Acórdão Arbitral
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Dra. Filipa Barros e Doutor Jónatas Machado (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 11.05.2018, acordam no seguinte:
I. Relatório[1]
1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., doravante “Requerente”, com sede na ..., n.º..., ...-..., notificada em 26.12.2017 da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado após indeferimento de reclamação graciosa contra o ato tributário da Autoridade Tributária (doravante “AT” ou “Requerida”) consubstanciado na liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) de 2011 n.º 2015..., datada de 31.08.2015, no montante de € 125.271,37, incluindo os respetivos juros compensatórios (de € 15.601,99), veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo.
2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo a Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), a Dra. Filipa Barros e o Doutor Jónatas Machado (árbitros-vogais), que aceitaram o encargo.
3. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. Por força do preceituado no artigo 11.º, n.º 8 e n.º 1, al. c) do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 11.05.2018.
1.1. Descrição dos Factos
5. Em 19.12.2008 a impugnante adquiriu por escritura pública, para revenda, a fração “A” do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., sob o artigo ..., por € 1.259.464,69, que vendeu em 15.12.2011. Adquiriu igualmente para revenda, mediante escritura pública celebrada em 22.04.2009, um terreno para construção inscrito na matriz predial de ..., sob o artigo ..., por € 1.500,00, que vendeu em 12.12.2011.
6. Ambos os imóveis, conforme a opção prevista no artigo 58.º-A do Código do IRC (“CIRC”), na redação do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12.11, foram contabilizados pelo valor declarado na escritura de compra e venda, sendo o respetivo VPT, à data, de € 1.672.300,00 e de € 2.388,68, respetivamente. A Requerente apresentou a declaração modelo 22 de IRC de 2011 e autoliquidou, dentro do prazo, o imposto respetivo com todos os cálculos baseados no valor contabilizado.
7. Em 2014, a Requerente foi notificada pela AT, ao abrigo do artigo 64.º, n.º 1 do CIRC, relativamente à constatação de diferenças positivas entre o valor patrimonial tributário (“VPT”) dos imóveis alienados e o valor dos respetivos contratos, sendo que tais diferenças não constavam da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, pelo que devia proceder à entrega de uma declaração de substituição do ano 2011, no prazo de 15 dias, efetuando a correção correspondente a essas diferenças positivas prevista na “alínea a) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC”. A Requerente apresentou uma declaração de substituição da modelo 22 de IRC em 15.07.2014, da qual resultou a liquidação de imposto no montante de € 19.704,57, que foi pago.
8. A Requerente foi de novo notificada, pelo Ofício de 09.07.2015, de que a AT considerava que os valores constantes na declaração de substituição apresentada em 2014 não estavam corretos porque “… no caso em apreço, o sujeito passivo não deve efetuar o preenchimento do Campo 772 do quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, de substituição, porque não adotou o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis, uma vez que conforme demonstrou através dos extratos de conta juntos ao procedimento inspetivo, contabilizou os mesmo pelo valor constante dos contratos de compra e venda”.
9. Nesta sequência, a AT efetuou uma liquidação adicional de IRC com referência ao exercício de 2011, acima identificada, na qual se apurou um montante a pagar, de imposto e juros, de € 125.271,37, com base nos pressupostos enumerados no artigo anterior, e que teve em conta o imposto já pago em resultado da entrega da declaração de substituição. A Requerente deduziu reclamação graciosa da liquidação adicional, seguida de recurso hierárquico da respetiva decisão de indeferimento.
10. No requerimento de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou “PI”), a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, do despacho de indeferimento de recurso hierárquico interposto contra o ato tributário em crise e, bem assim, deste mesmo ato tributário, consubstanciado na liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) referente a 2011, emitida sob n.º 2015..., no valor global de € 125.271,37, tendo atribuído ao processo o valor de € 140.873,36.
11. A AT, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, apresentou, em 18.06.2018, a sua resposta, na qual sustentou a improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral e a manutenção na ordem jurídica dos atos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.
1.2. Argumentos das Partes
12. Para fundamentar a sua posição, a Requerente centra as suas alegações na divergência relativa ao valor que deve ser considerado para feitos de IRC como valor de aquisição, nos seguintes moldes:
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Ambos os prédios foram adquiridos antes da entrada em vigor da nova redação dada ao artigo 64.º do CIRC, pelo DL n.º 159/2009, de 13.07, o qual substitui as regras que anteriormente constavam do já citado artigo 58.º-A do CIRC, dado que uma aquisição ocorreu em 19.12.2008 e outra em 22.04.2009.
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O regime do artigo 64.º do CIRC aplica-se a exercícios iniciados em 01.01.2010, sendo que a alteração do regime que vigorava no artigo 58.º-A teve principalmente a ver com a publicação do Decreto-lei n.º 158/2009, de 13.07, que instituiu com carácter obrigatório o novo Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”) e que forçou a uma remodelação profunda do CIRC, de que é exemplo este artigo 64.º do CIRC.
