DECISÃO ARBITRAL
Acordam em Tribunal Arbitral
I – Relatório
1. A..., LDA., pessoa colectiva n.º..., com sede em...—..., ...-..., ..., ..., veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos tributários de liquidação n.ºs 2016... e 2016..., no valor de € 309.702,28 e € 31.936,69, relativas ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referentes aos exercícios de 2012 e 2013, e a consequente liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., no valor de € 34.528,63, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra esses atos tributários.
O pedido arbitral respeita a correcções efectuadas pela Autoridade Tributária após um procedimento inspectivo que incidiu sobre gastos referentes a anos anteriores, perdas por imparidade, pagamento de Kms a funcionários e gerente, implicações no resultado líquido contabilístico, ativos fixos tangíveis reconhecidos em subcontas da conta 62, fornecimentos e serviços externos e factura contabilizada em duplicado.
A Requerente fundamenta o seu pedido em vícios de falta de fundamentação e em erro nos pressupostos de direito.
Quanto a esse primeiro fundamento, a Requerente alega, em resumo, que o relatório de inspecção tributária impõe correcções sem demonstrar fundamentadamente os fatos que as determinam, bastando-se com meras generalidades e conceitos indeterminados, sem identificar a origem dos lançamentos e os motivos que justificaram as correcções.
No tocante ao vício de violação de lei, a Requerente sustenta a sua posição nos seguintes considerandos.
Quanto aos gastos referentes a anos anteriores, traduzindo-se no pagamento em 2012 de facturas emitidas em 2011, deve entender-se, de acordo com o princípio da especialização, que esses encargos são imputáveis ao exercício em que ocorreu o vencimento da obrigação, pelo que, não sendo esses gastos dedutíveis no resultado de 2012, ocorre um excesso de tributação em violação do princípio da justiça.
Relativamente ao reconhecimento de perdas por imparidade, na conta clientes, nos exercícios de 2012 e 2013, a documentação junta pela Requerente identifica os clientes devedores dos créditos de cobrança duvidosa, como o valor do crédito à data do respectivo exercício e a data de vencimento do crédito, dando cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 36.º do Código do IRC, segundo o qual se consideram créditos de cobrança duvidosa os que "estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas objectivas de imparidade e de terem sido efectuadas para o seu recebimento”.
Os pagamentos efectuados pela Requerente relativos às deslocações realizadas pelos colaboradores e o seu gerente foram devidamente inscritos nas contas 6251 (deslocações e estadas), 63205 (ajudas de custo) e 63211 (subsídio de transporte), tratando-se de custos efectivamente suportados por conta da sua actividade, e face ao princípio da presunção de veracidade da contabilidade organizada, cabe à Administração Tributária o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros.
Por outro lado, os pagamentos referentes aos fornecedores B..., C..., D..., E..., F..., G... não podem ser entendidos por adiantamentos por conta de compras, e mesmo que estivesse em causa matéria prima não recepcionada, haveria que atender ao fato de a propriedade se ter transferido pelo efeito do contrato, devendo como tal, e atento o princípio ínsito no artigo 18.º ser considerado o gasto aquando da contratualização. Tratando-se assim de encargos que foram assumidos pela Requerente em 2012, devem ser considerados custos dedutíveis nesse exercício.
Além disso, os fornecimentos de bens e a prestação de serviços externos, objecto de correcções pela Administração Tributária, devem ser tidos como gastos dedutíveis nos termos do artigo 23.º do CIRC por se tratar de gastos contabilísticos suportados pela empresa que são indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora, não se confundindo com depreciações e amortizações resultantes de "perdas de valor associadas à sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas".
A não se entender assim os atos tributários impugnados violam os princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, defendeu-se por excepção, considerando que, por extemporaneidade da reclamação graciosa apresentada relativamente ao ato tributário referente ao exercício de 2013, esse ato tributário se consolidou na ordem jurídica, não podendo ser objecto de pedido de pronúncia arbitral, pelo decurso do correspondente prazo, mas apenas de impugnação judicial por via de acção administrativa.
Em matéria de impugnação, a Autoridade Tributária sustenta que, à data do encerramento de contas do exercício de 2011, o sujeito passivo tinha já conhecimento das despesas de conservação de máquinas ocorridas no ano anterior e que foram objecto de facturação, não podendo essas despesas ser aceites para efeitos fiscais no exercício de 2012, visto que, face ao princípio da especialização, interpretado de acordo com o princípio da justiça, apenas pode atender-se custos de exercícios anteriores que não resultem de omissões voluntárias e intencionais.
Relativamente a perdas por imparidade, a Autoridade Tributária considera que, nos termos do artigo 35.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, apenas podem ser deduzidas para efeitos fiscais as perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores que possam ser considerados de cobrança duvidosa e preencham os requisitos definidos no artigo 36.º, especialmente nos casos em que os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento, situações quer não se encontram evidenciadas na contabilidade da Requerente.
