DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I. RELATÓRIO
1. No dia 24 de janeiro de 2018, a sociedade comercial A..., S. A., NIF..., com sede na ..., n.º..., ... (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a anulação parciais dos atos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios n.ºs 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016... e 2016..., referentes ao ano de 2012, no valor total de € 18.684,67.
A Requerente juntou cinco (5) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
1.1. No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte:
Foi sujeita a um procedimento inspetivo interno, de âmbito parcial (IVA), incidente sobre os vários períodos de tributação do ano de 2012, tendo como objetivo o controlo do valor inscrito no campo 40 das declarações periódicas de IVA e a aferição da sua legitimidade e conformidade, da qual resultaram correções meramente aritméticas em sede de IVA.
Concretamente, a AT considerou indevidamente regularizado o IVA inerente a diversas notas de crédito emitidas pela Requerente, no valor de € 16.596,88, em virtude de faltar a prova em como os adquirentes tomaram conhecimento da regularização ou forma reembolsados do imposto – como determina o n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA –, tendo procedido à sua correção.
Segundo a Requerente, boa parte das regularizações que aqui estão em causa não forma empreendidas tendo como suporte legal os n.ºs 2 e 5 do artigo 78.º do Código do IVA, isto é, estamos ali nos antípodas das situações de anulação da venda ou prestação de serviços, de redução do seu valor tributável decorrente de invalidade, resolução ou redução do contrato, nomeadamente, por devolução de mercadorias ou concessão de abatimentos ou descontos em operações já faturadas e registadas, pelo que não tem aqui aplicação, relativamente a boa parte das regularizações empreendidas e agora controvertidas, os n.ºs 4, 5 e 13 do artigo 78.º do Código do IVA, pelo que é inexigível o cumprimento do formalismo ali imposto tendente à legitimação da regularização.
A Requerente apresentou reclamação graciosa contra os atos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios controvertidos, a qual foi parcialmente deferida.
A Requerente pugna pela ilegalidade parcial dos atos de liquidação controvertidos, fundada, essencialmente, na inadequação da posição defendida pela AT no concernente à necessidade de se empreenderem correções por não ter sido apresentada a prova a que se refere o n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA e ainda em errónea quantificação do IVA adequadamente regularizado a favor da Requerente (identificado no Quadro de fls. 9 da informação subjacente ao deferimento parcial da reclamação graciosa).
Afirma a Requerente que, no caso concreto, estamos no domínio das faturas inexatas, subsumíveis ao estatuído no n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA e não no domínio das alterações ou anulação das operações tributáveis, subsumíveis nos n.ºs 2, 4, 5 e 13 do mesmo artigo 78.º.
Porquanto, diz a Requerente, a emissão duplicada de faturas, entretanto relevada contabilisticamente, só pode subsumir-se no conceito de “fatura inexata” previsto no n.º 3 do artigo 78.º do Código do Iva, uma vez que, por via da duplicação, alguns dos requisitos estipulados no n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, concretamente os previstos nas respetivas alíneas c) e d), não foram conveniente e adequadamente observados. Com efeito, o preço (duplicado) e o montante de imposto (igualmente duplicado) indicado nas faturas emitidas (objeto de anulação através da emissão de nota de crédito) não estava em concordância com a realidade que as aquelas faturas deveriam titular, na medida em que essa realidade já havia sido plasmada com a emissão das faturas que foram enviadas à respetiva destinatária e que, essas sim, estavam corretas. O erro interno consubstanciou-se assim na emissão duplicada de faturas tendente a titular uma mesma realidade fáctica. Ademais, se as faturas duplicadas não foram levadas ao conhecimento da respetiva destinatária, também a nota de crédito que posteriormente veio a anular as referidas faturas não tinha de ser comunicada e levada ao conhecimento daquela.
A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios controvertidas.
Não estando os montantes recebidos pela AT devidamente legitimados, por se mostrarem feridos de ilegalidade os atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios controvertidos, a respetiva conduta da AT configura um erro imputável aos serviços de que resultou o pagamento indevido de IVA de € 10.813,79 e de juros compensatórios de 1.360,30 (calculados proporcionalmente ao valor indevido de imposto), num total de € 12.174,09.
Assim, a Requerente é credora da AT pelo montante de € 12.174,09, a que acrescem juros indemnizatórios vencidos e vincendos até à emissão do respetivo meio de pagamento.
A Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte:
“Termos em que deve o Tribunal Arbitral:
-
Considerar as liquidações controvertidas parcialmente ilegais, consubstanciando-se tal vício na fundamentação que supra enunciámos e que aqui se reitera, sancionando-se tal ilegalidade com a consequência jurídica da anulabilidade parcial dos actos de liquidação controvertidos e a manutenção dos valores que resultaram das várias autoliquidações empreendidas pela aqui Requerente nos períodos de tributação de 2012, acrescidas das correcções aceites pela Requerente;
-
Ordenar a restituição parcial do imposto liquidado adicionalmente e aqui contraditado (entretanto pago, cfr. docs. n.ºs 4A, 4B, 4C, 4D, 4E, 4F e 4G) e ainda a liquidação e pagamento dos respectivos juros indemnizatórios que a aqui Requerente considera devidos, já que desde o pagamento (indevido) e até à prolação da decisão de V. Exa. (que se espera de procedência) estará desembolsada de relevantes valores que são seus e cuja disponibilidade não é por si gozada.
Assim se fazendo a tão costumada Justiça!”