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À data da aquisição vigorava efetivamente o artigo 58º-A do CIRC, com a redação do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, que, sob a epígrafe “Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre imóveis”, estabelecia que, em caso de alienação de direitos reais sobre imóveis, os alienantes e os adquirentes deviam adotar, segundo a sua opção, para efeitos de determinação do lucro tributável, os valores normais de mercado (para facilitar, o valor da escritura) ou o VPT se fosse maior, tendo a Requerente optado pelo valor da escritura.
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A partir da entrada em vigor da alteração do artigo 64.º do CIRC (que substituiu o artigo 58.º-A, na republicação do Código), tendo em conta o artigo 9.º citado do Decreto-Lei n.º 159/2009, segundo o qual “O presente decreto-lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de janeiro de 2010”, os imóveis constantes na contabilidade deveriam a passar a estar registados obrigatoriamente considerando o VPT, ignorando-se o valor de mercado. Isto é, terminou o caráter facultativo para vigorar o caráter imperativo.
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E a Requerente fê-lo com as devidas correções internas na contabilidade, até por imposição do SNC, que passou a ser aplicável a toda a contabilidade das empresas por força do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, que estabeleceu que “O presente decreto-lei entra em vigor no primeiro exercício que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2010”, e apresentando, embora só em 2014, uma declaração corretiva de substituição relativa ao exercício de 2011, quando já havia sido revogado o artigo 58.º-A do CIRC invocado pela AT, que permitia a opção, ficando assim sanada a omissão verificada depois da entrada em vigor da nova lei e do SNC.
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Quando se verificou o facto tributário já estava em vigor a nova redação dada ao regime de correções, sendo que à data da realização da liquidação adicional em causa, a Recorrente já havia corrigido a sua situação tributária relativa à opção que exerceu à data da aquisição de ambos os imóveis.
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Se se obriga, por legislação posterior, o sujeito passivo a alterar os registos, determinando que, na contabilidade, o imóvel deve ser escriturado pelo VPT, porque maior, não é curial que a lei possa, em caso de alienação, considerar um valor que mandou corrigir para cálculo de “qualquer resultado tributável relativamente ao imóvel” (artigo 64.º, n.º 3, alínea b) do CIRC).
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Depois da alteração da consideração registral e contabilística que havia inicialmente feito, o valor de aquisição a ter em conta deixou obrigatoriamente de ser o valor de mercado, porque menor, e passou a ser o VPT, porque maior, não podendo a AT exigir que a correção, e a correspondente liquidação adicional, seja efetuada entre aquele valor e o valor patrimonial à data da venda (€ 1.735.011,25).
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As aquisições ocorreram efetivamente antes da entrada em vigor do SNC, mas as alienações ocorreram em 2011, isto é, quando já estava em vigor este normativo, bem como a nova redação dada ao artigo 64.º do CIRC pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13.07, com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2010, pelo que o facto tributário ocorreu, em ambos os casos, já depois de estar em vigor a lei nova e não o artigo 58.º-A do CIRC na versão que lhe fora dada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, e ainda, também, depois da entrada em vigor do SNC.
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O facto tributário para efeitos de IRC verifica-se com a transmissão dos imóveis e nessa data ambos já estavam ou deveriam estar escriturados pelo VPT nos termos da legislação aplicável a partir do exercício de 2011, não se podendo considerar o anterior registo, se fosse o caso do valor de mercado menor do que o VPT, porque isso deixou de ser legalmente possível.
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Em nenhuma destas alterações legislativas se previu, a manutenção dos valores anteriores à correção, sendo que por força do artigo 36.º da Lei Geral Tributária, as normas jurídicas aplicáveis à determinação da matéria coletável e à liquidação de IRC do exercício de 2011 são as que estão em vigor à data da ocorrência do facto gerador.
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Se o nascimento da obrigação tributária de IRC se verifica no exercício da alienação dos imóveis em causa, e nessa data, por força de alteração da lei com caráter vinculativo para o sujeito passivo, já não está em vigor o montante escriturado em resultado da opção que era permitida pelo artigo 58.º-A, porque o artigo 64.º impôs que esse valor passasse a ser o VPT, porque maior que o do valor de mercado, então também em conformidade com o elemento quantitativo do facto tributário se devem considerar os valores que estejam em vigor à data do nascimento da obrigação.
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Através da Circular n.º 6/2011, nos n.ºs 23 e 24, a AT desautoriza a interpretação da lei feita pela decisão tomada em sede de recurso hierárquico, confirmando que a partir da entrada em vigor do novo regime não é possível utilizar qualquer opção de contabilização quando o VPT é superior ao valor de mercado do imóvel, devendo, portanto, concluir-se que a correção era obrigatória à data da entrada em vigor da nova lei e que, a partir daí os parâmetros para “qualquer resultado fiscal” eram os que estivessem inscritos na contabilidade após tais correções obrigatórias e não os valores iniciais.
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O Despacho recorrido enferma igualmente de ilegalidade por vício de violação de lei, devendo o mesmo ser revogado, e, concomitantemente, revogada a liquidação que foi contestada e atrás identificada, por violação das disposições do artigo 64.º do CIRC, norma em vigor à data da transmissão, porque o artigo 58.º-A anterior não é aplicável ao caso concreto.
