Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 123/2018-T
Data da decisão: 2018-09-24  Selo  
Valor do pedido: € 48.959,09
Tema: Imposto de Selo – Juros – Instituição Financeira – Fundos de Investimento Imobiliário.
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Decisão Arbitral

 

O árbitro Professor Doutor Jónatas Machado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 10.05.2018, decide o seguinte:

RELATÓRIO

1. A A..., Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário S.A (doravante A...), portadora do Número de Identificação de Pessoa Coletiva ..., com sede na ... nº..., ..., Lisboa, na qualidade de gestora e representante do B... (Fundo de Investimento Imobiliário Fechado) e C... S.A., na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada a 10.10.2017 contra os atos tributários de liquidação de imposto do selo incidente sobre o crédito, juros e comissões cobradas ao B... entre janeiro de 2015 e julho de 2017, vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, requerer a constituição de tribunal para anulação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa e dos correspondentes atos liquidação e consequente reembolso da quantia indevidamente liquidada, no valor de € 48.959,09.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-03-2018.

 

3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) nomeou como árbitro singular o Professor Doutor Jónatas Machado, a 10-05-2018.

4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Por força do preceituado na alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 30.05.2018.

Descrição dos factos

6. No requerimento de pronúncia arbitral, a A... veio deduzir impugnação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada a 10.10.2017 contra os atos tributários de liquidação de imposto do selo incidente sobre o crédito, juros e comissões cobradas ao B... entre janeiro de 2015 e julho de 2017, a saber, as guias de imposto de selo n.º..., n.º..., n.º ..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º ..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., respeitantes aos meses de janeiro a dezembro de 2015, as guias de imposto do selo n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., respeitantes aos meses de janeiro a dezembro de 2016 e as guias de imposto do selo n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., respeitantes aos meses de janeiro a julho de 2017, juntamente com a anulação destes atos de liquidação.

7. A A... é uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário, constituída em 28 de janeiro de 1993, que tem estado ativa no mercado imobiliário, na área da gestão de ativos imobiliários e de fundos imobiliários, através da gestão do B..., fundo cujas unidades de participação foram admitidas à cotação em mercado regulamentado e que apresenta um valor global de cerca de € 130 milhões de euros.

          8. No decurso da sua atividade, o B... contraiu financiamentos bancários junto do Banco D..., S.A. (doravante “D...”), tendo para isso celebrado a 15.07.2009 e a 12.10.2012 contratos de mútuo nos montantes de € 20.407.800,00 e € 7.500.000,00, respetivamente.

          9. Ao longo do período compreendido entre janeiro de 2015 e julho de 2017, o Banco D... tem vindo a cobrar juros e comissões ao B..., decorrentes da celebração dos contratos de financiamento acima enunciados, nos seguintes montantes:

Ano

Mês

Imposto do Selo

Juros

Comissões

2015

Janeiro

 € 6.284,54

€ 0,33

 

Fevereiro

€ 469,20

€ 0,45

 

Março

€ 312,77

€ 1,37

 

Abril

€ 5.949,22

€ 0,34

 

Maio

€ 295,43

€ 0,17

 

Junho

€ 284,22

€ 0,31

 

Julho

€ 5.755,61

€ 0,34

 

Agosto

 € 265,85

€ 0,17

 

Setembro

€ 243,98

€ 0,17

 

Outubro

€ 5.566,80

€ 0,34

 

Novembro

€ 226,92

€ 0,17

 

Dezembro

€ 219.34

€ 0,17

Subtotal

€ 25.873,88

€ 4,33

2016

Janeiro

€ 3.604,97

€ 0,34

 

Fevereiro

€ 197,99

€ 0,17

 

Março

€ 188,18

€ 0,17

 

Abril

€ 3.364,60

€ 0,34

 

Maio

€ 167,13

€ 0,17

 

Junho

€ 158,08

€ 0,17

 

Julho

€ 3.104,67

€ 0,34

 

Agosto

€ 145,84

€ 0,17

 

Setembro

€ 139,26

€0,17

 

Outubro

€ 2.977,97

€ 0,34

 

Novembro

€ 128,52

€ 0,17

 

Dezembro

€ 123,24

€ 0,17

Subtotal

€ 14.300,45

€ 2,72

2017

Janeiro

€ 2864,23

€ 0,34

 

Fevereiro

€ 112,73

€ 0,17

 

Março

€ 107,35

€ 0,17

 

Abril

€ 2.788,56

€ 0,34

 

Maio

€ 96,66

€ 0,17

 

Junho

€ 91,35

€ 0,17

 

Julho

€ 2.715,13

€ 0,34

Subtotal

€ 8.776,01 

€ 1,70 

Total

€ 48.950,34

€ 8,75

 

 

          10. Decorrente da cobrança desses juros e comissões de gestão, tem vindo a ser liquidado ao fundo B... Imposto do Selo, à taxa de 4%, ao abrigo das atuais verbas 17.3.1 – “Juros por, designadamente, (…) empréstimos” e 17.3.4 – “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”.

