Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 618/2017-T
Data da decisão: 2018-10-04  IRS  
Valor do pedido: € 20.805,45
Tema: IRS – Mais valias – Reinvestimento – Agregado Familiar.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Pedro Miguel Bastos Rosado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:  

 

  1. Relatório

 

1. A..., com o número de identificação fiscal ..., residente em ..., ..., Irlanda do Norte, doravante designado por Requerente, apresentou em 27 de novembro de 2017, pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2016, com o n.º 2017  ..., no valor de € 20.805,45 (vinte mil oitocentos e cinco euro e quarenta e cinco cêntimos), sendo Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.

 

2. A pretensão do objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto tributário de liquidação de IRS referido em 1., por vícios de falta de fundamentação e de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

3. Pede, ainda, o Requerente a restituição da totalidade do imposto pago acrescido dos juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral da quantia devida calculada sobre o imposto.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 27 de novembro de 2017, e posteriormente notificado à AT.

 

5. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, em 18 de janeiro de 2018, o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo.

 

6. Em 18 de janeiro de 2018, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 7 de fevereiro de 2018.

 

8. Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

8.1. Que o acto de liquidação não cumpre os requisitos legais de fundamentação que permitam ao Requerente a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente, desconhecendo, assim, o Requerente a que título lhe são exigidos os montantes em causa;

 

8.2. Que nos termos do n.º 5 do art. 10.º do CIRS, serão excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar desde que o valor de realização – deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para aquisição do imóvel - seja reinvestido na aquisição de nova habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, no prazo de 36 meses após a transmissão;

 

8.3. Que para poder beneficiar deste regime, o Requerente declarou a intenção de reinvestimento no Anexo G do modelo 3 da sua declaração de IRS;

 

8.4. Que se é certo que o imóvel alienado pelo Requerente não era a sua habitação própria e permanente, porquanto este alterou o seu domicílio para a Irlanda do Norte na sequência de um destacamento profissional por período inferior a 3 anos, o mesmo era a habitação permanente do seu agregado familiar, que se manteve e mantém em Portugal por razões de ordem familiar;

 

8.5. Que está a decorrer o prazo de 36 meses para concretização desse reinvestimento;

 

8.6. Que a AT também errou ao fixar a matéria colectável, desde logo, na fixação dos encargos e despesas dedutíveis para efeitos de apuramento da mais-valia tributável, cujo montante é superior ao considerado na liquidação; 

 

8.7. Que a AT também errou ao não aplicar na liquidação em apreço o regime de exclusão de tributação de 50% da mais-valia previsto no n.º 2 do art. 43.º do CIRS;

 

8.8. Que a limitação da exclusão de tributação apenas aos sujeitos passivos residentes em Portugal, excluindo os residentes nos demais Estados Membros da União Europeia, viola o direito comunitário, por se traduzir numa restrição não admissível e justificável da liberdade de circulação de capitais consagrada no art. 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;

 

            8.9. Termina o Requerente alegando que deve a liquidação de IRS ser declarada ilegal e anulada, formulando pedido de restituição da quantia arrecadada pela AT, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.

 

9. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta e remeteu o “processo administrativo” (adiante designado apena por PA).

 

10. Na sua resposta, a AT invocou, em síntese, o seguinte:

 

10.1. Que não se encontra preterida a formalidade de falta de fundamentação do acto tributário de liquidação;

 

10.2. Que os termos do acto de liquidação em causa (processo de divergências constante do PA) permitem o conhecimento integral do itinerário seguido pela AT na operação aritmética de correcção à matéria tributável do Requerente;

 

10.3. Que o Requerente teve conhecimento exacto dos pressupostos que estiveram na base das correcções efectuadas, conhecendo plenamente a fundamentação aduzida em sede de procedimento de divergências;

 

10.4. Que o Requerente não poderia fazer constar os valores por si indicados no Quadro 5 A, campos 5005 e 5006 do anexo G da sua declaração modelo 3 do IRS, por ser não residente;

