Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 99/2018-T
Data da decisão: 2018-10-22  IRS  
Valor do pedido: € 16.761,63
Tema: IRS – Crédito de imposto por dupla tributação internacional. Orientação genérica da AT. Artigo 81º do Código do IRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

PARTES

Requerente: A..., NIF..., residente na ..., nº..., ...-... Lisboa

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)

 

I.         RELATÓRIO

 

  1. Em 12 de Março de 2018, a Requerente entregou no CAAD um pedido de pronúncia arbitral (PPA) solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

O PEDIDO

 

  1. A Requerente pede a consequente anulação dos “... actos de liquidação adicional de IRS nº 2017..., liquidação adicional de juros compensatórios nº 2017..., e a respectiva nota de demonstração de acerto de contas, todos relativos ao ano de 2013 ... dos quais resultou um saldo a pagar de € 16.761,63”.
  2. Peticiona, em primeiro lugar, a anulação da decisão que lhe indeferiu a reclamação graciosa que deduziu contra os actos atrás referidos, em 26 de Setembro de 2017 e que lhe foi notificada em 20 de Dezembro de 2017.

 

 

A CAUSA DE PEDIR

 

  1. A Requerente, porque apresentou em 09.04.2015 uma declaração Modelo 3 do IRS – Anexo J – quanto aos rendimentos auferidos em 2013, onde constam 116 807,48 euros de rendimentos de capitais, auferidos no Reino Unido e valores de retenções na fonte de 12 828,97 euros, tendo sido paga a liquidação daqui resultante,
  2. e porque os valores declarados pela Requerente estão suportados por documentos emitidos pelas entidades bancárias do Reino Unido,
  3. não concorda com a notificação que a Requerida lhe fez, em 06 de Abril de 2017, convidando-a a corrigir a declaração acima referida, no sentido de que o montante  do rendimento a declarar seriam 135 701,86 euros e que o imposto pago no estrangeiro a relevar, seriam 0,00 euros, uma vez que este valor não corresponde ao que consta dos documentos bancários em sua posse.
  4. Entende a Requerente que a posição da AT, que resulta do ofício-circulado nº 20 022 de 19 de Maio de 2000, no sentido de apenas considerar as retenções na fonte do imposto estrangeiro se comprovadas pela autoridade fiscal estrangeira, não vincula os particulares, bastando ao invés, para que funcione o direito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional, que o valor dos rendimentos e as retenções na fonte sejam provadas por documento emitido pelas instituições bancárias que pagam os rendimentos e concretizam a retenção do imposto
  5. E pela razão de que é esse o sentido das decisões uniformes dos tribunais. Por outro lado, poderia a AT, se dúvidas tivesse quanto à veracidade dos valores constantes na documentação emitida pelos bancos estrangeiros pagadores, lançar mão, nomeadamente, do regime de troca de informações previsto no artigo 25º da Convenção para evitar a Dupla Tributação, celebrado entre Portugal e o Reino Unido.
  6. A Requerente aponta ainda uma situação de erro material na liquidação, quando a AT parte da consideração de que os valores declarados no Modelo 3 do IRS estariam expressos em libras esterlinas e não em euros, o que está em desacordo com a literalidade dos documentos emitidos pelos bancos pagadores.
  7. A causa de pedir poderá considerar-se resumida na seguinte passagem do PPA: “... os documentos apresentados pela Requerente se afiguram bastantes para sustentar o direito à dedução à colecta nos termos do artigo 81º do Código do IRS”, na medida em que neles constam os rendimentos auferidos, devidamente quantificados e caracterizados dentro da categoria de rendimentos de capitais e bem assim o cômputo das retenções na fonte do imposto estrangeiro.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

  1. O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 14-03-2018.
  2. Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 04.05.2018. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  3. O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 24.05.2018, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
  4. Todos estes actos se encontram documentados nos registos constantes do Sistema de Gestão Processual que aqui se consideram reproduzidos.
  5. Logo em 24-05-2018 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 28.06.2018 e juntou o PA em ficheiros informatizados identificados como “RG....pdf“, “1(rec ...(1).pdf)” e “2(rec ... pdf)”.
  6. Em 28.06.2018, porque a Requerente arrolou duas testemunhas, foi convidada a indicar se mantinha o interesse na sua inquirição, em face à resposta da AT e em caso afirmativo referir os factos a que deveriam prestar depoimento.
  7. Em 09.07.2018 a Requerente reiterou o interesse na produção da prova testemunhal, via skype, e indicou os factos constantes nos parágrafos 10 a 12 do PPA para serem objecto da prova a produzir (ou seja, a prova testemunhal tinha em mente atestar o que os documentos 11, 12 e 13 juntos com o PPA referem);
  8. A reunião de partes do artigo 18º do RJAT, com prévia audição das testemunhas arroladas, realizou-se no dia 13.09.2018 conforme o documentado na acta junta no SGP nesse mesmo dia. Uma vez que as testemunhas se expressariam em língua inglesa e porque a Requerente apresentou um intérprete, B..., face aos elementos e qualificações que este referiu possuir,  o Tribunal designou-o para o cargo, depois de se identificar e jurar traduzir fielmente  as perguntas e respostas que fossem colocadas.
  9. Foram ouvidas, via Skype, com intervenção do intérprete designado, as duas testemunhas indicadas, C... e D..., à matéria de facto dos parágrafos 10 a 12 do PPA (ou seja, quanto ao conteúdo dos documentos 11, 12 e 13 juntos com o PPA);
  10. As partes produziram alegações finais escritas. Em 25.09.2018 alegou a Requerente e em 09.10.2018 contra-alegou a Requerida, mantendo, ambas as partes, as posições já assumidas.
  11.  Na reunião de partes foi agendada a data da prolacção da decisão final.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