2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 30 de janeiro de 2018.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 14 de março de 2018, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 4 de abril de 2018.
6. No dia 10 de maio de 2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.
6.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:
Apesar de a Requerente ter apresentado o pedido de pronúncia arbitral da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada, foi, entretanto, proferida decisão expressa de indeferimento nesse procedimento.
As declarações que obrigam as sociedades têm uma forma legal e têm de ser emanadas por titulares do direito de representação daquelas, pelo que um email entre dois funcionários sem tais direitos, não constitui prova legal de que a sociedade reconhece uma regularização de IVA.
Em consonância com o entendimento que a própria Requerente aceita, os documentos que podem ser aceites para os efeitos previstos no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA são os especificados no Ofício-circulado n.º 33129, de 02/04/1993 e na Informação Vinculativa Proc. n.º 6770.
Por outro lado, dizer que às regularizações previstas no n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA não se aplica o previsto no seu n.º 5, é manifestamente errado e não tem qualquer suporte legal.
Apesar de ser neste argumento que a Requerente assenta a maior parte da sua argumentação, é manifesto que o previsto no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA se aplica a qualquer uma das regularizações de imposto a favor do sujeito passivo previstas naquele artigo, até às relativas a créditos incobráveis, uma vez que o que a norma visa acautelar – que um sujeito passivo corrija a seu favor imposto que o destinatário das faturas não corrija a favor do Estado – é transversal a qualquer um dos motivos daquelas correções.
Não enfermando as liquidações impugnadas de qualquer erro, de facto ou de Direito, deve improceder o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, por não se verificarem os pressupostos legais para o reconhecimento de tal direito.
A Requerida remata assim o seu articulado:
“Nestes termos e nos mais de Direito, que muito doutamente serão supridos por V. Exas. deverá ser proferida decisão que julgue o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida, nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências.”
6.2. Posteriormente, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).
7. No dia 31 de maio de 2018, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, a conceder prazo para a apresentação de alegações escritas e a fixar o dia 28 de setembro de 2018, como data limite para a prolação da decisão arbitral.
8. Não foram apresentadas quaisquer alegações pelas Partes.
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II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
O processo não enferma de nulidades.
As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.
Não há exceções ou quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente está enquadrada, em sede de IVA, no regime normal com periodicidade mensal desde 01.01.2011. [cf. documento n.º 3 com a PI e PA junto aos autos]
b) Em sede de IVA, a Requerente apresentou, no período de 2012, as respetivas Declarações Periódicas, de acordo com o quadro seguinte, sendo que o campo 40 dfas declarações entregues evidencia os valores contantes do seguinte quadro [cf. documento n.º 3 com a PI e PA junto aos autos]:
c) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2015..., a Requerente foi submetida a uma ação inspetiva interna, de âmbito parcial (IVA), incidente sobre o período de 2012, a qual foi realizada no âmbito do projeto “análise do campo 40 da declaração periódica de IVA”, tendo como objetivo o controlo do valor inscrito pelos sujeitos passivos no campo 40 das declarações periódicas de IVA e aferir a sua legitimidade e conformidade. [cf. documento n.º 3 com a PI e PA junto aos autos]
d) No âmbito dessa ação inspetiva, a Requerente foi notificada para remeter aos Serviços de Inspeção Tributária os seguintes documentos [cf. documento n.º 3 com a PI e PA junto aos autos]:
- Balancetes analíticos respeitantes a 31/12/2012;
- Extrato de conta corrente detalhado da conta 2434 – IVA – Regularizações;
- Discriminação do valor contido no(s) campo(s) 40 da(s) declaração(ões) periódica(s), atendendo ao tipo de situação previsto no artigo 78.º do Código do IVA;
- Fotocópia dos documentos de suporte dos dez movimentos de valor mais elevado respeitantes aos valores indicados no(s) campo(s) 40 da(s) declaração(ões) periódcia(s), com o(s) respetivo(s) comprovativo(s) nos termos do artigo 78.º do Código do IVA.
