DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
No dia 22 de Março de 2018, A..., contribuinte fiscal n.º..., residente na Rua..., n.º..., ..., ..., ...-... ..., Matosinhos, veio, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (daqui em diante “RJAT”), e da Portaria 112-A, de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante simplesmente “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS n.º 2017 ... e respectivos juros compensatórios, bem como do despacho que indeferiu parcialmente a reclamação apresentada, ambas referentes ao ano de 2015, no valor de € 5.483, 65 (cinco mil quatrocentos e oitenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 28 de Março de 2018. O Conselho Deontológico designou como árbitro o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 15 de Maio de 2018, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 05 de Junho de 2018. Notificada para se pronunciar, a AT apresentou resposta em que peticionou que o pedido de pronúncia arbitral fosse julgado improcedente por falta de fundamentação legal, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido.
Síntese da posição das Partes
a. Da Requerente:
Nos termos do pedido e alegações apresentada pela Requerente resulta o seguinte:
A Requerente foi notificada de liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2015, por não ter feito constar da sua declaração de rendimentos (anexo G), a alienação, ocorrida em 24/02/2015, das fracções BQ e B do prédio inscrito na matriz da União de Freguesias de ... e ..., ... .
Em suma, na referida liquidação adicional foram tidos como valores de aquisição, respectivamente, € 106.598,76 e € 8.540,00, e como valores de realização € 238.538,60 e € 8.988,35, sendo considerada como data de aquisição o dia 30/07/2015.
Na dita liquidação foi apurado o valor a pagar de € 24.782,47, o qual, deduzido do valor da declaração inicial, de € 1.482,73, resultou num valor adicional a liquidar de € 23.299,74.
Constatando o valor a pagar na liquidação adicional de IRS, a Requerente apresentou nova declaração de rendimentos modelo 3, em substituição da anterior, tendo aí rectificado a omissão declarativa quanto aos valores e datas das aquisições e realizações, bem como à declaração de intenção de reinvestimento dos referidos valores de realização.
A Requerente apresentou também uma reclamação graciosa contra a liquidação adicional em causa nestes autos, almejando a sua anulação.
Em resposta à reclamação graciosa, foi elaborado um projecto de decisão no sentido do deferimento da mesma, quanto às datas e valores de aquisição e ainda quanto aos efeitos da manifestação da intenção de reinvestir, mas já não quanto aos valores de realização. Em consequência do deferimento parcial da reclamação graciosa, foi a liquidação adicional corrigida, passando o valor adicional a liquidar a € 5.483,65.
Entende a Requerente que o referido acto tributário, ora impugnado, continua a padecer de ilegalidade no que toca ao valor de realização e às despesas inerentes à venda da fracção BQ.
Aduz, assim, que esta fracção foi vendida, por título lavrado na Conservatória do Registo Predial de ..., em 24 de Fevereiro de 2015, à filha da ora Requerente, B... e ao companheiro desta.
Alega a Requerente que, apesar de o valor patrimonial tributário (“VPT”) constante da matriz predial ser de € 238.538,60 (duzentos e trinta e oito mil quinhentos e trinta e oito euros e sessenta cêntimos), o preço que a filha da Requerente e o seu companheiro se dispuseram a pagar era bastante superior ao normal preço de mercado, à época.
Nos termos do n.º 2, do artigo 44.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante “CIRS“), para efeitos de apuramento do valor de realização no caso de transmissões onerosas de imóveis, deverão prevalecer, quando superiores, os valores por que os bens houvessem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
No entanto, o n.º 5, do artigo 44.º do CIRS, dispõe que o consagrado no n.º 2 do mesmo preceito é afastado, se for feita prova de que o valor de realização foi efectivamente inferior ao ali previsto, fazendo-se essa prova nos termos do artigo 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (daqui em diante “CIRC”).
Os n.ºs 3 e 4 do artigo 139.º do CIRC dispõe que o requerimento destinado a fazer a referida prova, deve ser apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões em causa.
Contudo a Requerente sufraga o entendimento de que, apesar de não ter submetido o mencionado requerimento, referido no artigo 139.º do CIRC, destinado a afastar a presunção do n.º 5, do artigo 44.º do CIRS, não lhe deve ser vedada essa prorrogativa sob pena de violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade e da capacidade contributiva.
