Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 124/2018-T
Data da decisão: 2018-10-02  IRC  
Valor do pedido: € 216.902,20
Tema: Tributações autónomas – SIFIDE - Benefício fiscal - Pagamento por conta. Dedução à colecta.
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Nuno Pombo e Dr. Arlindo José Francisco (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30-05-2018, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede da Rua ..., ... ..., ...-... Porto (doravante simplesmente “A... SGPS” ou “Requerente”) veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a anulação da liquidação n.º 2016..., de 30-05-2016, referente ao exercício de 2014 e do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que apresentou.

A Requerente pede ainda devolução do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-03-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 10-05-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 30-05-2018.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral por o pedido de pronúncia arbitral ser apresentado na sequência de um pedido de revisão oficiosa e defendendo a improcedência do pedido.

Por despacho de 03-07-2018 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas por um período de 10 dias, iniciando-se com a notificação do despacho o prazo para alegações da Requerente e com a notificação da apresentação das alegações da Requerente o prazo para alegações da AT.

A Requerente não apresentou alegações, mas veio responder à excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada desta resposta à excepção, nada veio dizer.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente a questão da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

  1. A Requerente efectuou autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2014, de que resultou a liquidação n.º 2016..., que consta do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, se refere o montante de € 1.785.705,94 de tributações autónomas e o montante a reembolsar de € 13.571.704,39;
  2. N0 exercício de 2014, a Requerente realizou dois pagamentos especiais por conta: 0 primeiro, em 31 de Março de 2014, no valor de € 87.132,01, e 0 segundo, em 31 de Outubro de 2014, no valor de € 86.632,01 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. A Requerente dispunha do valor de € 43.138,18 de crédito fiscal que foi apurado relativamente ao benefício fiscal do SIFIDE, requerido pela sociedade dominada B..., S.A., por actividades de Investigação e Desenvolvimento realizadas nos exercícios de 2012, 2013 e 2014, que veio a ser atribuído pela Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais a I&D Empresarial, conforme declaração emitida e comunicada à Requerente, em 31-03-2016 (documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  4. A Requerente efectuou a autoliquidação de IRC 2014 com base nas orientações genéricas da AT, não tendo deduzido os referidos pagamentos especiais por conta e o montante do SIFIDE à colecta resultante de tributações autónomas, valores esses que foram reportados como créditos para períodos subsequentes;
  5. Em 16-08-2017, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da referida liquidação 2016..., referente a0 exercício de 2014, que foi tramitada sob o n.º ...2017... (documento n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. O referido pedido foi indeferido pelo despacho de 28-12-2017, proferido pela Senhora Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que manifesta concordância com os argumentos invocados no projecto de decisão notificado à Requerente, em 06-12-2017, através do Ofício n.º ... (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  7. No referido projecto de decisão refere-se além do mais, o seguinte:

§ IV.I. Do cálculo de imposto

§ IV.I.I. Da dedução de PEC's à coleta de tributação autónoma

§ IV.I.I.I. Dos argumentos da Requerente

13. Não obstante o ato tributário cuja revisão ora se requer corresponder a uma "autoliquidação" de imposto, ainda assim a Requerente não se conforma com o mesmo, neste capítulo, no que tange à dedução das quantias entregues a título de pagamento especial por conta ("PEC's"), à luz do art.º 106.º do CIRC, à coleta apurada a título de tributação autónoma nos termos do art.º 88.º do mesmo diploma legal.

14. A este propósito, contestando, a Requerente argui essencialmente que, sendo a tributação autónoma de IRC apurada nos termos do art.º 90.º do respetivo código, então, à coleta destas poderão ser deduzidos os montantes entretanto entregues a título de PEC's, de acordo, segundo diz, com o disposto na al. d) do n.º 2 do referido preceito legal,

Pelo que,

15. Em consonância com a sua argumentação e tese vem requerer então que seja determinada a dedução dos montantes entregues a título de PEC’s, no valor total de € 173.764,02 (cento e setenta e três mil, setecentos e sessenta e quatro euros e dois cêntimos), à coleta apurada à luz do regime da tributação autónoma.

§ IV.I.I.II. 

Da apreciação

16. Quanto a esta matéria desde já se diga que não assiste qualquer razão à Requerente, pese embora os seus doutos argumentos.

17. A nossa discordância parte ab initio do ponto de vista conceptual, a ponto de, em nosso entender, ficar prejudicada uma nossa aferição e, consequente, validação dos valores ora suscitados por parte da Requerente.

18. Nesta parte o thema decidendum gira em tomo de conhecer se à coleta de tributação autónoma podem ser deduzidas quantias respeitantes aos PEC's, sendo que a validação dos valores em questão só caberá na hipótese de ser possível tal dedução. E não é.

Senão vejamos:

19. Começamos desde já por dizer, dirimindo por completo a questão, que, a este título, veio o art.º 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, alterar a redação do art.º 88.º do CIRC, esclarecendo que à coleta de tributação autónoma não são efetuadas quaisquer deduções.

20. Em caso de subsistirem incertezas sobre a natureza interpretativa desta norma, veja-se o que dispõe uma recente decisão do Centro de Arbitragem Administrativa ("CAAD"), de 19 de novembro de 2016, proferida no âmbito do processo n.º 174/2016-T:

(...)

Sem prescindir,

23. Começamos por determinar qual a natureza da tributação autónoma uma vez que a Requerente argumenta que esta é parte integrante da coleta de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (IRC), sendo, portanto, passível de dedução dos benefícios fiscais nos termos do art.º 90.º do CIRC.

24. Os tributos públicos são tradicionalmente divididos em três categorias: os impostos, as taxas e as contribuições, sendo que os primeiros são desde logo caraterizados pela sua natureza unilateral, servindo o propósito de angariação de receita.

25. Admite-se que possam igualmente servir propósitos de ordenação social e orientação de comportamentos, ainda que de forma indireta, como é o caso da tributação autónoma uma vez que é exigida sem qualquer contrapartida.

26. Ao incidir sobre factos que assumem a natureza de "despesa" e não de "rendimento", revela uma certa independência material em relação ao imposto sobre o rendimento (em sentido estrito), sendo, aliás, apurada de forma autónoma, pouco importando se apresenta ou não rendimento tributável no fim do período, salvo no que respeita ao agravamento de taxa nas situações em que as despesas são incorridas.

27. Com esta tipologia, sublinhadamente antiabuso e intencional de combate à fraude e evasão fiscais ancorado no princípio da capacidade contributiva (por conexão com o princípio da tributação do rendimento real das empresas), o legislador fiscal procurou promover, tanto quanto possível, a redução do uso dessas despesas que afetam de maneira negativa a coleta e, consequentemente, a receita fiscal em sede de Impostos sobre o rendimento.

28. Ao invés do que sucede ao nível da intrínseca cédula de IRC, a tributação autónoma de despesas e encargos não é mais do que uma realidade instrumental e acessória à obtenção do resultado daquele imposto sobre o rendimento, na justa medida em que foi em função (e proteção) do mesmo que se deu azo à conceção da tributação autónoma e em que, contas feitas, se radica a sua própria raison d’être.

29. E assim confirma a referida decisão do CAAD ao dizer que:

"Com efeito, e como se teve oportunidade de escrever noutra sede, "a complexidade gerada pelas sucessivas alterações na arquitetura do CIRC conduziram (...) a um edifício normativo atípico, no qual se poderá discernir um core correspondente ao que se poderá chamar IRC tout court (ou em sentido estrito), que a Requerente pretende que esgote tudo o que seja designado por IRC, e uma periferia que integra regulamentações "marginais", subtraídas, em grande parte, à lógica, natureza e princípios do IRC tout court, mas que, não obstante, ainda se situam no "campo gravitacional" daquele."

Continuando:

30. A tributação autónoma busca a sua incidência objetiva em despesas e encargos e não em rendimentos (da entidade onerada), distanciando-se, por isso, do IRC em sentido estrito, embora esteja instrumental e universalmente ligada a este apenas para efeitos de caráter operacional e funcional.

31. Como traço revelador dessa nuance sublinhamos a mudança legislativa concretizada na atual al. a) do n.º 1 do atual art.º 23.º-A do CIRC, onde, reforçando a posição aqui defendida, se acrescentou a expressão "incluindo as tributações autónomas", o que equivale a dizer por outras palavras que, por um lado, a tributação autónoma integra o imposto principal em sentido lato, mas, por outro, é distinta daquele em sentido estrito.

32. Outro exemplo: no art.º 12.º do mesmo código, desde logo é aí realçada a relação de "operacionalidade" e de "funcionalidade" entre a tributação do rendimento e a tributação autónoma de certas despesas ou encargos, sem prejuízo de reiterar a distância entre essas mesmas figuras,

Nestes termos,

33. Conforme resulta dos termos expressos na sua própria petição inicial, a Requerente contesta parcialmente o ato tributário de "liquidação" e, em consequência, requer então que as importâncias referentes a PEC's sejam por sua vez deduzidas à coleta que é então determinada e apurada por via da tributação autónoma de algumas determinadas despesas e encargos.

Ora,

34. Justamente porque é nosso entendimento que a coleta apurada em sede de tributação autónoma não pode - nem deve - ser confundida com a coleta que resulta no estrito âmbito do IRC, o argumento da Requerente não pode ser procedente.

35. No que concerne à tributação autónoma prevista no art.º 88.º, do CIRC, facilmente se vê que esta é apurada de forma distinta e autónoma, face ao processamento do IRC em sentido estrito, à luz do preceituado no art.º 90.º do mesmo código, sendo este inerente ao núcleo da estrita tributação do rendimento e não ao da tributação de determinadas despesas como sucede no plano da tributação autónoma.

36. É neste sentido que converge a recente decisão do CAAD:

"Assim, e concluindo aqui, não se poderá, crê-se, na senda da solução a obter para a questão decidenda, obliterar que, não obstante convergirem, efectivamente, na forma de liquidação regulada nos artigos 89.º e 90.º/1 do CIRC aplicável, as tributações autónomas e o IRC stricto sensu (ou tradicional), provêm, a montante, de geografias profundamente distintas, facto que não poderá deixar de ser devidamente ponderado e tido em conta, nas soluções a encontrar a jusante, designadamente, e para o que ao caso interessa, no que diz respeito à leitura a fazer da norma do artigo 90.º/2 do referido Código."

36. Embora ambos se encontrem inseridos no apuramento ao nível do âmbito mais lato da tributação das empresas, constituem procedimentos manifestamente distintos e individualizados, pois um diz respeito à estrita coleta de IRC, e o outro à coleta apurada em sede de tributação autónoma.

Prosseguindo:

37. A introdução do PEC foi feita através do Decreto-Lei n.º 44/98, de 3 de março e teve como objetivo evitar "práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou de empolamento de custos" e concretizava-se através de um pagamento antecipado e de forma provisória por sujeitos passivos que declaravam rendimentos nulos ou negativos mas continuam em atividade.