13. Em sentido divergente, de sustentação da legalidade da liquidação adicional em causa, a Requerida mobilizou os seguintes argumentos:
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A liquidação resultou de uma correção efetuada no âmbito de uma ação de inspeção levada a cabo ao abrigo da Ordem de Serviço OI2014... que teve por objeto o controlo da situação tributária da Requerente, relativamente a factos tributários que advêm da transmissão de direitos reais sobre bens imóveis no período de tributação de 2011, sujeitos a IRC nos termos do artigo 64.º do respetivo Código.
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Tendo aqueles serviços constatado que existia uma diferença positiva entre o valor constante dos contratos e o VPT, procedeu à sua notificação (à Requerente) para os devidos efeitos de substituição da declaração modelo 22 de IRC.
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Com efeito, o artigo 64.º, n.º 3 do CIRC previa que, existindo uma diferença positiva entre o VPT e o valor constante do contrato, o alienante efetuasse obrigatoriamente a correspondente correção na declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao período de tributação a que era imputável o rendimento associado à transmissão dos imóveis (2011), o que suscitava, no caso, uma correção extra contabilística de € 486.616,56 – valor que deveria ter sido acrescido ao Quadro 07 da modelo 22.
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A Requerente, em vez de efetuar apenas esta correção, preencheu também o Campo 772 – Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão (artigo 64.º, n.º 3 alínea b) do CIRC), colocando ali a diferença entre o valor constante do contrato de compra e o VPT, na data da aquisição dos imóveis.
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Não se pode aceitar esta correção, uma vez que, quando da aquisição, em 2008 e 2009, o sujeito passivo, ora Requerente registou os referidos imóveis pelo valor constante no contrato e não pelo VPT.
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Se na data da aquisição a Requerente tivesse registado os imóveis pelo seu VPT, teria tido a possibilidade de, ao abrigo da alínea b), do n.º 3 do artigo 58.º-A, em vigor à data dos factos, deduzir a importância de € 413.723,99 no quadro 07, campo 772 da respetiva declaração de rendimentos modelo 22 de IRC dos períodos de tributação de 2008 e 2009.
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Como a Requerente registou a aquisição dos imóveis pelo valor do contrato, não pode, no ano da alienação, proceder àquela correção.
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As liquidações sub judice, bem como a decisão proferida no âmbito do procedimento de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, estão de acordo com a lei vigente e a tributação encetada não viola, antes concretiza, o princípio da tributação pelo lucro real e o da igualdade contributiva consagrados nos artigos 13.º e 104.º n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
1.3. Reunião do Artigo 18.º do RJAT
14. Por despacho de 04.07.2018, foi dispensada a realização da reunião a que se reporta o artigo 18.º do RJAT, em virtude de não terem sido suscitadas exceções nem haver lugar a produção de prova adicional. Determinou-se, de igual modo, a produção de alegações escritas facultativas, no prazo de 30 dias.
15. Em 04.09.2018 a Requerida apresentou as suas alegações escritas, tendo a Requerente optado por não o fazer.
II. Saneamento
16. Não foram invocadas exceções.
17. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.ºs 1 e 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
18. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.
19. O processo não enferma de nulidades nem foram invocadas exceções, podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.
III. Fundamentação
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Factos Dados como Provados e Motivação
20. Examinadas as alegações constantes das peças processuais apresentadas e a prova documental produzida, este Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
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Em 19.12.2008 a Requerente adquiriu por escritura pública, para revenda, a fração “A” do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., sob o artigo ..., por € 1.259.464,69, cujo VPT, à data, era de € 1.672.300.00 (documento 4 e processo administrativo (“PA”)).
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A Requerente contabilizou a aquisição pelo valor da escritura (€ 1.259.464,69), conforme opção prevista no artigo 58.º-A do CIRC, na redação em vigor à data da compra (PA).
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Esta fração “A” do prédio urbano sito no ..., sob o artigo ..., foi alienada pela Requerente em 15.12.2011, por € 1.259.464,69 (PA).
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A Requerente adquiriu, igualmente, para revenda, mediante escritura pública celebrada em 22.04.2009, um terreno para construção inscrito na matriz predial de ..., sob o artigo..., por € 1.500,00, cujo VPT, à data, era de € 2.388,68 (documento 5 e PA).
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A Requerente contabilizou a aquisição pelo valor da escritura (€ 1.500,00), conforme opção prevista no artigo 58.º-A do CRC, na redação em vigor à data da compra (PA).
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Este terreno para construção inscrito na matriz predial de ..., sob o artigo ..., foi alienado pela Requerente em 12.12.2011, pelo valor de € 1.600,00 (PA).
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Os dois imóveis supra referidos, foram posteriormente (re)avaliados, para efeitos de IMI, respetivamente por € 1.735.011,25 e por € 12.670,00, valores com correspondência na matriz predial urbana, no momento em que aqueles foram alienados (2011) - (PA).