 

10.5. Que apenas foram comprovadas despesas no valor total de € 64.190,49, correspondendo a parte do Requerente a € 32.095,25;

 

10.6. Que as mais-valias previstas na alínea a), do n.º 1 do artigo 10º do CIRS auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado são tributadas à taxa autónoma de 28% da totalidade da mais-valia, não tendo o Requerente optado por ser tributado como os residentes;

 

10.7. Que a AT se limitou a aplicar a lei, não decorrendo da mesma qualquer questão de interpretação ao nível da desconformidade ou incompatibilidade com o direito comunitário;

 

10.8. Que o pedido deve ser julgado improcedente, não havendo lugar ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios.

 

11. Por despacho de 12 de junho de 2018 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou-se que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.

 

12. No mesmo despacho de 12 de junho de 2018, foi indicado o dia 3 de agosto de 2018 para prolação da decisão arbitral.

 

13. As Partes apresentaram alegações, nas quais reiteraram as posições assumidas nas peças processuais iniciais.

 

14. Por despacho de 3 de agosto de 2018, o Tribunal decidiu prorrogar o prazo para a prolação da decisão arbitral por um período de dois meses, indicando que a decisão arbitral seria emitida e notificada às partes até 7 de outubro de 2018.

 

 

II. Saneamento

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

III. Matéria de facto

 

1. Factos provados

 

Dão-se como provados os seguintes factos com potencial relevo para a decisão:

 

A) O Requerente tem residência fiscal na Irlanda do Norte, estando devidamente enquadrado como não residente fiscal em Portugal, desde 8 de julho de 2015;

 

B) Em 30 de Janeiro de 2009, o Requerente casou com B...;

 

C) O Requerente é pai do menor C..., nascido em 19 de Outubro de 2015;

 

D) Em 19 de agosto de 2011, o Requerente e a sua mulher adquiriram, pelo preço de Euro 401.000,00, a fração autónoma, destinada a habitação, designada pelas letras CX, correspondente ao PISO 5 – BLOCO ..., do prédio urbano sito em ..., ..., n.ºs ... e ... e Rua..., n.º 1, torneja para a Rua da ..., sem portas, freguesia do ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número ... da freguesia de ..., e inscrito na matriz da freguesia do ..., sob o artigo ...;

 

E) Em 19 de agosto de 2011, o Requerente e a sua mulher receberam do D..., a título de empréstimo para a aquisição do imóvel identificado em D), a quantia de Euro 210.000,00;

 

F) O IMT pela compra do imóvel foi liquidado com o benefício: Exclusivamente para habitação própria e permanente;

 

G) Na escritura de compra e venda, mútuo e hipoteca foi declarado que o imóvel adquirido se destinava a habitação própria permanente;  

 

H) Em 10 de Outubro de 2016, o Requerente e a sua mulher venderam o imóvel identificado em D) pelo preço de Euro 625.000,00;

 

I) Na escritura de compra e venda do imóvel identificado em D), o Requerente e a sua mulher foram identificados como sendo residentes em ..., ..., Irlanda do Norte;

 

J) Em 10 de Outubro de 2016, o valor do capital em dívida do empréstimo Crédito Habitação Regime Geral era de Euro 90.331,58, sendo o montante devido pela liquidação antecipada do mesmo de Euro 90.952,49.

 

L) O imóvel identificado em D) foi vendido com o valor da hipoteca liquidado ao banco mutuante.