          11. Durante o período de janeiro de 2015 e julho de 2017, o B... viu ser-lhe liquidado e cobrado Imposto do Selo incidente sobre esses juros e comissões, no montante total de € 48.959,09.

          12. Não obstante, a Requerente considera que, revestindo o B... a natureza jurídica de instituição financeira, a sujeição a Imposto do Selo do capital, juros e comissões cobradas pelo Banco D... carece em absoluto de fundamento legal, em virtude da isenção consagrada no artigo 7.º n.º 1 alínea e) do Código do Imposto de Selo (CIS). 

13. A AT, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, juntou, em 04.07.2018, o processo administrativo e a sua Resposta ao pedido de pronúncia arbitral da Requerente, onde sustenta que o mesmo deve ser julgado improcedente, por não provado, o presente, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida de todos os pedidos, com as devidas e legais consequências.

Argumentos das partes

14. Os argumentos e contra-argumentos esgrimidos pelas partes dizem respeito, fundamentalmente, à relevância e ao alcance da isenção de imposto de selo constante do artigo 7º n.º 1 alínea e) do CIS, onde se dispõe o seguinte: 

«1. São também isentos de imposto:

 

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;”

 

15. Para fundamentar a sua posição, a Requerente centra o seu arrazoado na conotação e denotação do conceito de instituição financeira, sustentando a ilegalidade ato de indeferimento tácito e dos correspondentes atos de liquidação contestados, com os seguintes argumentos:

  1. O artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária dispõe que, na ausência de indicação no Código do Imposto do Selo sobre o significado de “instituições financeiras”, deve o intérprete recorrer a disciplinas não fiscais na tentativa de encontrar o elemento definidor.
  2. A alínea d) do n.º 1 do artigo 30.º (sob a epígrafe “Investidor Qualificado”) do Código dos Valores Mobiliários inclui expressamente na enumeração exemplificativa de “investidores qualificados” as “Instituições de investimento coletivo e respetivas sociedades gestoras”, como é o caso do B... e da A... .
  3. A alínea f) do n.º 1 do artigo 30.º do Código dos Valores Mobiliários inclui, na qualificação de “investidores qualificados”, “outras instituições financeiras autorizadas ou reguladas”, o que significa que as entidades mencionadas nas alíneas anteriores daquele normativo também são vistas pelo legislador como “instituições financeiras, mal se compreendendo, a não ser assim, a referência ao advérbio “outras” empregue na redação desta alínea.
  4. A utilização do advérbio “designadamente” na alínea f) do n.º 1 do artigo 30.º do Código dos Valores Mobiliários revela o caráter não exaustivo do elenco aí previsto e, por maioria de razão, do âmbito abrangente do conceito de “instituição financeira”.
  5. O artigo 4.º-A, n.ºs 1, alínea a) subalínea iii), e n.º 2, alínea c), e n.º 8, alínea b), subalínea iii), do Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10 de maio (que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva 2014/107/UE do Conselho, de 9 de dezembro de 2014, que altera a Diretiva 2011/16/EU no que respeita à troca automática de informações obrigatória no domínio da fiscalidade) qualifica expressamente os organismos de investimento coletivo imobiliário (e.g. o fundo B...) e as entidades responsáveis pela respetiva gestão autorizadas a exercer essa atividade em Portugal (e.g. a A...) como “instituições financeiras” reportantes (dentro da tipologia de “entidades de investimento”).
  6. Os artigos 2.º, n.º 1, alínea e) e 3.º, n.º 1, do Anexo I do Decreto-Lei n.º 64/2016, de 11 de outubro (que regulamenta o Regime de Comunicação de Informações Financeiras, aprovado pelo artigo 239.º da Lei nº 82-B/2014, de 31 de dezembro, doravante “RCIF”), considera “instituição financeira” reportante quem for qualificado como “entidade de investimento”, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, alínea c), n.º 3, alínea c) e n.º 4 do RCIF.
  7. De acordo com o artigo 2.º, n.º 2, alínea c), n.º 3, alínea c) e n.º 4 do RCIF, uma “entidade de investimento”, enquanto uma das categorias admissíveis para ser designada por “instituição financeira”, abrange, nomeadamente, “Os fundos de investimento imobiliário constituídos de acordo com a legislação nacional, e respetivas entidades responsáveis pela gestão”.
  8. Esta interpretação está em linha com a legislação comunitária, em particular com a Diretiva 2015/849/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, dado que a mesma fornece uma lista mais ampla de entidades qualificadas como instituições financeiras, sendo que a alínea d) do n.º 2 do artigo 3.º da mesma dispõe que uma “instituição financeira” compreende um “organismo de investimento coletivo que comercialize as suas ações ou unidades de participação”.
  9. O Parecer n.º 25/2013, emitido pelo Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros (doravante “CEF”) em 28.05.2013, (documento nº 8) cujo objeto de análise se centrou na sujeição (ou não) a Imposto do Selo das comissões de gestão cobradas por uma sociedade de capital de risco a título de administração de um fundo de capital de risco, analisou o âmbito de aplicação da isenção atualmente consagrada no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, concluiu que tanto os fundos como as sociedades de capital de risco são instituições financeiras de acordo com o direito comunitário e o direito nacional, argumento que, por igualdade de razão, vale para o B... .
  10. O B... deve ser qualificado como uma instituição financeira e, como tal, a exemplo do que sucede com a A..., devem os juros e as comissões em causa cobrados pelo Banco D... ao B... estar abrangidos pelo disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS.