Quanto ao pagamento de deslocações realizadas pelos colaboradores da Requerente, a Autoridade Tributária defende que essas despesas se encontram inscritas nas contas 6251 (deslocações e estadas), 63205 (ajudas de custo) e 63211 (subsídio de transporte), mas sem que para tal existam documentos de suporte dos respectivos lançamentos contabilísticos, não tendo a Requerente cumprido o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC.
Conclui-se ainda que a Requerente não efectuou o tratamento contabilístico adequado em relação a compras efectuadas a diversos fornecedores, não tendo recepcionado a mercadoria/matéria-prima, nem tendo reconhecido os adiantamentos por conta de compras, e, desse modo, influenciou negativamente o resultado líquido contabilístico para efeitos fiscais.
Durante o exercício de 2013, a Requerente contabilizou ainda facturas referentes a aquisição de equipamentos e reparação de edifícios como se tratasse de fornecimentos de bens ou prestação de serviços externos quando devem entender-se como ativos tangíveis destinados a serem utilizados na produção de bens e que não poderiam ser contabilizados como gastos do exercício na sua totalidade.
A Autoridade Tributária contesta ainda que os atos de liquidação se encontrem inquinados por falta de fundamentação ou que afrontem os princípios da legalidade, da capacidade contributiva ou da tributação segundo o rendimento real.
Conclui pela improcedência do pedido.
2. No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a produção de prova testemunhal.
Notificada para responder quanto à matéria de excepção suscitada na contestação, a Requerente nada disse.
Foi ordenada a notificação para apresentação de alegações complementares, faculdade que as partes não utilizaram.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24 de janeiro de 2018.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente foi notificada dos atos tributários de liquidação relativas ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, no valor de € 309.702,28, referente ao exercício de 2012, e no valor de € 31.936,69, referente ao exercício de 2013, e da liquidação de juros compensatórios no valor de € 34.528,63.
B) As notas de liquidação eram datadas de 25 de julho de 2016 e tinham como data limite de pagamento 26 de setembro de 2016.
C) Os atos de liquidação foram emitidos na sequência do procedimento de inspeção externo relativo aos exercícios de 2012 e 2013, iniciado pela Ordem de Serviço n.º... e ampliado pelas Ordens de Serviço n.ºs ... e ..., com início em 27 de julho de 2015.
D) A Requerente interpôs reclamação graciosa desses atos de liquidação em 3 de janeiro de 2017, que foi indeferida por despacho do chefe de divisão da Direcção de Finanças de ..., de 17 de agosto de 2017, notificado no dia imediato.
E) O despacho de indeferimento considerou tempestiva a reclamação graciosa quanto à liquidação de 2012 e intempestiva quanto à liquidação de 2013.
F) A Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em vista à apreciação da legalidade dos atos tributários em 9 de novembro seguinte.
G) Os atos adicionais de liquidação tiveram por base correcções efectuadas à matéria colectável propostas pelo Relatório de Inspecção Tributária, nos seguintes termos:
Exercício de 2012
Rubrica
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Valor
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Item do
Relatório
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Gastos referentes a exercícios anteriores, reconhecidos no exercício de 2011, infringiu artigo 18.º, n.º 2, do Código do IRC.
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7.627,98 €
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III.1.1
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Perdas por Imparidade que não cumprem o estipulado no n.º 1 e no n.º 2, ambos do artigo 35.º do CIRC.
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245.872,21 €
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III. 1.2
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Gastos contabilizados relacionados com Kms a funcionário e gerente, contudo os mapas apresentados não se encontravam e acordo com o estipulado no na alínea f), do n.º 1 do artigo 5.º CIRC.
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43.973,36 €
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III.1 .3
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Lançamentos efetuados sem documento de suporte documental e sem suporte legislativo, que tiveram implicações no apuramento do resultado líquido para efeitos fiscais, infringiu n.º 1 e alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º e n.º 2 do artigo 123.º, ambos do Código do IRC.
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744.850,85 €
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III.1.4
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Total
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1.042.324,40 €
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Exercício de 2013
Rubrica
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Valor
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Item do
Relatório
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Perdas por Imparidade, que não cumprem o estipulado n.º 1 e no n.º 2 ambos do artigo 36.º do CIRC.
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274.032,98 €
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III.1.2.
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Gastos contabilizados relacionados com Kms a funcionáro e gerente, contudo os mapas apresentados não se encontravam de acordo com o estipulado no na alínea f), do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC.
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69.670,44 €
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III. 1.3
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Compras efetuadas que não foram reconhecidas no ano em que ocorreram infringiu n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC.
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-561.378,07 €
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III. 1.1
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Ativos fixos tangíveis contabilizados em subcontas da 62 Fornecimentos e Serviços Externos
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77.085,98 €
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III. 1.5
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Trabalhos especializados reconhecidos em duplicado, infringiu artigo 17.º, n.º 3, alíena b, do Código do IRC.
