Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 105/2018-T
Data da decisão: 2018-09-21  IRC  
Valor do pedido: € 91.952,45
Tema: IRC - Caducidade do direito de liquidação - Falta de acto aplicando correcções propostas em relatório da inspecção tributária.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Calejo Guerra e Dr.ª Adelaide Moura, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-05-2018, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A... (SGPS), S.A., portadora do número de identificação de pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º...–..., em Lisboa, (doravante designada como "Requerente" ou “A...”), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a anulação do despacho de 28-11-2017 da Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, que indeferiu expressamente a reclamação graciosa apresentada a 14-02-2017, bem como da liquidação adicional de IRC n.º 2016..., das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016..., 2016..., das liquidações de juros moratórios n.º 2016..., referentes ao período de tributação de 2012, cujo saldo a pagar incluído na demonstração de acerto de contas n.º 2016... foi de € 91.952,45.

            A Requerente pede ainda o reembolso à A... da quantia indevidamente liquidada e paga, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, até integral reembolso, relativos ao período que mediar entre a data do pagamento da quantia referida e a sua devolução à A... .

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 14-03-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 04-05-2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24-05-2018.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 28-06-2018 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações facultativas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre decidir.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para as questões a apreciar:

 

1. A A... é uma sociedade gestora de participações sociais (doravante “SGPS”), fundada em 1992, que tem por único objeto estatutário a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas;

2. Ao abrigo das ordens de serviço com os n.ºs OI2014..., de 02-04-2014, OI2015... e OI2015..., ambas de 19-09-2015, foi efectuada uma inspeção tributária à A..., de âmbito parcial, para incidir sobre o IRC respeitantes aos períodos de tributação de 2009, 2010 e 2011;

3. Nessa acção inspectiva, foi elaborado Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em se refere, além do mais o seguinte:

                        III.1 – Correcções à Matéria Tributável do Exercício de 2009

                        (...)

III.1.1.4.-Conclusão

Estando consolidada a correcção primária antes feita na esfera da C... SGPS ao abrigo do n.º 1 do art.º 63º do CIRC. traduzida na adição de uma parcela com o valor positivo de 467.151,08 € e a natureza de juro activo no cálculo do respectivo lucro tributável de 2009, propõe-se agora, na esfera da A..., nos termos dos n.os 11 e 13 do mesmo art.º 63º do CIRC, e do n.º 1 do art.º 17.» da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, a realização do competente ajustamento correlativo, que se traduzirá na consideração, aqui, do mesmo valor de 487.151,08 €, agora com a natureza de juro passivo.

No entanto, visto que a A... é uma SGPS, aplicando-se-lhe por isso o art.º 32.º do EBF, apenas deverá concorrer para a formação do seu resultado para efeitos fiscais a parte deste encargo financeiro que não resulte imputável às respectivas partes de capital. Conforme detalhadamente se mostra no Anexo n.º 2, fls. 5, essa parte, apurada com o método seguido pela própria A..., é de 27.054,63 €.

Desta forma, propõe-se a correcção do resultado declarado para efeitos fiscais pela A... relativamente ao exercício de 2009 pelo valor de 27.054,63 €, a favor da empresa, nos termos dos n.0s 11 e 13 do art.º 63.º do CIRC e do n.º 1 do art.º 17.º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, articulados com o disposto na parte final do n.º 2 do art.º 32.º do EBF.

Refira-se que, por ser favorável à A..., não opera sobre esta correcção a caducidade do direito à liquidação a que se refere o n.º 1 do art.º 45º da Lei Geral Tributária.

(...)

III.1 – Correcções à Matéria Tributável do Exercício de 2010

(...)