e) A Requerente procedeu à entrega de todos aqueles elementos, os quais constituem o Anexo 1 do Relatório de Inspeção Tributária. [cf. documento n.º 3 com a PI e PA junto aos autos]
f) Pela análise do aludido extrato da conta 24342, entregue pela Requerente, os Serviços de Inspeção Tributária constataram que a Requerente contabilizou naquela conta as importâncias discriminadas por período de imposto, bem como que a sua confrontação com os valores inscritos no campo 40 das respetivas declarações periódicas não revelava anomalias materialmente relevantes. [cf. documento n.º 3 com a PI e PA junto aos autos]
g) Posteriormente, os Serviços de Inspeção Tributária solicitaram à Requerente que remetesse cópias das notas de crédito consideradas de valor mais relevante, as quais foram entregues pela Requerente, constituindo o Anexo 2 do Relatório de Inspeção Tributária. [cf. documento n.º 3 com a PI e PA junto aos autos]
h) Na sequência da análise dessas notas de crédito, os Serviços de Inspeção Tributária entenderam que as mesmas não cumprem alguns requisitos decorrentes do Código do IVA, designadamente por a maioria delas não possuir o NIF da entidade adquirente e algumas não mencionarem qual a fatura inicial que estavam a anular, sendo ainda que, da circularização efetuada a dois dos clientes, os Serviços de Inspeção Tributária verificaram que não contabilizaram as notas de crédito. [cf. documento n.º 3 com a PI e PA junto aos autos]
i) Acresce que os Serviços de Inspeção Tributária não conseguiram perceber o que são anulações internas e externas, tendo ainda constatado que todas as ditas notas de crédito enviadas pela Requerente não cumprem o legalmente estipulado, isto é, “nascendo o direito à regularização, nos termos do n.º 5 do art. 78.º do CIVA, para que este se efective, o sujeito passivo terá de ter na sua posse prova em como as Entidades tomaram conhecimento da regularização ou foram reembolsadas do imposto”. [cf. documento n.º 3 com a PI e PA junto aos autos]
j) Por isso, os Serviços de Inspeção Tributária consideraram indevidamente regularizado o IVA inerente às preditas notas de crédito, no valor de € 31.332,88, e, sequentemente, em sede de Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, propuseram correções do valor declarado pela Requerente no campo 40 das declarações periódicas de IVA, referentes ao ano de 2012, nos seguintes termos [cf. documento n.º 3 com a PI e PA junto aos autos]:
k) A Requerente foi notificada para o exercício do direito de audição, através do ofício n.º ... de 18.12.2015, registo dos CTT n.º RD ... PT, que exerceu, tendo os Serviços de Inspeção Tributária verificado que a maioria da informação/elementos em falta já estavam de acordo com as respetivas normas do Código do IVA; no entanto, relativamente aos valores constantes do quadro seguinte, os Serviços de Inspeção Tributária entenderam que continuava a estar em falta a prova em como as entidades tomaram conhecimento da regularização ou foram reembolsadas do imposto, conforme determina o n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA [cf. documento n.º 3 com a PI e PA junto aos autos]:
l) Assim, da aludida ação inspetiva resultaram correções em sede IVA, no montante de € 16.596,88, nos exatos termos do quadro constante do facto provado anterior, tendo sido elaborados os respetivos documentos de correção para efeitos de liquidação. [cf. documento n.º 3 com a PI e PA junto aos autos]
m) Nessa sequência, foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios [cf. documentos n.ºs 2A, 2B, 2C, 2D, 2E, 2F e 2G com a PI]:
n) Em 4 de maio de 2016, a Requerente efetuou o pagamento tempestivo e integral das sobreditas liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios. [cf. documentos n.ºs 4A, 4B, 4C, 4D, 4E, 4F e 4G com a PI]
o) Em 1 de setembro de 2016, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra as mencionadas liquidações de IVA e de juros compensatórios, a qual foi autuada, sob o processo n.º ...2016..., no Serviço de Finanças de Cascais..., remetida à Direção de Finanças de Lisboa. [cf. PA junto aos autos]
p) No âmbito da respetiva instrução, a AT notificou o Ilustre Mandatário da Requerente para apresentar os seguintes elementos [cf. fls. 295 do PA junto aos autos]:
- Extratos da conta Clientes (conta-corrente) da contabilidade da Requerente, relativos à cliente B..., S. A. e aos exercícios de 2011 e 2012, assinalando nos mesmos a nota de crédito n.º ...-... e as faturas anuladas, assim como a faturação que a substituiu;
- Registos contabilísticos (extratos da conta “IVA liquidado e/ou lançamentos do diário) evidenciando a contabilização do IVA liquidado relativamente às cinco faturas anuladas de maior valor.
q) Na decorrência dessa notificação, o Ilustre Mandatário da Requerente remeteu a seguinte documentação [cf. fls. 297 e 298 do PA junto aos autos]:
- Extrato de conta-corrente da cliente B..., S. A., referente ao ano 2011/2012, com identificação da nota de crédito n.º... -... e de todas as faturas anuladas [cf. fls. 299 a 305 do PA junto aos autos];
- Fatura ...-..., de 31.12.2012, no valor de 66.472,56 €, que substituiu as anteriormente anuladas, mas com valor diferente devido à existência de acertos entretanto efetuados [cf. fls. 306 e 307 do PA junto aos autos];
- Comprovativos de pagamento do IVA nos vários períodos de tributação de 2011 e de 2012, ali em causa [cf. fls. 308 e 309 do PA junto aos autos];
- Declarações periódicas de IVA, remetidas via Internet e extratos contabilísticos da Requerente referentes à faturação e apuramento de IVA dos meses de julho 2011, agosto, setembro, outubro e dezembro de 2012 [cf. fls. 310 a 338 do PA junto aos autos];
- Ficheiros Excel com a faturação referente aos meses de julho 2011, agosto, setembro, outubro e dezembro de 2012, estando ali a cliente B..., S. A. identificada como cliente ... [cf. fls. 339 do PA junto aos autos].
r) Uma vez realizada a instrução da reclamação graciosa, foi elaborado o respetivo projeto de decisão, tendo a Requerente e o seu Ilustre Mandatário sido notificados para o exercício do direito de audição, através de ofícios datados de 20.09.2017, registo dos CTT n.º RD ... PT, da Direção de Finanças de Lisboa, que a Requerente não exerceu. [cf. fls. 345 a 347 do PA junto aos autos]
s) Em 24 de outubro de 2017, a Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação, proferiu despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa, assente na Informação datada de 12 de outubro de 2017, ali constante, em que se refere, além do mais, o seguinte [cf. fls. 349 a 354 do PA junto aos autos e documento n.º 1 anexo à P. I.]:
t) A Requerente e o seu Ilustre Mandatário foram notificados, através de ofícios datados de 26.10.2017, registo dos CTT n.º RD ... PT, da Direção de Finanças de Lisboa, da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa. [cf. fls. 355 a 357 do PA junto aos autos e documento n.º 1 anexo à P. I.]