A Requerente pugna ainda pela ilegalidade dos actos da Requerida (decisão de indeferimento da reclamação graciosa e respectiva liquidação) que não consideraram as despesas inerentes à venda do imóvel, no valor de € 102.573,36 (cento e dois mil quinhentos e setenta e três euros e trinta e seis cêntimos), para efeitos de abatimento no valor de realização.
Termina peticionando a procedência do seu pedido arbitral.
b. Da Requerida:
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta e fez juntar o processo administrativo (PA), defendendo a legalidade e a manutenção da liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.
A Requerida delimita o objecto dos presentes autos à tributação de mais-valias, com fundamento no facto de não ter a Requerente declarado a alienação dos imóveis aqui em causa, tendo a AT, nesta esteira, procedido às correcções que entendeu terem lugar, acrescentando um Anexo G à declaração do sujeito passivo, ora Requerente, de onde fez constar os valores de aquisição e realização, deixando por preencher os campos correspondentes às despesas, encargos e intenção de reinvestimento.
Em consequência das correcções operadas pela Requerida, foi emitida a liquidação n.º 2017..., no montante de € 23.299,74 (vinte e três mil duzentos e noventa e nove euros e setenta e quatro cêntimos), da qual a Requerente veio apresentar reclamação graciosa, nos termos já supra explanados, tendo também apresentado uma declaração de substituição na qual indica, no Anexo G, os valores e datas de aquisição e realização e as despesas e os encargos que considera correctos.
A reclamação graciosa apresentada pelo sujeito passivo, ora Requerente, foi parcialmente deferida, tendo consequentemente sido emitida nova declaração oficiosa em que, resumidamente, não foram considerados os valores de realização e as despesas e encargos apresentados pela Requerente.
A fracção BQ foi vendida a 24 de Fevereiro de 2015, pela Requerente à sua filha, pelo valor de € 142.000,00 (cento e quarenta e dois mil euros), sendo o VPT de € 238.538,60 (duzentos e trinta e oito mil quinhentos e trinta e oito euros e sessenta cêntimos).
Tal como fez a Requerente, a AT vem citar o n.º 2, do artigo 44.º do CIRS, destacando o facto de a própria Requerente ter citado e reconhecido o conteúdo deste preceito, em sede do presente pedido arbitral. Cita ainda, a Requerida, os números 5 e 6, do artigo 44.º do CIRS.
A propósito do alegado pela Requerente, no artigo 22.º do seu pedido arbitral, vem a Requerida invocar o princípio de que a ignorância da lei não aproveita a ninguém, indagando sobre a sua aplicação ao direito tributário e sobre a pertinência dessa aplicação.
Entende a AT que o valor de realização a atribuir ao imóvel, em casos como o destes autos, é o que for relevante para efeitos de liquidação de IMT, ou que devesse ser nos casos em que este não é devido. Contudo, e em concordância com a Requerente, defende que o que se acaba de deixar escrito, e que decorre do n.º 2, do artigo 44.º do CIRS, é uma presunção ilidível mediante prova em contrário, ou seja, mediante prova de que o valor de realização foi efectivamente inferior ao VPT.
Afirma também a AT que no caso em apreço a Requerente se limitou a juntar o documento comprovativo da venda do prédio em causa, pelo preço de € 142.000,00, questionando-se se tal junção será suficiente para afastar a presunção legal de que goza a AT – afirmando de seguida entender que não.
Alega também que a força probatória que o artigo 371.º do CC atribui aos documentos autênticos não contende com a presunção do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, uma vez que apenas põe em crise os factos que neles são atestados, mas não os que foram praticados pela autoridade em causa, in casu, a Conservadora.
Que, por se tratar de uma norma de incidência, a presunção apenas pode ser iuris tantum, pelo que a lei admite ao sujeito passivo prova de que o valor de realização foi inferior ao aí previsto (artigo 73.º da LGT).
Estando essa prova sujeita a procedimento próprio, regulado pelo 139.º do CIRC, por remissão do artigo 44.º do CIRS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, e assim aplicável ao caso, uma vez que a liquidação de IRS do caso sub judice respeita ao ano de 2015.