III. 2.3. - Síntese e efeitos das correcções propostas aos resultados de 2010

 

Decorre do exposto nos pontos anteriores que o correcto resultado para efeitos fiscais da A... relativamente ao exercício e 2010 é, não um prejuízo com o valor de 5.609.114,62 €, como foi declarado pela empresa, mas sim um lucro de 3.172.288,11 €, a que se passa da forma seguinte:

 

 

 

Não será produzida qualquer liquidação adicional de IRC sobre este lucro tributável relativamente ao exercício de 2010, dado ter já corrido o prazo de caducidade aplicável, conforme consagrado no n.º 1 do art.º 45.º da Lei Geral Tributária (LGT),

No entanto, esta mesma correcção deverá produzir efeitos nos exercícios seguintes a cujos lucros a A... tenha deduzido valores reportados deste exercício de 2010, em virtude da subvalorização aqui apontada, em conformidade com o n.º 3 do art.º 45.º da LGT e com o n.º 4 do art º 52.º do código do IRC (ver subponto III. 3. 2. - Dedução de prejuízos fiscais).

 

III. 3. - Correcções à Matéria tributável do Exercício de 2011

Conforme está detalhadamente descrito no anterior subponto III. 1. 1. - Aplicação de Juros de Mercado a Operações Financeiras Vinculadas, constatou-se num outro e anterior procedimento a existência de uma operação vinculada entre a A... e a sociedade C... SGPS, em que não foi observado o Princípio da Plena Concorrência.

Decorreu disto a realização de correcções aos resultados declarados para efeitos fiscais pela C... SGPS relativamente aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, para passarem a incluir parcelas adicionais com natureza de juros activos. Nestes termos, o resultado de 2011 da C... SGPS foi corrigido em 642.294,19 €, a favor do Estado, correcção que está, neste momento, consolidada.

Pelos motivos detalhadamente descritos nos anteriores subpontos III. 1. 1. 2. - Ajustamento correlativo - a promover na esfera da A... e III. 1. 1.3.-A imputação as partes de capital -n.º 2 do art.0 32º do EBF, estando consolidada a referida correcção primária feita na esfera da C... SGPS, deve agora promover-se o competente ajustamento correlativo na da A..., que se traduzirá na consideração do mesmo valor de 642.294,19 €, aqui com a natureza de juro passivo, limitando-se todavia o efeito fiscal daqui decorrente a respectiva parte não imputável a partes de capital. Conforme detalhadamente se mostra no Anexo n.º 2, fls. 5, essa parte, apurada com o método seguido pela própria A..., é de 87.317,86 €.

Desta forma, propõe-se a correcção do resultado declarado para efeitos fiscais pela A... relativamente ao exercício de 2011 pelo valor de 87.317,88 €, a favor da empresa, nos termos dos nº 11 e 13 do art.º 63.º do CIRC e do n.º 1 do art.º 17.º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, articulados com o disposto na parte final do n.º 2 do art.º 32.º do EBF

III. 3. 2. - Dedução de prejuízos fiscais

No exercício de 2011 a A... apura e declara um lucro tributável com o montante de 1.364.021,63 €. A este lucro deduz um valor igual (1.364.021,63 €) de prejuízos fiscais reportados de exercícios anteriores, apurando matéria colectável nula.

Ao lucro tributável declarado relativamente ao exercício de 2011, o sujeito passivo poderia deduzir, nos termos do art.º 52.º do código do IRC, tendo-os, prejuízos fiscais apurados nos seis exercícios anteriores, ou seja, prejuízos fiscais gerados no período compreendido entre os exercícios de 2005 e 2010, inclusive.

Analisados os valores dos resultados apurados e os reportes de prejuízos fiscais declarados pela A... ao longo do período abrangido pelos seis exercícios referidos, verifica-se que o valor deduzido em 2011 respeita a um prejuízo declarado relativamente ao exercício de 2010, com o valor total de 5.609.114,62 € (Anexo n.º 3, fls. 6).

No entanto, conforme se diz no anterior subponto III. 2. 3. - Síntese e efeitos das correcções propostas aos resultados de 2010 (e detalhadamente se fundamenta nos anteriores), o resultado declarado para efeitos fiscais pela A... relativamente ao exercício de 2010 encontra-se subvalorizado em 8.781.402,73 €, o que significa que, neste exercício, apurado nos termos devidos, a sociedade regista não um prejuízo de 5.609.114,62 € mas sim um lucro com o valor de 3.172.288,11 €.