 

 

16. Em sentido divergente, a argumentação desenvolvida pela Requerida assenta nos seguintes tópicos:

  1. O n.º 1 do artigo 1.º do CIS dispõe que «O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.» e o n.º 2 do mesmo artigo 1.º do CIS determina que não são sujeitas a imposto de selo as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas.
  2. A verba 17.3.4 da Tabela Geral de Imposto de Selo, para o que ora releva, prevê a sujeição a IS, à taxa de 4 % de «Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros»
  3. Nos termos da alínea e), do n.º 1, e n.º 7, ambos do artigo 7.º do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham os sujeitos ali identificados, as seguintes operações: utilização do crédito concedido; garantia prestada na concessão do crédito; juros cobrados pela concessão do crédito; comissões cobradas "diretamente destinadas" à concessão do crédito, onde se incluirão as comissões de processamento da prestação.
  4. A alínea e), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS pode dividir-se em duas partes, com uma subdivisão de uma delas: a) uma primeira, de natureza objetiva, onde se enunciam taxativamente "[O]s juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido". b) a segunda, de natureza subjetiva, que se subdivide em duas secções: Instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras; "Sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;"
  5. Há dúvidas quanto à qualificação da empresa B... como instituição financeira;
  6. Tendo em conta a natureza das contraprestações recebidas pela Requerente, utilizando o conceito de serviços financeiros previsto no Código do IVA, e uma vez que o CIS não estabelece conceito próprio, as comissões cobradas pelo Banco C... têm natureza de serviços financeiros e estão sujeitas a Imposto de Selo de acordo com a Verba 17.3.4 da TGIS;
  7. A atual redação da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31.12, sofreu sucessivas alterações desde a revisão do código do imposto de selo e respetiva tabela pela Lei n.º 150/99, de 11.09;
  8. Depois da inexistência inicial de isenção de juros e comissões (DL n.º 16732 de 1929.04.13; artigo 120º/A n.º2 do Regulamento de 1979), foi introduzida a  isenção de juros (Decreto-Lei n.º 154/84, de 16.05), embora ainda sem a isenção de comissões, situação que o Decreto-Lei n.º 223/91, não obstante prever algumas isenções, ainda manteve; 
  9. A Lei n.º 150/99 de 11.09 introduziu a seguinte redação:

 

6-/1 «e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios  decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997. […]

 

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições, da mesma natureza a entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997».

 

