O Árbitro Marisa Almeida Araújo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar este Tribunal Arbitral Singular, toma a seguinte,
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A..., LDA., (adiante designada por “Requerente”), com sede na Rua ..., ..., ...-... …, titular do Número Único de Matrícula na Conservatória do Registo Comercial e de Identificação de Pessoa Coletiva ... veio, ao abrigo do art. 2.º n.º 1, al. a) e dos arts. 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art. 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, apresentar pedido de pronúncia arbitral para que seja declarada a ilegalidade, e consequente anulação, do acto de liquidação de IRC com o número 2017... e da respetiva demonstração de liquidação de juros com o número 2017..., com todas as consequências legais, nomeadamente, o reembolso à Requerente da quantia paga a esse título, acrescida de juros indemnizatórios.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a 14/03/2018 e automaticamente notificado à Requerida nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da al. b) do n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legal.
Em 04/05/2018, as Partes foram devidamente notificadas, não tendo manifestado, nos termos e prazo legais, vontade de recusar a designação do árbitro (art. 11.º, n.º 1, al. a) e b) do Regime Jurídico de Arbitragem Tributária (RJAT), conjugado com os arts 6.º e 7.º do Código Deontológico).
Em conformidade com o preceituado na al. c), do n.º 1, do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 24/05/2018.
Devidamente notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido e juntou cópia do processo administrativo.
Considerando a defesa por execpção por parte da AT, foi dado cumprimento ao princípio do contraditório, tendo a Requerente respondido a 06/07/2018.
Foi dispensada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e, considerando a posição das partes já vertida nas respectivas peças, a ausência de outra prova para além da documental junta aos autos, e não havendo outra matéria a responder ou contraditório a exercer, foram dispensadas também as alegações das partes, dando-se cumprimento ao princípio de adequação formal.
A Requerente sustentou o seu pedido, sumariamente, alegando que,
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Em novembro de 2017, a Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2017..., acompanhada da respetiva demonstração de liquidação de juros n.º 2017..., emitida por referência ao exercício de 2013, no montante global de EUR 448,28 e com data limite de pagamento no dia 11 de dezembro de 2017 tendo o montante sido pago pela Requerente.
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A liquidação de IRC foi emitida pela AT na sequência de um procedimento de inspeção tributária credenciado pela Ordem de Serviço Interna n.º OI2016..., resultando do relatório de inspecção que as correções em sede de IRC do exercício de 2013 da Requerente resultaram da “Alteração do regime de tributação de rendimentos de “Grupos de Sociedades” para “Geral” sendo a sociedade tributada pelos resultados fiscais obtidos”.
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No exercício de 2013, a sociedade B... era tributada ao abrigo do RETGS, que compreendia, nesse exercício, as seguintes sociedades:
... C... SGPS, S.A. (dominante)
... D..., S.A.
... E..., S.A.
... F..., SGPS, S.A.
... A..., Lda.
... G..., Lda.
... H..., S.A.
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No relatório do mencionado procedimento de inspeção tributária, a AT conclui, segundo a Requerente que “Assim, e na medida em que a sociedade C... SGPS apurou prejuízos fiscais nos três períodos anteriores ao do início da aplicação do regime não reúne as condições para poder ser considerada sociedade dominante do Grupo fiscal, por violação do disposto na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do Código do IRC”.
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Segundo a Requerente a fundamentação apresentada pela AT subjacente à emissão à Requerente da liquidação em apreço encontra-se inquinada de vício de violação de Lei, uma vez que a Requerente é trazida para uma discussão que não é sua e que – ademais – ainda se encontra em curso, entre a AT e a sociedade relativamente à qual vem questionado o cumprimento de um dado requisito: a C... SGPS, S.A.
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Os factos invocados pela AT para fundamentar a prática do ato em relação à Requerente – a existência de prejuízos fiscais nos três períodos anteriores ao do início da aplicação do regime – são relativos a uma outra sociedade (a C... SGPS, S.A.), que não a Requerente.