Nestes termos, o sujeito passivo chega ao exercício de 2011 sem qualquer saldo de prejuízos fiscais reportados de exercícios anteriores, sendo indevida a dedução declarada, no montante de 1.364.021,63 €, a qual se corrige nos termos do n.º 4 do art.º 52.º do código do IRC, a favor do Estado (Anexo n.º 3, fls. 7).

(...)

 

  1. Sobre esse Relatório foi emitido «Parecer do Chefe de Equipa», em que se refere o seguinte:

Concordo com o teor e fundamentos do Relatório de Conclusões junto.

Dos fundamentos dele constantes resulta que se encontram verificados os pressupostos legais para, mantendo-se a avaliação direta da matéria coletável, proceder às correções técnicas propostas, relacionadas, em primeiro lugar, com um ajustamento correlativo subsequente à aplicação do regime dos preços de transferência num outro procedimento inspetivo, nos termos do artº 63º do Código do IRC, conjugado com a Portaria nº 1446-C/2001. A este ajustamento, favorável ao sujeito passivo, aplicam-se, ainda, as disposições legais contidas no artº 23º do Código do IRC e no artº 32º nº 2 do EBF, relacionadas com o facto do montante dos encargos financeiros em causa não ser totalmente dedutível ao lucro tributável, por ser imputável a partes de capital detidas pela sociedade, pelo que os ajustamentos se limitam aos valores de 27.054,63 euros em 2009, 51.305,37 euros em 2010 e 67.317,88 euros em 2011.

Em segundo lugar, no exercício de 2010, da correia aplicação dos arts. 35º, 36º e 41º do Código do IRC às perdas verificadas em créditos, bem como do regime transitório previsto no art. 7º da Lei 30-G/2000 às mais valias suspensas, que, neste caso, deviam ter sido Incluídas no lucro tributável do exercício, resulta que o prejuízo fiscal determinado em 2010, no valor de 5.609.114,62 euros, na prática seria de corrigir para um lucro tributável de 3.172.288,11 euros, que, ainda que não seja liquidável, impossibilita a dedução daquele prejuízo ao lucro tributável dos exercícios seguintes, face à aplicação do art. 45º da LGT e do artº 52º do Código do IRC. Propõe-se, assim, efetuar ainda a correção do reporte daquele prejuízo fiscal, deduzido ao lucro tributável do exercício de 2011, no valor de 1.364.021.63 euros.

 

 

  1. As correcções efectuadas no Relatório da Inspecção Tributária relativo aos exercícios de 2009 a 2011 são assim sintetizadas:

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Na sequência da inspecção aos exercícios de 2009 a 2011, a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou à Requerente o Relatório da Inspecção Tributária e os pareceres sobre ele emitidos, com a seguinte indicação, além do mais:

«Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 62.º do RCPITA, do Relatório de Inspeção Tributária, que se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada.

Das correções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indireta, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da AT procederão á notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar.

Da presente notificação e respetiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação.»

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira não emitiu qualquer de liquidação de imposto nem notificou à Requerente um acto que determinasse a correcção dos prejuízos fiscais relativos aos exercícios de 2009 a 2011;
  2. Ao abrigo da ordem de serviço com o n.º OI2015..., de 29.12.2015, a Requerida iniciou, a partir de 28-04-2016, um outro procedimento administrativo de inspeção tributária, de âmbito parcial, para incidir sobre o IRC respeitante ao período de tributação de 2012;
  3. Nesta nova acção inspectiva foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em se refere, além do mais o seguinte:

l - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS Á MATÉRIA TRIBUTÁVEL

No que concerne ao reporte de prejuízos (deduções ao lucro tributável) o n.º 1, n.º 2 e n.º4 do artigo 52." do CIRC estabelece o seguinte:

(...)