  1. O n.º 2 do artigo 6º estabelecia a ligação direta entre as isenções das alíneas e) e f) e as operações de concessão de crédito;
  2. O artigo 37º/2 da Lei 30-C/2000 (Lei do Orçamento do Estado para 2001) substituiu a referência ao Código de Conduta pela domiciliação em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças, ficando os juros e operações financeiras isentas de imposto de selo apenas quando diretamente relacionadas com operações de concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas nas alíneas e) e f);
  3. O artigo 30º da Lei n.º 32- B/2002, de 30.12, procedeu à fusão das alíneas e) e f) do artigo 6º do CIS e suprimiu o nº 2 que estabelecia a ligação direta com a concessão de crédito e renumerando o n.º 3 para 2; 
  4. As referidas alterações legislativas em nada contendem com a permanência da restrição do âmbito de aplicação da isenção, sendo que a mesma decorre de uma leitura integrada das verbas constantes do n.º 17 da TGIS e do princípio de interpretação da unidade do sistema jurídico, que tornariam redundante o antigo n.º 2 do artigo 6º do CIS;
  5. Não ocorreu qualquer ampliação do âmbito material da isenção através da “revogação” do disposto no n.º 2 do artigo 6.º do CIS; sendo que com a mesma o legislador não quis dispor num sentido diverso do anterior;
  6. Não é racional estabelecer uma autonomia entre os juros, as comissões cobradas e as garantias prestadas, por um lado, e a utilização do crédito concedido, por outro;
  7. Apenas em relação à concessão de crédito é possível conexionar com as instituições de crédito e sociedades ou instituições financeiras concedentes e das sociedades ou entidades observadoras, na forma e no objeto, dos tipos de instituições de crédito e sociedades e instituições financeiras, beneficiárias da norma de isenção;
  8. Os juros, as comissões e as garantias prestadas não são realidades em si, com existência autónoma e distinta da utilização de crédito para efeitos de imposto de selo, sob pena de se alargar o âmbito da isenção dos juros, comissões e garantias e tornar ainda mais incompreensível o tratamento fiscal dado à utilização do crédito, ficando esta última isenção restrita às operações financeiras celebradas entre aquelas instituições;
  9. Os elementos histórico, sistemático, racional e literal impõem que a norma de isenção do artigo 7.º n.º1 alínea e) se reporte aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido, sendo essa ligação assegurada pela formulação «juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido»;
  10. Só os juros, comissões e garantias que resultem da existência prévia de um crédito concedido que com aqueles se encontra direta e intrinsecamente relacionado cabem na previsão legal; 
  11. A vontade do legislador sempre foi, e assim permanece, a de limitar a aplicação da norma de isenção à concessão de crédito e aos juros e comissões que lhe estão associados;
  12. A isenção prevista na atual alínea e), n.º 1, do artigo 7.º do CIS só é aplicável às comissões previstas na verba 17 quando estejam diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo, como foi entendido pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul prolatado no processo n.º 02754/08.
  13. O artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) consagra uma noção ampla de benefício fiscal e qualifica os benefícios fiscais como despesa fiscal, obrigando a que seja feita a estimativa da despesa fiscal associada ao respetivo alargamento (cf. o nº 3 do artigo 2º do EBF);
  14. As dúvidas que pudessem existir relativamente às situações objetivas previstas na norma de isenção do artigo 7º n.º 1 alínea e) ficaram esclarecidas após a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado de 2016. 
  15. O artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, procedeu à alteração dos artigos 2.º, 4.º e 7.º do CIS, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, passando o artigo 7º do Código do Imposto do Selo que aqui se analisa a ter a seguinte redação: "Artigo 7.º [...] 7 - O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea";
  16. O artigo 154.º prescreve que a redação dada ao n.º 7 do artigo 7.º do CIS tem natureza interpretativa, integrando-se na norma interpretada, nos termos do artigoº 13.º do Código Civil), formando ambas um conjunto incindível;
  17. Estando a AT sujeita ao princípio da legalidade tributária, por força do artigo 266.º, n.º 2 da CRP, do artigo 8.º da LGT e do artigo 3.º, n.º 1 do CPA, então, a posição da Requerida, face ao agora legalmente determinado na Lei do Orçamento de Estado para 2016, não pode ser diversa da adotada, não podendo a AT desaplicar normas com base em inconstitucionalidade.

Reunião arbitral do artigo 18º do RJAT

17. Ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), e tendo em conta que não foram suscitadas exceções nem as partes requereram a produção de prova testemunhal, o Tribunal decidiu, em 26.07.2018, dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

Alegações finais

18. Nas suas alegações, a Requerente e reiterou as razões de direito apresentadas na petição inicial, sublinhando que está em causa a cobrança de imposto de selo sobre operações diretamente relacionadas com a concessão de crédito – a saber, contratos de mútuo – e não sobre comissões de gestão.  A mesma aduziu ainda a existência de uma ficha doutrinária resultante de uma Informação Vinculativa respeitante a um caso semelhante àquele que consta dos presentes autos[1].

19. A Requerida limitou-se a remeter para as razões articuladas na sua Resposta.

SANEAMENTO

20. Não foram invocadas exceções.

21. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (arts. 5.º, n.ºs 1 e 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT)

22. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.

23. O processo não enferma de nulidades nem foram invocadas exceções, podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.  

FUNDAMENTAÇÃO

Factos dados como provados

24. A A... é uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário, constituída em 28 de janeiro de 1993 (documento n.º 3).

