DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
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A... S.A., contribuinte n.º..., com sede no ..., ..., ...-... ... (Requerente), apresentou em 06/04/2018, pedido de pronúncia arbitral no qual peticiona a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente ao período de tributação de 2014 e, bem assim, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no reembolso do montante de € 19.712,58 pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios e de juros de mora.
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O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 27/04/2018, como árbitro singular o signatário desta decisão.
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No dia 21/06/2018 ficou constituído o tribunal arbitral.
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Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a AT notificada, em 22/06/2018, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
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Em 10/09/2018 a AT apresentou a resposta, acompanhada do respectivo processo administrativo.
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O tribunal arbitral em 12/09/2018 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.
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A Requerente e a AT não apresentaram alegações escritas facultativas.
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SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.
Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
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POSIÇÕES DAS PARTES
São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da AT na sua resposta.
Em síntese, a Requerente alega que, estando sujeita a um período de tributação com início em 01/07 e término a 30/06 do ano seguinte, e tendo ocorrido a alteração da taxa de IRC para o período de 2015, introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, com entrada em vigor em 01/01/2015, deverá ser essa a taxa (21%) a aplicar ao ano de 2014, por nada constar naquela lei que o excepcione.
Doutro modo, sustenta a AT, em síntese, que não é pelo facto de a Requerente ter um período de tributação diferente do ano civil, deva aplicar as regras de um ano para a parte do período de tributação que decorre em determinado ano e as regras de outro para o período do ano seguinte.
A AT alega, ainda, que a taxa de IRC para o período de 2014 é de 23%, nos termos da redacção em vigor para os períodos de tributação que se iniciassem em ou após 01/01/2014, dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro (Reforma do IRC).
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MATÉRIA DE FACTO
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FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS
Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:
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A Requerente é uma sociedade comercial cujo objecto social consiste, inter alia, na comercialização, distribuição, manutenção e montagem de mobiliário, aparelhos electrodomésticos, aparelhos de televisão, rádio e música, estofos e artigos diversos de decoração que se destinam ao equipamento do lar, que se integra no Grupo B....
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O Grupo B... foi adquirido, em 2011, pelo Grupo C..., operador económico dedicado, entre outras atividades, ao fabrico, distribuição e retalho de móveis e outros artigos destinados ao equipamento para o lar na Europa, África e Australásia.
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Aquando da aquisição do Grupo B... a, o período económico (e fiscal) do Grupo C..., liderado pela sociedade D..., era diferente do ano civil, tendo início no dia 01/07 de cada ano e fim no dia 30/06 do ano seguinte.
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A Requerente alterou o seu período de tributação em 2011, por forma a que o mesmo passasse a coincidir com o período de tributação das outras entidades do Grupo C... .
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Em 30/11/2015, a Requerente apresentou a sua declaração Modelo 22 do IRC com referência ao período de tributação de 2014, terminado em 30/06/2015, tendo apurado um resultado líquido positivo de € 2.942.029,30.
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Após o resultado líquido do período ter sido corrigido em conformidade com os ajustamentos previstos no Código do IRC, a Requerente obteve um lucro tributável de € 3.285.430,17 e, após as deduções permitidas pelo referido diploma, uma matéria colectável de € 985.629,05.
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À matéria colectável foi então aplicada, por definição do sistema informático da AT, a taxa de IRC de 23% em vigor durante o período de tributação de 2014.
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A Requerente tentou, sem sucesso, alterar de 23% para 21% a taxa de IRC indicada na respectiva declaração Modelo 22 do IRC, mas o sistema informático da AT não permitiu tal alteração.
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Da aplicação da referida taxa de 23% resultou uma colecta total, incluindo derrama estadual, de € 280.257,59.
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Após a dedução dos pagamentos especiais por conta e dos pagamentos por conta e o acréscimo da derrama municipal e das tributações autónomas, foi apurado um montante a pagar de € 131.658,54, o qual foi liquidado pela Requerente em 30/11/2015.
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Tendo verificado que na autoliquidação de IRC não foram deduzidos à colecta todos os pagamentos especiais por conta anteriormente efectuados e passíveis de dedução, em 04/12/2015 a Requerente submeteu uma declaração Modelo 22 do IRC de substituição, da qual resultou um montante de IRC a pagar de € 118.013,49.
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Considerando que já havia sido pago o montante de € 131.658,54, após a submissão declaração Modelo 22 de substituição, a Requerente ficou com um crédito sobre a AT no montante de € 13.645,05 (€ 131.658,54 - € 118.013,49).
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A AT reconheceu tal crédito e efectuou o reembolso do montante de € 13.645,05 em 29/12/2015.
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Não obstante, não concordando com a aplicação da taxa de IRC de 23% à sua matéria colectável, a Requerente apresentou, em 03/03/2016, reclamação graciosa, tendo sido notificada, em 20/10/2017, do projecto de indeferimento.