A presente ação de inspecção surge no seguimento das correcções ao lucro tributável efectuadas no decorrer das Ordens de Serviço mencionadas anteriormente. No respectivo relatório final constatam-se as seguintes correcções:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

      Após consulta à informação constante das bases de dados da AT, verifica-se que o sujeito passivo submeteu em 27/06/2013 uma declaração de rendimentos modelo 22 de substituição. Posteriormente, em virtude de reclamação graciosa por parte da A..., a Divisão Justiça Administrativa procedeu à liquidação de nova declaração de rendimentos (anexo 1).

      Da análise efectuada aos valores inscritos no quadro 09 desta declaração, verifica-se a dedução à matéria colectável de 328.520,12€ no campo 309, relativos a prejuízos fiscais reportados de exercícios anteriores (anexo 2).

      No entanto, conforme as correções detalhadas no quadro supra, o sujeito passivo regista, no exercício de 2010, um lucra tributável de 3.172.288,11€ e não um prejuízo de 5.609.114,62€.

      Em suma, a A... não tem prejuízos fiscais nos exercícios de 2009, 2010 e 2011 a reportar em 2012.

 

  1. A segunda acção inspectiva iniciou-se em 28-04-2016 e foi concluída em 03-05-2016 (ponto II.1. do Relatório da Inspecção Tributária);
  2. Na sequência desta segunda acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou à Requerente as liquidações de IRC n.º 2016..., de juros compensatórios n.ºs 2016... e 2016..., de juros moratórios n.º 2016... e da demonstração de acerto de contas n.º 2016..., respeitantes ao período de tributação de 2012, cujo saldo total a pagar ascendeu ao montante de € 91.952,45 (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido );
  3. Em 18-10-2016, a A... pagou o montante liquidado de € 91.952,45, respeitante ao período de tributação de 2012 (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em 14-02-2017, a Requerente deduziu reclamação graciosa das liquidações referidas (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Em 11-12-2017, a Requerente foi notificada do despacho de 28-11-2017 proferido pela Senhora Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa da Autoridade Tributária e Aduaneira, que indeferiu a reclamação graciosa (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. O despacho de indeferimento da reclamação graciosa manifesta concordância com uma informação cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais, o seguinte:

Análise das argumentações do sujeito passivo:

1.   O Reclamante foi sujeito a acções inspectivas aos anos de 2009, 2010 e 2011 donde resultaram correcções em sede de IRC, conforme se pode observar através do mapa seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

2.    Em virtude das correcções efectuadas aos anos de 2009, 2010 e 2011 foi aberta uma acção inspectiva para o ano de 2012; foram anulados os prejuízos declarados pelo sujeito passivo relativamente ao ano de 2010, o que implica repercussões para os anos seguintes.

3.    Valores declarados pelo s.p.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4. O sujeito passivo na declaração modelo 22 cie IRC relativa ao ano de 2012, deduziu no campo 309 o montante de € 328.520,12 relativo a deduções de prejuízos (438.026,82 X 75%), partindo do princípio de que tinha prejuízos de 5.609.114,62 relativamente ao ano de 2010;

5 No entanto, os prejuízos declarados pela Reclamante referentes ao ano de 2010 foram corrigidos pela Inspecção Tributária, os quais foram anulados e o Lucro Tributável passou a ser de€ 3.172.288,11;

6.    Pelo que se constata não ter a Reclamante quaisquer valores passíveis de serem deduzidos ao Lucro Tributável para os anos de 2011, 2012 e seguintes (vide fls 85);

7. Em 08/08/2016 foi elaborado DCU peia Divisão de Justiça Administrativa, tendo sido anulado o referido valor inscrito no campo 309, ficando a matéria colectável a ser de € 438.026,82.

8.  Nos termos do nº 2 do artigo 52º do CIRC, " quando se efectuarem correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo, devem alterar-se, em conformidade,  as deduções efectuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, de IRC, se forem decorridos, mais de 5 anos relativamente àquele valor a que o lucro tributável respeite".

9.    O sujeito passivo requereu que lhe fossem pagos, nos termos do artigo 43º da LGT, juros indemnizatórios, relativamente à quantia indevidamente liquidada e paga, no entanto os mesmos não são devidos por não se verificar erro imputável aos Serviços.