  1. Legitimidade, capacidade e representação – As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 
  2. Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos da alínea n) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes.
  3. Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto da Requerente ter apresentado o pedido de pronúncia em 05.02.2018 e ter sido notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em 20.12.2017 (conforme alegado no parágrafo 21 do PPA e conforme Documento 1 junto com o PPA), tempestividade que a AT não coloca em crise.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

(em 95 artigos que constituem o PPA e em 115 parágrafos que constituem as alegações escritas)

 

  1. A Requerente veio resumir na parte I das suas alegações a sua posição, expressando o seguinte:

1 – “ ... a quaestio decidenda aqui em causa é simples e nada tem de velado — trata-se tão só de apreciar a (i)legalidade da actuação da AT no momento em que procura negar à Requerente o direito a um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, previsto no artigo 81º do Código do IRS e, em face disso, anular as liquidações adicionais”, uma vez que “... a Requerente teve um comportamento irrepreensível, declarando todos os rendimentos auferidos no estrangeiro e o respectivo imposto retido na fonte na sua declaração de rendimentos Modelo 3 IRS para o ano 2013 (Anexo J), e guardou toda a documentação de suporte a atestar tais montantes ... a qual veio depois a ser reforçada por esclarecedora e inequívoca prova testemunhal”.

 2 – E continua a referir: “A AT aceitou os rendimentos mas rejeitou o crédito de imposto, por no seu entender as declarações dos bancos estrangeiros não serem prova bastante para comprovar o pagamento de imposto no estrangeiro”, conclusão que resulta do facto de “... após a apresentação da respectiva Modelo 3, a AT começou por dizer que a Requerente estava obrigada a apresentar um comprovativo autenticado pela Autoridade Fiscal estrangeira (in casu, do Reino Unido)”, o que originou as liquidações adicionais aqui em causa.

3 – Mas, “já no decorrer deste processo, a AT chegou a suscitar dúvidas quanto à veracidade da prova documental produzida, tentando dessa forma negar as evidências cada vez mais fortes da irrepreensível conduta da Requerente, mas sem cumprir em momento algum com quaisquer exigências procedimentais e processuais para arguir a falsidade dos documentos e sempre aceitando os mesmos para uma realidade (e.g. para provar o rendimento), e rejeitando-os para fazer prova do pagamento de imposto, tudo com fundamento no facto de o Oficio-circulado nº 20 022, de 19 de Maio de 2000 alegadamente exigir uma certidão autenticada pela autoridade fiscal estrangeira em causa”.

4 – No entanto, continua a referir “... in casu, o montante do imposto pago no estrangeiro foi plenamente comprovado pela documentação bancária, bem como pelo depoimento das testemunhas”, sendo que “... noutras ocasiões de natureza idêntica à presente, os tribunais judiciais e arbitrais, ... anularam as liquidações adicionais originadas pelo facto de a AT não aceitar, ilegal e ilegitimamente, os comprovativos bancários apresentados pelos sujeitos passivos”, referindo-se ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo nº 3/13.5BELRS, em 23 de Fevereiro de 2017 e à decisão arbitral adoptada no Processo CAAD nº 83/2014-T

5 -  “Até porque se alguma dúvida restasse — o que, manifestamente, não é o caso — sempre deveria a AT ter procedido à sua clarificação através do vasto manancial de mecanismos de troca de informação fiscal que tem à sua disposição, quer por via da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido, quer por via da lei e das Directivas Europeias que prevêem e regulam a utilização dos mecanismos de assistência mútua entre as diferentes autoridades fiscais”, uma vez que “ ... tais mecanismos não consiste num mero poder susceptível de ser utilizado pela AT de acordo com critérios de oportunidade ou conveniência, mas representa um autêntico poder funcional ou, noutras palavras, um “poder-dever” para a descoberta da verdade material na prossecução do interesse público”,

6 – Conclui que “... tendo sido providenciada à AT prova inequívoca do montante de rendimentos auferidos no estrangeiro em 2013 e do respectivo imposto retido na fonte, não poderia esta entidade desconsiderar tal prova sem mais, estando antes obrigada, em face do princípio da legalidade, da boa-fé, do inquisitório e da prossecução da verdade material, a fazer uso dos meios de troca de informação de  que dispõe, caso pretendesse obter uma qualquer confirmação adicional por parte das suas congéneres estrangeiras”, “todavia, em momento algum abandonou a AT a inadmissível postura de negação e passividade adoptada”.

7 – Acrescenta que a AT: “... ao invés de actuar de acordo com aqueles que são os princípios que conformam a sua actuação reconhecendo aquilo que foi cabalmente demonstrado pela Requerente” “... aceitou o rendimento, negou o crédito, e, ao invés de questionar a autoridades fiscais estrangeiras esclarecendo algum aspecto que entendesse pertinente, foi tentando justificar e fundamentar a sua actuação a posteriori, ... negando as evidências ao completo arrepio do princípio da legalidade”.