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A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, tendo sido notificada, em 05/01/2018, da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
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A Requerente apresentou em 06/04/2018, pedido de pronúncia arbitral solicitando a apreciação da liquidação contestada.
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FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS
Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.
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O DIREITO
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DA INCIDÊNCIA SUBJECTIVA DO IUC
De acordo com o entendimento da DSIRC constante da Informação n.º 1725/2016, sancionada por despacho da Subdirectora Geral de 04/05/2017 e que fundamentou a aplicação da taxa de 23% ao caso em apreço:
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O IRC é um imposto anual (cfr. parágrafo 5 da Informação);
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O período de tributação de 2014 da Requerente iniciou a 01/07/2014 e terminou a 30/06/2015 (cfr. parágrafo 6 da Informação); e
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A lei nova aplica-se aos factos ocorridos no período que entra em vigor, ou seja, 2015 (cfr. parágrafo 7 da Informação).
Ou seja, a DSIRC conclui, com base nas seguintes premissas: (i) o IRC é um imposto com base anual, e (ii) a taxa de IRC foi alterada no ano civil de 2015 (que, regra geral, corresponde ao período de tributação), que a nova taxa de IRC deve ser aplicada apenas a “períodos de tributação de 2015”, também no caso de entidades cujos períodos de tributação não coincidam com o ano civil (como o caso da Requerente).
Vejamos,
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC, com a redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, diploma que procedeu à reforma do IRC, a taxa de IRC em vigor no ano de 2014 era 23%.
Por força do artigo 14.º da referida Lei n.º 2/2014, as alterações introduzidas ao Código do IRC aplicavam-se aos períodos de tributação que se iniciassem, ou aos factos tributários que ocorressem, em ou após 01/01/2014.
Assim, em 01/07/2014, data em que se iniciou o período de tributação de 2014 da Requerente, a taxa de IRC em vigor era de 23%.
Contudo, no final do mesmo ano, o artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (“Lei do Orçamento de Estado para 2015”) veio alterar a taxa de IRC para 21%.
Nos termos do n.º 1 do seu artigo 261.º, a Lei do Orçamento de Estado para 2015 entrou em vigor no dia 01/01/2015 e, portanto, a taxa geral de IRC em vigor desde essa data é de 21%.
Ora, ao contrário do que fez nos anteriores diplomas legais que alteraram a taxa de IRC, o legislador não estabeleceu na Lei do Orçamento de Estado para 2015 qualquer disposição transitória relativa à alteração da taxa de IRC e à sua aplicação temporal.
Não existindo norma transitória, importa atender às regras gerais sobre a aplicação no tempo da lei fiscal.
Ao abrigo do n.º 1 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária, “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos” (sublinhado nosso).
Assim, tendo em consideração que a Lei do Orçamento de Estado para 2015 entrou em vigor no dia 01/01/2015, é necessário determinar quando é que o facto gerador do IRC, relativo ao seu período de tributação de 2014, foi verificado na esfera da Requerente.
Sobre esta questão, entende a DSIRC, com base na sua interpretação da sucessão das leis no tempo, que:
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Ao período de tributação de 2014 (iniciado em 01/07/2014 e findo em 30/06/2015) aplicam-se as regras do Código do IRC em vigor para o período de tributação de 2014 (por outras palavras, a taxa de IRC em vigor durante ano civil de 2014, que, regra geral, corresponde ao período de tributação da maioria dos sujeitos passivos);
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Ao período de tributação de 2015 (iniciado em 01/07/2015 e findo em 30/06/2016) aplicam-se as regras do Código do IRC em vigor para o período de tributação de 2015 (por outras palavras, a taxa de IRC em vigor durante o ano civil de 2015); e
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A obrigação tributária nasce depois da alteração da taxa de IRC, que apenas se aplica aos períodos de tributação com início em ou após 1 de janeiro de 2015.
Ou seja, para a DSIRC, a obrigação tributária (leia-se, o facto gerador em sede de IRC, que determinará a taxa aplicável), nasce com o início do período de tributação.
Assim, ao período de tributação iniciado durante o ano civil de 2014, aplica-se a taxa de IRC em vigor para 2014, de 23%, enquanto ao período de tributação iniciado durante o ano civil de 2015, aplica-se a taxa de 21%.
Ora, esta posição está em total desacordo com as normas aplicáveis.
Com efeito, dispõe o n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC que o “facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação”.
Mas se dúvidas existissem, para as esclarecer bastaria atender à decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 382/2012 de 12 de Julho de 2012, ao analisar a retroatividade da lei fiscal que alterou as taxas de tributação autónoma no ano de 2008, “na tributação dos rendimentos em sede de IRS ou IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere) (...) no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC)” (sublinhado nosso).