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12.000,00€
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III. 1.6
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Total
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-128.588,67 €
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H) Nos termos do referido Relatório de Inspecção Tributária, a Autoridade Tributária considerou que o sujeito passivo reconheceu como gastos do exercício em 2012 despesas de conservação de máquinas cujas facturas foram emitidas em 30 de Maio e 23 de Julho de 2011, no montante global de € 7.627,98, e de que o sujeito passivo tinha conhecimento à data do encerramento de contas em 2011, e que foi acrescido ao resultado líquido contabilístico do exercício de 2012.
I) No mesmo Relatório, foram reconhecidas, relativamente aos exercícios de 2012 e de 2013, “perdas por imparidade”, na conta 6511 – Clientes, cujas provas não se encontram evidenciadas nos registos contabilísticos, e que determinaram um acréscimo no resultado líquido de € 245.872,21, no exercício de 2012, e de € 274.032,98, no exercício de 2013.
J) Foram ainda reconhecidos gastos com deslocações do gerente, na conta 6251 - deslocações e estadas, e na conta 63205 – ajudas de custo, no exercício de 2012, e com deslocações dos funcionários, na conta 63211 — subsídio de transporte, no exercício de 2013, que não cumprem o estabelecido na alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC e que não puderem ser aceites como gastos para efeitos fiscais, implicando um acréscimo global do resultado líquido o valor de € 43.973.36, no exercício de 2012, e de € 69.670 44, no exercício de 2013.
L) Em 2012, foram efectuados lançamentos contabilísticos relativamente a adiantamentos a fornecedores em casos em que a mercadoria/matéria-prima não foi recepcionada, determinando um acréscimo ao resultado líquido no montante de € 744.850,85, e em 2013 foram repostos lançamentos de compras que já tinham consideradas no ano transacto, determinando um gasto no montante de €561.378,07.
M) No exercício de 2103 foram contabilizadas faturas referentes à aquisição de equipamentos e obras de contrução e reparação em sucontas da conta 62 (fornecimentos e serviços externos) que apenas deviam ser consideradas como gastos de exercício no montante correspondente à depreciação, implicando o acréscimo ao resultado líquido o valor de € 77.085.98.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e nos que constam do processo administrativo junto com a resposta da Autoridade Tributária.
Matéria de exceção
5. A Autoridade Tributária sustenta que a reclamação graciosa deduzida contra o ato tributário de liquidação referente a 2013 foi considerada intempestiva, não tendo sido apreciada por esse motivo a legalidade do ato de liquidação, pelo que o meio processual próprio para reagir seria a impugnação judicial perante os tribunais estaduais e não o pedido de constituição de tribunal arbitral, verificando-se a excepção dilatória que conduz
à absolvição da instância.
Para assim concluir, a Autoridade Tributária considerou como termo a quo para a contagem do prazo de reclamação graciosa a data de liquidação do imposto (12 de agosto de 2016) e apoia-se, aparentemente, no disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, pelo qual o processo judicial tributário compreende a “impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação”.
Como resulta, no entanto, do disposto no artigo 70.º, n.º 1, do CPPT, a reclamação graciosa “será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º” e, segundo esse preceito, um desses factos corresponde ao “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” (alínea a).
Demonstrando-se através da nota de liquidação referente ao ano de 2013 que o prazo limite para o pagamento era 26 de setembro de 2016, à data da apresentação da reclamação graciosa (em 3 de janeiro de 2017) ainda não tinha decorrido o indicado prazo de 120 dias, não podendo considerar-se verificado o caso decidido ou caso resolvido por falta de oportuna impugnação administrativa.
Por outro lado, ainda que não tenha sido apreciada pela Administração a legalidade do ato de liquidação por suposta intempestividade da reclamação graciosa, tem-se entendido que das decisões de indeferimento de reclamações graciosas cabe sempre impugnação judicial, independentemente de nelas ter sido apreciada a legalidade do ato de liquidação, fundando-se esse entendimento no disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea c), do CPPT, que permite, através do processo judicial tributário, a “impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos atos tributários” (neste sentido, acórdão do STA de 2 de abril de 2009, Processo n.º 0125/09).
Além que o objecto do processo do pedido de pronúncia arbitral ou de impugnação judicial referente a um ato de liquidação de tributos, ainda que apresentado na sequência de uma reclamação graciosa, é esse próprio ato tributário, e não a decisão da Administração Tributária que tenha incidido sobre a impugnação administrativa, nada obstando, por conseguinte, à arbitralidade do litígio que vem suscitado nos presentes autos à luz do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT (cfr. Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. II, Coimbra, 2017, pág. 434).
Improcede, pois, a invocada exceção.
Matéria de fundo
Falta de fundamentação
6. A Requerente baseia a ilegalidade dos atos tributários de liquidação no vício de forma por falta de fundamentação e vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.