  1. Considera que as liquidações impugnadas, padecem de vício de forma, por falta de fundamentação, não se indicando a norma que lhes serve da base e o método de cálculo, não sendo clara, suficiente e congruente de facto e de direito.
  2. Defende que as liquidações padecem ainda de vícios de violação da lei ao exigir uma “prova vinculada” que os nºs 1 e 2 do artigo 81º do Código do IRS não exigem, devendo considerar-se que o ofício circulado 20 022 de 19 de Maio de 2000, não vincula os particulares como o decidiu o acórdão do TCAN citado em x) -4 supra.
  3. Por outro lado, considera ter ocorrido erro na quantificação de rendimentos quando aos juros pagos pelo BNP, tendo a AT considerado que os mesmos foram declarados, na declaração Modelo 3 do IRS, em libras esterlinas, quando o foram em euros.
  4. Termina, pedido a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a anulação das liquidações impugnadas e o seu reembolso.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

(em 44 artigos que constam da Resposta da AT e em 41 parágrafos numerados que constam das contra-alegações)

 

  1. A AT pugna pela manutenção na ordem jurídica dos actos impugnados por entender que os mesmos configuram uma correcta aplicação do direito aos factos.
  2. A AT refere em primeiro lugar na Resposta que “...impugna toda a matéria de facto alegada pela Requerente, por não corresponder à verdade, ou por dela não poderem ser retirados os efeitos jurídicos pretendidos”.
  3. Seguidamente, em suma, aduz em defesa do seu ponto de vista o que já consta da fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o que resulta da parte final do nº 5 das contra-alegações.
  4. Ou seja, a AT defende o seguinte (fundamentação expressa da decisão de indeferimento da reclamação graciosa): “A Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu à liquidação de imposto, resultando a(s) liquidação(ões) nº(s) 2017 ... efectuada(s) em 18/04/2017, e em função dos elementos constantes deste processo e consultados os dados informáticos através do sistema central de informação, verifica-se que as alegações do reclamante, não têm fundamento, dado que:

Após análise aos autos tem-se que: no âmbito de um processo de divergências criado em 14.04.2015 foi o sujeito passivo notificado para apresentar os comprovativos autenticados dos rendimentos e do imposto pago no estrangeiro pela autoridade fiscal do país em causa (Reino Unido), conforme ofício nº... de 20.01.2017.  Em 01.03.2017, o sujeito passivo respondeu via CTT anexando os mesmos documentos que tinha apresentado em 30.04.2015 e que apresenta no âmbito do processo de reclamação graciosa. Estes documentos já foram enviados em 09.03.2017 à Direcção de Serviços de IRS, tendo a mesma respondido que os documentos não reúnem os requisitos porquanto não foram emitidos ou autenticados pelas autoridades fiscais do Estado de origem dos rendimentos (Reino Unido). Para além disso, a Direção de Serviços do IRS, constatou que a ora reclamante não aplicou a taxa de câmbio a que alude o nº 2 do artigo 23º do CIRS (a de 31.12.2013, informação do Banco de Portugal - 0,8337) para efetuar a conversão dos rendimentos declarados no Anexo J, conforme folhas 108 dos autos. Assim, no campo 420 o montante do rendimento não é 6 606,72, mas sim € 7 925,78 (£ 6 606,72/0,8337); campo 422 o montante do rendimento é € 19 934,81 (£ 16 619,65/0,8337); campo 423 o montante do rendimento não é 90 090,60, mas sim € 107 841,27 (£ 90 090,60/0,8337). Adicionando estes montantes o total ascende a € 135 701,86.

Ora, para efeitos de atribuição de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional é necessário nos termos do Ofício-Circulado nº 20 022 de 19.05.2000 da Ex-direcção de Serviços de Benefícios Fiscais que o contribuinte apresente documento original ou autenticado que comprove a natureza dos rendimentos, o montante, o imposto pago no estrangeiro. Os documentos apresentados são documentos bancários não reúnem os requisitos previstos neste Oficio-Circulado. A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias, atento o disposto no artigo 68º-A da Lei Geral Tributária. Por esse motivo, sendo o Ofício-Circulado suprarreferido uma orientação genérica que visa a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias, os Serviços que integram a administração tributária estão vinculados a ele. Não estão vinculados ao acórdão mencionado pelo ora reclamante”.

Falta de fundamentação: não existe falta de fundamentação do ato tributário, uma vez que os documentos apresentados pela ora requerente não totalizam os montantes declarados no Anexo "J" da declaração no 25 do Lote J4124 do ano de 2013. Efetivamente não foi efetuada pela contribuinte a conversão do câmbio a 31 de dezembro de 2013, uma vez que a libra esterlina não tem curso legal em Portugal. Não existe, portanto, vício de forma”.

Juros compensatórios: ocorreu o retardamento da liquidação de parte do imposto, existindo um nexo de causalidade entre a conduta da contribuinte e esse retardamento. Efetivamente, o sujeito passivo devia ter atuado com a diligência de um "bonus pater familiae" e ter efetuado a conversão dos valores dos juros e dividendos declarados nos campos 420, 422 e 423 do quadro 4 do Anexo J. Nestes termos, a conduta da contribuinte consistiu na omissão reprovável de um dever de diligência”. Conclui: “... deve ser mantida a liquidação de juros compensatórios, por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 35º da Lei Geral Tributária e artigo 91º do CIRS”.