Aliás, a própria AT refere na decisão de indeferimento que “Nos termos do disposto no n.º 9 do art.º 8.º do CIRC, o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação” (cfr. página 3).
Portanto, no caso da Requerente, o facto gerador do IRC devido com referência ao período de tributação de 2014 verificou-se no último dia de tal período de tributação, ou seja, no dia 30/06/2015, quando a taxa de IRC em vigor era 21%.
E não se diga para contrariar a conclusão a que chegámos no artigo anterior que, na verdade, apenas por mero lapso o legislador não estabeleceu uma norma transitória na Lei do Orçamento de Estado para 2015, sendo sua intenção que a nova taxa de IRC se aplique apenas aos períodos de tributação iniciados depois de 01/01/2015.
Esta afirmação deve ser liminarmente rejeitada, por não merecer qualquer acolhimento nos termos das normas interpretativas previstas no Código Civil, em especial no n.º 3 do seu artigo 9.º, nos termos do qual o “intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
Com efeito, se o legislador não estabeleceu uma norma transitória, devemos concluir que apenas não o fez porque não o quis fazer, ou seja, porque pretendeu a aplicação das regras gerais acima referidas, das quais resulta a aplicação imediata da nova taxa de IRC a todos os períodos de tributações iniciados ou em curso a 01/01/2015.
Com efeito, em ocasiões anteriores onde a taxa geral de IRC foi alterada e o legislador quis que a nova taxa apenas se aplicasse a períodos de tributação iniciados após a entrada em vigor da nova taxa, o legislador estabeleceu uma norma transitória nesse sentido, conforme resulta dos vários exemplos que se seguem.
Na sua redação inicial, o atual n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC correspondia ao n.º 1 do artigo 69.º do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, e dispunha que “A taxa do IRC é de 36,5%, excepto nos casos previstos nos números seguintes”.
Ao abrigo do n.º 1 do artigo 41.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril (Lei do Orçamento de Estado para 2000), a redação do n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC vigente à data foi alterada para “A taxa do IRC é de 32%, excepto nos casos previstos nos números seguintes”.
Simultaneamente, estabeleceu o legislador no n.º 3 do mesmo artigo que “O disposto no n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC, com a redacção dada pela presente lei, é aplicável aos rendimentos obtidos em períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de janeiro de 2000” (sublinhado nosso).
No ano de 2002 houve uma nova alteração à taxa de IRC através do n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 109-B/2001, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2002), tendo a redação do então artigo 80.º do Código do IRC passado a ser “A taxa de IRC é de 30%, excepto nos casos previstos nos números seguintes”.
Mais uma vez, o legislador estabeleceu uma norma transitória relativa à aplicação temporal da nova taxa de IRC no n.º 7 do artigo referido no parágrafo anterior que dispunha “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2002” (sublinhado nosso).
A evolução da taxa de IRC manteve a sua tendência e no ano de 2004, e o n.º 1 do artigo 30.º da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2004) alterou o n.º 1 do artigo 80.º do Código do IRC vigente à data por forma a estabelecer que “A taxa de IRC é de 25%, excepto nos casos previstos nos números seguintes”.
Em conformidade com o procedimento adoptado pelo legislador nas alterações anteriores à taxa de IRC, ao abrigo do n.º 2 do mesmo artigo, “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º do Código do IRC aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2004” (sublinhado nosso).
Como resulta dos vários exemplos de alterações à taxa de IRC mencionados anteriormente, sempre que a intenção do legislador foi excluir a aplicação da nova taxa de IRC aos períodos de tributação iniciados antes da entrada em vigor da nova lei, mas com um termo posterior à alteração da taxa, o legislador estabeleceu normas transitórias nesse sentido.
Se não o fez para a redução da taxa de IRC prevista na Lei do Orçamento de Estado para 2015 não foi certamente porque se esqueceu.
Foi simplesmente porque pretendeu a imediata aplicação da nova taxa a todos os períodos de tributação iniciados em 01/01/2015, após 01/01/2015 ou em curso a 01/01/2015.
Assim, é imperioso concluir que a taxa geral de IRC em vigor em 30/06/2015, data do termo do período de tributação de 2014 da Requerente, era de 21%, sendo essa a taxa a aplicar para efeito do cálculo do IRC devido pela Requerente com referência a tal período.
Importa aqui salientar que a temática do facto gerador e entidades com período de tributação diferente do ano civil não é novidade.
Refere Rui Duarte Morais que “Sobre o facto gerador duradouro, coloca-se a questão do momento a considerar para determinar qual a lei que regerá a obrigação de imposto relativa a dado exercício. A resposta resultará, em princípio, do disposto no n.º 9 do art. 8.º: o facto gerador de imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação. Ou seja, a lei fiscal aplicável será, por regra, (admitindo a normal coincidência do exercício com o ano civil), a vigente em 31 de dezembro. O que resulta coerente com a anualidade dos impostos (desde logo, com as alterações que são introduzidas na lei fiscal por força da Lei do Orçamento, também ele referido a um ano civil).