Quanto ao vício de forma, alega, em resumo, que a Autoridade Tributária se limitou a apresentar um resultado sem fundamentar e provar as correcções efectuadas, bastando-se com a utilização de expressões como "expectável", "supostos", "normalmente" e "lançamentos sem nexo”.
Tem-se entendido que a fundamentação do ato administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, mas a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. Nessa linha de orientação, um ato administrativo está suficientemente fundamentado desde que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o accionamento dos meios legais de impugnação (acórdão do STA de 14 de julho de 2008, Processo n.º 024/08) e de 11 de setembro de 2008, Processo n.º 0112/07).
No caso vertente, a Administração Tributária, no relatório de inspecção tributária, faz uma análise detalhada das situações que foram objecto do procedimento inspectivo, descrevendo os lançamentos contabilísticos e os gastos que não puderam ser aceites para efeitos fiscais, identificando os documentos de suporte e as contas em que foram feitos os registos, e indicando com precisão os montantes que, em cada caso, se entendeu deverem ser objecto de correcção e efectuando o enqudramento jurídico mediante a indicação das normas legais que se consideram infrigidas.
A Administração Tributária não teve que interpretar e aplicar quaisquer conceitos indeterminados que implicassem uma maior exigência no plano da fundamentação, não podendo atribuir-se esse qualificativo às expressões mencionadas pela Requerente, que foram utilizadas pontualmente com um sentido linguístico comum e num contexto verbal perfeitamente compreensível para um destinatário normal. Nem se limitou a formular considerações genéricas, vagas ou conclusivas, tendo antes efectuado uma descrição muito circunstanciada dos fatos relevantes para as correcções propostas, sendo inteiramente irrelevante, do ponto de vista da fundamentação do ato administrativo, que os fatos possam ou não ter-se como provados, visto que essa é uma questão que apenas poderia originar um erro quanto aos pressupostos de fato.
Face aos termos em que se encontra elaborado o relatório de inspecção tributária, que serviu de base aos atos tributários de liquidação, não pode dizer-se, de nenhum modo, que o interessado se encontrou impossibilitado de discutir as soluções propostas e de rebater a factualidade descrita ou que tenha sequer ficado impedido de aceitar ou reagir processualmente contra o ato.
Improcede, por conseguinte, o indicado vício de forma por falta de fundamentação.
Erro nos pressupostos de direito
Gastos referentes a anos anteriores
7. A Administração Tributária desconsiderou como gasto referente ao exercício de 2012, o montante global de duas facturas emitidas em 30 de maio de 2011 e 23 de julho de 2011, de que a Requerente já tinha conhecimento à data do encerramento de contas do exercício de 2011, invocando o princípio decorrente do artigo 18.º, n.º 2, do Código do IRC.
A Requerente sustenta que as facturas foram efectivamente pagas em março de 2012 e, de acordo com o princípio da especialização, o encargo deve ser imputado ao exercício em que ocorreu o vencimento da obrigação, havendo, em todo o caso, de interpretar esse princípio em articulação com o princípio da justiça, uma vez que o gasto foi efectivamente suportado ainda que devesse ser reportado a um outro exercício.
O citado artigo 18.º do Código do IRC, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:
1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.
2 – As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
(…).
Consigna o n.º 1 o princípio contabilístico da especialização económica dos exercícios, que consiste em incluir nos resultados fiscais os proveitos e custos correspondentes a cada ano económico, independentemente do seu efectivo recebimento ou pagamento. O n.º 2 permite que proveitos ou custos respeitantes a exercícios anteriores sejam imputáveis a um outro exercício apenas quando à data do encerramento das contas daquele eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.
O que significa que o custo ou proveito está tendencialmente associado ao momento da emissão do documento.
Trata-se de um critério contabilístico que reflecte o princípio da periodização anual do imposto.
No entanto, não se vê motivo para interpretar esse princípio em sentido estritamente literal quando da imputação do proveito ou custo a um exercício diverso daquele a que respeitava não resultar prejuízo para a Fazenda Nacional e a correcção poder vir a traduzir-se num agravamento fiscal do contribuinte.
Como se afirma no acórdão do STA de 13 de outubro de 1996 (Processo n.º 20404), sem pôr em causa a relevância fiscal do princípio da especialização dos exercícios, é de admitir a imputação de custos a exercícios anteriores, quando ela não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios, como é o caso em que está prestes a acabar ou iniciar um período de isenção, quando há interesse em reduzir prejuízos de determinado exercício ou retirar benefícios do seu reporte e quando se pretende reduzir o montante dos lucros tributários.
E esse sentido interpretativo pode ser adoptado – como se ponderou também no acórdão do STA de 5 de fevereiro de 2003 (Processo n.º 01648/02) - mediante a articulação do princípio da especialização de exercícios com o princípio da justiça a que a Administração Tributária se encontra igualmente vinculada (artigo 55.º da LGT).