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Segundo a Requerente, apesar de se ver confrontada com um ato de liquidação emitido diretamente contra si, esta não pode provar o efetivo preenchimento dos pressupostos de que depende a aplicação do RETGS, carecendo de legitimidade – de facto e de direito – para discutir se a sociedade dominante preenchia ou não os requisitos para integrar o RETGS no ano em causa.
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Já que esses pressupostos respeitam a uma outra sociedade – a sociedade dominante C... SGPS, S.A. – e o o regime legal aplicável ao caso concreto impõe que a prova seja feita por essa sociedade dominante.
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Em consequência, a liquidação emitida à Requerente por uma alegada falta do preenchimento, por uma outra entidade, de um requisito que, em termos práticos (e legais) apenas pode ser provado por essa outra sociedade, coloca aquela numa situação de indefesa quanto ao mérito da questão, encontrando-se, segundo a Requerente, violado, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, no caso em presença está em causa a específica dimensão da “proibição de indefesa”.
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A situação afeta, segundo a Requerente, a confiança que deposita no ordenamento jurídico regulador dos meios de defesa dos seus direitos, confiança essa que é ainda tutelada pelo princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
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Concluindo, deste modo a Requerente que a liquidação emitida, nos moldes e com os fundamentos com que o foi, viola frontalmente o princípio proibição de indefesa o que aqui se invoca e deverá determinar a anulação da mesma liquidação, nos termos legais, determinando-se, em consequência, a devolução à Requerente da quantia assim indevidamente paga a esse título, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.
Por sua vez, a Requerida, sustenta a sua posição, sumariamente, alegando que,
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A Requerida defende-se por excepção e por impugnação.
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Quanto à matéria de excepção, a Requerida, alega, a falta de legitimidade da Requerente já que, segundo aquela, nos termos do RETGS, o direito a exercer a opção por aquele regime especial de tributação é um direito conferido à sociedade dominante do Grupo, titular do mesmo pelo que, a todo o direito corresponde uma acção judicial adequada à sua tutela, sendo que no caso da ora Requerente, porque não tem qualquer direito ao exercício da opção de que depende a aplicação do RETGS, também não é titular de qualquer direito de agir judicialmente com vista a obter a respectiva tutela.
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Segundo a Requerida, quem tem legitimidade para impugnar a correcção efectuada ao regime de tributação do Grupo é a sociedade dominante do Grupo e não todas e cada uma das sociedades dominadas, entre elas a ora Requerente.
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O enquadramento da Requerente no RETGS não dependeu da sua vontade, mas antes de um direito de opção exercido unilateralmente pela sociedade dominante do Grupo pelo que, de igual modo a cessação daquele RETGS, por falta dos respectivos pressupostos legais, só pode ser discutida contenciosamente pela sociedade dominante do Grupo que exerceu o correspondente direito de opção.
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Se a Requerente, na qualidade de sociedade dominada do Grupo, não dispunha de um mecanismo jurídico que lhe conferisse a possibilidade de se opor à opção pelo RETGS para efeitos de determinação da sua matéria colectável em IRC, também não cabe à Requerente, segundo a Requerida, reagir contra a correcção que a AT entenda que deve ser feita àquele enquadramento, cabendo à sociedade dominante adoptar os mecanismos que entenda convenientes e oportunos para se opor àquela decisão, caso não concorde com ela.
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Até este diferendo entre a AT e a sociedade mãe estar resolvido, impõe-se promover a correcção ao regime de tributação dos rendimentos e exercer o direito à liquidação do imposto, quando exista, relativamente a todas e cada empresa do Grupo não existindo, segundo a AT, qualquer fundamento legal para suspender a liquidação do imposto que ao caso couber na esfera jurídica da sociedade mãe, por força da alteração ao regime de tributação em IRC, também não existe fundamento para não liquidar o imposto que se afigure devido, por força daquela correcção, na esfera jurídica das sociedades dominadas.
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O facto de a empresa mãe ter reagido contra aquela decisão não impede a AT de proceder a todas as liquidações que resultem da correcção ao regime de tributação em IRC, quer na esfera da empresa mãe quer na esfera das restantes sociedades do Grupo, não existindo nenhuma norma que suspenda o direito à liquidação de imposto.