u) A Requerente emitiu a nota de crédito ...-..., datada de 31.12.2012, no valor total de € 80.059,50, incluindo IVA no valor de € 14.970,48, à B..., S. A., para anulação total das seguintes faturas: ...-1177507 de 01/12/2012 no valor de 7.665,02€,
...-1177482 de 26/11/2012 no valor de 92,89€, ...-1177479 de 21/11/2012 no valor de 64,96€, ...-1175712 de 24/10/2012 no valor de 46,77€, ...-1173984 de 01/10/2012 no valor de 7.425,03€, ...-1173966 de 27/09/2012 no valor de 16,24€, ...-1173962 de 26/09/2012 no valor de 343,71€, ...-1173947 de 24/09/2012 no valor de 29,52€, ...-1173849 de 03/09/2012 no valor de 15,59€, ...-1172285 de 01/09/2012 no valor de 5.543,97€, ...-1170611 de 01/08/2012 no valor de 5.425,89€, ...-1170506 de 05/07/2012 no valor de 155,90€, ...-1168974 de 01/07/2012 no valor de 4.945,27€ ...-1168957 de 29/06/2012, ...-1168953 de 28/06/2012, ...-1168950 de 27/06/2012, ...-1168942 de 26/06/2012, ...-1168941 de 25/06/2012 no valor respetivo de 19,93€ cada. ...-1168931 de 21/06/2012 no valor de 779,52€, ...-1168929 de 20/06/2012 no valor de 140,31€, ...-1168905 de 14/06/2012 no valor de 155,90€, ...-1167275 de 01/06/2012 no valor de 4.565,65€, ...-1167129 de 09/05/2012 no valor de 412,32€, ...-1165578 de 01/05/2012 no valor de 3.343,40€. ...-1165485 de 17/04/2012 e ...-1165482 de 14/04/2012 no valor respetivo de 85,80€ cada. ...-1165397 de 03/04/2012, ...-1165395 de 03/04/2012, ...-1165391 de 02/04/2012, ...-1165390 de 02/04/2012 no valor respetivo de 25,21€ cada. ...-1163899 de 01/04/2012 no valor de 1.151,14€. ...-1163830 de 27/03/2012, ...-1163808 de 22/03/2012, ...-1163804 de 22/03/2012, ...-1163686 de 07/03/2012, ...-1163685 de 07/03/2012 no valor respetivo de 25,21€ cada. ...-1163639 de 01/03/2012 no valor de 37,08€, ...-1162180 de 29/02/2012 no valor de 1.114,06€, ...-1162142 de 29/02/2012 no valor de 241,02€, ...-1162136 de 28/02/2012 no valor de 203,94€, ...-1162048 de 17/02/2012 no valor de 25,21€. ...-1162019 de 14/02/2012 no valor de 64,96€, ...-1160454 de 31/01/2012 no valor de 2.334,64€, ...-1160318 de 18/01/2012 no valor de 779,04€. ...-1160292 de 16/01/2012 no valor de 779,04€, ...-1158835 de 31/12/2011 no valor de 1.083,71€, ...-1157352 de 30/11/2011 no valor de 422,16€, ...-1157239 de 18/11/2011 no valor de 1.390,08€, ...-1157131 de 07/11/2011 no valor de 779,52€, ...-1155896 de 31/10/2011 no valor de 488,77€, ...-1155847 de 31/10/2011 no valor de 32,48€, ...-1155844 de 27/10/2011 no valor de 1.640,24€, ...-1155548 de 10/10/2011 no valor de 779,52€, ...-1152799 de 31/08/2011 no valor de 50,37€, ...-1152678 de 17/08/2011 no valor de 2.993,28€, ...-1152614 de 06/08/2011 no valor de 155,00€, ...-1152613 de 06/08/2011 no valor de 2.656,80€, ...-1152612 de 06/08/2011 no valor de 2.880,40€, ...-1152563 de 01/08/2011 no valor de 2.993,28€, ...-1152257 de 31/07/2011 no valor de 829,89€ e ...-1151353 de 22/07/2011 no valor de 12.488,76€. [cf. fls. 56 a 68 e 69 a 195 do PA junto aos autos]
v) Tal nota de crédito foi emitida devido a erro interno da Requerente, consubstanciado na emissão duplicada de faturas, não tendo sequer sido enviada ao cliente, tal como não haviam sido enviadas as respetivas faturas por ela anuladas. [cf. fls. 196 e 196verso do PA junto aos autos]
x) No período de tributação 2011/07, no âmbito do qual estão compreendidas as faturas ...-1152257 de 31/07/2011 no valor de 829,89€ e ...-1151353 de 22/07/2011 no valor de 12.488,76€, o valor total da faturação emitida pela Requerente e o valor declarado como base tributável no campo 3 da respetiva declaração periódica é coincidente [cfr. documento n.º 5 anexo à P. I.]