No caso, a correção ao resultado líquido contabilístico do exercício de 2012 do montante correspondente a gastos que deviam ser imputados ao exercício anterior impede, na prática, o sujeito passivo de deduzir despesas que podem considerar-se como necessárias para a angariação do rendimento e conduz a um resultado não aceitável do ponto de vista da justiça fiscal e do princípio da capacidade contributiva.
Afigura-se ser, nestes termos, de considerar a argumentação da Requerente.
Perdas por imparidade
8. A Administração Tributária desconsiderou ainda como gastos dedutíveis para efeitos fiscais as perdas por imparidade relativamente aos exercícios de 2012 e 2013 por entender que não preenchem os requisitos do artigo 36.º, 1, alínea c), do Código de IRC.
Alega que, na sequência da informação solicitada à Requerente no âmbito do procedimento inspectivo, foram identificados os clientes com débitos de cobrança duvidosa, os valores totais em dívida à data de vencimento e a percentagem da constituição da perda da imparidade, mas não foram identificadas as facturas a que os créditos dizem respeito, nem foram apresentadas provas objectivas de imparidade nem provas das diligências efectuadas para recebimento dos créditos.
Dispõe o artigo 35º, nº 1, alínea a), do Código do IRC, na redação em vigor à data dos fatos, que podem ser deduzidas para efeitos fiscais as perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou períodos de tributação anteriores “relacionadas com créditos resultantes da atividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade”.
Para efeitos de determinação das perdas de imparidade previstas nesse dispositivo, o subsequente artigo 36.º, na parte que mais interessa considerar, dispunha o seguinte:
1 - Para efeitos de IRC são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
a) Quando o devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial (SIREVE);
b) Quando os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
c) Quando os créditos estejam em mora há mais de 6 meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas objectivas de imparidade e de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.
(…)
3. Não são considerados créditos de cobrança duvidosa:
a) Créditos sobre o Estado, regiões autónomas, autarquias e entidades públicas em geral ou créditos em que estas tenham prestado aval;
b) Créditos cobertos por seguro;
c) Créditos sobre pessoas singulares ou colectivas que detenham, directa ou indirectamente, mais de 10% do capital;
d) Participadas detidas, directa ou indirectamente, em mais de 10% do capital”
No caso vertente, está essencialmente em causa o critério de incobrabilidade estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 36.º, pelo qual haverá de comprovar-se que existem créditos em mora há mais de mais de 6 meses e existem provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento, o que reconduz a questão a um problema de ónus da prova.
Importa ainda ter presente, neste contexto, as regras do direito probatório material que resultam dos artigos 74.º e 75.º da LGT. Cabe à Administração Tributária a prova dos fatos constitutivos do direito à liquidação ou à prática do ato adicional de correção da matéria coletável, enquanto ao impugnante apenas cabe a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, e não já a prova dos fatos constitutivos da pretensão de anulação do ato impugnado, sendo que a exigência do ónus da prova quanto à pretensão impugnatória se traduziria, na prática, no reconhecimento de uma presunção da legalidade do ato tributário (artigo 74.º, n.º 1). Acresce que os dados e apuramentos inscritos na contabilidade do sujeito passivo presumem-se verdadeiros e só quando a contabilidade contiver omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável é que cessa essa presunção, implicando que recaia sobre o sujeito passivo o ónus da prova dos fatos que constam da escrita (artigo 75.º, n.º 1, e n.º 2, alínea a)).
Não tendo sido invocada a existência de qualquer das situações que justificam a cessação da presunção da veracidade da declaração do contribuinte, haverá de ter-se em consideração, tomando como verdadeiros, os lançamentos contabilísticos que constam da escrita. A Administração Tributária, para proceder à correção da matéria coletável, neste particular, baseou-se unicamente na não apresentação de certos elementos que foram solicitados ao sujeito no âmbito do procedimento inspetivo, como sejam das faturas a que os créditos dizem respeito e as provas de imparidade – pressupondo a indicação dos prazos de pagamento e de interpelação – e a demonstração dos meios usados pelo sujeito passivo para reclamar o pagamento.
Mas essa não era uma prova que ao contribuinte competisse fazer, visto que era a Administração que pretendia demonstrar que o interessado deixou de cumprir os requisitos de que dependia a dedução para efeitos fiscais das perdas por imparidade.
A arguição mostra-se igualmente procedente neste ponto.
Pagamentos de quilómetros a funcionários e a gerentes
9. A Autoridade Tributária procedeu ainda à correção do rendimento tributável por considerar não dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, alínea f), encargos e ajudas de custos contabilizadas com a compensação pela deslocação de trabalhadores e gerentes ao serviço da entidade patronal, relativamente aos exercícios de 2012 e 2013.
Como resulta do relatório de inspeção, a Administração solicitou ao contribuinte, no âmbito do procedimento inspetivo, a apresentação do mapa assinado pelo trabalhador justificativo das deslocações, incluindo no tocante ao objetivo da deslocação e a indispensabilidade para a obtenção dos proveitos, a identificação da viatura e o comprovativo do débito ao cliente, caso tenha ocorrido.