Significa isto que aos sujeitos passivos cujo exercício não coincida com o ano civil serão aplicáveis, no cálculo do lucro tributável e do imposto a pagar relativamente a cada período de doze meses, regras diferentes daquelas a que está sujeita a generalidade dos sujeitos passivos” [1] (sublinhado e realçado nosso).
Em sentido idêntico, Patrícia Anjos Azevedo em anotação ao n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, “O facto gerador do imposto, ou seja, o facto tributário (entendido como aquilo que desencadeará a obrigação de pagamento do tributo) considera-se verificado no último dia do período de tributação (em regra, 31 de Dezembro de cada ano civil, com as excepções pontualmente observáveis e de acordo com o preceituado na disposição em análise).
Deste modo, a lei fiscal aplicável a cada exercício será a vigente no termo do período de tributação considerado, coerentemente com a questão da anuidade dos impostos e atenta a questão de que, por exemplo, eventuais alterações fiscais são introduzidas aquando da Lei do Orçamento de Estado, vigente por um ano civil” [2] (sublinhado e realçado nosso).
Finalmente, importa ainda notar que a DSIRC refere que a taxa de 23% deverá aplicar-se ao período de tributação de 2014 da Requerente, uma vez que o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, estabelece que “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014”.
O artigo 14.º estabeleceu que a taxa de IRC de 23% introduzida com a referida lei era aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 01/01/2014, ou aos factos tributários ocorridos após essa data.
Com efeito, o período de tributação de 2013 da Requerente, iniciado 01/07/2013, findo em 30/06/2014, já se encontrava em curso aquando da entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, pelo que o facto tributário ocorrido após 01/01/2014 foi o facto gerador de IRC do período de tributação de 2013, no dia 30/06/2014 (determinando assim, ainda que não tenha sido reclamado pela Requerente, que ao IRC desse período de tributação deveria ter sido aplicada a taxa de 23% e não de 25%).
Da mesma forma que no ano subsequente, em 30/06/2015, foi consumado o facto gerador de IRC relativo ao período de tributação de 2014 da Requerente, quando a taxa de IRC em vigor era 21%.
Em face de tudo quanto se vem expondo, facilmente se conclui que:
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A Lei do Orçamento de Estado para 2015 alterou a taxa de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC, e veio reduzir a mesma de 23% para 21%;
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A Lei do Orçamento de Estado para 2015 não estabeleceu norma transitória sobre a aplicação temporal da nova taxa de IRC de 21%;
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A Lei do Orçamento de Estado para 2015 entrou em vigor no dia 01/01/2015;
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O período de tributação de 2014 da Requerente, iniciado em 01/07/2014 (findo em 30/06/2015) já se encontrava em curso quando a Lei do Orçamento de Estado para 2015 entrou em vigor;
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Nos termos do n.º 1 do artigo 12.º da LGT, as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor;
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Nos termos do n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, o facto gerador de IRC considera-se verificado no último dia do período de tributação;
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O facto gerador de IRC do período de tributação da Requerente verificou-se no dia 30/06/2015; e
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A taxa de IRC em vigor a 30/06/2015 era de 21%.
Assim, o montante total da colecta de IRC devida pela Requerente com referência ao período de tributação de 2014 deverá ascender a € 206.982,10 (€ 985.629,05*21%) e não aos € 226.694,68 (€ 985.629,05*23%) considerados na liquidação de IRC contestada, pelo que se conclui que a Requerente pagou, indevidamente, um montante de € 19.712,58.
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DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita, o tribunal arbitral decide:
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Julgar totalmente procedente o pedido de declaração ilegalidade do acto tributário de liquidação de IRC, referente ao período de tributação de 2014; e
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Condenar a AT no reembolso do montante de € 19.712,58, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos desde a data de pagamento até ao reembolso efectivo e integral do montante pago, e de juros de mora, se a eles houver lugar;
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Condenar a AT a pagar as custas do presente processo.
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VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 19.712,58 (dezanove mil, setecentos e doze euros e cinquenta e oito cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
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CUSTAS
Custas a suportar pela AT, no montante de € 1.224 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.
Notifique.
Lisboa, 15 de Outubro de 2018
O árbitro,
(Hélder Filipe Faustino)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Cfr., “Apontamentos ao IRC”, 2007, Almedina, pp. 46 e 47.
[2] Cfr. “Códigos Anotados & Comentados – IRC, Coordenação Prof.ª Doutora Glória Teixeira e Mestre Patrícia Anjos Azevedo”, 2015, Lexit, pág. 51.