38. Por conseguinte, em conformidade com a sentença arbitral pronunciada no âmbito do Processo n.º 113/2015-T, de 30 de dezembro de 2015, não obstante as alterações que entretanto se verificaram, o PEC é considerado como uma forma de evitar a "evasão fiscal e para garantir o pagamento de imposto por todas as empresas em atividade."

39. No entender da mesma pronúncia arbitral:

"O regime atual do PEC é assim caracterizado por (i) ter ligação indissociável à luta contra a evasão e fraude fiscais; (ii) foi introduzido no CIRC em março de 1998, antes das taxas de tributação autónoma que só passaram a fazer parta da sua sistemática na reforma de 2000-2001; (iii) na conceção do PEC previu-se a sua dedução à coleta na liquidação do IRC calculado sobre o rendimento real; (iv) a recuperação do crédito resultante do PEC está subordinada a condições de obtenção de rácios de rentabilidade próprios das empresas do sector de actividade em que se inserem ou à justificação da situação de crédito por ação de inspeção feita a pedido do sujeito passivo (87º-3 CIRC). Em súmula, o crédito pelas quantias entregues como pagamento especial por conta, não constitui um crédito exigível que os sujeitos passivos do IRC possam dispor. Para que o possam fazer há que reunir determinadas condições."

40. Ressalve-se que a entrega de PEC continua a ser obrigatória ainda que o sujeito passivo apure prejuízos fiscais, cujo montante poderá, no entanto, ser devolvido nos termos do disposto no art.º 93.º do CIRC.

41. No caso de o montante pago ser superior à coleta de IRC apurada na autoliquidação, a diferença pode ser aproveitada para os termos e efeitos de dedução desse valor na própria coleta (estrita) de IRC, sem prejuízo dessa quantia, em caso de Insuficiência de coleta, ser "transportada" para exercícios posteriores.

42. A luz deste regime, os sujeitos passivos de IRC residentes em Portugal que exerçam, a título principal ou não, uma atividade de natureza agrícola, comercial, industrial ou de serviços e, bem como, os não residentes com estabelecimento estável em Portugal podem proceder à dedução do respetivo valor ao montante apurado nos termos do disposto no art.º 90.º do CIRC, que referia nos seguintes termos:

(...)

43. Ou seja, para os termos e efeitos do PEC, a dedução é efetuada ao montante apurado naqueles precisos termos, isto é, à estrita coleta de IRC conexa com o lucro tributável e apurada nos termos do art.º 90.º e não à coleta que resulta das realidades autonomamente tributadas nos termos do art.º 88.º, cujos procedimentos de apuramento são, repita-se, distintos.

44. Não se podem confundir ademais quando resulta manifestamente claro que um é autónomo face ao outro, implicando que, à luz do PEC, o referido "montante apurado nos termos do art.º 90.º não compreenda por sua vez o "montante que resulta do art.º 88.º do CIRC" (a coleta de tributação autónoma)."

45. O legislador fiscal considerou-os como autónomos e distintos, quando, no PEC, restringido ao perímetro do rendimento, apenas se reportou ao disposto no art.º 90.º, isto é, ao apuramento em concreto no âmbito do IRC stricto sensu e a outras figuras cujo ponto de partida seja o lucro tributável e que revelem a mesma identidade ao nível do próprio sujeito ativo da relação jurídico-tributária.

46. Com efeito, a recente decisão arbitral já referida nesta Informação, diz o seguinte:

"O que decididamente quer dizer que, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente período de formação do facto tributário (a que se refere o "pagamento por conta") - mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo -, aquele "pagamento por conta" não tem fundamento substantivo. (...) E, assim, se não houver lucro tributável, não há imposto devido".

47. Assim, a autonomia desta realidade prende-se essencialmente com os factos sobre os quais incide e às especificidades do seu apuramento, mas já não, juridicamente, em relação às restantes parcelas do IRC, uma vez que nesta ótica a tributação autónoma não deixa de ser, ainda assim, IRC na sua conceção mais ampla.

48. Por sua vez, o n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, dita a forma de proceder à liquidação do imposto, enumerando, exaustivamente e por ordem, todas as deduções permitidas à coleta apurada nos termos do n.º 1 do mesmo normativo, e esta liquidação é a que tem por base a matéria coletável definida nos termos do art.º 106.º, do CIRC, ou seja, os valores que traduzem este pagamento antecipado são deduzidos "aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência".

49. A coleta a que se refere esta norma quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte, é apurada com base na matéria coletável que conste nessa liquidação, sendo o pagamento antecipado em que se traduz o PEC deduzido apenas à coleta apurada com base na matéria coletável.

50. Efetivamente, a coleta de IRC está - e ao contrário da de tributação autónoma -dependente da obtenção de um resultado positivo por parte da empresa, e resulta da aplicação ao mesmo da taxa devida, pelo que não está previsto, em momento algum, entrar em linha de conta com as tributações autónomas que, como o próprio nome indica, são autónomas, ou seja, independentes do resultado obtido pela empresa, e sempre devidas na sua totalidade, uma vez que o Código não prevê quaisquer deduções às mesmas.

51. Portanto, à luz do referido, por aqui entendemos que o valor que decorre do PEC não pode de maneira alguma servir de dedução à coleta que resulta do espetro da tributação autónoma do elenco previsto no art.º 88.º, visto que, para estes efeitos, a coleta apurada no âmbito do art.º 90.º não é equivalente à coleta que por sua vez resulta do agregado das realidades sob o jugo do regime legal da tributação autónoma.

52. Permitir que o valor apurado na coleta em sede de tributação autónoma fosse passível de aproveitar do efeito "da dedução" das quantias relativas ao pagamento antecipado que decorre do PEC, conduziria ao confronto direto com a sua finalidade imediata, designadamente o desincentivo à aquisição e utilização de certos bens e serviços de consumo ou uso misto.

53. Mais, por não se inscrever na estrita cédula da concreta tributação do rendimento, mas sim no da ótica Inversa (a da despesa), a tributação autónoma e a respetiva coleta não aproveitam de pagamentos antecipados cuja enfatização se verifica ao nível do rendimento e não no da própria despesa.

54. Carece de absoluta razoabilidade admitir, nesses termos, qualquer dedução à coleta que resulta da tributação autónoma, quando a lei desde logo igualmente não permite que o valor da mesma possa ser deduzido ao lucro tributável do período.

55. Por conseguinte, seria um paradoxo promover o esvaziamento da coleta de tributação autónoma por força da sua redução por aproveitamento de quantias concedidas por razões e interesses que ab initio brigam com os propósitos da estatuição da primeira, beneficiando fiscalmente precisamente aqueles a que o legislador quis "penalizar" por intermédio de um mecanismo (acessório) que tributa despesa, eliminando ou reduzindo por via indireta qualquer vantagem fiscal que seja no estrito perímetro da tributação do rendimento e, em consequência, na respetiva coleta e receita final sob pena de "fraude à lei".

56. Mais grave, seria aceitar fiscalmente essa dedução quando, nos termos da lei, o próprio legislador fez questão de sublinhar cautelas quanto à convivência entre os benefícios fiscais e a verificação de determinadas despesas e encargos, tal como sucedeu, por exemplo, no n.º 2 do referido art.º 88.º do CIRC.

Aliás,

57. Como já foi dito, considerou-se que "a possibilidade de dedução do PEC às tributações autónomas implicaria que mesmo que determinada empresa estivesse eternamente em situação de prejuízo, nenhum imposto sobre o seu rendimento real teria que suportar, enquanto aplicasse o PEC à satisfação das tributações autónomas. Para mais as próprias tributações autónomas perderiam o seu caráter anti-abuso, passando a confundir-se afinal com o imposto calculado sobre o lucro tributável. Ora não são esses os objetivos do sistema de tributação do rendimento das pessoas coletivas e a melhor interpretação da norma contida no artigo 83º-2-e CIRC não é essa decididamente aquela que permite deduzir os pagamentos especiais por conta a coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma.

58. Tanto é assim que, recorde-se, sendo a tributação autónoma um regime excecional no enquadramento jurídico-constitucional da tributação do rendimento acréscimo e do rendimento real, o regime deve ser então objeto de uma interpretação restritiva, pois seria contrário ao espírito do sistema permitir que, por força das deduções a que se refere o n.º 2 do citado art.º 90.º, fosse retirado à tributação autónoma esse caráter antiabusivo que presidiu à sua implementação no âmbito do próprio sistema do IRC.

Com efeito,

59. Conforme demonstrado, a jurisprudência arbitral confirma indubitavelmente que, a admitir-se a dedução do PEC à coleta de tributação autónoma da mesma forma que sucede com a estrita coleta de IRC ou de outras figuras tributárias imediatamente conexas com o rendimento, mais não se estaria do que a afastar a diretriz sancionatória que presidiu à consagração do regime daquela.

60. Recorde-se o que Já foi dito, a dedução no âmbito do PEC não é de exercício absoluto, pois o seu regime é norteado por limites de natureza formal, temporal e material, sendo que este último impede a eliminação ou mitigação da coleta apurada sob a alçada do mecanismo antiabuso que postula a autonomia da tributação de determinadas realidades (de despesa e não de rendimento), a ponto de, em consequência, igualmente impedir a menor oneração fiscal pelo custeio de realidades que o legislador fiscal considerou como potencialmente litigantes.

Destarte,

61. Nesta parte, atento o exposto, considerando o impedimento da dedução requerida, deve improceder o pedido ora formulado pela Requerente, com todas as consequências legais que ao presente caso caibam, ficando, conforme se disse, prejudicada uma qualquer aferição e validação nossa relativamente aos valores colocados em questão.

 

§ IV.I.II. Da dedução de SIFIDE à coleta de tributação autónoma

§ IV.I.II.I. Dos argumentos da Requerente

62. A Requerente começa por discorrer acerca da natureza da tributação autónoma, considerando que esta que representa uma medida antiabuso, visando "desincentivar a adoção de certos comportamentos por parte dos contribuintes".

63. Considera ainda que a coleta de tributação autónoma constitui IRC pelo que torna-se possível realizar o procedimento da liquidação nos termos do art.º 90.º, do CIRC, a que possibilita efetuar as deduções mencionadas no n.º 2 desta norma, mais concretamente a prevista na al. c).

64. A este propósito, no que se refere ao aproveitamento do benefício fiscal relativo aos incentivos fiscais à I&D empresarial ("SIFIDE"), pretende que os valores que a este título se encontram disponíveis sejam por sua vez deduzidos à coleta de tributação autónoma apurada nos termos do art.º 88.º do CIRC.

Assim,

65. Pretende que o valor de € 43.138,18 (quarenta e três mil, cento e trinta e oito euros e dezoito cêntimos) seja deduzido à coleta de tributação autónoma uma vez que relativamente ao IRC não havia qualquer coleta suscetível de aproveitar da dedução daquele benefício.