25. A A... atua no mercado imobiliário, na área da Gestão de Ativos Imobiliários e Gestão de Fundos Imobiliários, através da gestão do B..., fundo cujas unidades de participação foram admitidas à cotação em mercado regulamentado e o qual apresenta um valor global de cerca de € 130 milhões de euros (documento n.º 3).

          26. O B... contraiu financiamentos bancários junto Banco D..., tendo celebrado a 15.07.2009 e a 12.10.2012 contratos de mútuo nos montantes de € 20.407.800,00 e € 7.500.000,00 (documentos n.ºs 4 e 5).

          27. Entre janeiro de 2015 e julho de 2017, o Banco D... tem vindo a cobrar juros e comissões ao B..., decorrentes da celebração dos contratos de financiamento acima enunciados (documento n.º 6).

          28. Decorrente da cobrança desses juros e comissões de gestão, tem vindo a ser liquidado ao fundo B... Imposto do Selo, à taxa de 4%, ao abrigo das atuais verbas 17.3.1 – “Juros por, designadamente, (…) empréstimos” e 17.3.4 – “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” (documento n.º 7).

          29. Durante o período de janeiro de 2015 e julho de 2017, foi liquidado e cobrado ao B... Imposto do Selo incidente sobre esses juros e comissões, no montante total de € 48.959,09 (documentos n.ºs 6 e 7).

          30. O Imposto do Selo liquidado pelo Banco D... ao B... foi devidamente entregue aos cofres do Estado (documento n.º 7).

 

Factos não provados

31. Com relevo para a decisão sobre o mérito não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados.

Motivação

32. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar e matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

33. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

34. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, conjugada com a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Questão decidenda

35. A questão sub judice consiste em saber se o B... é uma instituição financeira para poder beneficiar da isenção do artigo 7º n.º 1 alínea e) do CIS – questão relativamente à qual a AT se limitou a alegar algumas dúvidas, sem nada mais articular ou fundamentar –,  operação cognitiva que exige a prévia determinação do alcance da expressão instituição financeira. Por outras palavras, a questão fundamental em discussão no caso concreto prende-se com a determinação da conotação e denotação do conceito de instituição financeira consagrado do CIS. 

36. Diferentemente do que sustenta a AT na sua resposta, no caso em apreço, está em causa diante a liquidação de imposto de selo relativamente a juros e comissões cobrados respeitantes a operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, a saber, os contratos de mútuo através dos quais o Banco D..., uma instituição financeira, concedeu crédito ao B..., outra instituição financeira.

37. A resposta a dar à questão em presença remete para o artigo 11.º n.º 2 da LGT onde se dispõe que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.” Esta disposição desempenha uma importante função orientadora da atividade de interpretação das normas fiscais, prevenindo a geração de incerteza jurídica e imprevisibilidade por altura da concretização dos conceitos jurídicos empregues pelo legislador fiscal. Ela estabelece uma regra de interpretação por defeito e determina as condições em que é admissível o seu afastamento.

38. A importação, pelo direito fiscal, de conceitos técnico-jurídicos com o sentido que lhes corresponde nos ramos de direito de que são originários, concretiza as exigências de segurança jurídica e proteção da confiança, ínsitas no princípio do Estado de direito, que o texto constitucional adscreve ao direito fiscal. A mesma impede, em via de princípio, a derivação autónoma de critérios interpretativos a partir do próprio direito fiscal para aplicação imediata aos termos jurídicos nele empregues e aos factos a estes adscritos.[2] Constituindo o ponto de partida para a interpretação das normas fiscais, ela não corresponde necessariamente ao ponto de chegada. Entretanto, qualquer desvio à sua aplicação deve decorrer diretamente da lei, como se lê no final do preceito em apreço.   

39. Assim, num primeiro momento, requer-se do operador jurídico a determinação do sentido e âmbito do conceito de instituição financeira, a partir do significado que o mesmo assume no direito financeiro. É este que fornece o quadro normativo que determina as regras e as condições para o exercício da atividade financeira, designadamente de concessão de crédito ou de investimento. É a partir dele e no seu seio que são definidas e criadas as instituições financeiras.

40. Num segundo momento, há que indagar se a esse conceito, com a conotação assim obtida, se pode subsumir o fundo de investimento B... . Trata-se de uma tarefa hermenêutica e metódica complexa, considerando a abertura do conceito de instituição financeira. O mesmo é frequentemente densificado, a partir de textos legais dispersos, por referência à atividade económica de intermediação financeira devidamente autorizada e regulada, orientada para redução dos custos de transação e informação na relação entre os investidores e os mercados de serviços financeiros (v.g. investimento; financiamento).[3] Para a concretização do conceito de instituição financeira no caso concreto devem ser carreados diferentes dados normativos e argumentativos.