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Estamos, pois, segundo a Requerida, perante um acto de liquidação consequente à correcção efectuada ao RETGS, correcção esta que apenas poderá ser contestada, perante a AT e perante os Tribunais, pela sociedade dominante do Grupo por ser esta que detém o direito a exercer a respectiva opção e, consequentemente, a legitimidade para a impugnar.
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Por consequência, a ser considera procedente a eventual pretensão da sociedade dominante à anulação daquela correcção, será em sede de execução pela AT do decidido ou do julgado, conforme o caso, que será reposta a decisão que existia antes daquela correcção, com a consequente devolução do imposto indevidamente pago.
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Concluindo, por isto, a AT pela falta de legitimidade da Requerente para impugnar a correcção efectuada.
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O chamamento à demanda da sociedade dominante não tem qualquer suporte legal, uma vez que tão pouco de trata de uma situação de litisconsórcio necessário, dado que a única sociedade com legitimidade para discutir a correcção controvertida é a que detém o direito ao exercício da opção. Nestes termos, deverá ser julgada procedente a excepção da falta de legitimidade da Requerente, com a consequente absolvição da Requerida da instância.
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Subsidiarimente, a Requerida suscita a falta de interesse em agir, já que a presente acção arbitral não é susceptível de produzir quaisquer efeitos positivos da esfera jurídica da Requerente.
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Uma vez que a correcção em causa, segundo avança a Requerente, está pendente de decisão por via da reacção já despoletada pela sociedade mãe, forçosamente se conclui, segundo a Requerida, não existir qualquer interesse em suspender a presente instância arbitral até ser decidida aquela contenda.
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Pois a ser decidida a favor da sociedade dominante, a execução do correspondente julgado implica, necessariamente, a reposição da situação jurídico-tributária de todas as sociedades do Grupo, aqui se incluindo a Requerente.
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Daqui resulta, subsidiariamente, a falta de interesse em agir, pois o interesse que objectivamente a Requerente tem de ser anulada a liquidação controvertida, é um interesse que já se encontra salvaguardado pela eventual pendência de uma acção intentada pela sociedade dominante do Grupo com vista a anular a correcção efectuada pela AT ao regime de tributação do Grupo.
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Por impugnação a Requerida alega que a liquidação de IRC ora controvertida um acto consequente à correcção do regime de tributação em que a sociedade se encontrava enquadrada, a inexistindo qualquer fundamento legal de impeça a respectiva liquidação.
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Impunha-se à AT efectuar a respectiva liquidação, sob pena de caducidade do direito à liquidação, não existindo qualquer fundamento legal para suspender a liquidação do imposto que ao caso couber na esfera jurídica da sociedade mãe, por força da alteração ao regime de tributação em IRC.
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Também não existe fundamento, segundo a AT, para não liquidar o imposto que se afigure devido, por força daquela correcção, na esfera jurídica das sociedades dominadas.
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Por isto, conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Quanto à matéria de excepção invocada pela Requerida, veio a Requerente responder, alegando, sumariamente, o seguinte,
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A relação jurídico-tributária concretizada na liquidação adicional em causa nos presentes autos encontra-se estabelecida entre a AT – enquanto sujeito ativo dessa relação – e a aqui Requerente – enquanto sujeito passivo respetivo. Pelo que, segundo a Requerente, em face do ato impugnado e da relação material aqui controvertida, é parte legítima ativa no presente processo arbitral tributário – cf. artigo 9º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
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Concluindo pela total improcedência da exceção da falta de legitimidade processual deduzida pela AT.
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Quanto ao interesse em agir a Requerente alega que é a pessoa coletiva que, nos termos da lei, se encontra vinculada ao cumprimento ou satisfação da prestação tributária emergente da liquidação aqui posta em crise e não a sociedade dominante ou qualquer outra entidade.