10.  No que diz respeito â caducidade do direito â liquidação: de acordo com o artigo 45º da LGT, o direito de  liquidar os tributos caduca  se a  liquidação  não for validamente  notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos; no caso de o contribuinte ter, em determinado exercício, efectuado reporte de prejuízos ou qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito .Para evitar a caducidade, a administração fiscal deve notificar o contribuinte nos prazos legais. Neste sentido, o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos a partir do início do ano seguinte àquele em que teve lugar o facto tributário. Assim, o ano em que ocorreu o facto tributário foi o de 2012, o que significa que o início do prazo de caducidade se inicia a 1 de janeiro de 2013 e que caducaria a 31/12/2016. No entanto, o reclamante foi notificado em agosto de 2016, ou seja, dentro dos prazos legais, pelo que as liquidações não padecem de caducidade.

Em face do exposto sou de opinião de que a presente Reclamação Graciosa deve ser INDEFERIDA, mantendo-se as correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária.

 

 

  1. Em 12-03-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente imputa à liquidação impugnada vícios que sintetiza desta forma:

(i)  Vícios de ordem formal:

a.  Não há acto administrativo-tributário anterior (nem a A...  foi dele notificada)  que suporte  a  correção  realizada  pela  AT  à  dedução  dos  prejuízos  efetuada  pela  A... ao lucro tributável apurado no período de tributação de 2012;

b.  A circunstância de não haver acto administrativo-tributário anterior colocou e coloca a A... numa situação total de indefesa;

c.  Ao abrigo da caducidade do direito à liquidação, a AT estava impedida de efetuar tal correção ao período de tributação de 2012;

d.  Essa correção não foi devidamente fundamentada pela AT.

 

(ii)  Vício de ordem substancial:  o enquadramento fiscal pugnado pela AT, no Relatório 2009/2011, em torno da alienação das partes de capital e da cedência dos créditos que a A... detinha na B... corresponde a uma manifestamente errada interpretação do Código do IRC e do EBF.

 

O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 No caso de vícios geradores de anulabilidade, a alínea a) do n.º 2 daquele artigo 124.º estabelece que se deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 Dos vícios indicados prioritariamente pela Requerente, o de caducidade do direito de liquidação assegura, no caso de procedência, estável e eficaz tutela dos seus interesses, pelo que se justifica que se comece pela sua apreciação.

 

  1. Questão da caducidade do direito de liquidação

 

A liquidação impugnada reporta-se ao exercício de 2012 e foi emitida em 18-01-2017, na sequência de uma acção de inspecção tributária que se iniciou em 28-04-2016 e foi concluída em 03-05-2016 reporta-se ao exercício de 2012.

O prazo de caducidade do direito de liquidação é de quatro anos e conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (artigo 45.º, n.º s 1 e 4, da LGT), suspendendo-se durante o período em que decorreu a inspecção tributária (artigo 46.º, n.º 1, da LGT).

Assim, é manifesto que em relação a factos tributários ocorridos em anos anteriores a 2012 já tinha decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação.

Isso mesmo foi reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária da inspecção tributária relativa aos exercícios de 2009 a 2011, em que, apesar de entender que deveriam ser efectuadas correcções, se absteve de efectuar qualquer liquidação, com fundamento expresso na caducidade do direito de liquidação.

 Porém, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os efeitos dessas correcções que deveriam ser efectuadas em anos anteriores a 2012, que se reconduziriam a não existirem prejuízos fiscais reportáveis ao exercício de 2012, podem produzir-se, por em relação a este exercício não ter decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação.

            A Requerente defende que não tendo sido concretizadas efectivamente, através de qualquer acto de liquidação ou acto tributário, as correcções que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que deveriam ser efectuadas aos exercícios de 2009/2011, elas não podem ser relevantes nem podem ser atendidas para efeitos de liquidação relativamente a este exercício factos ocorridos em períodos relativamente aos quais já decorreu o prazo de caducidade.

A Requerente tem razão, desde logo quanto à questão da caducidade do direito de liquidação.