Por estas razões sindica ter sido correcta a resposta à reclamação graciosa, já acima referida.
A outra questão prende-se com a desconsideração das despesas inerentes à venda do imóvel (artigo 51.º do CIRS). Que a AT considera não serem despesas e encargos que caiam dentro do escopo do artigo 51.º do CIRS. A este propósito a Requerida trás aos autos o Acórdão do TCA Sul, P.º 05834/12, de 10 de Julho de 2017.
A Requerida defende não serem indissociáveis da venda as despesas com o pagamento de dívidas, na medida em que estas despesas não são inerentes à alienação dos imóveis, não a integram ou não estão a esta intrinsecamente ligadas. Sobre isto, cita o Acórdão do TCA Sul P.º 06824/13, de 14 de Abril de 2015.
Refere que, de outra forma, contemplar-se-iam todo o tipo de despesas e sem quaisquer limites, desde que remotamente ligadas com a aquisição e alienação dos imóveis, o que seria contrário à letra e ratio do artigo 51.º do CIRS.
Alega que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre este tema, no Acórdão n.º 451/2010, publicado na segunda série do Diário da República de 19 de Janeiro de 2011. Concluindo, relativamente à jurisprudência emanada desse tribunal, que seria abusiva uma interpretação do artigo 51.º do CIRS que leve a abarcar toda e qualquer despesa realizada com a aquisição ou alienação de imóveis, pelo que defende terem os serviços da AT andado bem ao desconsiderar as despesas em causa nestes autos.
Realça que a Requerente não juntou sequer qualquer comprovativo das despesas que reclama nesta sede.
Acaba por impugnar tudo o que foi alegado pela Requerente, no que for contrário à sua resposta, e por requerer a dispensa da prova testemunhal, por entender o caso sub judice tratar de matéria de Direito.
Termina pedindo a improcedência do pedido da Requerente, por falta de fundamento legal.
II. SANEAMENTO
1. O Tribunal Arbitral é competente e foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
3. Não foram invocadas excepções que cumpra apreciar.
3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta à petição inicial, do processo administrativo, da resposta e das alegações do Requerente e da Requerida, fixa-se como segue:
A – Factos Provados
1. A Requerente vendeu, em 24 de Fevereiro de 2015, a fracção BQ, correspondente ao sexto, sétimo e oitavo andares, destinados a habitação em triplex, com direito exclusivo de utilização do terraço instalado no oitavo piso, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, denominado “Edifício ...”, sito no gaveto da Avenida de ... com a Rua ..., freguesia de ... e ..., concelho de ..., descrito sob o número .../... - ..., da Conservatória do Registo Predial de ...;
2. Os compradores da fracção BQ, acima melhor identificada, foram a filha da Requerente, B... e o seu companheiro, C...;
3. A venda foi outorgada por escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança, na Conservatória do Registo Predial de ..., tendo o preço declarado sido de € 142.000,00 (cento e quarenta e dois mil euros).
4. O valor patrimonial tributário (“VPT”) do imóvel em causa era de € 238.538,60 (duzentos e trinta e oito mil quinhentos e trinta e oito e sessenta cêntimos);
5. A Requerente não fez constar da sua declaração de rendimentos a alienação, no que aqui nos interessa, da fracção BQ;
6. Consequentemente, a AT procedeu à correcção dessa declaração através de declaração oficiosa, tendo acrescentado o Anexo G, em que se declara a alienação onerosa das fracções em causa, com os valores de aquisição e realização que considerava correctos, não tendo preenchido os campos referentes às despesas, encargos e reinvestimento;
7. Na declaração oficiosa foi considerado, relativamente à fracção BQ, como valor de aquisição, o montante de € 106.598,76 (cento e seis mil quinhentos e noventa e oito euros e setenta e seis cêntimos) e como valor de realização a quantia de 238.538,60 (duzentos e trinta e oito mil quinhentos e trinta e oito e sessenta cêntimos);
8. A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação oficiosa emitida pela AT, alegando, designadamente, a incorrecção dos valores de aquisição, dos valores de realização e o facto de não terem sido consideradas as despesas inerentes à venda;
9. Apresentou também, a Requerente, uma declaração de rendimentos substitutiva, de onde fez constar os valores que considerou correctos, bem como a intenção de reinvestir o produto da venda;
10. A reclamação graciosa apresentada pela Requerente foi parcialmente deferida, não aceitando a AT os valores de realização e as despesas inerentes à venda que a Requerente declarou;
11. No dia 24 de Fevereiro de 2015, a filha da Requerente emitiu, à ordem da sua mãe, um cheque no valor de € 48.426,64 (quarenta e oito mil quatrocentos e vinte seis euros e sessenta e quatro cêntimos);
B – Factos não provados
Ficou por provar que os compradores da fracção tenham pago dívidas da Requerente, que oneravam o imóvel, no valor de € 102.573,36 (cento e dois mil quinhentos e setenta e três euros e trinta e seis cêntimos).