 

M) Em 17 de Junho de 2017, o Requerente entregou à AT via internet a sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2016, fazendo inscrever na mesma o seu estado civil de “casado”, não optando pela tributação conjunta dos rendimentos, indicou no campo 6 – Agregado Familiar o NIF ... da sua mulher e no campo 8 B – Residência Fiscal a sua situação de “não residente” (04) e de residente em país da EU (6) com o código 826;

 

N) Em 17 de Junho de 2017, o Requerente entregou à AT via internet o anexo G da sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2016, fazendo inscrever no mesmo a aquisição do imóvel identificado em D) pelo valor de Euro 200.500,00 em Agosto de 2011, a venda do mesmo pelo valor de Euro 312.500,00 em Outubro de 2016, a sua quota-parte de 50%, e o montante de Euro 52.376,00 de despesas e encargos;

 

O) No mesmo anexo G da sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2016, o Requerente, no Quadro 5 A relativo ao “Reinvestimento do Valor da Realização de Imóvel destinado a Habitação Própria e Permanente”, fez inscrever no campo 5005 (Valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 5002, 5003 ou 5004) o montante de Euro 45.165,79 e no campo 5006 (Valor de realização que pretende reinvestir - sem recurso ao crédito) o montante de Euro 267.334,21;

 

P) Em 17 de Junho de 2017, a mulher do Requerente entregou à AT via internet a sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2016, fazendo inscrever na mesma o seu estado civil de “casado”, não optando pela tributação conjunta dos rendimentos, indicou no campo 6 – Agregado Familiar o NIF ... do seu marido, o aqui Requerente, no campo B D1 Dependentes o NIF ... do filho menor do casal, e no campo 8 A – Residência Fiscal a sua situação de residente no “continente” (01).

 

Q) Em 17 de Junho de 2017, a mulher do Requerente entregou à AT via internet o anexo G da sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2016, fazendo inscrever no mesmo a aquisição do imóvel identificado em D) pelo valor de Euro 200.500,00 em Agosto de 2011, a venda do mesmo pelo valor de Euro 312.500,00 em Outubro de 2016, a sua quota-parte de 50%, e o montante de Euro 52.376,00 de despesas e encargos;

 

R) No mesmo anexo G da sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2016, a mulher do Requerente, no Quadro 5 A relativo ao “Reinvestimento do Valor da Realização de Imóvel destinado a Habitação Própria e Permanente”, fez inscrever no campo 5005 (Valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 5002, 5003 ou 5004) o montante de Euro 45.165,79 e no campo 5006 (Vapor de realização que pretende reinvestir - sem recurso ao crédito) o montante de Euro 267.334,21;

 

S) Na demostração de liquidação de IRS da mulher do Requerente com o número 2017... da AT, é indicado um rendimento global e um valor apurado de 0 (zero);

 

T) À data da venda do imóvel identificado em D), a mulher e o filho menor do Requerente tinham a sua residência própria e permanente no mesmo;  

 

U) A declaração modelo 3 de IRS apresentada pelo Requerente deu origem à demonstração de liquidação de IRS 2017 ... com o valor a pagar de Euro 15.010,52.

 

V) Em 29 de Maio de 2017, foi pela AT criado na Aplicação de Gestão de Divergência, um processo para análise da declaração modelo 3 de IRS nº ... do Requerente com o Código de análise D39-Alienação de Imóveis.

 

X) Em 29 de Maio de 2017 foi emitida pelo ofício ... da AT notificação automática ao Requerente com vista à necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, valor de aquisição e data de aquisição dos imóveis alienados.

 

Z) Na sequência de atendimento pessoal com o Requerente, troca de e-mails e apresentação de documentos, a AT entendeu deverem ser retirados os valores indicados no Quadro 5 A, campos 5005 e 5006 do Anexo G, por o sujeito passivo ser “não residente” e, relativamente às despesas do mesmo anexo, apenas foram consideradas comprovadas despesas na importância de Euro 64.190,49, correspondendo à parte do Requerente, metade do valor, isto é, Euro 32.095,25.

 

AA) Em 9 de agosto de 2017, o Requerente foi notificado através do ofício ... da AT para exercer o direito de audição prévia relativo ao projecto de correções a efectuar, tendo o mesmo respondido via e-mail, em 16 de outubro de 2017, dizendo que não iria proceder à entrega da declaração de substituição a conselho da sua advogada;

 

AB) A AT procedeu à correcção da liquidação através da declaração oficiosa nº..., da seguinte forma: Modelo 3 Anexo G, quadro 4-Alteradas as despesas para Euro 32.095,25 e retirados os valores dos campos 5005 e 5006.