  1. Concretamente quanto ao alegado vício de falta de fundamentação, refere que a Requerente a recebeu, como se retira do ofício que lhe foi enviado em sede de procedimento de gestão de divergências, junto a folhas 2 do documento nº 8 em anexo ao PPA, concluindo que “... a fundamentação resultante da decisão que levou à emissão do ato tributário de liquidação é “clara, suficiente e congruente” , cumprindo o seu desiderato”, “tanto assim é, que a Requerente deixa transparecer, com meridiana clareza, quer da sua reclamação graciosa quer do presente pedido de pronúncia arbitral ter compreendido perfeitamente o iter cognoscitivo percorrido pelos serviços da administração tributária que conduziu à decisão aqui acusada de pecar por falta de fundamentação”, pelo que a decisão cumpriu “...cabalmente os requisitos previstos no n.º 1, do artigo 77.º da LGT, revelando estar fundamentada através da exposição das razões de facto e de direito que a motivaram”.
  2. Quanto ao invocado vício de violação da lei, sob a epígrafe de “da falta de junção da documentação que comprova o pagamento do imposto no Reino Unido”, refere: “na situação em apreço nos presentes autos, facilmente se constata que a Requerente não logrou fazer a prova que lhe competia”. “tanto que, os documentos juntos com o presente pedido pronúncia arbitral não demonstram a natureza dos rendimentos em causa assim como não comprovam o pagamento do imposto no Reino Unido”, uma vez que se trata de “... cópias de documentos emitidas por entidades bancárias, nos quais vêm referidos valores dos quais se desconhece a origem”, acrescendo o facto “... de não se reconhecer  às entidades  bancárias a natureza de autoridade fiscal, com competência para emitir comprovativo autenticado em como o imposto foi pago no Estado onde alegadamente foram auferidos os rendimentos.
  3.             E termina: “...inevitavelmente, a documentação junta quer no âmbito do procedimento quer aos presentes autos terá que ser considerada irrelevante”, “além de se tratarem de cópias simples, não são documentos emitido pelas autoridades fiscais do Reino Unido que permitam comprovar a tributação nesse Estado”, “pelo que não provam que tais rendimentos foram aí sujeitos a tributação efetiva, ou seja, os documentos não demonstram o valor do imposto apurado e se o mesmo foi pago”.
  4. Propugna ainda pela improcedência do pedido de juros indemnizatórios pela razão de que a correcção oficiosa não enferma de qualquer ilegalidade.

 

 II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

A questão a decidir que se reputa como sendo fulcral, terá a ver com o valor probatório dos documentos 11, 12 e 13 juntos com o PPA e sobre os quais foi produzida prova testemunhal.

 

Trata-se dos documentos bancários emitidos pelos bancos ingleses (entidades pagadoras dos rendimentos) e que expressam os valores pagos e o imposto retido na fonte, documentos em tudo semelhantes aos que as entidades bancárias emitem, em Portugal, a todos os residentes que queiram englobar este tipo de rendimentos de capital e obrigatoriamente a todos os não residentes, para que possam comprovar, perante, nomeadamente, as Autoridades Tributárias, os valores auferidos e o imposto retido. Os documentos em causa, emitidos em Londres por bancos aí sediados, foram apresentados pela Requerente à Requerida, no âmbito do procedimento de discussão de divergências da declaração Modelo 3 (veja-se a parte final do nº 3 do artigo 119º do Código do IRS).

 

A não valoração em termos de prova, pela Requerida, dos documentos apresentados pela Requerente, por parte da AT, resume-se, apenas, à constatação do facto da AT ter seguido o que consta na orientação genérica constante do ofício circulado 20 022 de 19.05.2000 da ex-Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais.

 

Caso se conclua que os documentos são idóneos para comprovar os rendimentos e o imposto retido na fonte, há que apreciar a força legal do que consta no Ofício-Circulado nº 20 022 de 19.05.2000 da Ex-direcção de Serviços de Benefícios Fiscais, na medida em que

aí se refere que “deverá exigir-se documento comprovativo do montante do rendimento, da sua natureza e do pagamento do imposto, o qual deverá ser emitido ou autenticado pelas Autoridades Fiscais do respectivo Estado de onde são originários os rendimentos” e que os documentos “têm de ser originais, ou fotocópias autenticadas, e, no caso de serem elaborados em inglês, francês ou alemão, não carecem de ser traduzidos, nem convertidos para escudos, devendo, em qualquer caso, acompanhar a declaração de IRS”.

 

Em concreto, neste processo a AT, face ao que se refere no ofício-circulado aqui em causa, apenas discute o seguinte: “... os documentos não reúnem os requisitos porquanto não foram emitidos ou autenticados pelas autoridades fiscais do Estado de origem dos rendimentos (Reino Unido). Para além disso, a Direção de Serviços do IRS, constatou que a ora reclamante não aplicou a taxa de câmbio a que alude o nº 2 do artigo 23º do CIRS (a de 31.12.2013, informação do Banco de Portugal - 0,8337) para efetuar a conversão dos rendimentos declarados no Anexo J, conforme folhas 108 dos autos.

 

Portanto, em concreto, são duas as situações essenciais que aqui cumpre apurar:

  • Questão de facto - a Requerente apresentou a sua declaração de IRS de 2013, expressando algum dos valores declarados (rendimentos e imposto retido) em euros ou em libras esterlinas?
  • Questão de direito - face à lei fiscal actualmente em vigor, os documentos relevantes para provar, perante a AT, os rendimentos aqui em causa (de capitais) de fonte estrangeira e o valor do imposto retido, só pode ocorrer se os mesmo foram emitidos ou autenticados pelas autoridades fiscais do Estado de origem dos rendimentos?

 

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.

FUNDAMENTAÇÃO

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta e ainda a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

Factos provados

 

  1. Durante o ano de 2013, a Requerente auferiu rendimentos da categoria E (capitais) provenientes do Reino Unido, no montante global de € 116.807,48, tendo sido retido na fonte imposto no montante global de € 12.828,97, a saber:
  1. Juros no valor global de £ 16.619,65 (correspondente a duas contas, uma no valor de £ 14.368,58, e outra no valor de £ 2.251,07) pagos pelo E... e provenientes do Reino Unido, tendo sido retido na fonte o valor global de £ 3.323,92 (correspondente a duas contas, uma no valor de £ 2.873,71 e outra no valor de £ 450,21, respectivamente) – valores expressos em libras esterlinas no Documento nº 11 junto com o PPA;
  2. Juros no valor de € 90.090,60 pagos pelo F... e provenientes do Reino Unido, tendo sido retido imposto na fonte o valor de € 6.806,25 - valores expressos em Euros no Documento nº 12 junto com o PPA;
  3. Dividendos no valor de € 6.606,72 pagos pelo F... e provenientes do Reino Unido, tendo sido retido imposto na fonte o valor de € 2.023,04 - valores expressos em euros no Documento nº 12 junto com o PPA:

 conforme artigos 9º e 10º do PPA, Documentos nºs 11, 12 e 13 em anexo ao PPA, páginas 26 a 37 do PA junto pela AT com a Resposta, com a designação de RG...pdf e depoimento das testemunhas C... e D...;