Analisando os elementos fornecidos pelo sujeito passivo, na sequência dessa diligência instrutória, a Administração considera que os mapas apresentados identificam o trabalhador, assim como os quilómetros percorridos e o motivo da deslocação, mas não indicam em todos os casos a matrícula do veículo e apresentam incongruências quanto à quilometragem percorrida e ao destino da deslocação. Noutras situações, os mapas não indicam o objetivo da deslocação e a sua justificação, nem a informação sobre se a deslocação foi faturada ao cliente, além de que não se encontram assinados pelo trabalhador ou gerente.
A norma que justifica a não dedutibilidade dos custos é a do artigo 45º, n.º 1, alínea f), do Código de IRC, que dispõe o seguinte:
1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
(…)
h) As ajudas de custo e os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objetivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário;
(…).
Ao contrário do que sucede relativamente à questão antecedente, a dedutibilidade para efeitos fiscais de ajudas e encargos com compensação por deslocações depende da demonstração contabilística, a cargo do sujeito passivo, mediante a elaboração de um mapa que contenha os elementos de informação mencionados na referida alínea h) do n.º 1 do artigo 45.º
No caso, a Administração Tributária aponta ao mapa apresentado pela Requerente omissões e inexatidões que põem em causa, à luz do disposto no citado artigo 75.º, n.º 2, do CPPA, a presunção de veracidade das declarações referentes aos encargos com deslocações. Note-se que o que está em causa não é o ónus da prova de que as deslocações ocorreram e que tiveram um objetivo empresarial, mas o próprio preenchimento pelo sujeito passivo dos requisitos de que depende a dedutibilidade dos encargos.
Sem dúvida que, caso o contribuinte tivesse inscrito adequadamente no mapa contabilístico os dados referentes às deslocações, a Administração Tributária não estava impedida, ainda assim, de demonstrar que alguma ou algumas dessas deslocações não ocorreram ou não correspondem às distâncias que foram consideradas ou não se enquadram no processo comercial, sendo que, nessa circunstância, o ónus da prova incumbiria à Autoridade Tributária de acordo com os critérios gerais de direito probatório material.
A questão coloca-se, no entanto, num outro plano que é o do próprio incumprimento pelo sujeito passivo dos requisitos de ordem contabilística de que a lei faz depender a dedutibilidade dos encargos.
O relatório de inspeção tributária assinala que os mapas enviados pelo sujeito passivo, e destinados a demonstrar o preenchimento desses requisitos, nem sempre identificam a viatura e, em nenhum caso, se encontram assinados pelo trabalhador ou pela gerência ou contêm a informação sobre se o valor escriturado foi faturado a um cliente. Por isso mesmo, a Administração Tributária concluiu que as deslocações não podem ser aceites como gasto para efeitos fiscais em atenção ao disposto no artigo 45.º, n.º 1, alínea f), do Código de IRC.
Na petição inicial, a Requerente não põe em causa a exigência legal, nem discute o fundamento invocado pela Administração para a não dedução dos encargos, e apenas alega - para além de outros considerandos atinentes ao ónus da prova, que não são aplicáveis ao caso – que os gastos foram indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos ao imposto. No entanto, como se deixou esclarecido, a questão não se coloca nesse plano e o que cabe averiguar não é se os gastos foram incorridos no interesse empresarial mas se quanto a eles, e atendendo à sua específica natureza, se podem considerar verificados os parâmetros de controlo contabilístico especialmente exigíveis.
Certo é que o relatório de inspeção também assinala certas incongruências relativamente a deslocações escrituradas nos mapas apresentados, o que poderia deslocar a questão para o ónus da prova quanto à existência material dos fatos. Não se afigura, porém, que essas considerações sejam suficientes para porem em dúvida a realização das deslocações nos termos que são descritos pelo sujeito passivo. E, em todo o caso, o aspeto decisivo reside no incumprimento da falada disposição do artigo 45.º, n.º 1, alínea f), do Código de IRC.
Impõe-se concluir, nos termos expostos, pela improcedência deste segmento da impugnação.
Análise do diário 60 – implicações no resultado líquido contabilístico
10. A Administração Tributária determinou ainda a correção de lançamentos como custos, no exercício de 2012, de valores correspondentes à aquisição de bens que não foram rececionados e deviam ter sido reconhecidos como adiantamentos a fornecedores ou adiantamentos por conta de compras e que, desse modo, influenciaram negativamente o resultado líquido contabilístico relativo a esse exercício.
A Requerente sustenta que ainda que a matéria prima não tivesse sido rececionada, haveria de atender-se à transferência da propriedade por efeito do contrato, em atenção ao princípio da periodização do lucro tributável, segundo o entendimento de que são fiscalmente dedutíveis os gastos incorridos num determinado exercício económico independentemente do pagamento.