III.2. MOTIVAÇÃO
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido apresentado pela Requerente.
No tocante à apreciação da prova, o Tribunal formula o seu juízo, em atenção ao princípio da livre apreciação, a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência.
Assim a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelo Requerente e pela Requerida.
III.3. DO DIREITO
1. A questão decidenda:
Tomando a factualidade que aqui ficou assente, bem como as posições assumidas pelas partes, as questões que aqui cabem decidir, em suma, são duas:
Se será admissível, como alega a Requerente, que esta lance mão do procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, assim podendo ilidir a presunção iuris tantum disposta no n.º 2, do artigo 44.º do CIRS, apesar de estar esgotado o prazo para tal; e se,
Devem as despesas e encargos apresentados pela Requerente acrescer ao valor de aquisição, nos termos do artigo 51.º do CIRS.
Relativamente à primeira questão de direito que cabe a este tribunal arbitral decidir, vem a Requerente defender que, apesar de não ter iniciado, tempestivamente, o procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, destinado a ilidir a presunção prevista no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, lhe deve ser concedida agora, em sede de impugnação da liquidação de IRS, oportunidade de o fazer, uma vez que desconhecia a presunção estabelecida no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS e, consequentemente, a necessidade de recorrer ao procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC.
Nos termos das referidas disposições, é líquido que quando, como no caso sub judice, o sujeito passivo procede à alienação de um imóvel abaixo do VPT, é isto tidp, ainda que como presunção, como valor de realização. Tal apenas assim não será se e quando, como previsto no n.º 5, do citado artigo 44.º do CIRS, e como de resto, resulta da regra geral contida no artigo 73.º da Lei Geral Tributária (doravante simplesmente “LGT”), seja feita prova de que o valor de realização foi efectivamente inferior àquele.
Esta prova segue o regime disposto no artigo 139.º do CIRC, por remissão do artigo 44.º, n.º 6 do CIRS, estabelecendo aquele artigo que o referido requerimento de elisão da presunção deve ser entregue em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreu a venda (artigo 139.º, n.º 3 do CIRC) e que a impugnação da liquidação de imposto que resulte da utilização daquela presunção depende sempre da prévia apresentação daquele requerimento (artigo 139.º, n.º 7 do CIRC).
Assim, a lei estabelece um prazo certo e um procedimento específico para a elisão da presunção contida no artigo 44.º do CIRS, que a Requerente não observou, assim se extinguido o seu direito (de elidir a presunção).
E estabelecendo a lei este requisito, não pode o seu desconhecimento ser alegado para o seu não cumprimento, tendo em conta o princípio consagrado no artigo 6.º do Código Civil, segundo o qual “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.”, princípio plenamente aplicável ao direito tributário.
Ainda que se admitisse com possível a elisão da presunção acima referida nesta fase, sempre se referirá, também, que a Requerente não junta nenhum elemento de prova apto a provar o que alega de que a contrapartida pela alienação do imóvel em causa foi, de facto, inferior ao VPT.
É certo que junta a escritura de compra e venda subjacente ao negócio, um documento autêntico (artigo 369.º do CC), que faz prova plena dos factos aí descritos como praticados pelo documentador ou praticados na sua presença (artigo 371.º do CC). No entanto, o documento autêntico não atesta a veracidade das declarações dos outorgantes, apenas que essas declarações existiram (sobre isto veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra, P. 8470/15.6T8CBR.C1).