w) A Requerente emitiu a nota de crédito ...-214707, datada de 26.03.2012, no valor total de € 492,17, incluindo IVA no valor de € 92,03, à C..., S. A., para anulação parcial da fatura ...-1162168, de 29/02/2012, no valor de € 8.295,29. [cf. fls. 19a 199 e 200 a 214 do PA junto aos autos]
y) Entre os dias 24 e 26 de agosto de 2016, houve uma troca de mensagens de correio eletrónico entre elementos da Requerente e da C..., S. A., no âmbito da qual foi confirmado quer o envio pela Requerente, quer a receção e registo contabilístico pela C..., S. A. da nota de crédito ...-214707. [cf. fls. 215 e 215verso do PA junto aos autos]
z) A Requerente emitiu a nota de crédito ...-214814, datada de 18.06.2012, no valor total de € 3.790,34, incluindo IVA no valor de € 708,76, à D..., Lda., para anulação parcial das seguintes faturas: ...-1166736 de 01/05/2012 no valor de 863,22€, ...-1165069 de 01/04/2012 no valor de 831,24€, ...-1163380 de 29/02/2012 no valor de 828,78€, ...-1161901 de 31/01/2012 no valor de 828,78€, ...-1160046 de 31/12/2011 no valor de 857,82€, ...-1158577 de 30/11/2011 no valor de 997,41€ e ...-1155816 de 31/10/2011 no valor de 683,45€. [cf. fls. 216 e 217 a 232 do PA junto aos autos]
aa) A anulação parcial dessas faturas e, portanto, a emissão de tal nota de crédito ficou a dever-se a erro interno da Requerente. [facto aceite por acordo]
bb) A empresa D..., Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 29.04.2013 e transitada em julgado em 27.05.2013, no âmbito do processo n.º .../13...TBALQ que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (Vila Franca de Xira, Instância Central, Secção de Comércio) e que foi instaurado em 13.03.2013. [cf. fls. 233 a 242 do PA junto aos autos]
cc) Em 24 de janeiro de 2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]
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§2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultou provado que a empresa D..., Lda. tenha recebido e registado contabilisticamente a nota de crédito ...-214814, datada de 18.06.2012, no valor total de € 3.790,34, incluindo IVA no valor de € 708,76.
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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos e no respetivo processo administrativo juntos aos autos.
No respeitante à factualidade não provada, a mesma foi assim considerada em virtude da inexistência de quaisquer elementos probatórios suscetíveis de a comprovarem.
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III.2. DE DIREITO
A Requerente impugna, parcialmente, os atos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios n.ºs 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016... e 2016..., referentes ao ano de 2012, decorrentes das correções efetuadas pela AT às regularizações de IVA atinentes aos períodos de tributação 201203, 201206, 201209 e 201212.
Concretamente – como decorre do vertido no pedido de pronúncia arbitral –, são visadas as correções atinentes à desconsideração pela AT das notas de crédito ...-214969 (quanto às faturas não compreendidas no “Quadro de fls. 9 da informação que está a suportar o deferimento parcial da reclamação”, designadamente as referentes ao período de tributação 201107), integrada no período de tributação 201212, ...214707, integrada no período de tributação 201203 e ...-214814, integrada no período de tributação 201206, a que aludem os factos provados u) a bb).
A Requerente assenta juridicamente o seu dissenso relativamente às aludidas correções efetuadas pela AT no argumento segundo o qual “não tem aqui aplicabilidade, relativamente a boa parte das regularizações empreendidas e agora controvertidas, os n.ºs 4, 5 e 13 do art. 78.º do CIVA, pelo que, é inexigível o cumprimento do formalismo ali imposto tendente à legitimação da regularização”; a Requerente alega ainda, quanto ao período de tributação de 201212, que existe “errónea quantificação do IVA adequadamente regularizado a [seu] favor (…) e identificado no Quadro de fls. 9 da informação que está a suportar o deferimento parcial da reclamação (…)”.
Dito isto. A apreciação do caso concreto reclama, desde logo, que convoquemos o artigo 78.º do Código do IVA que, na redação vigente à época dos factos e na parte que aqui importa considerar, estatui o seguinte:
Artigo 78.º
Regularizações
1 – As disposições dos artigos 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a factura ou documento equivalente, o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo.
2 – Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.
3 – Nos casos de facturas inexatas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos.
4 – O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada.
5 – Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.
(…)
13 – Quando o valor tributável for objecto de redução, o montante deste deve ser repartido entre contraprestação e imposto, aquando da emissão do respectivo documento, se se pretender igualmente a rectificação do imposto.
(…)
Tendo por objeto esta norma do Código do IVA, a AT emitiu as seguintes instruções administrativas que aqui importa citar:
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O Ofício-Circulado n.º 33129/1993, de 2 de abril, da DSCA, tendo por assunto “IVA – Regularizações – N.ºs 2 e 5 do art. 71.º do CIVA” (norma posteriormente renumerada, passando a ser o artigo 78.º), adota o seguinte entendimento:
“1. O n.º 2 do art.º 71º do CIVA contempla os casos em que a base tributável é reduzida, depois de ter sido efectuado o registo das transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas pelo sujeito passivo. O fornecedor ou prestador poderá rectificar o imposto anteriormente liquidado a mais, até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinaram a rectificação.
2. As regularizações consignadas no n.° 2 do art.º 71.º do CIVA são uma faculdade concedida ao sujeito passivo e não uma obrigatoriedade. No entanto, sempre que o sujeito passivo opte por tais regularizações, deverá atender ao disposto no n.º 5 do mesmo artigo.
3. De acordo com o n.º 5 do art.º 71.º, a regularização do imposto a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que a respectiva dedução será considerada indevida.
4. Para efeitos do n.º 5 do art.º 71.º são considerados idóneos, satisfazendo os condicionalismos aí enunciados, os seguintes documentos emitidos pelo cliente e na posse do fornecedor do bem ou prestador do serviço:
a) Qualquer um dos meios de comunicação escrita - carta, ofício, telex, telefax, telegrama - com referência expressa ao conhecimento da rectificação do IVA.
b) Nota de devolução ou nota de recebimento do cheque, com menção à regularização do IVA.
c) Fotocópia da nota de crédito, após assinatura e carimbo do adquirente, constituindo documento por ele enviado após tomada de conhecimento da regularização do imposto a efectuar.