§ IV.I.II.II Da apreciação

66. O thema decidendum consiste em conhecer aqui se à coleta de tributação autónoma podem ser deduzidas ou não quantias respeitantes a benefícios fiscais, maxime respeitantes ao próprio SIFIDE.

67. A validação do valor em causa tão somente importará caso se admita que é possível fazer a dedução requerida pela Requerente. E não é.

68. Não se pode olvidar o espírito que presidiu à estatuição da tributação autónoma e dos benefícios fiscais, realidades distintas e com interesses imediatos e mediatos igualmente díspares a ponto de impedirem a sua respetiva convergência, sobretudo no que tange à dedução à primeira da importância respeitante a estes últimos.

Por isso,

69. Medindo os interesses em contenda não merece proceder a pretensão formulada pela Requerente, visto que o exercício do direito ao benefício não é absoluto, pois ele próprio é acolhido de limites, incluindo materiais, conforme adiante melhor o demonstraremos.

70. O denominado benefício fiscal SIFIDE permite às empresas a obtenção de um benefício em sede imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, e é promovido, em relação às despesas de investimento em ativos afetos à exploração.

71. Este benefício é consubstanciado num crédito fiscal suscetível de ser aproveitado para os termos e efeitos de dedução desse valor na própria coleta (estrita) de IRC (ou de outras realidades cuja tributação igualmente parte a partir do lucro tributável), sem prejuízo dessa quantia, em caso de insuficiência de coleta, ser "transportado" para exercícios posteriores.

72. À luz do regime do SIFIDE facilmente se descortina que as quantias decorrentes daquele benefício fiscal são passíveis de dedução aos montantes apurados nos termos daquele art.º 90.º do CIRC, e até à sua concorrência, sempre na "liquidação" respeitante ao período de tributação onde se insere o reconhecimento contabilístico dos gastos a coberto do benefício.

73. Ou seja, para os termos e efeitos do referido benefício, a dedução é efetuada ao montante apurado naqueles precisos termos, isto é, à estrita coleta de IRC conexa com o lucro tributável e apurada nos termos do art.º 90.º e não à coleta que resulta das realidades autonomamente tributadas nos termos do art.º 88.º, cujos procedimentos de apuramento são, repita-se, distintos.

74. O legislador fiscal considerou-os como autónomos e distintos quando, no SIFIDE, restringido ao perímetro do rendimento, apenas se reportou ao disposto no art.º 90.º, isto é, ao apuramento em concreto no âmbito do IRC stricto sensu e a outras figuras cujo ponto de partida seja o lucro tributável e que revelem a mesma identidade ao nível do sujeito ativo da relação jurídico-tributária.

75. De acordo com a jurisprudência já firmada, a autonomia desta realidade prende-se essencialmente com os factos sobre os quais incide e às especificidades do seu apuramento, mas já não, juridicamente, em relação às restantes parcelas do IRC, uma vez que nesta ótica a tributação autónoma não deixa de ser IRC na sua conceção mais ampla.

76. Por sua vez, o n.º 2 do art.º 90,º do CIRC, dita a forma de proceder à liquidação do imposto, enumerando, exaustivamente e por ordem, todas as deduções permitidas à coleta apurada nos termos do n.º 1 do mesmo normativo, e esta liquidação é a que tem por base a matéria coletável definida nos termos do regime do SIFIDE.

77. A coleta a que se refere esta norma quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte, é apurada com base na matéria coletável que conste nessa liquidação, sendo o crédito em que se traduz o SIFIDE deduzido apenas à coleta com base na matéria coletável.

78. Efetivamente, a coleta de IRC está - e ao contrário da de tributação autónoma - dependente da obtenção de um resultado positivo por parte da empresa, e resulta da aplicação ao mesmo da taxa devida, pelo que não está previsto, em momento algum, entrar em linha de conta com as tributações autónomas que, como o próprio nome Indica, são autónomas, ou seja, independentes do resultado obtido pela empresa e sempre devidas na sua totalidade, já que o Código não prevê quaisquer deduções às mesmas.

79. Portanto, por aqui entendemos que os valores que decorrem daqueles benefícios não podem de maneira alguma servir de dedução à coleta que resulta do espetro da tributação autónoma do elenco previsto no artigoº 88.º, visto que, para estes efeitos, a coleta apurada no âmbito do art.º 90.º não é equivalente à coleta que por sua vez resulta do agregado das realidades sob o jugo da tributação autónoma.

80. Por conseguinte, permitir que o valor apurado na coleta em sede de tributação autónoma fosse passível de aproveitar do efeito "da dedução" das quantias relativas ao crédito fiscal que decorre do SIFIDE, conduziria ao confronto direto com a sua finalidade imediata, designadamente o desincentivo à aquisição e utilização de certos bens e serviços de consumo ou uso misto.

81. Mais, por não se inscrever na estrita cédula da concreta tributação do rendimento, mas no da ótica inversa (a da despesa), a tributação autónoma e a respetiva coleta não aproveitam de benefícios fiscais cuja enfatização se verifica ao nível do rendimento e não no da despesa, como sucede nos conhecidos casos respeitantes aos benefícios fiscais tais como o aqui em apreço.

82. Carece de absoluta razoabilidade admitir, nesses termos, qualquer dedução à coleta que resulta da tributação autónoma, quando a lei desde logo igualmente não permite que o valor da mesma possa ser deduzido ao lucro tributável do período.

83. Por conseguinte, seria um paradoxo promover o esvaziamento da coleta de tributação autónoma por força da sua redução por aproveitamento de quantias concedidas por razões e Interesses que ab initio brigam com os propósitos da estatuição da primeira, beneficiando fiscalmente precisamente aqueles a que o legislador quis "penalizar" por intermédio de um mecanismo (acessório) que tributa despesa, eliminando ou reduzindo por via indireta qualquer vantagem fiscal que seja no estrito perímetro da tributação do rendimento e, em consequência, na respetiva coleta e receita final sob pena de "fraude à lei".

84. Mais grave, seria aceitar fiscalmente essa dedução quando, nos lermos da lei, o próprio legislador fez questão de sublinhar cautelas quanto à convivência entre os benefícios fiscais e a verificação de determinadas despesas e encargos, tal como sucedeu, por exemplo, no n.º 2 do referido art.º 88.º do CIRC.

85. Ainda na esteira de outra jurisprudência arbitral, considerou-se que "(...) não seria razoável, antes até contrário ao motivo que levou o legislador a tributar autonomamente aquelas despesas que, através da sua dedução ao lucro tributável a titulo de gastos, fosse eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas" tendo-se "(...) assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos "outros impostos" de que nos dá conta a parte final da al. a) do n.º 1 do artigo 45ºdo CIRC".

86. Igualmente é entendido que "(...) visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais Incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador."

87. Mais: (...) as tributações autónomas, que incidem sobre encargos dedutíveis para os termos e efeitos do apuramento da base tributável de IRC, integram o regime e são devidas a título deste imposto, não constituindo as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.

88. Tanto mais que, recorde-se, sendo a tributação autónoma um regime excecional no enquadramento jurídico-constitucional da tributação do rendimento acréscimo e do rendimento real, o regime deve ser então, objeto de uma Interpretação restritiva, pois seria contrário ao espírito do sistema permitir que, por força das deduções a que se refere o n.º 2 do citado art.º 90.º, fosse retirado à tributação autónoma esse caráter antiabusivo que presidiu à sua implementação no âmbito do próprio sistema do IRC.

89. Cumpre ainda sublinhar, à cautela, que tão pouco é legítimo dizer que a matriz antiabuso tributação autónoma não obsta ao impedimento da dedução do valor do benefício à coleta daquela, tal como sucede com outras disposições específicas antiabuso disseminadas pelos diversos códigos tributários.

Com efeito,

90. Ao invés do que acontece ao nível da tributação autónoma, de natureza antiabuso, de ação "indireta", nas disposições antiabuso "diretas" (quer na cláusula geral antiabuso, quer nas sniper approach) o correlativo trato fiscal pela ocorrência dos factos legalmente previstos encontra-se circunscrito ao chamamento à base tributável; o legislador fiscal entendeu que a atuação destas seria preconizada no âmbito do patamar da determinação da matéria coletável e não, a jusante, na fase de apuramento da coleta.

 91. Nas normas antiabuso "diretas", tanto a censura fiscal como o seu sancionamento são diretamente prescritos no capítulo da matéria coletável, sendo aí que o legislador fiscal cristalizou, por um lado, a sua censura e, por outro, o respetivo sancionamento.

92. É o que sucede, por exemplo, ao nível das normas legalmente previstas em sede de "preços de transferência", de "subcapitalização", etc.

93. Não temos dúvidas: a admitir-se a dedução do benefício fiscal SIFIDE à coleta de tributação autónoma da mesma forma que sucede com a estrita coleta de IRC ou de outras figuras tributárias imediatamente conexas com o rendimento, mais não se estaria do que a afastar a diretriz sancionatória que presidiu à consagração do regime daquela.

94. Seria uma contradição que esta tributação autónoma (apurada num contexto de comportamentos eventualmente abusivos) se esgotasse pela dedução decorrente de uma despesa (benefícios fiscais) que o Estado suporta com vista a induzir ao investimento e consequente desenvolvimento dos próprios Estados e das empresas.

95. Recorde-se o que já foi dito, a dedução no âmbito dos benefícios fiscais não é de exercício absoluto, pois o seu regime é norteado por limites de natureza formal, temporal e material, sendo que este último impede a eliminação ou mitigação da coleta apurada sob a alçada do mecanismo antiabuso que postula a autonomia da tributação de determinadas realidades (de despesa e não de rendimento), a ponto de, em consequência, igualmente impedir a menor oneração fiscal pelo custeio de realidades que o legislador fiscal considerou como potencialmente litigantes.

Destarte,

96. Nesta parte, atento o exposto, considerando o impedimento da dedução requerida, deve improceder o pedido ora formulado pela Requerente, com todas as consequências legais que ao caso caibam, ficando, conforme se disse, prejudicada uma qualquer aferição e validação nossa relativamente aos valores colocados em questão.

§V. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com tudo o anteriormente exposto, somos de propor que o pedido de revisão formulado nos presentes autos seja indeferido de acordo com o teor do "quadro-síntese" desde logo melhor identificado no intróito desta nossa informação, com todas as consequências legais.

Mais se propõe que, igualmente em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Requerente, de acordo com as normas insertas nos artigos 35.º a 41.º, todos do CPPT, através de ofício, para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto no art.º 60.º da LGT.

 

  1. Em 19-03-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Questão da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação precedidos de revisão oficiosa

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que o pedido de pronúncia arbitral sub judice vem formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) relativo ao ano de 2014, formulado, a 16-08-2017, quando já decorreu o prazo de reclamação graciosa a que alude o artigo 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e que o artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual a Autoridade Tributária e Aduaneira ficou vinculada à jurisdição arbitral exclui as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT.