O certo é que, perante os elementos dos autos, não existe nenhuma evidência de que tenham sido emitidas faturas relativamente àqueles montantes e tenha ocorrido a efetiva transmissão de bens ainda no decurso do exercício de 2012. E nesse sentido aponta o Relatório de Inspeção quando assinala que a Requerente, em janeiro de 2013, veio a repor contabilisticamente o saldo devedor de diversos fornecedores ao não inscrever na subconta 31- compras as aquisições de mercadoria ou matéria-prima efetuadas durante o exercício de 2013. Assim se compreendendo que a Administração Tributária tivesse determinado um acréscimo ao resultado líquido em 2012 no montante de € 744.850,85, reportado a adiantamentos a fornecedores e, simultaneamente, admitido como custo fiscal relativamente ao ano de 2013 a importância de € 561.378,07 referente a compras efetivamente realizadas no decurso desse ano.
Recorde-se que segundo o princípio da anualidade decorrente da transcrita norma do artigo 18.º do Código do IRC, só são dedutíveis fiscalmente os gastos que tiverem sido contabilizados no ano em que foram incorridos, independentemente do seu efetivo pagamento, o que pressupõe que o custo se encontre associado ao momento da emissão do documento de despesa.
Não tendo havido lugar à emissão de faturas pelo fornecedor, nem se encontrando comprovada a transmissão de bens, haverá de entender-se não ter sido observado o invocado princípio da anualidade.
Ativos fixos tangíveis
11. A Administração Tributária determinou um acréscimo ao resultado líquido de 2013 do montante de € 77.085,98 por considerar que a aquisição de equipamentos, a realização de obras de construção e reparação e a aquisição de bens que devam ser tidos como ativos fixos tangíveis não poderiam ser deduzidos pelo seu custo integral, mas como elementos depreciáveis ou amortizáveis, segundo o regime do artigo 30.º do Código de IRC e do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.
A Requerente defende essencialmente que as despesas em causa são indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e à manutenção da fonte produtora de rendimentos e que a dedutibilidade a título de depreciações ou amortizações apenas poderia ter lugar quando os elementos do ativo imobilizado da empresa sofressem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas.
É esta a questão que cabe agora dilucidar.
Segundo o disposto no artigo 29.º do Código de IRC, vigente à data dos fatos, “são aceites com gastos as depreciações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os ativos fixos tangíveis, os ativos intangíveis, os ativos biológicos que não sejam consumíveis e as propriedades de investimento contabilizados ao custo histórico que, com carácter sistemático, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo” (n.º 1). Ainda segundo o n.º 3, em regra, “os elementos do ativo só se consideram sujeitos a deperecimento depois de entrarem em funcionamento ou utilização”.
Como ativos fixos tangíveis, a que se refere o n.º 1, devem entender-se os que sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento ou para fins administrativos e se espera que sejam usados durante mais do que um período.
Como princípio geral, deve entender-se que são sujeitos a deperecimento os ativos que, com caráter sistemático, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo, podendo incluir-se na categoria de ativos fixos intangíveis, para esse efeito, a aquisição de equipamentos, as reparações e beneficiações e as benfeitorias que possam ser reconhecidos como elementos do ativo.
Enquadram-se em qualquer dessas situações os ativos que foram identificados no Relatório de Inspeção Tributária. Não pode deixar de reconhecer-se que equipamentos básicos como uma máquina de soldar e de uma máquina lavadoura, aplicados na normal atividade da empresa, se encontram sujeitos a depreciação por efeito da sua continuada utilização. E mesmo que se considerasse, atendendo ao objeto social da empresa, que as máquinas poderiam destinar-se à revenda ou um outro qualquer destino, ainda assim não poderia haver lugar à amortização total do valor da aquisição como custo da empresa fiscalmente dedutível. A instalação de um portão, tal como as benfeitorias resultantes da execução de obras de reparação, encontram-se igualmente sujeitas a perdas de valor pelo uso ou pelo decurso do tempo, e o que poderá ser aceite como gasto fiscal em cada período de tributação é a quota anual de depreciação ou amortização e não o seu custo integral.
A Requerente entende, porém, que qualquer daquelas despesas deve ser qualificada como um custo para efeitos do artigo 23.º do Código do IRC, na medida em que se trata de um gasto suportado pela empresa que é indispensável (utilizando o conceito de custo dedutível legalmente previsto à época) para a realização dos rendimentos tributáveis e que, desse modo, contribui negativamente para a formação do lucro.
Mas não é assim.
Os elementos do ativo imobilizado constituem a parte tendencialmente permanente do património da empresa e são adquiridos ou produzidos para servirem de instrumento à sua normal atividade e só quando se encontram sujeitos a deperecimento pelo desgaste ou pelo decurso do tempo é que originam um gasto que é dedutível fiscalmente pela perda gradual de valor.