41. Em primeiro lugar, importa salientar que o artigo 30º n.º 1/a) a f) do Código do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM)[4] adota um conceito amplo de investidor qualificado, que por sua vez abrange um conceito amplo de instituição financeira. Como resulta imediatamente do teor literal do preceito, o legislador reconduz à categoria dos investidores qualificados um vasto número de instituições financeiras. Com efeito, a categoria dos investidores qualificados abrange instituições de crédito, empresas de investimento; empresas de seguros,  instituições de investimento coletivo e respetivas sociedades gestoras, fundos de pensões e respetivas sociedades gestoras e outras instituições financeiras autorizadas ou reguladas, designadamente fundos de titularização de créditos, respetivas sociedades gestoras e demais sociedades financeiras previstas na lei, sociedades de titularização de créditos, sociedades de capital de risco, fundos de capital de risco e respetivas sociedades gestoras.

42. Nos termos dos artigos 1º/1 e 2º/1/aa) do RGOIC, as instituições de investimento coletivo são designadas por “organismos de investimento coletivo” e definidas como “as instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes”.

43. Por força da alínea f) do n.º 1 do artigo 30º do CMVM, as instituições de investimento coletivo e as respetivas sociedades gestoras são colocadas ao lado de “outras instituições financeiras”, referência que surge logo a seguir ao elenco de instituições referidas nas alíneas a) a e) do mesmo preceito. Esta técnica de redação legislativa só tem realmente sentido se estiver bem claro, na mente do intérprete, que as instituições de investimento coletivo e respetivas sociedades gestoras também são instituições financeiras. Por outras palavras, é com base neste entendimento que à menção das instituições de investimento coletivo são acrescentadas “outras instituições financeiras”. O artigo 30.º/1) do CMVM repetidamente considera instituições financeiras não apenas as sociedades gestoras mas também os fundos (v.g. pensões; titularização de créditos; capital de risco) ou as instituições de investimento coletivo por elas geridas.

44. A doutrina especializada tem-se referido aos fundos de investimento imobiliário neste contexto. Um estudo académico de Patrícia Andreia de Oliveira Jordão[5] caracteriza a figura do organismo de investimento coletivo como uma instituição que “tem como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto do público, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de divisão de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes, como são os Fundos de Investimento Imobiliário”, esclarecendo logo a seguir que “um fundo de investimento imobiliário é aquele que faz as suas aplicações fundamentalmente em bens imóveis representando um produto financeiro alternativo às habituais formas de aplicação das poupanças dos investidores, designadamente em depósitos bancários e no investimento direto no mercado de capitais”.

45. Em segundo lugar – tendo como pano de fundo a crise financeira mundial e o combate à evasão e à fraude fiscal – importa mencionar o Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10 de maio, que transpôs a Diretiva 2011/16/UE (Diretiva Troca de Informações), disciplinando a troca obrigatória de informações no domínio da fiscalidade e introduzindo um mecanismo de troca automática e recíproca de informações financeiras, no que diz respeito a residentes noutros Estados-Membros da União Europeia (UE) ou em outras jurisdições participantes, em observância da Norma Comum de Comunicação (i.e. Common Reporting Standard), desenvolvida pela OCDE.[6]

46. Nesta linha, e encurtando razões, deve mencionar-se o Decreto-Lei n.º 64/2016, de 11 de outubro – que transpõe a Diretiva 2014/107/UE do Conselho, de 9 de dezembro (DAC2), que altera a Diretiva 2011/16/UE. O artigo 2º/1/ do mencionado Decreto-Lei n.º 64/2016, define instituição financeira como “uma instituição de depósito, uma instituição de custódia, uma entidade de investimento ou uma empresa de seguros especificada, aplicando-se as definições constantes nos n.ºs 2 a 4 do artigo 2.º do RCIF”.

47. Nos termos do diploma em análise, as entidades instituições financeiras reportantes abrangem as entidades de investimento, que, por sua vez, integram os organismos de investimento coletivo imobiliário. Com efeito, o artigo 4.º-A n.º1 do Decreto-Lei nº 64/2016, de 11 de outubro, quando se refere às instituições financeira reportantes, dispõe que, para efeitos da troca obrigatória e automática de informações, o conceito de «Instituição financeira reportante», abrange qualquer instituição financeira, que não seja considerada «Instituição financeira não reportante», com sede ou direção efetiva em território português, com exceção de qualquer sucursal dessa instituição financeira situada fora deste território, bem como qualquer sucursal situada em território português de uma instituição financeira com sede fora deste território. Ponto é que, em qualquer caso, as mesmas integrem uma das seguintes categorias de instituições financeiras: i) «Instituição de custódia»; ii) «Instituição de depósito»; iii) «Entidade de investimento»; iv) «Empresa de seguros especificada».