  1. Em 09 de Abril de 2015 a Requerente, relativamente aos rendimentos auferidos em 2013, apresentou à AT uma declaração de Modelo 3, juntando um Anexo J – rendimentos obtidos no estrangeiro – rendimentos de capitais, tendo indicado: (1) - no campo 420 do quadro 4, euros 6 606,72 a título de dividendos ou lucros – sem retenção em Portugal e euros 2 023,04 a título de imposto pago no estrangeiro; (2) – no campo 422 do quadro 4, euros 20 110,16 a título de rendimentos da directiva da poupança nº 2003/48/CE – restantes países não abrangidos pelo período de transição e euros 3 999,68 a título de imposto pago no estrangeiro; (3) – no campo 423 do quadro 4, euros 90 090,60 euros a título de outros rendimentos referidos no nº 5 do artigo 72º do CIRS, sem retenção em Portugal, e euros 6 806,25 a título de imposto pago no estrangeiro – conforme artigo 9º do PPA, Documento nº 10 junto com o PPA e páginas 26 a 37 do PA junto pela AT com a Resposta, com a designação de RG...pdf;
  2. No campo 14 do quadro 8 do Modelo 3, referido no número anterior, não é indicado o envio à AT de quaisquer documentos - conforme Documento nº 10 junto com o PPA e página 26 do PA junto pela AT com a Resposta, com a designação de RG...pdf;
  3. Com data de 20 de Janeiro de 2017, a AT, remeteu um ofício à Requerente com o seguinte teor: “Na sequência de análise aos documentos enviados a este Serviço de Finanças, verifica-se que os mesmos não reúnem os requisitos do ofício circulado n.º 20022, de 19/05/2000, não foram emitidos/autenticados pelas autoridades fiscais do Estado de origem dos rendimentos. Fica por este meio notificada, para no prazo de 15 dias, apresentar os documentos comprovativos dos rendimentos/imposto pago no estrangeiro, em 2013, emitido ou autenticado pelas autoridades fiscais do Reino Unido, declarados no anexo J” – conforme artigo 4º do PPA, Documento nº 5 em anexo ao PPA e artigo 7º da Resposta da AT;
  4. Em 01 de Março de 2017 a Requerente entregou à AT um requerimento onde refere o seguinte: “No ano de 2013, auferi rendimentos de capitais provenientes do Reino Unido no montante global de € 116.807,48, tendo sido retido imposto na fonte no montante global de € 12.828,97 (conforme Anexo J junto como documento nº 3 em anexo). Com efeito, obtive junto da instituição financeira F... a informação de que auferi dividendos no valor de € 6.606,72 e que recebi rendimentos de outros valores mobiliários no valor de € 90.060,60, a que correspondeu imposto retido na fonte no valor de € 2.023,04 e € 6.806,25, respectivamente (conforme documento junto corno documento nº 4 em anexo). Os restantes rendimentos de fonte estrangeira foram pagos pela instituição financeira E..., tendo auferido rendimentos no valor de € 20.110,16, ao qual correspondeu imposto retido no valor de € 3.999,68 (conforme documento junto como documento nº 5 em anexo). Por comparação entre o Anexo J da declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2013 e os dois documentos referidos fiz constar, devidamente e no local próprio, os rendimentos auferidos no estrangeiro e o respectivo imposto por mim suportado. Não obstante as diligências por mim realizadas pela exponente para obter toda a documentação exigida, não me foi possível neste curto período de tempo obter documentação por parte da Administração fiscal do Reino Unido. No entanto, foi através dos documentos em anexo que tomei conhecimento dos rendimentos que obtive e do imposto que paguei no estrangeiro, o que me permitiu cumprir plenamente as minhas obrigacões fiscais respeitantes ao ano de 2013. Não existindo qualquer norma legal que imponha a apresentação de uma prova vinculada, os documentos emitidos pelo F... e pelo E... são meios de prova idóneos e adequados a comprovar os rendimentos por mim auferidos e o imposto por mim suportado no estrangeiro. Assim, os documentos ora apresentados confirmam os elementos declarados no Anexo J da declaração Modelo 3 do ano de 2013. Caso assim o entenda, não coloco qualquer objecção a que a AT solicite informacão adicional à Administração fiscal do Reino Cnido, seja no âmbito da troca de informações estabelecida no artigo 25º da Convenção para Evitar a Dupla Tributacão celebrada entre Portugal e o Reino Cnido, seja no âmbito da Directiva que prevê a troca Automática de Informações, de modo a, querendo, reconfirmar o que já está confirmado pelas instituições financeiras mencionadas” – conforme artigo 5º do PPA e Documentos nºs 6 e 7 juntos com o PPA
  5. Também em 01 de Março de 2017 a Requerente entregou à AT, conjuntamente com o requerimento referido no ponto anterior, os documentos juntos em anexo ao PPA com os nºs 11 a 13, dos quais se retira o cômputo de rendimentos obtidos no Reino Unido e de imposto pago aí pago, documentos e retenções na fonte referidos no ponto 2. supra - conforme artigo 5º do PPA, Documentos nºs 6 e 7 juntos com o PPA e páginas 37 a 40 do PA junto pela AT com a Resposta, com a designação de RG...pdf;
  6. Em 06 de Abril de 2017 foi a Requerente notificada de que “a soma do Montante dos Rendimentos a considerar no Anexo J é no valor de € 135.701,86 e o Imposto Pago no Estrangeiro é de € 0,00, pelo que ... deverá ser elaborado e recolhido documento de correcção em conformidade” – conforme artigo 6º do PPA, Documento nº 8 em anexo ao PPA e páginas 106 e 107 do PA junto com a Resposta da AT com a designação de ...pdf;
  7. Com data limite de pagamento de 01 de Junho de 2017, a Requerente foi notificada, em dia do mês de Maio de 2017 não concretamente determinado, da liquidação adicional de IRS nº 2017..., liquidação adicional de juros compensatórios nº 2017..., e da respectiva nota de demonstração de acerto de contas, todos relativos ao ano de 2013, de que resultou um valor a pagar de € 16.761,63 – conforme artigo 3º do PA e documentos nºs 2, 3 e 4 juntos com o PA;
  8. Em 26 de Setembro de 2017 a Requerente apresentou uma reclamação graciosa pedindo a anulação dos actos tributários referidos no ponto anterior, foi notificada em 16 de Novembro de 2017 do projecto de decisão, para exercer o direito de audição prévia, direito que exerceu em 27 de Novembro de 2017, e foi notificada em 20 de Dezembro de 2017 da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, com  seguinte fundamentação: “A Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu à liquidação de imposto, resultando a(s) liquidação(ões) nº(s) 2017... efectuada(s) em 18/04/2017, e em função dos elementos constantes deste processo e consultados os dados informáticos através do sistema central de informação, verifica-se que as alegações do reclamante, não têm fundamento, dado que:

Após análise aos autos tem-se que: no âmbito de um processo de divergências criado em 14.04.2015 foi o sujeito passivo notificado para apresentar os comprovativos autenticados dos rendimentos e do imposto pago no estrangeiro pela autoridade fiscal do país em causa (Reino Unido), conforme ofício nº ... de 20.01.2017.  Em 01.03.2017, o sujeito passivo respondeu via CTT anexando os mesmos documentos que tinha apresentado em 30.04.2015 e que apresenta no âmbito do processo de reclamação graciosa. Estes documentos já foram enviados em 09.03.2017 à Direcção de Serviços de IRS, tendo a mesma respondido que os documentos não reúnem os requisitos porquanto não foram emitidos ou autenticados pelas autoridades fiscais do Estado de origem dos rendimentos (Reino Unido). Para além disso, a Direção de Serviços do IRS, constatou que a ora reclamante não aplicou a taxa de câmbio a que alude o nº 2 do artigo 23º do CIRS (a de 31.12.2013, informação do Banco de Portugal - 0,8337) para efetuar a conversão dos rendimentos declarados no Anexo J, conforme folhas 108 dos autos. Assim, no campo 420 o montante do rendimento não é 6 606,72, mas sim € 7 925,78 (£ 6 606,72/0,8337); campo 422 o montante do rendimento é € 19 934,81 (£ 16 619,65/0,8337); campo 423 o montante do rendimento não é 90 090,60, mas sim € 107 841,27 (£ 90 090,60/0,8337). Adicionando estes montantes o total ascende a € 135 701,86.

“Ora, para efeitos de atribuição de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional é necessário nos termos do Ofício-Circulado nº 20 022 de 19.05.2000 da Ex-direcção de Serviços de Benefícios Fiscais que o contribuinte apresente documento original ou autenticado que comprove a natureza dos rendimentos, o montante, o imposto pago no estrangeiro. Os documentos apresentados são documentos bancários não reúnem os requisitos previstos neste Oficio-Circulado. A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias, atento o disposto no artigo 68º-A da Lei Geral Tributária. Por esse motivo, sendo o Ofício-Circulado suprarreferido uma orientação genérica que visa a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias, os Serviços que integram a administração tributária estão vinculados a ele. Não estão vinculados ao acórdão mencionado pelo ora reclamante”.

“Falta de fundamentação: não existe falta de fundamentação do ato tributário, uma vez que os documentos apresentados pela ora requerente não totalizam os montantes declarados no Anexo "J" da declaração no 25 do Lote J4124 do ano de 2013. Efetivamente não foi efetuada pela contribuinte a conversão do câmbio a 31 de dezembro de 2013, uma vez que a libra esterlina não tem curso legal em Portugal. Não existe, portanto, vício de forma”.

“Juros compensatórios: ocorreu o retardamento da liquidação de parte do imposto, existindo um nexo de causalidade entre a conduta da contribuinte e esse retardamento. Efetivamente, o sujeito passivo devia ter atuado com a diligência de um "bonus pater familiae" e ter efetuado a conversão dos valores dos juros e dividendos declarados nos campos 420, 422 e 423 do quadro 4 do Anexo J. Nestes termos, a conduta da contribuinte consistiu na omissão reprovável de um dever de diligência”. Conclui: “... deve ser mantida a liquidação de juros compensatórios, por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 35º da Lei Geral Tributária e artigo 91º do CIRS”. conforme artigos 8º, 18º a 21º do PPA e Documentos nºs 9, 15 e 16 juntos com o PPA;

  1. Em data não determinada a Requerente procedeu ao pagamento de € 16.761,63 – conforme artigo 17º do PPA apreciado nos termos dos nºs 6 e 7º do artigo 110º do CPPT por não ter ocorrido impugnação especificada da alegação de pagamento;
  2. Em 12 de Março de 2018 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – conforme registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Os factos levados à matéria assente, configuram-se como sendo aceites, expressa ou tacitamente, por ambas as partes (incluindo o referido em 10., uma vez que se não tivesse ocorrido o pagamento teria a AT contestado especificadamente a alegação). A prova testemunhal teve reduzida ou nula relevância, uma vez que apenas corroborou o conteúdo dos documentos 11 a 13 juntos com o PPA, documentos já na posse da AT desde o procedimento de divergências.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR

 

O TAS conhecerá, em primeiro lugar, do vício cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, conforme prescreve o artigo 124.º nº 2 do CPPT, ou seja, no caso, o alegado “erro de direito” (violação da lei) e alegado erro na quantificação dos rendimentos declarados.