 

AC) Em 20 de outubro de 2017, a AT emitiu a liquidação nº 2017 ... com o valor a pagar de Euro 20.805,45, a qual foi notificada ao Requerente.

 

AD) O Requerente juntou aos autos com a sua p.i., os documentos a seguir indicados com vista a serem aceites como “despesas e encargos” com o imóvel:

- Imposto do Selo (aquisição) € 3.208,00 - doc. 12

- Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis € 20.120,68 doc 13

- E..., Lda. (obras) € 4.434,30 - doc 14

- F..., S.A. (obras) € 2.104,68 - doc 15

- G..., Lda. (obras) € 17.084,30 - doc 16

- H..., S.A. (obras) € 884,33 - doc 17

- I..., Lda. (obras) € 3.766,33 - docs 18 e 19

- J..., S.A. (mediação imobiliária) € 38.437,50 - doc 20

 

AE) Em 9 de Dezembro de 2016, a K... UK emitiu declaração escrita informando que o Requerente era trabalhador da L..., S.A., com o cargo de Diretor, que seria contratado para trabalhar no Reino Unido, por um período inferir a três anos, com início em 3 de abril de 2015 e iria residir em alojamento assegurado pela empresa em ..., Belfast;

 

AF) Em 24 de novembro de 2017, o Requerente completou o pagamento do valor de Euro 20.805,45; 

 

AG) Em 27 de novembro de 2017, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2. Fundamentação da matéria de facto dada como provada

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pelo Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, cuja autenticidade não foi colocada em causa, não tendo igualmente a AT questionado as alegações do Requerente relativamente ao facto de a sua mulher e filho menor terem a sua habitação própria e permanente no imóvel alienado. 

 

3. Factos não provados

 

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

 

III. Matéria de Direito

 

1. Ordem de conhecimento dos vícios

 

Na apreciação dos vícios imputados ao acto cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos «vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos» [artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT], já que «a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» (artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

 

Por isso, não se apreciarão prioritariamente o vício de falta de fundamentação, que tem natureza meramente formal e cuja procedência não afasta a possibilidade de renovação do acto com o mesmo conteúdo, começando-se por apreciar vício de violação de lei, cuja procedência impede a renovação do acto de liquidação.

 

2. Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral

 

A questão fundamental consiste em saber se se consideram ou não verificados os pressupostos para a exclusão de tributação de mais-valias, sendo que o Requerente era não residente em Portugal aquando a alienação do imóvel, o seu cônjuge e filho menor tinham no imóvel, nessa mesma data, a sua residência própria e permanente e que o Requerente declarou, na sua declaração de IRS, a sua intenção de proceder ao reinvestimento das mais-valias.

A AT entende que não se encontram reunidos os pressupostos uma vez que o Requerente era, à data da alienação do imóvel, não residente em Portugal, embora tenha aceitado que a mulher do Requerente tinha no mesmo imóvel a sua habitação própria e permanente, uma vez que na demostração de liquidação de IRS com o número 2017..., na sequência da apresentação de um anexo G em tudo idêntico ao do Requerente, é indicado um rendimento global e um valor apurado de 0 (zero).

A resposta à questão prende-se com a interpretação do artigo 10.º nº 5 do CIRS, sendo necessário examinar esta questão à luz da lei vigente à data a que se reportam os rendimentos objeto de tributação.

O art.º 10.º do CIRS determina que:

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…);

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

(destacado nosso)

O art.º 10.º, n.º. 5, do CIRS consagra a exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente do sujeito passivo ou do respetivo agregado familiar sempre que o valor de realização venha a ser reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim, dentro de determinados prazos e condições.