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A Requerente apresentou a declaração modelo 22 de IRC de 2011, tendo autoliquidado o imposto, com base nos valores contratuais de aquisição e de venda, i.e., exatamente iguais quanto ao primeiro imóvel (comprou e vendeu exatamente pelo mesmo montante de € 1.259.464,69) e com uma diferença de € 100,00 no que se refere ao terreno de ... (comprou por € 1.500,00 e vendeu por € 1.600,00), conforme contabilizados (PA).
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A Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo ao abrigo da Ordem de Serviço OI2014..., que teve por objeto o controlo da situação tributária relativamente a factos tributários que advêm da transmissão de direitos reais sobre bens imóveis no período de tributação de 2011, sujeitos a tributação nos termos do artigo 64.º do CIRC (PA).
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Neste âmbito, a AT notificou a Requerente, por ofício datado de 23 de maio de 2014, com o seguinte teor:
“1. Nos termos do n.º 1 do art.º 64.º do CIRC, os sujeitos passivos que alienarem direitos reais sobre bens imóveis, devem adotar, para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2. Dos vários cruzamentos efetuados no sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), constatou-se existirem diferenças positivas entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis por vós alienados e o valor constante dos respetivos contratos e, ainda, que tal diferença não consta da declaração de rendimentos mod. 22 de IRC.
3. Assim, fica notificado para, no prazo de 15 dias a partir do dia posterior ao do registo, proceder à entrega da declaração de rendimentos mod. 22 de IRC, de substituição, do(s) ano(s) de 2011, efetuando a correção do valor correspondente a essas diferenças positivas, prevista na alínea a) do nº 3 do art.º 64.º do CIRC, no campo 745 do quadro 07, do referido modelo, salvo se tiver sido efetuada a prova a que se referem os números 1 e 3 do artº 139.º do CIRC, caso em que deve assinalar aquele valor no campo 416 do quadro 11 da mesma declaração.
4. Mais se informa, que o incumprimento da presente notificação determinará o imediato desencadear dos procedimentos respeitantes à realização de ação inspetiva interna, para correção do respetivo valor.” (PA).
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A Requerente apresentou uma declaração de substituição da modelo 22 de IRC em 15.07.2014, da qual resultou a liquidação de imposto no montante de € 19.704,57, que foi pago (documentos 6, 7 e PA).
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Por ofício de 09.07.2015, a Requerente foi notificada para corrigir a declaração de substituição apresentada em 2014 nos termos seguintes: “no caso em apreço o sujeito passivo não deve efetuar o preenchimento do campo 772 do quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, de substituição, porque não adoptou o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis, uma vez que conforme demonstrou através de extratos juntos ao procedimento inspetivo, contabilizou os mesmos pelo valor constante dos contrato de compra e venda” (provado por acordo).
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Em 31.08.2015, a AT emitiu uma liquidação adicional de IRC, sob o n.º 2015..., da qual resultou uma importância a entregar nos cofres do Estado de € 125.271,37, que inclui juros compensatórios no valor de € 15.601.99 (documento 3 e PA).
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Inconformada, em 20.11.2015 a Requerente apresentou reclamação graciosa do projeto de decisão do procedimento inspetivo, solicitando anulação da liquidação adicional supra mencionada (PA).
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Em 03.10.2016, por despacho da Direção de Finanças de Lisboa – Divisão de Justiça Administrativa, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada (PA).
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A 27.10.2016, a Requerente deduziu recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tendo a 20.12.2017 sido notificada pela Direção de IRC da AT, do despacho de indeferimento proferido pelo Diretor de Serviço Central (PA).
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Em 28.02.2018 a Requerente deduziu o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem a presente processo.
21. Não existe factualidade dada como não provada que se considere relevante para a decisão do litígio em apreciação, à face das possíveis soluções de direito.
22. A convicção do Tribunal resultou dos documentos e do Processo Administrativo juntos aos autos, respetivamente, pela Requerente e pela Requerida, em conformidade com o que se especifica nos pontos do probatório acima enunciados.
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Questões a Decidir
23. A questão a decidir prende-se, essencialmente, com a determinação, em IRC, do valor a atribuir à aquisição de dois imóveis, para efeitos de cálculo do rendimento tributável gerado pela sua transmissão em 2011.
24. Está em causa saber se, tendo a Requerente adquirido dois imóveis, em 2008 e 2009, na vigência do artigo 58.º-A do CIRC, e exercido a opção, à data permitida pelo n.º 3, alínea b) daquele preceito, de registar contabilisticamente os imóveis adquiridos pelo valor do contrato, i.e., pelo preço declarado na escritura, considerando-se este (e não o VPT, que in casu era superior) como valor de aquisição, para efeitos da eventual determinação do resultado tributável em IRC proveniente de uma futura venda, que veio a ocorrer em 2011, fica comprometida a aplicação do regime que lhe sucedeu, do artigo 64.º do mesmo Código (que veio substituir o artigo 58.º-A do CIRC, produzindo efeitos relativamente aos períodos de tributação iniciados em, ou após, 1 de janeiro de 2010), segundo o qual, para efeitos de cálculo do resultado tributável da venda de imóveis, deve, sem mais, ser tido em conta o VPT, quando superior aos valores contratuais, independentemente da importância pela qual os imóveis foram registados contabilisticamente no momento da aquisição, seja na perspetiva do alienante, seja na do adquirente, nos termos do n.º 3 da citada norma.