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Sendo contra a Requerente, consequentemente, que, em caso de falta de pagamento do montante em causa, que AT instaura o competente processo de execução fiscal e é contra o património daquela que, em caso de falta de pagamento da liquidação em causa, os atos de cobrança coerciva são praticados.
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Concluindo pelo interesse em agir da Requerente, improcedendo, dessa forma, a excepção invocada pela AT.
II – SANEADOR
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, estão devidamente representadas, o tribunal é competente e o pedido não é extemporâneo, nos termos do disposto nos arts 4.º e 10.º do RJAT e do art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
É suscitada matéria de excepção dilatória que se impõe conhecer uma vez que a sua eventual procedência obsta a que o tribunal conheça do fundo ou mérito da causa sendo, por isso, questão prévia.
A Requerida suscita a ilegitimidade da Requerente bem como a falta de interesse em agir desta. Foi dado cumprimento ao contraditório quanto a esta matéria.
Cumpre apreciar,
A legitimidade processual constitui uma posição concreta por quem é parte numa causa, perante um determinado conflito de interesses, aferindo-se esta qualidade para quem revelar ter um interesse a uma tutela jurisdicional.
In casu, o que se afigura, e independentemente da questão de mérito, é que no que tange à relação processual, a Requerente figura na relação jurídico-tributária em apreço como sujeito passivo tendo, portanto, quanto a ela legitimidade processual.
Desta forma, e sem mais considerações concluímos que a Requerente é parte legítima no presente processo arbitral tributário (Arts. 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária).
Perante o exposto conclui-se pela legitimidade processual das partes.
Quanto ao interesse em agir.
O interesse processual consiste na necessidade de usar um processo exprimindo uma ideia de necessidade ou situação objectiva de carência de tutela judiciária (Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª Ed., Coimbra Editora, p. 393).
Para além da legitimidade processual a parte demonstra o interesse processual quando é necessária, indispensável justificada, razoável e actual a resolução pela via judicial.
No caso concreto, para efeitos de configuração da relação processual, a relação jurídico-tributária tem como sujeito passivo a Requerente sobre quem vai recair os efeitos jurídicos do cumprimento, ou não, da prestação tributária emergente da liquidação aqui posta em crise, e não a sociedade dominante ou qualquer outra entidade.
Desta forma só se pode concluir que a Requerente tem uma situação de carência objectiva, justificada e razoável em recorrer a juízo, independente da relação jurídico-tributária da sociedade dominante.
Face ao exposto, considera-se que a Requerente tem interesse em agir.
Decidida a matéria de excepção suscitada, estando verificados todos os pressupostos e não havendo vícios processuais a conhecer, impõe-se, agora, conhecer do fundo ou mérito da causa.
III – MÉRITO
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados e não provados
Cabe ao tribunal seleccionar os factos que importam para a decisão da causa e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados.
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Em novembro de 2017, a Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2017..., acompanhada da respetiva demonstração de liquidação de juros nº 2017..., emitida por referência ao exercício de 2013, no montante global de EUR 448,28 e com data limite de pagamento no dia 11 de dezembro de 2017 tendo o montante sido pago pela Requerente a 7 de dezembro de 2017 – cf. Docs. N.os 1 e 3 juntos com a petição inicial.
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A liquidação de IRC foi emitida AT na sequência de um procedimento de inspeção tributária credenciado pela Ordem de Serviço Interna n.º OI2016..., resultando do relatório de inspecção que as correções em sede de IRC do exercício de 2013 da Requerente resultaram, da “Alteração do regime de tributação de rendimentos de “Grupos de Sociedades” para “Geral” sendo a sociedade tributada pelos resultados fiscais obtidos” – cf. Processo Administrativo junto aos autos.
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No exercício de 2013, a Requerente era tributada ao abrigo do RETGS, que compreendia, nesse exercício, as seguintes sociedades:
... C... SGPS, S.A. (dominante)
... D..., S.A.
... E..., S.A.
... F..., SGPS, S.A.
... A..., Lda.
... G..., Lda.
... H..., S.A.
Cf. Processo Administrativo junto aos autos.