Tendo resultado provado que o Requerente declarou no anexo G da sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2016, a sua intenção de proceder ao reinvestimento da mais-valia, pela totalidade, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, que a mulher e o filho da Requerente tinham no imóvel alienado a sua habitação própria e permanente e que ainda não decorreu o prazo de 36 meses contados da data da realização, a questão essencial é saber se se encontram cumpridos todos os pressupostos para a exclusão da tributação ou se, o facto de à data da realização o Requerente viver na Irlanda e estar registado no cadastro como não residente em Portugal, impõe que se considere que os ganhos assim obtidos não podem deixar de estar sujeitos, de forma imediata, a tributação nos termos do disposto no artº 10º , nºs. 1, al. a) e 5 do CIRS.

 

Como se referiu, o motivo no qual assenta a recusa da AT em reconhecer o direito do Requerente à exclusão da tributação dos rendimentos de mais-valias do ano de 2016, é o facto de, à data da alienação, o Requerente ser não residente em Portugal, dado se ter ausentado do território nacional em 2015, independentemente de o imóvel alienado ter sido a anteriormente a sua habitação própria e permanente e de ser, também à data da alienação, a habitação própria e permanente da sua mulher e do seu filho menor.

 

Como decorre da redação das normas constantes dos nº 5, alínea a) do artigo 10.º, do CIRS, aplicável à situação em apreço, haverá lugar à exclusão da tributação dos ganhos de mais-valias obtidos com a alienação de imóveis “destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, reinvestidos na aquisição de outro imóvel destinado pelo adquirente “à sua habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar”, dentro dos prazos ali previstos.

 

Apesar de o Código do IRS não conter uma definição de “agregado familiar”, a situação do Requerente não pode deixar de se enquadrar na previsão do seu artigo 13.º, na redação à data dos factos.

 

À data da alienação do imóvel, os nºs. 2 e 4 do art.º 13º do CIRS determinam que:

2 - Quando exista agregado familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de facto, sem prejuízo do disposto relativamente aos dependentes, a não ser que seja exercida a opção pela tributação conjunta.


4 - O agregado familiar é constituído por:



a) Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, ou os unidos de facto, e os respetivos dependentes;

 

(destacado nosso)

Ora, entende o Tribunal que a conjunção “ou” admite que, embora um dos sujeitos passivos não tenha, à data da alienação, a sua residência própria e permanente no imóvel alienado (sendo que até o teve antes), não fica precludido o direito àquele benefício se estiver em causa “a transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”.

 

A previsão normativa “transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar” não pode permitir, salvo melhor opinião, outra interpretação.

 

Se a norma restringisse a exclusão da tributação à “transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo”, poderia sufragar-se o entendimento da AT que nesse caso a mais-valia obtida pelo Requerente não poderia deixar de estar imediatamente sujeita a tributação.

 

Todavia, o texto da lei é diverso, bastando-se com o facto de o imóvel alienado fosse destinado a habitação própria e permanente do agregado familiar do Requerente, como é o caso.

 

Esclareça-se que o facto de na escritura pública de venda do imóvel a mulher do Requerente ter declarado ser residente na Irlanda, em nada faz mudar a posição do Tribunal.

 

É que, por um lado, não é raro os vendedores de um imóvel que servia de sua habitação própria e permanente declararem, no próprio acto da alienação, uma morada diversa dado que, nesse preciso momento, estão a vender a sua habitação própria e permanente. Pelo que essa declaração não constitui para o Tribunal um facto relevante para a mudança da sua posição.

 

E, por outro lado, a AT, diversamente do que sucedeu no caso do Requerente, aceitou o facto de a mulher do Requerente estar a declarar a intenção de reinvestimento da mais-valia obtida com a alienação da sua habitação própria e permanente, tanto que na demostração de liquidação de IRS com o número 2017..., na sequência da apresentação de um anexo G em tudo idêntico ao do Requerente, é indicado um rendimento global e um valor apurado de 0 (zero). Ou seja, como melhor se verá de seguida, a AT, na prática, procedeu, em bem, à suspensão da tributação até à concretização do próprio reinvestimento.