 

***

 

A primeira questão objecto de dissentimento neste processo tem a ver com o apuramento, em termos de verdade material, sobre se a Requerente apresentou a declaração de IRS de 2013, a que se alude no ponto 2 da matéria provada, expressando os valores declarados no Anexo J, em euros ou em libras esterlinas. Este foi um dos motivos que levou a AT a promover a liquidação adicional aqui em causa.

 

Ora, como resultou da prova produzida, vidé os pontos 1 e 2 da matéria de facto assente, por força da própria literalidade dos documentos nºs 12 e 13 juntos com o PPA, corroborada pelos depoimentos das testemunhas, configura-se como sendo notório que todos os valores foram declarados em euros e não em libras esterlinas.

 

Os valores dos rendimentos e do imposto retido no Reino Unido a que se alude no documento nº 11 junto com o PPA estão, de facto, em termos de expressão no documento, em libras esterlinas (£ 16 619.65 de rendimento e £ 3 323,92 de imposto retido), mas estas parcelas constam da declaração em Euros no campo 422 do quadro 4 (20 110,16 euros de rendimento e 3 999,66 euros de imposto retido), conforme ponto 2 da matéria de facto assente.

 

Aliás, o valor de declarado pela Requerente a título de rendimentos é superior àquele que a própria AT consideraria correcto, pela aplicação da taxa de conversão da libra esterlina para o euro que indica (0,8337): a Requerida refere que o valor em euros seriam 19 934,81 euros, mas a Requerente declarou 20 110,16 euros. Não há, pois, qualquer reparo a fazer à taxa de conversão da moeda inglesa para a moeda portuguesa, utilizada pela Requerente.

 

Constata-se, pois, que ocorreu erro na quantificação dos rendimentos, uma vez que os valores declarados pela Requerente, quanto aos rendimentos e ao imposto retido no Reino Unido, na declaração de Modelo 3 de 2013, foram expressos em euros e não em libras esterlinas.

 

***

 

Relativamente aos documentos juntos pela Requerente com a designação de documentos nº 11 a documentos nº 13 em anexo ao PPA e que já tinham sio entregues pela Requerente à Requerida em 01 de Março de 2017 (ponto 6 dos factos assentes), o único elemento que é colocado em causa (para além da questão da expressão dos rendimentos em libras esterlinas ou euros) é o constante da fundamentação da decisão de indeferimento que refere o seguinte: “... os documentos não reúnem os requisitos porquanto não foram emitidos ou autenticados pelas autoridades fiscais do Estado de origem dos rendimentos (Reino Unido)”, conforme se retira do ponto 9 da matéria de facto assente.

 

Os documentos em causa, são documentos particulares passados em país estrangeiro. Quanto a este tipo de documentos refere o nº 1 do artigo 365º do Código Civil: “os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal”.

 

Nada nos leva a crer, que seja outra a forma legal, prevista no Reino Unido para que as entidades pagadoras de rendimentos titulem os rendimentos pagos e o imposto retido na fonte, para que os beneficiários provem perante terceiros, incluindo as autoridades fiscais de outros estados, esses valores, uma vez que se assim fosse, as entidades emitentes teriam seguido outra formalidade.

 

Aliás, à semelhança do que ocorre na legislação fiscal portuguesa, na medida em que se pode retirar (à contrario sensu aplicável aos titulares de rendimentos de capitais idênticos, pagos a não residentes em Portugal) do nº 3 do artigo 119º do Código do IRS, que bastará um simples documento particular emitido pelos bancos portugueses para cumprir a obrigação acessória prescrita na alínea b) do nº 1 do artigo 119º do Código do IRS.

 

Mesmo que se entenda que os documentos aqui em causa deveriam ser autenticados de acordo com o regime do artigo 440º do Código do Processo Civil (por força do nº 2 do artigo 365º do Código Civil), a verdade é que, de acordo com o artigo 366º do Código Civil, nada impede que a sua força probatória seja aqui apreciada livremente.

 

A Autoridade Tributária não colocou em causa que a reprodução dos documentos juntos ao processo (em formato digital) padece de qualquer inexactidão, face ao original (artigo 368º do Código Civil).

 

E, de facto, não só porque a legislação fiscal portuguesa parece permitir, para situações idênticas, que basta a emissão de um documento particular pela entidade pagadora portuguesa, mas também porque da prova aqui produzida (testemunhal) e da avaliação dos documentos em si próprios, nada justifica que não se considerem como prova idónea dos factos que expressam; forçoso será concluir que os aludidos documentos fazem prova suficiente dos rendimentos auferidos pela interessada no Reino Unido e do imposto aí retido na fonte, para efeitos de funcionamento do mecanismo do artigo 81º do Código do IRS.

 

Face ao teor dos documentos aqui em causa e à prova produzida, este TAS não tem quaisquer dúvidas sobre a sua autenticidade (requisito do nº 2 do artigo 365º do Código Civil), pelo que fazem prova suficiente dos factos que expressam, tal como o fazem os mesmos documentos emitidos pelos bancos portugueses para titular os mesmos factos, emitidos a não residentes.