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A Requerente foi notificada, para exercício de direito de audição, do projecto de correcções do relatório de inspecção, datado de 21/08/2017, direito que aquela exerceu a 06/09/2017, conforme documentos juntos com o processo administrativo.
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A Requerente foi notificada posteriormente das correcções resultantes da acção de inspecção a 18/10/2017 com relatório/ conclusões respeitantes à ordem de serviços em apreço.
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Do relatório do procedimento de inspeção tributária conclui a AT que “na medida em que a sociedade C... SGPS apurou prejuízos fiscais nos três períodos anteriores ao do início da aplicação do regime não reúne as condições para poder ser considerada sociedade dominante do Grupo fiscal, por violação do disposto na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do Código do IRC”. Cf. Doc. N.º 2 junto com a petição inicial e processo administrativo.
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A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral a 12 de março de 2018.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa, considerando as possíveis soluções de direito.
Não há factos dados como não provados.
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Motivação quanto à matéria de facto
Os factos provados, sobre os quais não há controvérsia, têm por base os documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e o processo administrativo junto pela Requerida.
2. MATÉRIA DE DIREITO
2.1. Questões principais
Do peticionado pela Requerente resultam as seguintes questões de fundo a apreciar neste processo e que elencamos de seguida:
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Da violação do direito a uma tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, no afloramento designado por “proibição de indefesa”.
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Do direito a juros indemnizatórios.
Cumpre decidir,
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Da violação da “proibição de indefesa”
Gonçalo Avelãs Nunes descreve como “(…) principal fundamento que justifica e recomenda a opção pela tributação conjunta do grupo de sociedades em sede de imposto sobre o rendimento resulta do princípio da neutralidade na tributação dos rendimentos da actividade empresarial” (Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em sede de IRC - contributo para um novo enquadramento Dogmático e Legal do seu Regime, 2011, pp 54 ss. ).
O regime de tributação conjunta dos grupos de sociedades em sede de IRC oferece vantagens, em especial, no que se refere a possibilitar e potenciar “a adopção da forma societária que melhor corresponda às necessidades produtivas do mercado, ao eliminar as desvantagens da não neutralidade da tributação separada”, constituindo “um instrumento útil válido e adequado de apoio à reestruturação das empresas e de promoção de competitividade” (ob. cit., p. 59).
O legislador tributário coloca, assim, este regime ao alcance dos grupos de sociedades, verificados os pressupostos legalmente exigidos, podendo a sociedade dominante optar por este tipo de regime especial de determinação da matéria coletável em relação a todas as sociedades do grupo (artigo 69.º do CIRC).
Nos termos do art. 70.º do CIRC, exercida a opção pelo regime fiscal “relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, corrigido, sendo caso disso, do efeito da aplicação da opção prevista no n.º 5 do artigo 67.º”.
Conforme resulta da decisão do CAAD proferida no âmbito do processo n.º 116/2017-T (consultada em www.caad.org.pt) “(…) impende sobre a sociedade dominante enviar a declaração periódica de rendimentos relativa ao lucro tributável do grupo apurado, nos termos do artigo 70.º (artigo 120.º, n.º 6, do CIRC). (…) havendo uma declaração única de imposto e existindo correções/alterações aos resultados fiscais declarados pelas sociedades pertencentes ao grupo, o lucro tributável deste terá de ser ajustado em conformidade com tais correções/alterações. Na verdade, resulta, quer da respetiva justificação teórica, quer do quadro legal do respetivo regime, uma autonomização do lucro tributável perante os lucros individuais de cada sociedade dominada.
Constitui, assim, pressuposto de direito e de facto do regime fiscal que a sociedade dominante tem controlo sobre a atividade e sobre os lucros das sociedades dominadas. Por outro lado, não obstante as sociedades dominadas manterem a sua individualidade e obrigações declarativas, elas são, verdadeiramente, uma longa manus da sociedade dominante, como ficou consignado no Acórdão proferido no Processo Arbitral n.º 10/2012-T”.
