à questão de saber se os actos de liquidação de IMT em causa nestes autos, são ou não ilegais.
O artigo 7º n.º 2 do Código Civil dispõe que “a revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.”
Como se explicou na decisão do CAAD do processo n.º 544/2016-T, “a existência de regras de reconhecimento, orientadas para a identificação clara e precisa das normas que se encontram em vigor no ordenamento jurídico e das que já foram expressa ou tacitamente revogadas, reveste-se do maior significado, desde logo do ponto de vista do princípio da legalidade, designadamente na sua dimensão de legalidade tributária, afirmando a exigência de segurança jurídica e protecção da confiança ínsita no princípio constitucionalmente estruturante do Estado de direito. Os cidadãos, os agentes económicos e os operadores jurídicos devem poder saber com certeza quais as normas que estão e quais as que não estão em vigor no ordenamento jurídico. O artigo 7.º do Código Civil estabelece então três critérios alternativos de revogação, cujo preenchimento ou não tem relevantes implicações no caso concreto.”
Vejamos se ocorreu alguma das três alternativas que, segundo o artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil, conduziriam à revogação do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 1/87 de 03-01.
As três alternativas do artigo 7º n.º 2 do Código Civil são:
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a declaração expressa de revogação;
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a incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes; ou
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a circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.
Quanto à primeira delas, não existe no artigo 46.º do EBF, na redação que lhe foi dada pelo artigo 82.º da Lei do Orçamento de Estado para 2007, qualquer norma de revogação expressa do referido artigo 1.º do Decreto-Lei nº 1/87.
Quanto à segunda das alternativas, a isenção de IMT constante da nova redação do artigo 46.º aplicar-se-ia sempre que o fundo fosse o adquirente do imóvel, enquanto que a isenção de IMT constante do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 1/87 aplicar-se-ia quando o fundo se encontrasse na posição de alienante do imóvel. Com efeito, não se verifica qualquer incompatibilidade entre as novas disposições (novo artigo 46º do EBF) e as regras precedentes (artigo 1º do Decreto-Lei n.º 1/87). Nota-se que as novas disposições e as regras precedentes não só são compatíveis como criam um regime fiscal especialmente apetecível para as sociedades gestoras de fundos imobiliários.
Note-se também que a redução para metade das taxas de IMT, constante do atual artigo 49.º do EBF, constitui um suplemento não despiciendo e não redundante relativamente à isenção estabelecida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87. Trata-se de uma isenção estrutural e teleologicamente distinta desta última, cuja introdução e manutenção na ordem jurídica assenta numa distinta valoração de política fiscal.
Tal como se refere na decisão do CAAD do processo n.º 544/2016-T, “a possibilidade de coexistência jurídico-normativa de isenções de IMT nos momentos da aquisição e de alienação de um imóvel está longe de constituir uma solução anómala ou sistemicamente disfuncional. Tal coexistência pode ser encontrada hoje no próprio EBF, em matéria de prédios urbanos destinados a reabilitação, verificados determinados pressupostos. Com efeito, o artigo 45.º, n.º 2 determina que “Ficam isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as aquisições de prédios urbanos destinados a reabilitação urbanística, desde que, no prazo de três anos a contar da data de aquisição, o adquirente inicie as respectivas obras.” Paralelamente, o artigo 71. º, n.º 8 do EBF dispõe que “São isentas do IMT as aquisições de prédio urbano ou de fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, na primeira transmissão onerosa do prédio reabilitado, quando localizado na 'área de reabilitação urbana”. Também aqui uma isenção ao IMT no momento da aquisição do imóvel a reabilitar coexiste com a isenção no momento da alienação do imóvel reabilitado, num quadro de complementaridade jurídica coerente com a racionalidade económica e social dos regimes instituídos.
Solução estruturalmente idêntica pode encontrar-se também no artigo 8. º, n.º 7 do Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro - Capítulo X, onde se dispõe que ficam isentos do IMT “a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1; b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.”
Em relação à terceira alternativa do artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil, a introdução da isenção do artigo 46.º do EBF não pode ser interpretada como uma revogação e substituição da isenção constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, desde logo, porquanto os benefícios fiscais não se encontram só previstos no EBF, podendo constar de legislação avulsa.
Assim, temos que concluir que as duas isenções são diferentes, compatíveis e complementam-se uma à outra.
Posto isto, vejam-se agora as várias alterações que foram efectuadas, ao longo do tempo, ao referido artigo 46.º do EBF:
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a previsão, no artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 31 de Dezembro (LOE de 2007), de um regime transitório para fundos mistos ou fechados em determinadas circunstâncias;
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a renumeração do artigo 46.º do EBF, que passou a 49.º, efectuada pelo artigo 109.º da Lei n.º 2-B/2010, de 28 de Abril (LOE de 2010), que reserva a isenção do IMT a fundos de investimento imobiliário abertos;
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a extensão da isenção do IMT a fundos fechados de subscrição pública efetuada pelo artigo 119.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (LOE de 2011);
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a substituição da isenção de IMT dos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública por uma redução para metade das taxas de IMT, operada pelo artigo 206.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (LOE de 2014), acompanhada por um regime transitório no artigo 209.º.
As referidas alterações tiveram como objecto a isenção de IMT respeitante a imóveis integrados em fundos imobiliários. Nada decorre das mesmas que possa fazer concluir que as mesmas se reportavam à isenção constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.
Neste contexto, forçosamente se há-de concluir como se concluiu na decisão do CAAD do processo n.º 544/2016-T, ou seja que a isenção de Sisa prevista o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, e que passou a reportar-se ao IMT, nos termos dos artigos 28.º e 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12-11, se mantém, em vigor. Pelo que, estão isentas de IMT as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela sua respetiva sociedade gestora.
Ora, o Requerente adquiriu um imóvel que afectou ao próprio fundo. Deste modo, a isenção de IMT prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 de 03-01, é aplicável à aquisição em causa, não devendo haver lugar ao pagamento de IMT por força da referida aquisição.
Assim, e em conclusão, assiste razão ao Requerente determinando-se a declaração de ilegalidade das liquidações impugnadas, pelo que procede o pedido arbitral com a consequente anulação das referidas liquidações de IMT, e demais consequências.
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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
O Requerente tem, pois, direito a ser reembolsado da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizado pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT, desde a formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Com efeito, dispõe o artigo 43.º/1 da LGT que:
“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
No caso, encontra-se provado que a liquidação foi emitida a pedido do Requerente, pelo que, apenas após o decurso do prazo que a Requerida dispunha para se pronunciar sobre a matéria, não o tendo feito, é que se poderá considerar imputável àquela o erro de que enferma a sobredita liquidação.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,
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Anular o acto de liquidação de IMT n.º..., de 19-02-2016, no valor de €437.125,00;
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Condenar a AT na devolução do montante de imposto indevidamente pagos, e no pagamento de juros indemnizatórios nos termos acima indicados;
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Condenar a Requerida nas custas do processo, nos termos abaixo fixados.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 437.125,00, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 7.038,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 31 de Outubro de 2018
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Maria do Rosário Anjos)
O Árbitro Vogal
(Paulo Ferreira Alves)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.