Na verdade, como é jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, «as razões de certeza e segurança jurídicas que subjazem ao instituto da caducidade impedem que a AT possa legalmente proceder a correcções ao lucro tributável de exercício em relação ao qual já se mostre verificada a caducidade do direito de liquidação, ainda que se abstenha de liquidar tributo referente a esse período, para delas extrair consequências tributárias em exercícios posteriores (...), pois que, por essa via, se lhe permitiria extrair consequências jurídico tributárias novas de situações que a lei, por razões de paz social, pretende definitivamente consolidadas no domínio tributário» (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-5-2017, processo n.º 0699/16).

Para além disso, tendo a alteração de prejuízos fiscais num determinado exercício, mesmo que não se traduza num acto de liquidação, potencialidade para afectar os direitos do contribuinte, a produção de efeitos em relação a estes não pode deixar de se traduzir num «acto em matéria tributária» que defina a posição jurídica da Administração Tributária e que que só produz efeitos em relação ao interessado se lhe for notificado, como decorre dos artigos 268.º, n.º  3, da CRP e 36.º, n.º 1, do CPPT.

Aliás, foi este o entendimento que a Autoridade Tributária e Aduaneira adoptou na notificação do Relatório da Inspecção Tributária referente à inspecção aos exercícios de 2009/2011, ao dizer que «os serviços da AT procederão á notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar».

A necessidade de um acto posterior à notificação do relatório da inspecção tributária para as correcções nele anunciadas produzirem efeitos em relação ao destinatário resulta com evidência do artigo 63.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária que estabelece que «os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório».

À luz desta norma, é claro que a posição assumida no relatório e como tal notificada ao contribuinte é meramente preparatória de uma decisão final sobre a definição da matéria tributável, decisão esta que pode ser divergente da posição assumida no relatório, como se prevê expressamente na parte final desta norma.

  Por isso, não tendo sido praticado qualquer acto tributário ou em matéria tributária, relativamente aos exercícios anteriores a 2012, subsequente à notificação do respectivo Relatório da Inspecção Tributária, está afastada a possibilidade de as correcções propostas neste Relatório produzirem efeitos em relação à Requerente.

Assim, por estes dois fundamentos (caducidade do direito de liquidação e ineficácia das correcções relativas a exercícios anteriores a 2012) , conclui-se que a liquidação impugnada enferma de vícios de violação de lei, que justificam a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento nestes vícios, de que resulta estável e eficaz tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões colocadas (artigo 130.º do CPC).

   

  1. Juros compensatórios e moratórios e decisão da reclamação graciosa

 

As liquidações de juros compensatórios e moratórios têm como pressuposto a liquidação de IRC, pelo que são afectadas pelos mesmos vícios.

A decisão da reclamação graciosa enferma também dos mesmos vícios, já que confirmou as liquidações.

Por isso, justifica-se a anulação das liquidações de juros compensatórios e moratórios e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

5. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

Em 18-10-2017, a Requerente pagou a quantia liquidada de € 91.952,45 e pede o seu reembolso e juros indemnizatórios.

Como resulta do exposto, ocorrem ilegalidades das liquidações de IRC, juros compensatórios e juros de mora impugnadas, que justificam a sua anulação.

Na sequência da anulação, a Requerente tem direito ao reembolso da quantia indevidamente paga, o que decorre da anulação da liquidação, e tem suporte nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

As ilegalidades da liquidação são imputáveis à Administração Tributária, que a efectuou por sua iniciativa.

Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia  a reembolsar, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde 18-10-2016 até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

6. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

 

  •  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  •  Anular a liquidação de IRC n.º 2016..., as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016..., 2016..., e as liquidações de juros moratórios n.º 2016...;
  • Anular o despacho de 28-11-2017 que indeferiu a reclamação graciosa deduzida pela Requerente em 14-02-2017; 
  •  Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia € 91.952,45, acrescida de juros indemnizatórios, desde 18-10-2016 até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € € 91.952,45.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 21-09-2018

 

 

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(José Calejo Guerra)

 

 

 

(Adelaide Moura)