 

De facto segundo o acórdão do STJ de 05.12.2002, processo 02B3970, em www.dgsi.pta legalização de documentos passados em país estrangeiro não é hoje requisito da sua autenticidade, a qual só se torna necessária quando se levantarem fundadas dúvidas sobre essa autenticidade”.

 

Relativamente ao referido no ofício-circulado nº 20 022 de 19 de Maio de 2000, de que seria necessária a emissão ou autenticação desses documentos pelas autoridades fiscais do Reino Unido, verifica-se não tem suporte na lei, mormente no artigo 440º do CPC, nem tal exigência se compaginará com o regime do nº 1 do artigo 365º do Código Civil, nem com o regime do nº 2 do artigo 365º do Código Civil, conjugados com o regime do artigo 366º do Código Civil.

 

Por seu turno, a situação da força legal das orientações genéricas já foi apreciada pelo TCAN, decisão a que este TAS deve obediência, sob pena de sujeitar uma eventual decisão em sentido contrário, ao recurso do nº 2 do artigo 25º do RJAT.

 

Com efeito, citando-se os nºs 49 e 50 do PPA: “neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º3/13.5BELRS, em 23 de Fevereiro de 2017 ... (no caso em apreço o Oficio-circulado nº 20022, de 19 de Maio de 2000)”: "[d]e qualquer modo as circulares administrativas não vinculam os contribuintes. mas apenas os respectivos serviços não podendo [a Autoridade Tributária] fazer exigências probatórias não previstas expressamente na lei (neste sentido vidé entre muitos outros o acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 04.12.2007, proferido no Processo nº 174/04), [pelo que] sempre haveria de concluir-se pela ilegalidade das instruções por ele veiculadas

 

E no acórdão do TCAN de 14 de Março de 2013, processo n. 0 00997/12.8BEPRT: «Atento o primado da lei sobre as orientações (princípio da legalidade), as regras estatuídas nas circulares da Administração Tributária, têm que respeitar o quadro normativo legislativo de referência - normas jurídicas primárias -, que lhe é prevalente. E quando aquelas estabelecem um sentido normativo que não tem acolhimento na norma legislativa que pretensamente é interpretada, estão afinal a derrogá-la e a criar norma jurídica inovatória inválida».

 

Em face do exposto, não tendo suporte na lei a exigência probatória que a AT considerou ser necessária para atribuir efeito probatório aos documentos apresentados, terá que proceder o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e de anulação das liquidações adicionais aqui impugnadas, porquanto não estão de acordo com o artigo 81º do Código do IRS (que não previne esse regime), nem com o regime jurídico que resulta do artigo 440º do CPC e dos artigos 365º e 366º do Código Civil.

 

Sendo considerado procedente, como aqui se considera, na leitura da lei aqui acolhida, a referida desconformidade com a lei (erro de direito), fica prejudicada a apreciação das demais desconformidades aduzidas pela Requerente.

 

Reembolso dos valores pagos (imposto e juros compensatórios)

 

Na sequência da aludida desconformidade dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente e bem assim dos juros compensatórios, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

Pelo exposto, procede o pedido de reembolso da quantia de € 16 761,63.

 

 

Quanto ao eventual pedido de juros indemnizatórios

 

A Requerente na parte final do PPA pede o “... reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos juros ...”. As liquidações impugnadas são relativas a IRS (imposto) e relativas a juros (compensatórios).

 

No PPA, verifica-se que nos artigos 84º a 95º, a Requerente se limita a argumentar quanto à ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios. O mesmo repetiu em sede de alegações.

 

Em lado algum a Requerente se pronuncia, pelo menos usando a mesma forma explícita quanto a eventual pedido de juros indemnizatórios, que o usou quanto às liquidações de IRS e de juros compensatórios.

 

A AT, na leitura implícita que fez desta parte, entendeu que a Requerente quando referiu “acrescido de juros” se referia a pedido de juros indemnizatórios, como se retira do que é escrito nos artigos 40º a 44º da resposta.

 

Este TAS, não pode pronunciar-se sobre algo que não lhe é colocado, de forma clara e inequívoca, sob pena de pronúncia indevida (nulidade da primeira parte da alínea b) do nº 1 do artigo 28º do RJAT).

 

Este TAS considera, pela forma como o pedido final se mostra deduzido no PPA, sem antes se aduzirem as razões de facto e direito que justificassem o pedido final de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, que a expressão “acrescida dos juros” aposta logo a seguir ao pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, se refere apenas ao pedido de reembolso dos juros compensatórios cuja ilegalidade na liquidação aduziu.

 

Pelo que não pode este TAS apreciar o pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios.

 

De qualquer forma, nada impedirá que a AT, em execução de sentença, ex lege e oficiosamente, promova o pagamento à Requerente dos juros indemnizatórios, como corolário da anulação das liquidações aqui impugnadas.

 

V - DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos:

 

  1. Julga-se procedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa a que se alude na parte final do ponto 9. da matéria de facto assente, que se anula, por estar em desconformidade com a norma contida no artigo 81º do Código do IRS e com o regime jurídico dos documentos particulares a que se alude no artigo 440º do CPC e artigos 365º e 366º, ambos do Código Civil;
  2. Consequentemente, pelos mesmos motivos e com os fundamentos referidos no ponto anterior, julga-se procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação a que se alude no ponto 8. dos factos assentes, que aqui se anulam;
  3. Julga-se procedente o pedido de reembolso do montante de 16 761,63 euros a que se alude na parte final do ponto 8. dos factos assentes;
  4.  Não se pronuncia o TAS sobre o eventual pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

***

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de € 16 761,63.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 224,00 segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

Lisboa, 22 de Outubro de 2018

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

 

Augusto Vieira

 

 

 

 Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.