A Requerente respondeu, defendendo, em suma, que o pedido de revisão oficiosa deve ser considerado equivalente a uma reclamação graciosa, por dar oportunidade à Autoridade Tributária e Aduaneira de apreciar a legalidade da autoliquidação, antes de a questão ser submetida à apreciação do Tribunal Arbitral.

No caso em apreço, constata-se que, na sequência da autoliquidação relativa ao exercício de 2014, foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira a liquidação n.º 2016..., que consta do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido.

Na notificação desta liquidação, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, é indicado expressamente que a Requerente a pode impugnar contenciosamente.

Assim, apesar de ter havido autoliquidação, houve uma posição posterior a ela assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao emitir a liquidação n.º 2016..., o que afasta, desde logo, o enquadramento da situação na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

De qualquer forma, não procede a excepção.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

Na alínea a) do artigo 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (artigo 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

No caso em apreço, é pedida a declaração anulação de uma liquidação subsequente a autoliquidação, na sequência do indeferimento de um pedido de revisão de actos tributários efectuado após o decurso do prazo de dois anos previstos no artigo 132.º do CPPT.

Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no artigo 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo artigo 2.º do RJAT.

Na verdade, neste artigo 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».

No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ( [1] )

O mesmo sucede com a decisão do recurso hierárquico, expressamente indicada na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT como termo inicial do prazo de apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral.

A referência expressa aos artigos 131.º a 133.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos dos tipos aí referidos.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Quanto à correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.

Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto». ( [2] )

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos dos tipos referidos nos artigos 131-º a 133.-º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º», regime este que é aplicável aos actos de retenção na fonte por remissão do n.º 6 do artigo 132.º do CPPT. Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação ou retenção na fonte e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação ou retenção na fonte é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º e 3 e 6 do artigo 132.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [3] )

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes foram expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT. E aos actos de autoliquidação, praticados pelo sujeito passivo, são equiparáveis, por mera interpretação declarativa, os de retenção na fonte que são praticados pelo substituto tributário, que é considerado sujeito passivo (artigo 18.º, n.º 3, da LGT).

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e retenção na fonte e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência aos artigos 131.º a 133.º do CPPT, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos dos tipos referidos, acabaram por incluir referência aos artigos 131.º a 133.º que não esgotam as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.

Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de retenção na fonte que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

No que concerne à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira de que «o entendimento (...) de que os litígios que tenham por objecto a declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da AT». ( [4] )

Na verdade, a Constituição não impõe que a interpretação dos diplomas normativos tenha de cingir-se ao teor literal e, no caso em apreço, como se explicou, devidamente interpretadas as normas do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conclui-se que a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange os casos em que actos de autoliquidação foram precedidos de pedidos de revisão oficiosa. Por isso, a interpretação que se fez não aumentou a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação ao que está regulamentado, antes definiu exactamente os seus termos, que resultam do diploma regulamentar.

Por outro lado, ao interpretar e aplicar as normas jurídicas, este Tribunal Arbitral está a desempenhar a função que lhe está constitucionalmente atribuída (artigos 202.º, n.º 1, 203.º e 209.º, n.º 2, da CRP), pelo que nem se vislumbra como possa existir violação dos princípios da separação de poderes, do Estado de Direito e da legalidade, pois o decidido por este tribunal evidencia, precisamente, a perfeita concretização desses princípios: a Assembleia da República autorizou o Governo a legislar (artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril); o Governo, no uso de poderes legislativos, emitiu o RJAT; a Administração, através de dois membros do Governo, emitiu a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março; o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou os diplomas normativos referidos.

No que respeita ao princípio do direito de acesso, causa perplexidade a alegação da sua violação feita perante um Tribunal Arbitral, um órgão absolutamente independente de ambas as Partes, que lhes deu oportunidade de alegarem o que entenderam conveniente para defesa das suas posições sobre a questão da incompetência, que ponderou as suas razões e aplicou a sua interpretação do regime legal aplicável numa decisão profusamente fundamentada: é precisamente nisto que consiste a essência do direito de acesso à justiça, a possibilidade de obter uma decisão de um órgão independente que, através de um processo equitativo, pondere os argumentos das Partes e aplique às questões suscitadas sua interpretação do regime jurídico aplicável.

Quanto à invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, definido no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, em que se refere que «o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributário», tratar-se-á, decerto, de lapso, já que ao decidir sobre a sua competência o Tribunal Arbitral não está a praticar qualquer acto de disposição de crédito. Por outro lado, nem se vê a que crédito se referirá a Autoridade Tributária e Aduaneira, já que no presente processo, em que está em causa um acto de liquidação cujo imposto foi pago, não está em causa a cobrança de qualquer crédito tributário, estando já extinto, pelo pagamento, o hipotético crédito que poderia existir e nem sequer é alegado que exista, qualquer outro crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação à Requerente relacionado com a autoliquidação ou a liquidação em causa.

Para além disso, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários aplica-se à Administração e não aos Tribunais, como entendeu o Tribunal Constitucional, na esteira da generalidade da doutrina. ( [5] )

Improcede, assim, esta excepção de incompetência, derivada de não ter sido apresentada reclamação graciosa dos actos de retenção na fonte.

Essencialmente neste sentido, relativamente a actos de autoliquidação, pode ver-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-04-2017, proferido no processo n.º 08599/15.

 

 

4. Matéria de direito

 

4.1. Aplicabilidade dos artigos 89.º e 90.º do CIRC ao cálculo das tributações autónomas

 

Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, vigente no ano de 2014:

 

 

Artigo 89.º

 

Competência para a liquidação

 

A liquidação do IRC é efectuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos restantes casos.

 

Artigo 90.º

 

Procedimento e forma de liquidação

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

 

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;

b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;

c) A relativa a benefícios fiscais;

d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

3 – (Revogado)

4 - Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 - As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.( [6] )

8 - Relativamente aos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, ao montante apurado nos termos do n.º 1 apenas são de efetuar as deduções previstas nas alíneas a) e) do n.º 2.

9 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

10 - Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.

11 - Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com caráter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

12 - A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

 

 

Os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.

Na verdade, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código.

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo, com vigência no ano de 2014, qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, no ano de 2014, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais, com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ( [7] )

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária a autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e é com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.

Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que, em 2014, previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».

Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independentemente de ser ou não qualificável como verdadeiramente interpretativa ( [8] ), em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores». Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base nos elementos de que a administração fiscal disponha», que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

O mesmo se passa com a redacção dada àquele n.º 21 do artigo 88.º pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.

Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.

 

4.2. Aplicabilidade das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC
à colecta de IRC resultante de tributações autónomas

 

Pelo que se referiu, pelo menos até à Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não havia qualquer disposição legal que indicasse qualquer procedimento especial de liquidação do IRC resultante das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do n.º 3 do artigo 103.º, por a liquidação não ser efectuada «nos termos da lei», tinha de ser feita aplicação do procedimento previsto no artigo 90.º do CIRC.

 Sendo a colecta de IRC, quer a resultante do lucro tributável, quer a resultante de tributações autónomas, apurada através do procedimento de liquidação previsto no artigo 90.º do CIRC, são potencialmente aplicáveis a tal colecta as deduções previstas no n.º 2 o mesmo artigo, que se reportam «ao montante apurado nos termos do número anterior», sem qualquer distinção sobre a natureza dos tipos de colecta de IRC que nesse montante estão incluídos.

Por isso, do teor literal do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, não resulta qualquer obstáculo à aplicação das deduções à parte do montante apurado nos termos do n.º 1 derivado de tributações autónomas.

Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31-05-2017, proferido no processo n.º 466/16, «a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC. Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas».

Na verdade, só com a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que aditou ao artigo 88.º do CIRC um n.º 21, passou a existir uma norma em que se afasta a possibilidade de aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC ao montante apurado com tributações autónomas, estabelecendo-se o seguinte:

 

21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.

 

Na parte final desta norma, restringe-se o âmbito de aplicação das deduções previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC à colecta de IRC derivada do lucro tributável.

A Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, veio reafirmar o afastamento da aplicabilidade das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à colecta de IRC resultante de tributações autónomas ao estabelecer o seguinte:

 

21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.

 

A este n.º 21 do artigo 88.º do CIRC foi atribuída natureza interpretativa, pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016 e pelo artigo 233.º da Lei n.º 114/2017, respectivamente.

No entanto, o Tribunal Constitucional, no citado acórdão n.º 267/2017, já afirmou a inconstitucionalidade daquele artigo 135.º na parte em que, por efeito do carácter meramente interpretativo que atribui à 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, afasta a possibilidade de dedução ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC de deduções permitidas em anos fiscais anteriores a 2016.

Esta decisão do Tribunal Constitucional baseou-se no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva, de que o Tribunal Constitucional entendeu resultar que «o legislador não pode criar impostos com tal natureza ou introduzir nos impostos existentes modificações que, com efeitos retroativos, os agravem» e que «está em causa a proibição de estatuir consequências jurídicas novas que constituam ex novo ou agravem situações fiscais já definidas, nomeadamente o quantum devido a título de certo imposto e previamente definido em razão da verificação de todos os factos relevantes à luz do direito aplicável antes da estatuição das consequências jurídicas novas».

Por isso, na linha desta jurisprudência, a constitucionalidade da interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, de forma a excluir a possibilidade de deduções à colecta de IRC resultante de tributações autónomas, depende de ela já dever ser efectuada à face do regime anterior àquela lei n.º 7-A/2016, pois é constitucionalmente inadmissível a retroactividade desfavorável aos contribuintes de normas fiscais de que resulte obrigação de pagamento de impostos.

Deve notar-se, porém, desde logo, que a nova redacção dada pela Lei n.º 114/2017 ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, ao afastar a possibilidade de deduções ao montante global das tributações autónomas «ainda que essas deduções resultem de legislação especial» esclarece, com natureza interpretativa (nesta parte sem problemas de constitucionalidade, por se tratar de retroactividade favorável aos contribuintes), que existia legislação especial de que resultava que fossem feitas deduções ao montante das tributações autónomas, vindo assim, reconhecer, com a autoridade legislativa de uma interpretação autêntica, o que já vinha sendo paciente e reiteradamente explicado pela jurisprudência arbitral.

Por isso, sendo constitucionalmente inadmissível, pelo que referiu o Tribunal Constitucional no acórdão citado, que esta nova lei venha afastar a possibilidade de deduções admissíveis à face da legislação vigente até a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, a questão que se coloca, para solucionar as questões de legalidade da autoliquidação e posterior liquidação e da decisão da do pedido de revisão oficiosa que são colocadas no presente processo, é a de saber se, antes desta lei, já deveria fazer-se a interpretação restritiva que nela veio a ser explicitada, já deveriam fazer-se restrições à aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à parte da colecta de IRC resultante de tributações autónomas.