48. O n.º 2 /c) do artigo 4º.-A densifica o conceito de «Entidade de investimento», definindo-a como qualquer entidade que exerça como atividade principal uma ou várias das seguintes atividades ou operações, em nome ou por conta de um cliente: i) Transações sobre instrumentos do mercado monetário, nomeadamente, cheques, letras e livranças, certificados de depósitos e derivados, bem como do mercado cambial, em instrumentos sobre divisas, taxas de juro e índices, valores mobiliários ou operações a prazo sobre mercadorias; ii) Gestão individual e coletiva de carteiras; ou iii) Outros tipos de investimento, administração ou gestão de ativos financeiros ou numerário por conta de outrem;”

49. Mais adiante, no n.º 8 do mesmo artigo 4.º/-A pode ler-se: “Consideram-se abrangidos no conceito de entidade de investimento a que se refere a alínea c) do n.º 2, designadamente: b) As instituições de investimento coletivo e a entidades responsáveis pela respetiva gestão autorizados autorizadas a exercer essa atividade em Portugal, nomeadamente: iii) Organismos de investimento imobiliário”. Nestes termos, o B..., enquanto organismo de investimento imobiliário abrangido pelo conceito de instituição de investimento coletivo reconduz-se ao conceito de entidade de investimento que integra o conceito de instituição financeira reportante.

50. Em terceiro lugar, pode referir-se, neste contexto, a taxonomia das instituições financeiras há muito adotada pelo Banco de Portugal, nomeadamente para efeitos de recolha de dados estatísticos. Aí se distinguem diferentes tipos de instituições financeiras, a saber, as instituições financeiras monetárias (IFM) e as instituições financeiras não monetárias (IFNM). As IFM incluem, para além do Banco de Portugal, os bancos, as caixas económicas, as caixas de crédito agrícola mútuo e os fundos do mercado monetário. A categoria das IFNM, que deixa de fora as sociedades de seguros e os fundos de pensões, inclui, na subcategoria dos intermediários financeiros, entre outros, os fundos de investimento (com exceção dos fundos do mercado monetário), juntamente com sociedades de capital de risco, sociedades de factoring, sociedades financeiras, sociedades financeiras para aquisições a crédito, sociedades gestoras de participações sociais do setor financeiro ou as sociedades de locação financeira. Na qualidade de auxiliares financeiros, a categoria das IFNM inclui ainda, designadamente, as sociedades gestoras de fundos de investimento[7]

51. Esta classificação corresponde à adotada pelo Banco Central Europeu, que também considera os fundos de investimento (FI), excluindo fundos de pensões e fundos do mercado monetário, como instituições financeiras não monetárias[8], incluindo-os na lista das instituições financeiras[9].

52. De acordo com as tipologias geralmente adotadas, o B... é um fundo de investimento imobiliário, inserido na categoria das instituições de investimento coletivo, designadas por “organismos de investimento coletivo”[10], devendo ser considerada uma instituição financeira. De resto, o Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros (CEF), no Parecer n. 25/2013, de 28.5 – versando sobre a eventual sujeição a imposto de selo das comissões de gestão cobradas por uma sociedade de capital de risco a título de administração de um fundo de capital de risco – analisou o artigo 7º/1/e) do Código do Imposto de Selo. Nesse Parecer, o CEF sustentou que tanto os fundos como as sociedades de capital de risco são consideradas instituições financeiras à luz da legislação comunitária e nacional.

53. Neste mesmo sentido se pronunciou uma ficha doutrinária resultante de uma Informação Vinculativa respeitante a um caso idêntico ao aqui apreciado[11], onde a AT declara que os fundos de investimento imobiliário são qualificados como instituição financeira, nos termos da legislação da União Europeia, e como tal devem considerar-se isentos de imposto do selo ao abrigo da alínea e) do artigo 7.º n.º1 do CIS relativamente às comissões cobradas quando diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades aí referidas.

54. Os dados normativos e interpretativos acabados de expor apontam para a consideração do B... como uma instituição financeira ao abrigo das normas do direito financeiro da União Europeia, pelo que, nos termos do artigo 1.º n.º 7 alínea e) do CIS e do artigo 11.º n.º2 da LGT se devem considerar isentos de imposto de selo os créditos, juros e comissões a ele cobrados pelo Banco D..., respeitantes aos financiamentos concedidos através dos contratos de mútuo celebrados a 15.07.2009 e a 12.10.2012. Por esse motivo, deve ser declarada a ilegalidade das respetivas liquidações, sendo devido o reembolso integral da quantia de € 48.959,09 liquidada e entregue ao Estado indevidamente.