25. Consoante a resposta seja num sentido ou noutro, o valor de aquisição a ter em conta para apuramento do resultado tributável da venda dos imóveis em IRC será o preço declarado na escritura de compra (inferior), ou o VPT dos imóveis à data de aquisição (superior). É nesta diferença que reside a dissensão, cuja apreciação jurídica envolve a análise da sucessão no tempo de dois regimes, o que vigorava à data da aquisição (2008 e 2009), constante do artigo 58.º-A do CIRC, e o que o substituiu, do artigo 64.º do CIRC, que entrou em vigor no exercício anterior ao da alienação dos imóveis (2011), na sequência da introdução do SNC.
Vejamos, então.
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Enquadramento Legal
26. Os imóveis a que respeitam os rendimentos tributados em IRC, foram adquiridos pela Requerente em 2008 e 2009, encontrando-se em vigor o artigo 58.º-A aditado ao CIRC na reforma da Tributação do Património, empreendida pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, cuja redação era a seguinte:
“Artigo 58.º-A
Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis
1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 - Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;
b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.
4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.
5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo.
6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.
(Red.DL.287/2003, de 12.11)”.
27. Note-se que duas consequências relevantes resultam exegese deste preceito legal, com incidência no caso dos autos:
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Direito de opção, na perspetiva do adquirente, de contabilizar os imóveis adquiridos pelo valor efetivo (preço) da aquisição em detrimento da contabilização pelo VPT, nos casos em que este fosse superior ao primeiro;[2]
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Dever de registo contabilístico dos imóveis adquiridos pelo seu VPT definitivo, como condição para que o sujeito passivo pudesse utilizar este valor (e não o de aquisição), fosse para efeitos de cálculo das reintegrações aceites fiscalmente (inaplicável a este caso, como adiante explicitado), fosse para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente aos mesmos imóveis, designadamente numa venda futura.
28. Com a reforma do CIRC e o termo de vigência do Plano Oficial de Contabilidade (“POC”), a solução legal consagrada no artigo 58.º-A do CIRC, concretamente na al. b) do n.º 3, foi abandonada –“O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.” (nosso sublinhado)
29. A partir de 1 de janeiro de 2010, tal formulação foi substituída pela redação do atual artigo 64.º do mesmo Código, que prevê o seguinte[3]:
“Artigo 64.º
Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis
1 — Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 — Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;
b) O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.
4 — Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do período de tributação a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.
5 — No caso de existir uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, o sujeito passivo adquirente deve comprovar no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 3, o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel.
6 — O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.”
30. Do cotejo das redações vigente e pré-vigente resulta que, à luz da disciplina introduzida pelo artigo 64.º do CIRC, deixa de existir a obrigação de registo contabilístico dos imóveis pelo seu valor patrimonial tributário, atendendo a que estas alterações do CIRC visaram uma separação das regras fiscais em relação às regras contabilísticas, tendo sempre em atenção as correções previstas.
31. Efetivamente, no preâmbulo do referido Decreto-Lei que alterou o CIRC[4], o legislador destaca a preocupação de eliminar os constrangimentos sobre a contabilidade decorrentes da legislação fiscal, nomeadamente quanto à necessidade de contabilização do valor patrimonial tributário dos imóveis, por parte do sujeito passivo adquirente, deixando de existir tal obrigação, para que o mesmo seja considerado para efeitos de determinação de qualquer resultado tributável em IRC.
32. Assim, a partir da entrada em vigor deste regime, o CIRC já não exige qualquer obrigação de se registar o VPT definitivo dos imóveis determinado no momento da aquisição na contabilidade, para que o mesmo seja (deva ser) tido em conta no apuramento do rendimento relativo a operações com esses imóveis, devendo essa informação (do VPT) apenas constar no dossier fiscal, quando aplicável.
33. A respeito do problema da transição de regimes entre o artigo 58.º-A e o artigo 64.º, ambos do CIRC, a AT veio esclarecer, através da Circular n.º 6/2011, o tratamento fiscal da anulação da reserva de reavaliação correspondente à diferença positiva entre o VPT definitivo e o custo de aquisição dos imóveis e das depreciações em excesso calculadas sobre o VPT (face ao custo de aquisição). Neste âmbito, a AT situa a questão na possibilidade que era conferida ao adquirente, ao abrigo do artigo 58.º-A, de contabilizar o imóvel pelo VPT definitivo, se esse fosse superior ao valor do contrato. Conforme aí se refere, no ponto 23 “Com esta prática era reconhecida uma reserva de reavaliação e o sujeito passivo tinha a possibilidade de calcular as depreciações com base nesse valor, apurando gastos contabilísticos e fiscais superiores aos que apuraria se tivesse contabilizado o imóvel pelo valor do contrato.