Passando à segunda questão que cumpre decidir, insurge-se a Requerente contra o facto de a AT não ter considerado as despesas inerentes à venda do imóvel, alegando que, para que lhe fosse possível proceder à venda do imóvel foi necessário pagar dívidas que oneravam o imóvel.
Entende-se, também nesta sede, que não assiste razão à Requerente.
Em primeiro lugar, a Requerente nem sequer especifica a que despesas necessárias, efectivamente praticadas e inerentes à alienação, se refere nos presentes autos. Não concretiza de que forma oneravam o imóvel em causa, quem seriam os seus credores e, mais importante, não junta qualquer elemento probatório de que as dívidas em causa foram de facto satisfeitas pelos compradores do imóvel. Tratando-se de dívidas que oneravam o imóvel, apresenta-se pouco verosímil que inexistam documentos (por exemplo, extractos bancários, cheques ou certidões) que comprovem a situação como configurada pela Requerente.
Note-se que seria obrigação da Requerente apresentar os documentos comprovativos da situação que alega, o que esta não logrou fazer, nem em sede de reclamação graciosa, nem nos presentes autos.
Assim, por este motivo, não pode este pedido da Requerente ser dado como procedente.
Ainda que assim não fosse, a jurisprudência nacional sobre este tema aponta no sentido da tese aqui suportada pela AT, isto é, de que as despesas que oneravam o imóvel não podem ser incluídas no âmbito de aplicação do artigo 51.º do CIRS. De facto, e como refere o Acórdão do TCA Sul, no P.º 05834/12, trazido à colação pela AT: “Não basta, pois, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento, é necessário que elas dele sejam indissociáveis. Segundo a doutrina mais recente são exemplos de “despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”, são os registos e as escrituras-publicas – leia-se Rui Duarte Morais in Sobre o IRS, 2ª Edição, pag. 141 e Paula Rosado Pereira in Estudos sobre o IRS, Rendimentos de Capitais e Mais-valias, Cadernos IDEFF, nº 2.
Poder-se-á também considerar as despesas de mediação mobiliária, mais concretamente a comissão de intermediação, como despesas necessárias e inerente à venda do imóvel para efeitos no nº 1 alínea a) do art. 51º C.IRS.”
Seguindo este entendimento, as despesas e encargos, para que sejam consideradas para efeitos da determinação das mais-valias, devem ser objectivamente necessárias à venda, e não observadas de uma perspectiva subjectiva, segundo a qual, no caso concreto, naquele negócio em concreto, foi necessário fazer determinados gastos para que a venda pudesse ocorrer.
A posição que acaba de se expor não é uma inovação do Tribunal em questão, encontrando-se várias outras decisões neste sentido (veja-se, por exemplo, Acórdão do TCA Sul, P.º 06824/13 e o P.º 715/11.8BEALM, do mesmo Tribunal, e ainda do STA, P.º 0585/09).
Aliás, relativamente às pretensões da Requerente, no caso concreto, é pertinente citar o sumário do Acórdão do TCA Sul, P.º 05182/11, onde se lê:
“I. (…)
II. Não se pode considerar como "despesa necessária inerente à alienação" as despesas suportados com a extinção e pagamento de penhoras, pois que, não são dedutíveis na determinação do rendimento colectável (mais - valias) em IRS, na medida em que, estas despesas só foram necessárias para libertar os bens dos encargos que sobre eles recaia.” (negritos nossos).
Assim, perante tudo o que ficou exposto atrás, temos forçosamente de concluir que não assiste razão a Requerente, não devendo as despesas e encargos por esta alegadas ser consideradas para efeitos de determinação de mais-valias.
IV. DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide o Tribunal Arbitral:
I) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter a liquidação adicional de IRS n.º 2017..., corrigida através do deferimento parcial da reclamação graciosa, notificada à Requerente pelo ofício n.º 2017..., de 05 de Dezembro de 2017, referente ao ano de 2015, no valor de € 5.483,65 (cinco mil quatrocentos e oitenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos);
II) Condenar a Requerente no pagamento da totalidade das custas, atenta a improcedência do pedido.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 5.483,65 (cinco mil quatrocentos e oitenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 612,00 (seiscentos e doze euros).
Lisboa, 12 de Outubro de 2018
O Árbitro,
José Calejo Guerra
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.