 

DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, declarar a ilegalidade do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada a 10.10.2017 contra os atos tributários de liquidação de imposto do selo incidente sobre o crédito, juros e comissões cobradas ao B... entre janeiro de 2015 e julho de 2017, a saber, as guias de imposto de selo n.º..., n.º ..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., respeitantes aos meses de janeiro a dezembro de 2015, as guias de imposto do selo n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º ..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., respeitantes aos meses de janeiro a dezembro de 2016 e as guias de imposto do selo n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º ..., respeitantes aos meses de janeiro a julho de 2017, e declarar a respetiva ilegalidade.
  2. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso integral da quantia de € 48.959,09 liquidada e entregue ao Estado indevidamente.
  3. Condenar a Autoridade Tributária no pagamento das custas do processo, nos termos do artigo 22.º n.º 4 e 29.º n.º alínea e) do RJAT e 527.º n.º 1 do Código de Processo Civil.

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 48.959,09, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem a cargo da Requerida em € 2 142.00 €, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de setembro de 2018

 

O Árbitro

 

Professor Doutor Jónatas Machado

 

 



[1] Ficha doutrinária do processo 2017... – IVE n.º..., com despacho concordante de 07.07.2017, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

[2] Idêntica orientação hermenêutica é acolhida noutros quadrantes. Veja-se, por exemplo, William B. Barker, “The Disconnect Between Tax Concepts and the World of Fact: State Law as the Gatekeeper”, 57, Washburn Law Journal, 2018, 129 ss., onde se lê: “where the words of the statute are common private law terms, tax rules, concepts, and standards are not independently derived and directly applied to the raw facts, but are instead viewed as private law categories.”

[3] Cfr., designadamente, Fernando Lima Gurgel do Amaral, O conceito Jurídico de Instituição Financeira, São Paulo, 2016, 32 ss.; Laura Cristina Gastão Ferreira, As Instituições Financeiras na Economia: Uma Análise Empírica do Caso Português, ISEG, Lisboa, 2012, 1 ss.

[4] Decreto Lei n.º 486/99, de 13-11; Lei n.º 104/2017, de 30/08

[5] Patrícia Andreia Oliveira Jordão, Os Fundos de Investimento Imobiliário, ISCAL, Lisboa, 2010, 1.

[6] Tracy A. Kaye, “Innovations in the War on Tax Evasion”, Brigham Young University Law Review, 2014, 363 ss.

[7] Reconduzindo os fundos de investimento à categoria das instituições financeiras não monetárias, v., por exemplo, Estatísticas de Instituições Financeiras Não Monetárias, (exceto Sociedades de Seguros e Fundos de Pensões), Documento Metodológico, Dezembro de 2009, https://www.bportugal.pt/sites/default/files/dm-ifnm-pt.pdf ;  Contas Nacionais, Suplemento ao Boletim Estatístico, Outubro de 2016, Banco de Portugal Eurosistema, 3, Lisboa 2016, p12, quadro 2, https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/suplemento_3_2016_0.pdf; Sistema Financeiro, Instituições Financeiras, Associação Portuguesa de Bancos, http://www.apb.pt/sistema_financeiro/instituicoes_financeiras

[8] Por exemplo, o artigo 7º/1 do Regulamento (Eu) N. O 1073/2013 do Banco Central Europeu, de 18 de outubro de 2013, relativo às estatísticas de ativos e passivos de fundos de investimento (reformulação) (BCE/2013/38), determina que “As regras contabilísticas a adotar pelos FI para efeitos do reporte estatístico previsto no presente regulamento serão as estabelecidas nas disposições pertinentes de aplicação da Diretiva 86/635/CEE do Conselho, de 8 de dezembro de 1986, relativa às contas anuais e às contas consolidadas dos bancos e outras instituições financeiras ou, na sua falta, quaisquer outras normas nacionais ou internacionais de contabilidade aplicáveis aos FI.” (sublinhado nosso).

[9] European Cemtral Bank, Eurosystem, Lists of financial institutions, Investment Funds. https://www.ecb.europa.eu/stats/financial_corporations/list_of_financial_institutions/html/index.en.html, em 29-06-2018.

[10] Artigo 1º/1 do RGOIC.

[11] Ficha doutrinária do processo 2017... – IVE n.º ..., com despacho concordante de 07.07.2017, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.