 

Por conseguinte, o n.º 5 do art. 10.º do CIRS é uma norma de exclusão de incidência de IRS relativa às mais-valias realizadas em bens imóveis, verificadas determinadas condições previstas na lei.

 

Como refere Paula Rosado Pereira, “Face aos contornos do regime em apreço, poder-se-á dizer que, na realidade, se está perante uma suspensão de tributação aplicável mediante simples manifestação, na declaração de rendimentos referente ao ano de realização, da intenção de proceder ao reinvestimento (…)” [Paula Rosado Pereira, Estudos sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Cadernos IDEFF, n.º 2, Almedina, Coimbra, 2005, p.101].

 

“A exclusão tem como objectivo favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente.” (cfr. José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 413).

 

“O objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias.” (cfr. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, p. 114).

“Trata-se, naturalmente, de não onerar fiscalmente a efectivação do direito fundamental à habitação” (cfr. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, ISG, Coimbra, 1999, p. 168).

 

Assim sendo, entende o Tribunal que sempre seria de se reconhecer ao Requerente o direito à exclusão da tributação dos rendimentos de mais-valias que deram origem à liquidação impugnada, nos mesmos termos em que se procedeu com a liquidação de imposto relativamente à mulher do Requerente, ocorrendo, dessa forma, uma suspensão de tributação aplicável mediante simples manifestação, na declaração de rendimentos referente ao ano de realização, da intenção de proceder ao reinvestimento.

 

E como ainda não decorreram os 36 meses contados da data da realização, só mais tarde se apurará se o Requerente concretiza o reinvestimento da totalidade da mais-valia declarada e se ficará ou não excluída a tributação, no todo ou em parte, em termos definitivos.

 

Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que a liquidação de IRS do ano de 2016, aqui impugnada, é ilegal por configurar vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito em que assentou, dada a errada interpretação das normas legais aplicáveis.

 

Pelos motivos apontados, também no caso dos autos não poderá deixar de ser integralmente anulada a liquidação de IRS do ano de 2016, objeto do pedido de constituição do tribunal arbitral.

 

3. Questões prejudicadas

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, por violação do artigo 10.º nº 5 do CIRS, que assegura efectiva e estável tutela dos direitos do Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados, seja o vício de falta de fundamentação, sejam outros vícios de violação da lei como a não consideração de outras despesas dedutíveis (despesas e encargos) ou a não consideração de apenas 50% da mais-valia realizada. 

 

Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no citado artigo 124.º do CPPT, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.

 

Com efeito, se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios imputados aos actos tributários seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.

 

Por isso, julgado procedente o pedido com fundamento num vício de violação de lei que impede a renovação dos actos impugnados com o mesmo sentido, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados, sejam formais e procedimentais, seja também de violação da lei.

 

4. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

 

O Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela AT, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.

 

A AT defende, em suma, que «as alegações do Requerente não podem, de todo, proceder, porquanto fazem uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada”, pelo que “não há lugar ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios”.   

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Pelo que se referiu, o pedido de pronúncia arbitral procede totalmente quanto à liquidação de IRS n.º 2017..., relativa ao ano de 2016, no valor de € 20.805,45.

 

Por isso, o Requerente tem o direito de ser reembolsado desta quantia, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

Pelo exposto, procede o pedido de reembolso da quantia de de € 20.805,45.

 

A ilegalidade desta liquidação imputável à AT, pois emitiu-a por sua iniciativa, com errada interpretação da lei.

 

Consequentemente, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar.

 

Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que o Requerente efectuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

  1. Decisão

 

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a liquidação de IRS nº 2017..., relativa ao ano de 2016, no valor de € 20.805,45, com a consequente restituição do imposto pago;

 

  1. Julgar procedente o pedido na parte relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor do Requerente, em virtude do imposto indevidamente pago, desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva.

 

V. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 20.805,45.

 

VI. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 1.224,00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

 

Lisboa, 4 de outubro de 2018

 

O árbitro,

 

 

Pedro Miguel Bastos Rosado