A Requerente, confrontada com um ato de liquidação emitido diretamente contra si, e reagindo contra o mesmo, alega não pode provar o efetivo preenchimento dos pressupostos de que depende a aplicação do RETGS uma vez que carece de legitimidade – de facto e de direito – para discutir se a sociedade dominante preenchia ou não os requisitos para integrar o RETGS no ano em causa. Já que, segundo a posição da Requerente, esses pressupostos respeitam a uma outra sociedade – a sociedade dominante C... SGPS, S.A., e por outro, o regime legal aplicável ao caso concreto impõe que a prova seja feita por essa sociedade dominante.
O que tem, na óptica da Requerente, que a liquidação emitida por uma alegada falta do preenchimento, por uma outra entidade, de um requisito que, em termos práticos (e legais) apenas pode ser provado por essa outra sociedade, coloca a Requerente numa situação de indefesa quanto ao mérito da questão.
Apesar do alegado não lhe assiste razão, considerando este fundamento teórico-legal, e a factualidade dada como provada, consideramos que não há qualquer violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, em qualquer afloramento.
Por um lado, não existe qualquer norma que preveja uma decisão autónoma sobre a cessação do RETGS, num procedimento autónomo. O que, considerando o exposto quanto ao regime e fundamento do RETGS e o seu recorte especial, no contexto do regime jurídico, já que não se trata de terceiros propriamente ditos mas sociedades que se integrarem num grupo que optou pelo RETGS afigurando-se, inequívoco que as vicissitudes da aplicabilidade, ou não, daquele regime, se reflecte, também, ao nível do grupo, mormente através da empresa dominante.
Desta forma, não estamos – e ainda que à Requerente tenham sido notificadas as conclusões da ordem de serviço – perante uma situação de relações jurídicas entre terceiros.
Conforme resulta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23-02-2017, Proc. 05493/12 “(…) o regime jurídico-fiscal do grupo de sociedades funda-se na denominada teoria da unidade, na qual se pugna pela consideração, para efeitos fiscais, do grupo de sociedades como uma unidade jurídica fictícia, deixando as sociedades integradas de ser sujeitos jurídicos diferentes, fruto da unidade económica que as congrega. Nesse sentido, a matéria coletável deve ser calculada de forma conjunta, dando lugar a uma única liquidação e eliminando a dupla tributação, sendo a respectiva base tributável apurada com recurso a dois tipos de operações, a saber: a) a eliminação das operações internas realizadas no seio do grupo, só relevando as praticadas com terceiras entidades; b) a compensação de perdas das várias sociedades componentes do grupo”.
Mas, para além disso, se por um lado não estamos a tratar de terceiros propriamente ditos, entre a Requerente e a sociedade dominante, no contexto mencionado, subjacente ao regime de tributação conjunta não pode deixar de vigorar um princípio de colaboração acrescida entre a empresa dominante e as dominadas que é o pressuposto do regime.
Desta forma, sempre estaria salvaguarda a legitimidade material da Requerente considerando a configuração da relação material controvertida.
Por outro lado, e concluindo da mesma forma, em nada estaria limitado o exercício do direito a uma tutela jurisdicional efectiva que a Requerente alega estar posto em causa já que, nada parece obstar a que a apreciação do regime a aplicar possa ser feita no procedimento de liquidação e a decisão de cessação, que será implícita, que seria impugnada com a liquidação, de harmonia com o princípio da impugnação unitária nos termos do art. 54.º CPPT.
Assim, pelas razões descritas, não encontramos qualquer violação à tutela jurisdicional efectiva, nomeadamente no afloramento da proibição de indefesa, pelo que improcede o pedido da Requerente.
Considerando a decisão de mérito fica prejudicado, por ser inútil [art. 130º do Código do Processo Civil (CPC)], o conhecimento das demais questões colocadas.
IV – DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Declarar a improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
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Condenar a Requerente nas custas do processo.
V – VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2 do CPC, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 448,28.
VI – CUSTAS
Nos termos do art. 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em
€ 306,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, ficando a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 1 de outubro de 2018
O árbitro,
Marisa Almeida Araújo