24. Na transição para o SNS o sujeito passivo teve que anular a reavaliação efetuada, uma vez que o normativo contabilístico não prevê a revalorização para o VPT. Assim, a quantia escriturada do imóvel é reduzida por contrapartida da reserva que antes fora constituída.
25. A anulação das depreciações em excesso e da reserva de reavaliação não deve ser considerada como um ajustamento de transição relevante para efeitos fiscais (dado que a partir do período de tributação que se inicie em ou a partir de 2010-01-01, o ativo não pode ser mensurado pelo VTP e portanto, as depreciações não podem ser calculadas sobre esse valor). Sendo assim, aquele ajustamento não deve concorrer para a formação do lucro tributável.
26. Quando for efetuada a venda do ativo, as depreciações que foram anuladas na transição e que foram aceites fiscalmente nos períodos de tributação anteriores a 2010 devem ser calculados no cálculo da mais-valia ou menos valia.”
34. Porém, afigura-se que a convocação desta Circular que, convém sublinhar, não constitui fonte de direito, não tem pertinência para a situação vertente. Na verdade, a mesma refere-se ao regime de ativos fixos tangíveis (antes imobilizado) e, no caso em apreço, os imóveis foram adquiridos para revenda (e efetivamente revendidos[5]), sendo, portanto, classificados contabilisticamente como inventários (antes existências), de acordo com a NCRF 18 que tem por base a norma internacional de contabilidade IAS 2 – Inventários, adotada pelo Regulamento (CE) n.º 2238/2004, da Comissão, de 29.12, na sequência do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19.07. Os imóveis destinados a serem vendidos no decurso da atividade normal de uma empresa, como foi o caso, não geram quaisquer “reintegrações” contabilísticas, nem os rendimentos derivados da sua venda são enquadráveis como mais ou menos-valias fiscais.
3.4. Aplicação da Lei no Tempo
35. Está em discussão nos presentes autos o rendimento proveniente da venda, concretizada em 2011, de dois imóveis que estavam na titularidade da Requerente. Considerando que, entre a data de aquisição dos imóveis pela Requerente (2008 e 2009) e a data da alienação (2011) se verificou uma alteração legislativa por força da qual o artigo 58.º-A do CIRC deu lugar ao artigo 64.º do mesmo Código, a questão em apreço, convoca, em nosso entender, uma análise aos princípios que regem a aplicação da lei no tempo, atenta a ausência de norma transitória que discipline esta sucessão de normas.
36. Conforme acima delimitada, a questão prende-se com a determinação do valor de aquisição para apuramento do resultado fiscal (de IRC) da venda. Importa, em concreto, saber se esse valor deve corresponder ao do contrato (€ 1.259.464,69), ou ao VPT (superior, de € 1.672.300,00), em ambos os casos reportados ao momento da aquisição.
37. Para a Requerida, deve prevalecer o primeiro valor (da escritura) porque foi essa a opção exercida pela Requerente ao abrigo da lei em vigor à data da aquisição (artigo 58.º-A, n.ºs 2 e 3 do CIRC). Na perspetiva da Requerente, o valor de aquisição a considerar para efeitos de apuramento do resultado gerado pela venda deve ser aquele que decorre da lei fiscal aplicável à data dessa mesma venda, ou seja, o VPT, de acordo com o disposto no artigo 64.º, n.ºs 2 e 3 do CIRC. A diferença aritmética entre as duas posições traduz um acréscimo à matéria coletável de IRC de € 412.835,31.
38. Há que começar por referir o seguinte:
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O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13.07, sob a epígrafe “regime transitório” é omisso no estabelecimento de regras especiais quanto aos efeitos da transição do regime pré-vigente do artigo 58.º-A do CIRC para o novo regime vigente do artigo 64.º do mesmo Código;
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O artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13.07, sob a epígrafe “Produção de efeitos” prevê o seguinte “O presente decreto-lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de janeiro de 2010.”
39. Nenhuma dúvida existirá quanto ao princípio básico que rege a aplicação da lei fiscal substantiva no tempo: a lei aplicável é a vigente no momento da ocorrência do facto gerador.
40. Também não oferece dúvida a afirmação de que obrigação de imposto, in casu, decorre da alienação dos imóveis. Assim, a determinação do rendimento, do resultado fiscal das operações de venda, tem de aferir-se temporalmente ao exercício de 2011, ano em que aquelas tiveram lugar, e à lei em vigor nesse período de tributação que é o artigo 64.º do CIRC. E é este comando que o Tribunal é obrigado a respeitar, porquanto, como reafirma o artigo 4.º, n.º 2, do RJAT, os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído.
41. Como acima se referiu, o artigo 64.º do CIRC, ao contrário do que sucedia com o seu predecessor – o artigo 58.º-A do mesmo compêndio legal[6] –, desliga do cômputo fiscal (i.e., da determinação dos rendimentos da transmissão de imóveis) a importância pela qual os imóveis estão ou foram registados na contabilidade, acolhendo como (únicos) critérios válidos para medir o valor de aquisição e de transmissão o valor do contrato[7], ou o VPT, o que for maior. Deste modo, à luz desta disciplina, o montante pelo qual os imóveis foram contabilizados quando da aquisição pelo seu titular (agora alienante) é irrelevante para a determinação da matéria coletável de IRC, tendo deixado de ser um pressuposto ou fator condicionante de tributação.