Na verdade, o facto de a letra do n.º 2 do artigo 90.º apontar no sentido da aplicação das deduções à colecta resultante das tributações autónomas, essa dedutibilidade não excluía a possibilidade de interpretação restritiva, se «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)». ( [9] )

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa defende precisamente que deve ser efectuada uma interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, ao dizer, no ponto 125 da Informação em que se baseia:

 

sendo a tributação autónoma um regime excecional no enquadramento jurídico-constitucional da tributação do rendimento acréscimo e do rendimento real, o regime deve ser então, objeto de uma Interpretação restritiva, pois seria contrário ao espírito do sistema permitir que, por força das deduções a que se refere o n.º 2 do citado artigoº 90.º, fosse retirado a tributação autónoma esse caráter antiabusivo que presidiu à sua implementação no âmbito do próprio sistema do IRC.

 

Como fundamento para uma interpretação restritiva poderia, numa primeira análise, aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas, designadamente algumas das que têm por base de incidência «despesas» ou «encargos» ( [10] ), visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.

No entanto, como foi legislativamente reconhecido pela redacção dada ao n.º 21 do artigo 88.º pela Lei n.º 114/2017 (aqui com força interpretativa constitucionalmente irrepreensível à face do artigo 103.º, n.º 3, da CRP), há legislação especial de que resultam deduções à colecta derivada de tributações autónomas, que são necessariamente situações em que legislativamente se deu preferência a satisfação dos interesses que justificam as deduções em relação aos que se visam com as tributações autónomas, o que sucede com as normas sobre benefícios fiscais dedutíveis à colecta de IRC.

 Por outro lado, a natureza de normas antiabuso, destinadas a evitar a fraude e a evasão fiscal, não exclui a possibilidade de deduções à colecta de IRC que com a aplicação dessas normas for determinada, o que é manifesto em relação à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização e também as correcções resultantes da aplicação da norma geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Ainda por outro lado, é também evidente que a natureza antiabuso de algumas das tributações autónomas que visam desincentivar despesas e evitar evasão fiscal não poderia servir para justificar a não dedução dos benefícios fiscais a toda a colecta de IRC resultante de tributações autónomas, pois a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC não incide sobre despesas ou encargos, mas sim sobre «lucros», sendo uma forma de tributação de lucro complementar ou alternativa em relação à prevista para a generalidade dos rendimentos. Para além disso, a tributação autónoma prevista no n.º 8 do artigo 88.º não tem subjacente qualquer intenção de desincentivar a realização das operações a que se refere, mas sim impor aos contribuintes especiais deveres probatórios em situações em que a tributação mais favorável dos destinatários das despesas pode suscitar dúvidas sobre a realidade e normalidade das operações, pois a tributação autónoma é afastada «se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado».

Para além disso, mesmo em relação a algumas tributações autónomas que incidem sobre despesas, não seria compatível com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade impor tributação com fundamento numa hipotética intenção legislativa de desincentivar a utilização de motociclos para certas actividades para que eles são indispensáveis, como sucede com os espectáculos com motociclos, ou para que têm evidente adequação, correspondendo a sua utilização a manifesta boa gestão empresarial ( [11] ) e seria especialmente inconcebível incluir no âmbito dessa intenção desincentivadora o próprio pagamento dos «impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização», a que se refere a parte final do n.º 5 do artigo 88.º, que até deverá ser assegurado coercivamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no caso de o contribuinte se sentir desincentivado a efectuar esse pagamento.

Assim, o entendimento de que todas as tributações autónomas visam tributar despesas ou desincentivar ou sancionar comportamentos, que pode resultar de uma primeira análise aligeirada, depara, numa percepção mais incisiva, com uma incontornável falta de correspondência com a realidade, sendo mais coerente, como explicação global, a ideia de que estamos «perante um mecanismo cujo objetivo último é o de contribuir para a “normalização” da tributação em sede de IRC, isto é, para o funcionamento deste imposto na sua forma mais pura e mais próxima das suas raízes de imposto sobre o lucro obtido pelas pessoas coletivas. Nesse sentido, as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC, que é o de tributar lucros permitindo a dedução das despesas em que os sujeitos passivos têm que incorrer com vista à realização dos rendimentos tributáveis». ( [12] )

            Como também se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas como uma forma de tributação de rendimentos empresariais:

«A Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas».

(...)

«as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.

 (...)

Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.

Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos».

 

Na verdade, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude que o legislador lhes tem vindo a atribuir ( [13] ), para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indirectas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas e encargos que revelam capacidade contributiva, ou mesmo, nos casos das tributações autónomas previstas nos n.ºs 8 e 11 do artigo 88.º, como formas complementares de tributar directamente rendimentos, em situações em que eles serão presumivelmente gerados, sem tributação, na esfera jurídica de terceiros.

Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa colectiva tem como corolário um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que a imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas ou encargos suportados, constitui uma forma de tributar indirectamente o seu rendimento. ([14])

O novo artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», deixa entrever que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos, são impostos que directa ou indirectamente incidem sobre os lucros reais ou presumidos.

Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas indirectas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efectuar a liquidação de IRC.

De qualquer modo, uma interpretação restritiva só pode resultar, à face da redacção do CIRC anterior à Lei n.º 7-A/2016, da conclusão de que o texto do n.º 2 do artigo 90.º, em alguma medida, não corresponda ao pensamento legislativo, designadamente se se puder concluir que a razão justifica alguma ou algumas das deduções, apenas se compagina com a sua aplicação à colecta de IRC resultante do lucro tributável.

E, naturalmente, em face da proibição constitucional da aplicação retroactiva do afastamento global da dedutibilidade a situações anteriores à Lei n.º- 7-A/2016, serão de aplicar as deduções quando elas resultam da legislação especial a que se refere a redacção do n.º 21 do artigo 88.º introduzida pela Lei n.º 114/2017.

Na verdade, pelo menos nestes casos em que as deduções resultam de lei especial, estará afastada necessariamente a possibilidade de as afastar por via de uma interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º, pois é essa lei especial, precisamente por o ser, que impõe a sua aplicação, já que as leis especiais se sobrepõem às leis gerais nos seus específicos domínios de aplicação.

É a esta luz que importa apreciar cada uma das situações em que a Requerente pretende efectuar dedução à colecta de IRC resultante de tributações autónomas.

 

 

4.3. Dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE à colecta de IRC derivada de tributações autónomas

 

O SIFIDE - Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial foi criado pela Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, com vigência prevista para os anos de 2006 a 2010, mas foi reformulado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro para vigorar até 2015 como Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II).

Posteriormente, foi alterado pelos artigos 163.º e 164.º da Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, e transferido para os artigos 33.º a 40.º do Código Fiscal do Investimento, republicado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho.

Os artigos 33.º, 35.º, 36 e 38.º do Código Fiscal do Investimento foram alterados pela Lei n.º 83-C/2013 (artigos 211.º e 212.º), aumentando-se o período de vigência até 2020 (no n.º 1 daquele artigo 36.º).

Depois, o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, aprovou um novo Código Fiscal do Investimento, em que integrou o SIFIDE II.

No caso em apreço, está em causa a dedução em 2014 de investimentos realizados em 2009, 2010 e 2011, o que era viável por força do disposto no artigo 4.º, n.º 3, da Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, e no artigo 4.º, n.º 4, do SIFIDE II, na redacção dada pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que estabelecem que «as despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato».

Sobre o âmbito da dedução, o artigo 4.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 40/2005, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 4.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 83.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas no período de tributação que se inicie em 1 de Janeiro de 2006, numa dupla percentagem: ( [15] )

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período; (Redacção da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março)

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000. (Redacção da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março)

 

2 - A dedução é feita, nos termos do artigo 83.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

3 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas poderão ser deduzidas até ao 6.º exercício imediato.

 

O artigo 4.º, n.ºs 1, 3 e 4, do SIFIDE na redacção da Lei n.º 55-A/2010 estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 4.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

 

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

 

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.

 

(...)

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.

(...)

 

 

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questionou que a Requerente preencha os requisitos subjectivos e objectivos para poder beneficiar do SIFIDE, tendo indeferido a revisão oficiosa por entender que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efectuada à colecta de IRC resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.

Como se referiu, o artigo 90.º do CIRC reporta-se também à liquidação das tributações autónomas.

E, como também se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma autoliquidação.

Os referidos diplomas que aprovaram o SIFIDE e o SIFIDE II não referem que os créditos aí previstos são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes definem o âmbito da dedução aludindo, nos n.ºs 1 dos seus artigos 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 83.º do Código do IRC, e até à sua concorrência» ( [16] ) e «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».

O n.º 2 do artigo 4.º daquele primeiro diploma e o n.º 3 do mesmo artigo 4.º do segundo diploma confirmam que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizerem, com a actualização resultante da referida renumeração, que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».

Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que o artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE II, ao estabelecer a dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», implica a dedução ao montante das tributações autónomas que são apuradas nos termos desse artigo 90º.

O facto de os artigos 5.º do SIFIDE I e do SIFIDE II afastarem o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indirectamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos susceptíveis de os reduzirem) não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indirectos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais), reportando-se a meios de determinar o lucro tributável, cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria colectável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC. Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indirectos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à colecta das tributações autónomas, que é determinada por métodos directos.

Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE I e do SIFIDE II ser limitada à colecta do artigo 90.º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja colecta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável do exercício, designadamente por força das tributações autónomas e outras componentes positivas do imposto.

Assim, apontando o teor literal dos artigos 4.º do SIFIDE I e do SIFIDE II no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas a apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.

A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ( [17] ) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.

De qualquer modo, como se referiu, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer».

Ora, mesmo relativamente às tributações autónomas que visam desincentivar despesas, o desincentivo de comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE I e II, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, por se entender que a capacidade de investigação e desenvolvimento é factor decisivo para a competitividade das empresas e do país, bem como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, o que se refere com clareza na fundamentação da Proposta de Lei n.º 5/X e no Relatório do Orçamento do Estado para 2011:

 

Proposta de Lei n.º 5/X

 

A capacidade de investigação e desenvolvimento (I&D) das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVII Governo, assim como em relatórios internacionais recentes, nomeadamente nas conclusões do relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) “Tax Incentives for Research and Development”, 2003, e no relatório da Comissão Europeia sobre “Monitoring Industrial Research”, 2004.

(...)

Importa, pois, repor, como previsto no Programa do Governo, os incentivos fiscais de dinamização da I&D empresarial em cooperação com as Universidades e outras Instituições de investigação, que terá um papel fundamental na implementação do Plano Tecnológico. A meta apontada, de triplicar as actividades de I&D pelas empresas a laborar em Portugal, só é possível com um redobrar do apoio público às empresas que efectivamente queiram apostar na inovação científica e tecnológica como eixo central das suas estratégias de competitividade. O apoio sob a forma de incentivo fiscal terá uma importância crescente, não só por ser uma forma mais expedita para as empresas que queiram intensificar os seus investimentos de forma organizada e continuada, como por permitir alavancar os efeitos dos apoios financeiros. Nas medidas de apoio financeiro à I&D em consórcio entre empresas e instituições de investigação do QCA 3 (POCTI e POSI) foi introduzida uma componente de apoio reembolsável, que representa um passo assinalável no envolvimento das empresas nos resultados dos projectos. A reposição do SIFIDE, ao permitir deduzir parte dos reembolsos que irão efectuar às entidades financiadoras, é um justo prémio a um envolvimento que se quer crescente.