5. Sem que o sujeito passivo tenha na sua posse confirmação escrita efectuada pelos seus clientes de que receberam comunicação evidenciando o montante do IVA rectificado, ou de que foram reembolsados do respectivo imposto, consideram-se não cumpridas as disposições estabelecidas no n.° 5 do art.° 71.° do CIVA, tornando-se indevida a respectiva regularização de imposto.”
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O Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de novembro, da DSIVA, tendo por assunto “IVA – Regularizações nos termos do artigo 71.º do CIVA” (norma posteriormente renumerada, passando a ser o artigo 78.º), contém, entre outras, a seguinte orientação/instrução administrativa:
“9.1 Regularizações previstas nos n.ºs 2 e 4 do artº 71.º
Abrange situações em que a redução ou anulação da base tributável origina correcções no imposto, cuja regularização não é obrigatória. Se, porém, o sujeito passivo fornecedor optar pela regularização a seu favor, nos termos do n.º 2, deverá fazê-lo até ao final do período seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que deram origem à regularização, desde que, conforme exige o n.º 5 do mesmo artº 71.º, tenha na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento dessa rectificação ou de que foi reembolsado do imposto.
Neste caso, tal como prevê o n.º 4 do mesmo artigo, o adquirente deve proceder à regularização desse imposto, a favor do Estado, até ao final do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo emitido pelo fornecedor.
Os valores a corrigir, nestas condições, devem constar nos campos 40 e 41, consoante os casos, da declaração periódica do período de imposto em que a regularização é efectuada.
Caso não seja efectuada no prazo previsto e nas situações que originam imposto a favor do Estado, a regularização deverá ter lugar em declaração periódica de substituição do período em que, nos termos do n.º 4 do artigo 71.º, deveria ter sido feita.”
Em face do artigo 78.º do Código do IVA, podemos agrupar as situações em que existe a faculdade (e, eventualmente, a obrigatoriedade) de regularização do IVA liquidado e deduzido, da seguinte forma (tal como sistematizadas por Alexandra Martins e Pedro Moreira, “Regularizações de IVA - A Alteração Superveniente dos Elementos da Operação, o Erro Material ou de Cálculo e o Erro de Enquadramento ou de Direito”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 61-62):
“i) A alteração superveniente das condições objectivas e subjectivas que presidiram à realização das operações, traduzida na anulação da operação ou na redução do seu valor tributável;
ii) A inexactidão da factura ou o erro material ou de cálculo na transcrição dos seus elementos para a contabilidade ou declarações periódicas de IVA dos sujeitos passivos;
iii) O erro de enquadramento da operação, espelhado na factura ou na contabilidade dos sujeitos passivos.”
Na situação sub judice, face à factualidade que resultou provada, dúvidas algumas existem que não estamos perante uma situação fática enquadrável quer no primeiro, quer no terceiro grupo de situações a que aludimos, tal como também não estamos diante de qualquer erro material ou de cálculo[1].
Com efeito, no caso concreto estamos perante faturas inexatas que foram, todas elas, contabilizadas pela Requerente e em virtude das quais houve imposto liquidado a mais.
Como explicita João Canelhas Duro (“Dedução de IVA, Regularizações e Revisão da Autoliquidação”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2015, Coimbra, Almedina, 2015, p. 338), em conformidade “com o n.º 3 do art. 78.º, no caso de “faturas inexatas”, já registadas contabilisticamente, a retificação é facultativa quando houver imposto liquidado a mais e pode ser efetuada no prazo de dois anos. Para que seja corrigida a autoliquidação com imposto liquidado a mais, a retificação da fatura é obrigatória, de forma a que também o adquirente proceda à regularização do imposto deduzido (em excesso) com base nessa fatura.
O procedimento de regularização de faturas visa, não só permitir ao sujeito passivo “reaver” o IVA que entregou indevidamente ao Estado, mas, também, em especial quando o adquirente é sujeito passivo de imposto, acautelar, em igual medida, a regularização do IVA deduzido pelo adquirente com base na fatura que titula a operação tributável (art. 78.º, n.º 4), o que depende da atempada comunicação da regularização (art. 78.º, n.º 5).”
No caso concreto, a Requerente optou por efetuar a retificação daquelas faturas, mediante a emissão das aludidas notas de crédito (cf. artigo 29.º, n.º 7, do Código do IVA), e a correspondente regularização do imposto autoliquidado a mais.
Por isso, importa atentar no disposto no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA, de acordo com o qual, quando o valor tributável de uma operação seja retificado para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da referida retificação ou de que foi reembolsado do imposto; nos termos do n.º 13 do mesmo artigo, o montante da redução deve ser repartido entre a contraprestação e o IVA.
A lei não impõe qualquer limitação quanto ao meio de prova que pode ser utilizado para o efeito, pelo que qualquer suporte documental idóneo tende a ser suficiente para o efeito, como os elencados no citado Ofício-Circulado n.º 33129/1993; a este propósito, importa ainda atentarmos no seguinte entendimento da AT plasmado na informação vinculativa prestada no processo n.º 6770, por despacho de 06.06.2014, do SDG do IVA, por delegação do Diretor Geral da AT, na qual é, além do mais, afirmado que “é possível considerar idóneas as «mensagens de correio eletrónico», desde que sejam observados os requisitos referidos no Ofício-Circulado n.º 33129/1993, nomeadamente no n.º 4, alínea a) «(…) documentos emitidos pelo cliente e na posse do fornecedor do bem ou prestador do serviço (…) com referência expressa ao conhecimento da retificação do IVA» e no n.º 5”.