42. Em síntese, estando em causa o rendimento da venda de dois imóveis ocorrida em 2011, e sendo a venda o facto gerador desse rendimento, não pode deixar de aplicar-se o regime fiscal do artigo 64.º do CIRC, vigente nesse período de tributação, em conformidade com o regime de periodização do lucro tributável, constante do artigo 18.º do CIRC, e com os princípios gerais de aplicação da lei no tempo, de que o artigo 12.º da LGT e o artigo 12.º do Código Civil constituem expressão.
43. Interessa notar que a aquisição dos imóveis, que remonta a 2008 e 2009, não constitui o facto tributário que suscitou a incidência de IRC em 2011, ainda que o valor da aquisição seja um elemento essencial do cálculo do rendimento tributável derivado da transmissão dos imóveis. Como acima se salientou, se o facto tributário é precisamente a transmissão, o cálculo do respetivo rendimento, tem de ser aferido pelos critérios ditados pela lei aplicável à data da transmissão relativamente aos seus diversos parâmetros, seja sobre o quantum da transmissão propriamente dita, seja sobre a importância a deduzir à mesma (v.g., valor de aquisição) no cálculo da matéria coletável da operação.
44. Defender que a lei em vigor à data da aquisição dos imóveis deve governar o regime aplicável ao apuramento do rendimento derivado da transmissão dos mesmos (na parte em que determina o valor de aquisição a ser atendido para cálculo do resultado tributável da venda), quando a essa data (da transmissão) essa lei tinha sido revogada e substituída por outra que dispõe diversamente na regulação material do quantum, corresponde a sufragar um efeito ultra vires da lei revogada (o artigo 58.º-A do Código do IRC cuja vigência está cessada) com o qual não se pode concordar.
45. De igual modo, convém assinalar que esta linha de raciocínio não comporta retroatividade ou retrospetividade, pois a lei nova não produziu quaisquer efeitos reportados à aquisição dos imóveis (em 2008 e 2009)[8] que, aliás, por si, não originou qualquer gasto, rendimento, ou variação patrimonial passível de ser considerada como componente do lucro tributável (matéria coletável) desses anos para efeitos de IRC.
3.5. No Caso Concreto
46. A razão de ser da liquidação adicional de IRC controvertida prende-se com a tomada em consideração pela AT, como valor de aquisição dos imóveis, do preço declarado na escritura e não do VPT como preconizado pela Requerente.
47. De acordo com a AT, se a Requerente optou por registar contabilisticamente, em 2008 e 2009, os imóveis pelo valor da escritura e não pelo VPT, de acordo com o regime opcional vigente à data (cf. artigo 58.º-A do CIRC que condicionava o valor de aquisição a ter em conta, para efeitos de IRC, à contabilização dos mesmos pelo VPT ou pelo valor da escritura), quando da alienação daqueles, em 2011, o VPT (reportado à data da aquisição) não pode ser tomado como valor de aquisição, para cálculo do valor do rendimento tributável em IRC.
48. Deste modo, a AT não aceita a correção efetuada na declaração de substituição da modelo 22 de IRC que, para além de corrigir o valor de transmissão para o VPT (superior ao valor de venda) aqui não questionado, deduz no quadro 07 a importância da diferença entre o valor constante do contrato de compra e o VPT, à data da aquisição dos imóveis, através do preenchimento do campo “722 - Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [art.º 64.º, n.º 3, al. b)]”.
49. A AT faz um exercício retrospetivo e conclui que se na data da aquisição a Requerente tivesse registado os imóveis pelo seu VPT teria tido a possibilidade de, à data, ao abrigo da alínea do artigo 58º-A, n.º 3, alínea b) do CIRC, “deduzir a importância de € 413.723,99 no quadro 07, campo 772 da respetiva declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC dos períodos de tributação de 2008 e 2009”. Contudo, esta não é a situação que nos ocupa, pois sabemos que a Requerente não reconheceu contabilisticamente os imóveis pelo VPT. A pergunta a fazer é, portanto, outra, fora do âmbito de vigência do artigo 58.º-A e ao abrigo do artigo 64.º do CIRC.
50. Como supra assinalado, em 2011, quando da alienação dos imóveis pela ora Requerente, estava em vigor o artigo 64.º do CIRC que alterou especificamente o enquadramento fiscal a conferir pelo adquirente nas situações em que o valor de transação de determinado imóvel, feito a preços normais de mercado, possa divergir para menos do VPT definitivo do imóvel, determinando o novo preceito, com carácter de obrigatoriedade, e não já de opção, que “o sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel”.