 

 

II.2.2.4.4. Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento
Empresarial II (SIFIDE)


Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento).

Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios internacionais recentes.

É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à colecta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atractivos e competitivos.

 

Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo, se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais.

A importância que, na perspectiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no SIFIDE I e no SIFIDE II, é decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicado como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC (a que corresponde o artigo 86.º, na redacção anterior à renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho).

             Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º (anterior artigo 86.º) que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE I e no SIFIDE II é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal, a partir de 2010, ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.

            Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE I e do SIFIDE II à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.

            Por outro lado, a eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que apresentassem lucro tributável reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, nos períodos de vigência do SIFIDE I e do SIFIDE II, especialmente a partir do agravamento da crise económica em 2008, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.

            Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2011, mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e no período de tributação de 2011 apenas 26% dos sujeitos passivos apresentaram IRC Liquidado (Quadro 7), e cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.). ( [18] ).

Por isso, a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente ao SIFIDE I e ao SIFIDE II do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Trata-se, por isso, da solução manifestamente mais acertada e que, por o ser, tem de se presumir ter sido legislativamente consagrada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, como se referiu, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida.

Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no SIFIDE I e no SIFIDE II, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC, a ponderação que necessariamente está subjacente ao SIFIDE I e ao SIFIDE II é a da opção pela criação do incentivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento preferível, na perspectiva legislativa, à arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.

E, no caso do benefício fiscal do SIFIDE I e do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal referidas legislativamente que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um factor decisivo na competitividade futura do país, que é fundamental para o próprio incremento das receitas fiscais.

            Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa sempre prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento.

            Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adoptadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.

Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do SIFIDE I e do SIFIDE II, que estabelecem um regime de natureza excepcional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer nos trabalhos preparatórios, a menor preocupação legislativa.

Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o SIFIDE I e o SIFIDE II, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída (que implica a sua inconstitucionalidade, por retroactividade prejudicial aos contribuintes, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017).

Com efeito, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de normas especiais de diplomas avulsos, como são o SIFIDE I e o SIFIDE II.

E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». ( [19] )

De resto, foi o próprio legislador que, recentemente, através da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, veio reconhecer expressa e inequivocamente, com explícita intenção interpretativa declarada no seu artigo 233.º (constitucionalmente admissível na medida em que não for desfavorável aos contribuintes), que existem normas especiais de que resulta que deveriam ser feitas deduções ao montante apurado com as tributações autónomas, ao dar nova redacção ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC com o seguinte teor:

«21. A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.

 

Assim, se é certo que esta norma esclarece que é intenção legislativa que não sejam feitas deduções ao montante global apurado com as tributações autónomas, também o é que nela se reconhece que resultava de legislação especial que fossem feitas deduções, sendo esse, precisamente, o caso das normas que prevêem benefícios fiscais por dedução à colecta de IRC.

Mas, se dessas normas especiais resultava que fossem feitas deduções ao montante global apurado das tributações autónomas, é manifesto que não é compaginável com o princípio constitucional da proibição da retroactividade das normas que criem impostos (artigo 103.º, n.º 3, da CRP) o afastamento desse resultado por uma lei posterior, a todos os que, ao abrigo dessas leis especiais em que confiaram, criaram as condições para obter as deduções anunciadas legislativamente como resultado para os seus investimentos.

A tese inovadora defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que «o próprio funcionamento e objectivo do SIFIDE - de incentivo ao investimento através de uma dedução de uma certa percentagem de um investimento à colecta de um imposto sobre lucros - só se efectiva se houver lucro na medida em que premeia a rendibilidade do investimento» não tem qualquer apoio na letra da lei, antes conflitua com o teor expresso do n.º 6 do artigo 90.º do CIRC em que se estabelece que «quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1». Assim, mesmo que se entenda que os benefícios fiscais não podem ser deduzidos à colecta de tributações autónomas, os investimentos efectuados que não tenham proporcionado lucros serão dedutíveis desde que haja lucro tributável, mesmo que não tenham proporcionado lucros: por exemplo, a circunstância de os investimentos terem sido efectuados numa empresa do grupo que teve prejuízos, não afasta a dedutibilidade dos investimentos previstos no SIFIDE ao lucro tributável do grupo, como resulta do teor expresso do referido no n.º 6 do artigo 90.º do CIRC.

Para além disso, as referidas regras do SIFIDE I e do SIFIDE II visaram incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos nos períodos entre 01-01-2006 e 31-12-2010 e entre 01-01-2011 e 31-12-2015, pelo que, sendo o benefício fiscal de dedução à colecta de IRC a contrapartida anunciada por aqueles diplomas para a adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram.

Na verdade, a interpretação da lei que aqui se faz, que se consubstancia em as deduções resultarem de lei especial que assegura a sua dedutibilidade à colecta de tributações autónomas, era algo com que os contribuintes tinham razões para razoavelmente contar, como evidencia a já abundante e maioritária jurisprudência arbitral que adopta esta interpretação, com o reconhecimento de constitucionalidade que lhe foi dado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017 e com a confirmação de que, em boa interpretação da lei, havia deduções a tributações autónomas que resultavam de legislação especial, que veio a ser imperativamente dada pela Lei n.º 114/2017.

Por isso, o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, nas redacções da Lei n.º 7-A/2016 e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, bem como os artigos 135.º da primeira e 233.º da segunda, que atribuíram natureza interpretativa às novas redacções, são materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios da confiança e da proibição da retroactividade dos impostos, na medida em que sejam interpretados como afastando o direito à dedução à colecta de IRC derivada de tributações autónomas que resulta de investimentos abrangidos pelo SIFIDE I e pelo SIFIDE II, efectuados antes da entrada em vigor da primeira.

Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE I e do SIFIDE II no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que não há fundamento para uma interpretação restritiva quanto a estes benefícios fiscais, pelo que aquelas despesas de investimento são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta de outras componentes da colecta, designadamente de tributações autónomas.

            Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, pois são ilegais a autoliquidação e o indeferimento tácito e expresso do pedido de revisão oficiosa.

Estas ilegalidades justificam a anulação), na parte em causa, da liquidação (e da autoliquidação subjacente e do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4.4. Questão da dedutibilidade às quantias devidas a título de tributações autónomas das quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta

 

            Os pagamentos especiais por conta que a Requerente pretende deduzir foram efectuados no exercício de 2014.

            O artigo 93.º do CIRC foi alterado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, e a nova redacção aplica-se «aos pagamentos especiais por conta relativos aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014» (artigo 12.º, n.º 1, desta Lei).

            O artigo 93.º do CIRC, na redacção vigente em 2013, resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, estabelecia o seguinte:

 

Artigo 93.º

 

Pagamento especial por conta

 

1 – A dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º

2 – Em caso de cessação de actividade no próprio período de tributação ou até ao terceiro período de tributação posterior àquele a que o pagamento especial por conta respeita, a parte que não possa ter sido deduzida nos termos do número anterior, quando existir, é reembolsada mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado nos 90 dias seguintes ao da cessação da actividade.

3 - Os sujeitos passivos podem ainda, sem prejuízo do disposto no n.º 1, ser reembolsados da parte que não foi deduzida ao abrigo do mesmo preceito desde que preenchidos os seguintes requisitos:

a) Não se afastem, em relação ao período de tributação a que diz respeito o pagamento especial por conta a reembolsar, em mais de 10 %, para menos, da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de actividade em que se inserem, a publicar em portaria do Ministro das Finanças;

b) A situação que deu origem ao reembolso seja considerada justificada por acção de inspecção feita a pedido do sujeito passivo formulado nos 90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação.

 

 

Com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, este artigo passou a ter a seguinte redacção:

 

Artigo 93.º

 

Pagamento especial por conta

 

1 - A dedução a que se refere a alínea d) do n.º 2 do artigo 90.º é efetuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao 6.º período de tributação seguinte, depois de efetuadas as deduções referidas nas alíneas a) a c) do n.º 2 e com observância do n.º 9, ambos do artigo 90.º

2 - Em caso de cessação de atividade no próprio período de tributação ou até ao 6.º período de tributação posterior àquele a que o pagamento especial por conta respeita, a parte que não possa ter sido deduzida nos termos do número anterior, quando existir, é reembolsada mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado no prazo de 90 dias a contar da data da cessação da atividade.

3 - Os sujeitos passivos podem ainda, sem prejuízo do disposto no n.º 1, ser reembolsados da parte que não foi deduzida ao abrigo do mesmo preceito no final do período aí estabelecido, mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo daquele período.

 

Como já foi referido, antes do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não existia qualquer disposição legal que estabelecesse a forma de liquidação das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, derivada de falta de previsão legal de procedimento de liquidação, teria de se entender que elas eram liquidadas em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 90.º.

Assim, antes da Lei n.º 7-A/2016, as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, que têm por alvo o «montante apurado nos termos do número anterior», aplicavam-se a esse único montante que de tal apuramento resultava, sempre que não se estivesse perante uma das situações especialmente previstas nos n.ºs 4 e seguintes do mesmo artigo, que não têm aplicação no caso dos autos.

A dedução dos pagamentos especiais por conta a todo o valor apurado nos termos daquele artigo 90.º, n.º 1, alínea a), resulta também do teor explícito do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC, tanto na redacção vigente em 2013 como na introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao estabelecerem que «a dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º» (redacção do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho) e que «a dedução a que se refere a alínea d) do n.º 2 do artigo 90.º é efetuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao 6.º período de tributação seguinte, depois de efetuadas as deduções referidas nas alíneas a) a c) do n.º 2 e com observância do n.º 9, ambos do artigo 90.º» /redacção da Lei n. 2/2014).

O montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º inclui os montantes relativos a tributações autónomas, não havendo qualquer outra declaração específica para este efeito, nem antes nem depois da Lei n.º 7-A/2016.

Na verdade, as declarações previstas no artigo 120.º do CIRC são elaboradas num único modelo oficial aprovado por despacho do Ministro das Finanças, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CIRC.

            Assim, em face do preceituado no n.º 2 do artigo 90.º e no n.º 1 do artigo 93.º do CIRC, até à Lei n.º 7-A/2016, nada no teor literal do CIRC obstava à dedução das quantias dos pagamentos especiais por conta à totalidade da colecta de IRC que foi determinada nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, inclusivamente a derivada de tributações autónomas, dentro do condicionalismo aí previsto.