À luz do exposto, analisemos agora as regularizações de IVA efetuadas pela Requerente em cada um dos períodos de tributação em causa nestes autos.
§1. Regularização de imposto referente ao período de tributação 201212
A regularização de imposto aqui em causa é a atinente à nota de crédito ...-214969, datada de 31.12.2012, no valor total de € 80.059,50, incluindo IVA no valor de € 14.970,48, emitida à B..., S. A., para anulação total das faturas elencadas no facto provado u).
Como resultou provado, essa nota de crédito foi emitida devido a erro interno da Requerente, consubstanciado na emissão duplicada de faturas, não tendo sequer sido enviada ao cliente, tal como não haviam sido enviadas as respetivas faturas por ela anuladas (cf. facto provado v)).
No âmbito da sobredita reclamação graciosa, a AT reconheceu parcialmente razão à Requerente quanto à regularização assente nesta nota de crédito, tendo excluído as faturas anuladas relativas ao período de tributação 201107, para o que aduziu o seguinte fundamento: “Embora as faturas anuladas n.ºs 1151353 e 1152257 constem entre a faturação emitida nesse período, pelos valores corretos, verifica-se que o tal da faturação emitida (€ 291.548,20, sem IVA) não corresponde ao declarado como base tributável no campo 3 da DP (€ 265.443,53), não juntando a reclamante qualquer esclarecimento sobre essa discrepância” (cf. facto provado s)). No entanto, a AT apenas aceitou a regularização de imposto decorrente dessa nota de crédito quanto às faturas anuladas que são discriminadas no “Quadro de fls. 9 da informação que está a suportar o deferimento parcial da reclamação”, no valor total de € 4.957,48 (cf. facto provado s)).
Relativamente à predita discrepância de valores mencionada pela AT quanto ao período de tributação de 201107, a Requerente veio prestar os esclarecimentos constantes do artigo 52.º do pedido de pronúncia arbitral, aí dizendo, além do mais, que “[o] ficheiro enviado inicialmente à AT enfermava de erros de quantificação. Por tal facto se penitencia a aqui Requerente, sendo que o ficheiro que foi enviado deve aqui ser considerado substituído pelo ficheiro actual que vai em anexo [documento n.º 5]. E assim sendo e partindo da leitura do acervo informativo constante do Doc. n.º 5 se constata (…) que as supostas diferenças encontradas pela AT estão todas identificadas e explicadas, sendo que as vendas de Julho 2011 correspondem (…) à DP enviada”.
Como resultou comprovado, a partir da análise do documento n.º 5 anexo ao pedido de pronúncia arbitral, no período de tributação 201107, existe coincidência entre o valor total da faturação emitida pela Requerente e o valor declarado como base tributável no campo 3 da respetiva declaração periódica (cf. facto provado x)); aliás, importa salientar que a AT não impugna aquele documento, nem questiona que os valores corretos são os agora ali indicados pela Requerente.
Assim sendo, nada mais havendo que a tal possa obstar, as indicadas faturas respeitantes ao período de tributação 201107, anuladas pela nota de crédito em apreço, devem ser consideradas para efeitos de regularização de imposto a favor da Requerente.
O mesmo se diga quanto a todas as demais faturas anuladas por essa mesma nota de crédito (para além, naturalmente, das indicadas no “Quadro de fls. 9 da informação que está a suportar o deferimento parcial da reclamação”), pois a posição da AT no sentido da respetiva exclusão não tem qualquer sustentação à face da prova cabal que foi facultada pela Requerente mediante a entrega de toda a documentação que lhe foi solicitada pela AT, designadamente no âmbito da reclamação graciosa.
Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto à correção que teve por objeto a regularização de imposto referente ao período de tributação 201212, no concernente à nota de crédito em apreço; consequentemente, fica prejudicada, por inútil, a apreciação do outro fundamento invocado pela Requerente.
§2. Regularização de imposto referente ao período de tributação 201203
A regularização de imposto aqui em causa é a referente à nota de crédito ...-214707, datada de 26.03.2012, no valor total de € 492,17, incluindo IVA no valor de € 92,03, emitida à C..., S. A., para anulação parcial da fatura ...-1162168, de 29/02/2012, no valor de € 8.295,29 (cf. facto provado w)).
Como resultou provado, entre os dias 24 e 26 de agosto de 2016, houve uma troca de mensagens de correio eletrónico entre elementos da Requerente e da C..., S. A., no âmbito da qual foi confirmado quer o envio pela Requerente, quer a receção e registo contabilístico pela C..., S. A. dessa mesma nota de crédito (cf. facto provado y)).
A AT não impugna a ocorrência daquela troca de mensagens de correio eletrónico; o que a AT alega é que “o documento apresentado não pode ser considerado como emitido pelo adquirente (que vincule a entidade adquirente), provando que este tomou conhecimento da retificação do imposto e que, quando da regularização, se encontrava na posse da entidade que efetuou a regularização do imposto a seu favor (a ora reclamante)”, pois “as declarações que obrigam as sociedades têm uma forma legal e têm de ser emanadas por titulares do direito de representação daquelas, cuja confirmação se faz, facilmente, através da certidão permanente. (…) um email entre dois funcionários sem tais direitos, não constitui prova legal de que a sociedade reconheça tal regularização.”