A aquisição de um ativo, inscrito no balanço contabilístico pelo valor da aquisição, compensa totalmente o desembolso efetuado, e não tem por isso de ser considerado como um custo fiscalmente dedutível. É a própria aquisição do ativo que é encarada como compensação da despesa empresarial, distinguindo-se de outras despesas que não têm uma produtividade imediata, e estão mais diretamente relacionadas com a obtenção de lucros, como sejam as elencadas no artigo 23.º do Código do IRC (cfr. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 397-398).
Não estando em causa, na situação do caso, um custo fiscalmente dedutível segundo o disposto no artigo 23.º do Código de IRC, mas gastos resultantes da depreciação ou amortização de elementos do ativo, é patente que dedução apenas poderia ser efetuada por via deste regime legal, o que conduz à improcedência a pretensão deduzida pela Requerente.
Questões de constitucionalidade
11. A Requerente invoca ainda, a título subsidiário, a violação dos princípios constitucionais da legalidade tributária, da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real.
O princípio da legalidade tributária, que decorre essencialmente do disposto no artigo 103.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, pressupõe a exigência formal da reserva de lei parlamentar em matéria fiscal e a exigência de tipicidade e determinabilidade da lei do imposto, de onde resulta que deve ser limitada a discricionariedade da administração na concretização dos elementos essenciais dos impostos, assim como o uso de conceitos indeterminados.
Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva está associado à ideia geral de igualdade, e visa aferir a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico que constitui objeto do imposto, de modo a assegurar um adequado critério de repartição dos impostos, excluindo as situações de desigualdade ou desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014).
A tributação segundo o lucro real pressupõe que a determinação do lucro tributável seja efetuada de acordo com a contabilidade da empresa, com base na documentação e comprovação das receitas e dos custos do sujeito passivo, e, por isso, exige um sistema fiável de informação sobre os resultados empresariais. Não sendo possível determinar o rendimento real da empresa através de métodos contabilísticos, a base da tributação terá de ser definida, não através dos lucros efetivamente auferidos, mas dos lucros presumivelmente realizados, assim se compreendendo que a norma constitucional explicite que a tributação incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1100).
Por outro lado, a tributação segundo o lucro real não impede que a Administração Tributária possa efetuar correções administrativas à declaração do sujeito passivo que possam levar à desconsideração de custos comprovados como custos fiscais e à consequente alteração da quantificação do lucro tributável (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 753/2014).
Nas circunstâncias do caso, não se vê em que termos é que a liquidação de IRC, na parte em que se mantém desfavorável à Requerente, viola qualquer dos princípios constitucionais mencionados.
No que se refere ao pagamento de quilómetros a trabalhadores e gerentes, a desconsideração para efeitos fiscais dos gastos realizados deve-se apenas ao fato de o sujeito passivo não ter cumprido o ónus de demonstração contabilística que resulta diretamente do disposto no artigo 45.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC, omissão que o contribuinte não supriu mesmo depois de convidado pela Administração Tributária a apresentar os mapas com a informação que se tornava necessária.
Quanto à correção de lançamentos como custos fiscais de valores correspondentes à aquisição de bens que não foram rececionados, essa é também uma consequência da inobservância pelo interessado do princípio da periodização ou especialização dos exercícios a que se refere o artigo 18.º do Código do IRC, que impõe que sejam apenas fiscalmente dedutíveis os gastos que tiverem sido contabilizados no ano em que foram incorridos.
Ainda em relação à aquisição de equipamentos e realização de obras de reparação e benfeitorias, a desconsideração do custo integral para efeitos fiscais tem a ver com a indevida qualificação dessas despesas como custo dedutível nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, quando se trata de ativos fixos tangíveis que apenas poderiam ser deduzidos como elementos depreciáveis ou amortizáveis, segundo o regime do artigo 30.º do Código de IRC e o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.
Não está, por isso, em causa - como se torna evidente -, uma qualquer violação de princípios constitucionais, mas unicamente a inobservância pelo sujeito passivo das disposições legais que regulam, de acordo com critérios gerais, a dedutibilidade de gastos para efeito da determinação da matéria coletável.
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação de IRC n.ºs 2016..., no valor global de € 253.500,19, relativa ao exercício de 2012, a liquidação n.º 2016..., no valor global de € 274.032,98, relativa ao exercício de 2013, e a liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., na parte correspondente;
b) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à liquidação de IRC n.ºs 2016..., no valor global de € 788.824,21, relativa ao exercício de 2012, e liquidação n.º 2016..., no valor global de € 146.756,42, relativa ao exercício de 2013;
c) Em conformidade, anular parcialmente o despacho do chefe de divisão da Direção de Finanças de..., de 17 de agosto de 2017, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada contra os atos de liquidação.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 376.167.60, que não foi contestado pela Requerida, e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar (artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT).
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 6.426,00, que fica a cargo da Requerente e da Requerida, na proporção de 2/5 e 3/5, respetivamente.
Notifique.
Lisboa, 11 de outubro de 2018
Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
Árbitro vogal
Maria do Rosário Anjos
Árbitro vogal
Cristiana Leitão Campos