            Por outro lado, tendo o pagamento especial por conta a natureza de empréstimo forçado ([20]), que cria na esfera jurídica do sujeito passivo um crédito sobre a Administração Tributária, não se afigura irrazoável que ele seja tido em conta em situações em que se gera um inverso crédito desta em relação ao contribuinte.

            Para além disso, se é certo que, à face do regime vigente antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro ter alterado o n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, as quantias pagas a título de pagamento especial por conta nem sempre podiam ser deduzidas ( [21] ), também o é que esse regime foi alterado por aquela Lei, sendo o reembolso admitido sem condições que não sejam a de o sujeito passivo o pedir, no prazo previsto.

Por isso, o texto dos artigos 93.º, n.º 1, e 90.º, n.º 1, do CIRC, corroborado por outras razões, aponta no sentido da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta de IRC derivada das tributações autónomas.

No entanto, o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), pelo que é necessário apurar se se justifica uma interpretação restritiva, à face do regime legal vigente em 2014.

Ora, o regime de reembolso dos pagamentos especiais por conta tem ínsita uma presunção de rendimentos não declarados, como bem se explica na decisão arbitral de 30-12-2015, proferida no processo do CAAD n.º 113/2015-T:

 Como se viu o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 93º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes.

Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.

Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 93º-2-e CIRC se insere, pois o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.

 

Este facto de o pagamento especial por conta ter por finalidade primacial evitar evasão fiscal, tendo por base, na perspectiva legislativa, suspeita de que o lucro tributável que resulta da declaração de rendimentos é inferior ao real ( [22] ) permite concluir que se visa com ele atingir um objectivo que se sintoniza e é cumulável com a finalidade das restantes tributações autónomas, para além de a existência destas em nada afastar aquela suspeita: a existência de colecta de IRC gerada por tributações autónomas não permite deixar de suspeitar que o lucro tributável é inferior ao real e que há evasão fiscal.

Esta finalidade que se pretendeu legislativamente atingir com a criação do pagamento especial por conta justifica uma interpretação restritiva da referência que no artigo 93.º, n.º 1, do CIRC se faz ao «montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º».

Na verdade, seria incongruente que pudessem ser deduzidos à colecta de IRC gerada pelas tributações autónomas os montantes não recuperáveis dos pagamentos especiais por conta por insuficiência de lucro tributável, já que, na perspectiva legislativa, mantêm-se as razões para suspeitar que o que resulta da declaração é inferior ao real e não há razões para afastar a efectividade das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC. ( [23] )

A congruência valorativa e axiológica do sistema jurídico, a que alude o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil ao referir «unidade do sistema jurídico» é o factor interpretativo primacial ( [24] ): «o interesse tutelado por uma norma não pode ser isolado da totalidade dos interesses considerados e tutelados pelo sistema jurídico global. O ordenamento jurídico só pode ser entendido como um sistema de valores tomado como unidade e totalidade, dentro do qual se coordenam e hierarquizam os diferentes valores parciais afirmados pelas diferentes normas» ( [25] ).       Embora o regime de reembolso do pagamento especial por conta tenha sido formalmente facilitado pela nova redacção que a Lei n.º 2/2014 deu ao n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, não deixa de ser necessária a apresentação de um requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças, o que manifestamente tem em vista suscitar uma apreciação casuística do direito ao reembolso, que só se pode justificar pela existência de dúvidas quanto à correcção dos rendimentos declarados.

Neste contexto, compreende-se que os pagamentos especiais por conta sejam imediatamente deduzidos na medida em que há colecta de IRC de lucro tributável suficiente para a dedução dos valores pagos (o que na perspectiva legislativa significará que não há razão para duvidar da existência de rendimentos não declarados), mas já não quando aquela colecta seja insuficiente, pois, mesmo que haja colecta derivada de tributações autónomas, não ficará afastada a presunção de omissão de rendimentos.

O novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, sintoniza-se com este entendimento, pois vem estabelecer expressamente que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efectuadas quaisquer deduções», mas, pelo que se referiu, a interpretação que veio a ser explicitada neste n.º 21 do artigo 88.º do CIRC era já, quanto aos pagamentos especiais por conta (e diferentemente do que sucedia com os benefícios fiscais), a que deveria ser adoptada anteriormente.

Neste contexto, nem será de duvidar da verdadeira natureza interpretativa que o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, atribuiu àquele novo n.º 21.º do artigo 88.º, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução nele prevista de inviabilidade de dedução do pagamento especial por conta ao montante global das tributações autónomas passa o teste enunciado por este Autor:

– a solução que resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC era controvertida, como evidencia aquela decisão arbitral e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;

– o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando há razões para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário optimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar.

 

Por outro lado, ao contrário do que sucede com os benefícios fiscais (como o SIFIDE, o RFAI e o CFEI) não há, no que concerne à dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta, preocupação de protecção de confiança, pois, os pagamentos especiais estão conexionados com o volume de negócios, não dependendo de qualquer específico comportamento que o sujeito passivo fosse levado a adoptar por lhe ser criada a expectativa de obter como contrapartida uma vantagem fiscal.

Não se desconhece que o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017, declarou «inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma do artigo 88.º, n.º 21, 2.ª parte, do Código do IRC - número esse aditado pelo artigo 133.º da citada Lei - segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de pagamento especial por conta nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016».

Mas, esse acórdão do Tribunal Constitucional, quanto à interpretação da lei ordinária, parte de uma errada interpretação da jurisprudência arbitral, pois considerou que «inexistem razões para duvidar do acerto da caracterização como inovadora da solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração feita pelo artigo 133.º da LOE 2016», invocando as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 769/2014-T, 163/2014-T, 219/2015-T e 370/2015-T, quando nenhuma destas decisões se pronuncia sobre a questão de os pagamentos especiais por conta serem dedutíveis à colecta de IRC proveniente de tributações autónomas.

Na verdade, os processos n.ºs 769/2014-T e 219/2015-T reportam-se à dedução de benefícios fiscais à colecta de IRC derivada de tributações autónomas, questão que é substancialmente diferente da que se coloca em relação aos pagamentos especiais por conta, por os benefícios fiscais implicarem uma preferência legislativa pela prossecução dos objectivos extrafiscais que os justificam, que se sobrepõem aos restantes objectivos da tributação.

O processo n.º 163/2014-T tratou a questão da dedutibilidade das quantias respeitantes às tributações autónomas como encargos para efeitos de determinação do lucro tributável e decidiu no sentido negativo.

O único processo dos referidos em que se colocou a questão da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta de IRC derivada de tributações autónomas, foi o processo n.º 370/2015-T, mas o Tribunal Arbitral não tomou conhecimento dessa questão, por a considerar prejudicada.

Pelo contrário, em 31-05-2017, quando o Tribunal Constitucional proferiu o acórdão n.º 267/2017, havia já jurisprudência arbitral no sentido de os pagamentos especiais por conta não serem dedutíveis à colecta de IRC gerada pelas tributações autónomas, designadamente o acórdão de 30-12-2015, proferido no processo n.º 113/2015-T, e já depois da entrada em vigor a Lei n.º 7-A/2016, os seguintes acórdãos, além de outros: de 28-04-2016, proferido no processo n.º 673/2015-T; de 04-05-2016, proferido no processo n.º 781/2015-T; de 13-05-2016, proferido no processo n.º 784/2015-T; de 14-06-2016, proferido no processo n.º 736/2015-T; de 14-06-2016, proferido no processo n.º 745/2015-T; de 11-07-2016, proferido no processo n.º 670/2015-T (com um voto de vencido); de 15-07-2016, proferido no processo n.º 749/2015-T; de 28-08-2016, proferido no processo n.º 722/2015-T; de 25-08.-2016, proferido no processo n.º 746/2015-T; de 07-09-2016, proferido no processo n.º 639/2015-T; de 07-10-2016, proferido no processo n.º 727/2015-T.

De qualquer forma, pelo que se referiu, a interpretação que veio a ser explicitada neste n.º 21 do artigo 88.º do CIRC era já, quanto aos pagamentos especiais por conta (e diferentemente do que sucedia com os benefícios fiscais), a que deveria ser adoptada anteriormente.

Por isso, independentemente da inconstitucionalidade ou não da interpretação autêntica efectuada pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2015, de 30 de Março, e redacção que deu ao artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na parte em que se reporta aos pagamentos especiais por conta, a pretensão da Requerente de que os pagamentos especiais por conta sejam deduzidos à colecta de tributações autónomas não pode proceder.

Consequentemente, a autoliquidação e o indeferimento tácito e expresso do pedido de revisão oficiosa não enfermam de ilegalidade, nesta parte.

 

4.5. Questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira faz algumas referências a princípios constitucionais que entende que seriam violados com as deduções à colecta de IRC derivada de tributações autónomas, com os princípios da igualdade tributária, da justa distribuição dos rendimentos e da riqueza e da separação dos poderes.

As questões só podem ter relevância em relação aos benefícios fiscais, pois é nessa medida que será de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral.

As normas que prevêem benefícios fiscais implicam sempre um tratamento diferenciado para aqueles que deles beneficiam, mas isso não implica violação do princípio da igualdade, pois, quanto aos benefícios fiscais que dependem de um comportamento do sujeito passivo, quem cria as condições para obter benefícios fiscais não está em situação idêntica a quem não os efectua.

Pelo contrário, o que se reconduzira a violação do princípio da igualdade, para além do princípio da confiança, seria não reconhecer o benefício fiscal a quem adoptou o comportamento previsto na lei para dele usufruir.

No que concerne à avaliação legislativa dos interesses conflituantes subjacente à criação de benefícios fiscais, designadamente saber se se justifica sacrificar o interesse da tributação para atingir outros interesses públicos que se sobrepõem ao interesse da tributação e se o benefício é adequado ao comportamento, ou se deveria ser exigido outro requisito para o conceder (a ideia do prémio a quem obtém lucros que a Autoridade Tributária e Aduaneira propugna e não tem qualquer suporte legal) trata-se de matéria inserida no âmbito da discricionariedade legislativa, em que qualquer intromissão da Autoridade Tributária e Aduaneira (ou dos Tribunais) envolveria violação do princípio da separação dos poderes.

Por isso, nesta matéria, num Estado de Direito (artigo 2.º da CRP), em que a Administração Tributária está subordinada ao princípio da legalidade na globalidade da sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), o comportamento constitucionalmente imposto à Autoridade Tributária e Aduaneira é acatar a opção legislativa, em vez de a discutir e procurar sobrepor ao critério legislativo a ponderação de interesses que faria a Autoridade Tributária e Aduaneira se fosse a ela que a Constituição atribuísse o poder legislativo.