51. Desta forma, o regime fiscal vigente à data do facto tributário – a transmissão dos imóveis verificada no exercício de 2011 – determina a tributação pelo valor de referência do VPT dos imóveis, sempre que superior ao valor declarado/contratual. Não existindo um regime transitório que na sucessão das normas em apreço (artigos 58.º-A e 64.º do CIRC) tenha ressalvado a disciplina pretérita, não pode deixar de aplicar-se o VPT, para efeitos de apuramento do rendimento tributável, de acordo com o disposto pelo artigo 64.º, n.ºs 2 e 3 do CIRC. Esta solução não só deriva das regras de sucessão de leis no tempo, como é a que materialmente corresponde à concretização cabal do princípio da igualdade, pois assegura que todos os sujeitos passivos são tributados por idênticos critérios reveladores de capacidade contributiva.
52. Por outro lado, mesmo que se aderisse à posição da AT, entendemos que a mesma não implicaria a irreversibilidade da opção tomada (no momento da aquisição), solução que se afigura de extrema rigidez e cujo fundamento legal não foi explicitado.
53. No que se refere ao procedimento declarativo, importa referir que, para que a Requerente seja tributada com base na diferença entre os VPT’s definitivos (superiores aos valores do contrato), como decorre do artigo 64.º do CIRC, a declaração de substituição da modelo 22 de IRC tem de comportar o valor da diferença entre o VPT definitivo à data da aquisição e o valor do contrato (escritura de aquisição) a deduzir no quadro 07, uma vez que contabilisticamente os imóveis foram valorizados, quando da compra, pelo preço da escritura.
54. Deste modo, independentemente de a declaração modelo 22 de IRC conter (ou não) um campo específico para esse efeito, e de o campo 772, do quadro 07 dessa declaração, que foi o utilizado pela Requerente, não ser o próprio, por se destinar a ajustamentos assentes noutros pressupostos, tal facto não pode, em nosso entender, alterar a tributação que decorre da lei, sendo a via declarativa meramente instrumental e acessória do cumprimento da obrigação principal, prestativa, cujos pressupostos de incidência estão fixados por diploma legal, de harmonia com o princípio de reserva e preeminência de lei.
55. Pretende com isto dizer-se que, como acima assinalado, mesmo se se considerasse que o campo 772, do quadro 07 não era o próprio[9], o sentido e montante da dedução efetuada pela Requerente foram corretos, permitindo alcançar a matéria coletável que deriva da aplicação do artigo 64.º do CIRC. A incorreção declarativa, sendo o caso, poderia alicerçar a aplicação da correspondente coima por inexatidão em declarações fiscais, mas não constitui argumento válido de suporte da liquidação de imposto, que não pode ser devido apenas porque o modelo declarativo não contempla um campo para preenchimento de um ajustamento. A tributação reclama a reunião cumulativa dos pressupostos de incidência constantes da hipótese normativa e não pode derivar de uma inconsistência ou falha do modelo declarativo.
56. Pelas razões expostas, considera-se que o ato tributário de liquidação emitido pela AT relativo ao exercício de 2011 e acima melhor identificado, e bem assim o despacho de indeferimento do recurso hierárquico que sobre o mesmo recaiu, padecem de vício material de erro nos pressupostos de direito, devendo ser anulados, nos termos e para os efeitos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo, com as legais consequências.
54. Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.
IV. Decisão
Termos em que este Tribunal Arbitral acorda em:
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Julgar procedente o pedido formulado pela Requerente de declaração de ilegalidade e anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2016...;
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Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2011 n.º 2015..., no montante de € 125.271,37, que inclui os respetivos juros compensatórios; e
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º e 306.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, e do artigo 97.º-A), n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 3.º n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor atribuído pela Requerente e não contestado de € 140.873,36.
VI. Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.ºs 1 e 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00 nos termos do artigo 4.º, n.º 5 e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida.
Lisboa, 15 de outubro de 2018
Os Árbitros
Dra. Alexandra Coelho Martins
(Árbitro-presidente)
Dra. Filipa Barros
(Árbitro Vogal)
Doutor Jónatas Machado
(Árbitro Vogal)
[1] Adota-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada, em conformidade, a grafia constante das citações efetuadas.
[2] Sobre as críticas à solução legal consagrada, vide n.º 31 da Revista da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, Out./Dez. de 2015.
[3] Alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13.07, aplicável aos períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de janeiro de 2010.
[5] Tendo sido alienados antes de decorrido o prazo de 3 anos a contar da respetiva aquisição.
[6] Sobre a aplicação do artigo 58.º-A do CIRC antes de revogado e substituído pelo artigo 64.º do CIRC, veja-se o Acórdão da 2.ºa Secção do STA, proc. n.º 01102/16 de 20.09.2017, já fazendo eco das críticas que a redação desse artigo merecia.
[7] Presumindo-se este como o valor normal de mercado.
[8] E mesmo que assim se entendesse, o que não é o caso, não cremos que se pudesse invocar a retroatividade, pelo menos como limite constitucional, no contexto de um benefício com “efeitos retroativos” ou de uma medida menos gravosa da esfera patrimonial dos contribuintes.
[9] Caso em que deveria existir uma alternativa.