O mesmo sucede com os Tribunais, que estão sujeitos à Lei (artigo 203.º da CRP), pelo que quem exerce o poder jurisdicional tem de acatar os ditames legislativos que não colidam com qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

Por outro lado, quanto ao princípio da separação dos poderes, a presente decisão é proferida por um Tribunal, pelo que tem carácter jurisdicional, e, no exercício do poder jurisdicional, é aos Tribunais que incumbe interpretar e aplicar as leis. No caso, este Tribunal interpretou todas as normas em causa, inclusivamente o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, com o sentido que referiu e não com outro. Por isso, a presente decisão arbitral é uma concretização do princípio da separação de poderes.

De resto, não se vê qualquer razão para duvidar que, legislativamente, se permite que empresas que realizam despesas confidenciais, práticas remuneratórias evasivas ou operações com territórios offshore se furtem por inteiro às consequências que a lei lhes associa, desde que a sua actividade envolva despesas relevantes de investigação e desenvolvimento (I&D).

Na verdade, nunca se questionou, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira o faz na fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que as empresas que têm comportamentos desses tipos podem deduzir os benefícios fiscais do SIFIDE.

A divergência entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e a Requerente é apenas sobre a possibilidade de os benefícios fiscais poderem ser usufruídos quando não há lucro tributável do grupo.

Mas, nunca se defendeu que, pelo facto de adoptarem comportamentos que justificam tributações autónomas, as empresas possam ficar privadas de benefícios fiscais, mesmo aquelas que têm relações com territórios ou países de tributação privilegiada, como, por exemplo, o Luxemburgo, a Irlanda, a Holanda, a Bulgária ou a Zona Franca da Madeira, todos integrados na União Europeia.

Nem se vislumbra qualquer razão para discriminar negativamente as empresas que têm de pagar tributações autónomas, pois estas são uma forma de tributação legalmente prevista, sendo mesmo uma excelente fonte de receita do Estado que lhe permite assegurar receitas fiscais em sede de IRC apesar de o sujeito passivo ter prejuízos.

Ainda no que concerne ao princípio da igualdade, não pode deixar de ter-se presente que as tributações autónomas não têm por base a capacidade contributiva das empresas, pois a sua autonomia tributária concretiza-se, precisamente, na imposição de tributação com indiferença pela existência de rendimentos, sendo excepções ao princípio da tributação das empresas com incidência «fundamentalmente sobre o seu rendimento real» (artigo 104.º, n.º 2, da CRP). Por isso, não se vê como seja violado o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º, n.º 2, da CRP, e muito menos o artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que se reporta aos requisitos formais das leis tributárias.

Por isso, a interpretação da Requerente no sentido de que há legislação especial de que resulta a aplicabilidade de deduções à colecta derivada de tributações autónomas, que foi confirmada pela Lei n.º 114/2017, não é incompaginável com o princípio da igualdade e seria incompatível com o princípio da separação de poderes (artigo 2.º da CRP) não acatar a opção legislativa ínsita no SIFIDE quanto a esta dedutibilidade.

Pelo exposto, não ocorre violação dos princípios invocados.

 

 

 

5. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

A Requerente pagou o imposto autoliquidado, como se infere de ter sido determinado imposto a reembolsar.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Por outro lado, como o direito a juros indemnizatórios depende da existência de direito de quantia a reembolsar, dessa competência para decidir sobre o direito a juros indemnizatórios infere-se que ela se estende à apreciação do direito a reembolso.

O direito a reembolso apenas poderá existir relativamente ao montante de € 43.138,18, relativo ao SIFIDE, pois apenas nessa parte procede o pedido de pronúncia arbitral.

O n.º 4 do artigo 4.º do SIFIDE estabelece que «as despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato».

Por isso, para concluir que há, neste momento, direito a reembolso, é necessário demonstrar que o saldo de SIFIDE que transitou para os exercícios seguintes não foi nestes utilizado.

Não é possível, com os elementos que constam do processo, decidir em que medida há neste momento direito a reembolso da quantia de € 43.138,18.

No que concerne a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT apenas reconhece esse direito quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

No caso em apreço, a autoliquidação e a subsequente liquidação enfermam de vício de violação de lei, na parte respeitante à não dedução do montante do SIFIDE à colecta de tributações autónomas, que é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois efectuou a liquidação e a autoliquidação estava de acordo com as suas orientações.

Mas, a Requerente não apresentou reclamação graciosa nem impugnação judicial das liquidações, tendo apresentando, antes, pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT.

O pedido de revisão oficiosa apresentado no prazo da reclamação graciosa, a que alude o n.º 1 do artigo 78.º da LGT é equivalente a esta, como se entendeu nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-07-2006, processo n.º 0402/06, e de 15-04-2009, processo n.º 065/09.

Mas, a Requerente não apresentou o pedido de revisão oficiosa no prazo da reclamação graciosa, pois o prazo para a autoliquidação terminou em Maio de 2015 e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 16-08-2017.

Para as situações em que o pedido de revisão oficiosa não é apresentado no prazo da reclamação graciosa, apenas se prevê direito a juros indemnizatórios na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste».

 Neste sentido, tem vindo a pronunciar-se reiteradamente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 6-07-2005, processo n.º 0560/05; de 02-11-2005, processo n.º 0562/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; de 24-05-2006, processo n.º 01155/05; de 02-11-2006, processo n.º 0604/06; de 15-11-2006, processo n.º 028/06; de 10-01-2007, processo n.º 523/06; de 17-01-2007, processo n.º 01040/06; de 12-12-2006, processo n.º 0918/06; de 15-02-2007, processo n.º 01041/06; de 06-06-2007, processo n.º 0606/06; de 10-07-2013, processo n.º 390/13; de 18-01-2017, processo n.º 0890/16; de 10-5-2017, processo n.º 01159/14.

No caso em apreço, não foi excedido este prazo de apreciação do pedido de revisão oficiosa, pelo que a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios.

 

 

6. Decisão                      

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da não dedução do montante do SIFIDE à colecta resultante de tributações autónomas e anular a liquidação n.º 2016..., de 30-05-2016 (bem como a autoliquidação que lhe está subjacente), na parte respectiva, bem como o indeferimento do pedido de revisão oficiosa;
  2.  Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão da dedução dos montantes dos pagamentos especiais por conta e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos, na parte respectiva;
  3.  Relegar para execução de julgado a apreciação do direito a reembolso;
  4. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto aos juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

 

7. Valor do processo

 

 De harmonia com o disposto no artigo 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 216.902,20.

 

8. Repartição do encargo das custas

 

Fixa-se em € 4.284,00 o montante das custas.

Em relação ao valor do pedido, montante global das tributações autónomas, que é de € 216.902,20, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto ao valor de € 43.138,18, correspondente à dedução do SIFIDE.

Assim, fixa-se a responsabilidade pelos encargos do processo em 19,9% a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira e 80,1% a cargo da Requerente A..., SGPS, S.A.

 

Lisboa, 02-10-2018

 

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Nuno Pombo)

                                   

                                                 

(Arlindo José Francisco)

 

 

 



[1] Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.

[2] BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100.

[3] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.

[4] Há manifesto lapso da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao fazer referência a actos de retenção na fonte, pois no caso em apreço não estão em causa actos desse tipo.

[5] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, de 29-3-2016, processo n.º 126/15.

 

[6] O n.º 7 veio a ser revogado pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro.

[7] O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.

[8] Será materialmente inconstitucional, por violação da proibição constitucional da retroactividade dos impostos, que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017.

[9] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 186.

[10] Actualmente apenas em relação a algumas tributações autónomas se poderá encontrar a natureza de normas antiabuso, pois, como ensina CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 543, «é, porém, evidente que o alargamento e agravamento de que tais tributações autónomas têm presentemente uma finalidade clara de obter mais receitas fiscais».

[11] Como, por exemplo, a distribuição de pizzas ao domicílio nas cidades ou de correio nas zonas rurais, situações que já foram apreciadas em decisões arbitrais proferidas nos processos n. 628/2014-T e 553/2016-T.

[12] Como bem se refere no acórdão arbitral proferido n processo n.º 210/2013-T, que é citado na página 6 da Informação em que se baseou a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

[13] Como adiante se refere, tem-se constatado reiteradamente que a colecta primacial de IRC resultante directamente do lucro tributável é muito inferior à colecta global de IRC.

[14] Não se pode esquecer, neste contexto da identificação da natureza de um tributo, que, levando a análise ao limite, como ensinava o saudoso Prof. Doutor SALDANHA SANCHES, «o destinatário do imposto é sempre a pessoa singular - a tributação da sociedade comercial é instrumental e a sua tributação é sempre um pagamento por conta do imposto que mais tarde vai ser suportado pelo titular do capital da sociedade».

[15] Ao artigo 83.º do CIRC na redacção vigente em 2005 corresponde o artigo 90.º após a renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

[16] No artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 40/2005 refere-se o artigo 83.º que, como se referiu, corresponde ao artigo 90.º após a renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009.

[17] Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.

                Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:

                http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf

[18]                   Este texto está disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/70E81137-189A-440E-AF11-88B4A6CC1C9A/0/Notas_Previas_IRC_20092011.pdf.

                De resto, há já vários anos que apenas uma minoria de contribuintes pagava IRC com base no lucro tributável do respectivo exercício, como se pode ver nos documentos estatísticos publicados em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/:

      – 29% no período de tributação de 2010, em que cerca de 76% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;

      – 31% no período de tributação de 2009, em que de 77% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

      – 34% no período de tributação de 2008, em que 79% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

      – 36% no período de tributação de 2007, em que 80% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores.

 

                 

 

[19] OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, página 260.

[20] Neste sentido, pode ver-se CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 541, acompanhado pelo Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 18-2-2009, processo n.º 0926/08, e de 13-5-2009, processo n.º 0927/08. No mesmo sentido, FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, 3.ª edição, página 45.

[21] À face do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, na redacção resultante da republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, se não houvesse colecta de IRC suficiente para deduzir os pagamentos especiais por conta até ao quarto período de tributação subsequente, o reembolso apenas poderia ocorrer se se verificassem as condições previstas nesse n.º 3 do artigo 93.º do CIRC: não haver afastamento, em relação ao período de tributação a que diz respeito o pagamento especial por conta a reembolsar, em mais de 10 %, para menos, da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de actividade em que se inserem, a publicar em portaria do Ministro das Finanças e a situação que deu origem ao reembolso seja considerada justificada por acção de inspecção feita a pedido do sujeito passivo formulado nos 90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação.

[22] O pagamento especial por conta é, ele mesmo, uma forma de tributação autónoma, não sendo calculado com base no lucro tributável, mas com base no volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, nos termos do n.º 2 do artigo 106.º do CIRC.

[23] A situação é, assim, absolutamente diferente da dedução de benefícios fiscais à colecta de IRC derivada de tributações autónomas, pois neste caso, as finalidades extrafiscais visadas com os benefícios fiscais estão em dissonância e prevalecem sobre as finalidades das tributações autónomas.

[24] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 191.

[25] BAPTISTA MACHADO, Âmbito de eficácia e âmbito de competência das leis, 213-214.