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que esta posição da AT enferma de um excessivo formalismo que não encontra respaldo nem na letra, nem no espírito da lei – a que acima já aludimos – e que também não tem correspondência com o que resulta das regras da experiência comum.
Com efeito, as empresas em geral (de grande, média e pequena dimensão), estão, habitualmente, organizadas em diferentes departamentos internos, com competências específicas (recursos humanos, financeiro, técnico, comercial, etc.), que são responsáveis pelo tratamento e condução diária de todos os assuntos que caibam no respetivo arco funcional; para os órgãos de cúpula, ou seja, os responsáveis pela gestão/administração da empresa ficam reservadas funções mais estruturais, de supervisão de toda a estrutura empresarial e de condução da respetiva atividade. Por isso, sempre salvo o devido respeito, não tem cabimento sequer equacionar, quanto mais exigir, que tenha de ser um gerente/administrador a certificar que a respetiva empresa recebeu uma fatura, uma nota de crédito ou qualquer outro documento contabilístico, sobretudo quando estamos perante documentos que, no dia-a-dia da maior parte das empresas, são emitidos em grande número; até pode acontecer que seja um gerente/administrador a fazê-lo, mas o normal é que tal passe pelos funcionários a quem estão confiadas tarefas na área financeira.
Assim, nada mais se tendo apurado que a tal possa obstar, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto à correção que teve por objeto a regularização de imposto referente ao período de tributação 201203, no concernente à nota de crédito em apreço.
§3. Regularização de imposto referente ao período de tributação 201206
A regularização de imposto aqui em causa é a atinente à nota de crédito ...-214814, datada de 18.06.2012, no valor total de € 3.790,34, incluindo IVA no valor de € 708,76, emitida à D..., Lda., para anulação parcial das faturas elencadas no facto provado z).
Como ficou provado, a anulação parcial daquelas faturas e, portanto, a emissão dessa nota de crédito ficou a dever-se a erro interno da Requerente (cf. facto provado aa)).
Contudo, não resultou provado que a empresa D..., Lda. tenha recebido e registado contabilisticamente a nota de crédito em apreço (cf. factos não provados), sendo que a mesma foi declarada insolvente, conforme vertido no facto provado bb).
A Requerente propugna que estamos aqui perante uma situação idêntica à da sobredita nota de crédito ...-214969, emitida à B..., S. A., pelo que também aqui não deve ser exigida a prova a que se reporta o n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA.
Porém, salvo o devido respeito, não tem a Requerente razão, por duas ordens de razão: em primeiro lugar, as faturas a que se reporta a nota de crédito em apreço foram remetidas à cliente da Requerente, o que não aconteceu quanto às faturas abrangidas por aquela outra nota de crédito; em segundo lugar, a anulação de faturas operada pela nota de crédito aqui em causa foi meramente parcial, ao passo que a outra referenciada nota de crédito procedeu à anulação total das faturas ali abrangidas.
Por isso, não está aqui a Requerente dispensada de fazer a prova a que alude o n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA; não a tendo feito, ou seja, não tendo na sua posse prova de que a D..., Lda. tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsada do imposto, consideram-se não cumpridas as disposições contidas no referido n.º 5, sendo indevida a regularização de imposto efetuada pela Requerente.
Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a este fundamento.
§4. Do reembolso da quantia paga e do pagamento de juros indemnizatórios
A Requerente comprovou o pagamento dos valores constantes dos atos tributários controvertidos (cf. facto provado n)) e peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade parcial dos mesmos, a condenação da AT ao reembolso da quantia indevidamente paga, no montante total de € 12.174,09 (€ 10.813,79 de imposto e € 1.360,30 de juros compensatórios), acrescida dos respetivos juros indemnizatórios.
Como decorre do acima exposto, efetivamente a Requerente suportou uma prestação tributária superior à legalmente devida, embora não com a extensão por si preconizada, uma vez que o pedido de pronúncia arbitral apenas procede parcialmente, concretamente quanto às correções efetuadas às regularizações de IVA atinentes aos períodos de tributação 201212 (quanto à nota de crédito ...-214969) e 201203 (quanto à nota de crédito ...-214707), no montante total de € 10.105,03, acrescido dos correspondentes juros compensatórios.
O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
Isto posto. Cumpre, então, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago e de pagamento de juros indemnizatórios.
Na sequência da ilegalidade parcial dos atos tributários controvertidos e, portanto, na medida da procedência do pedido de pronúncia arbitral, a AT deve proceder ao reembolso à Requerente do montante total correspondente aos valores de imposto e de juros compensatórios pagos ilegalmente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.
Sobre aquele montante total são devidos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados (i) quanto às correções atinentes ao período de tributação 201212, desde a data da decisão da reclamação graciosa, exceto na parte correspondente às ditas faturas integradas no período de tributação 201107, em que são calculados a partir desta decisão; e (ii) quanto às correções atinentes ao período de tributação 201203, desde a data da decisão da reclamação graciosa, sempre até ao integral reembolso.
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IV. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
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Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Anular os atos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios n.ºs 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016... e 2016..., referentes ao ano de 2012, na parte correspondente às correções efetuadas às regularizações de IVA atinentes aos períodos de tributação 201212 (quanto à sobredita nota de crédito ...-214969) e 201203 (quanto à sobredita nota de crédito ...-214707);
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente os valores de IVA e de juros compensatórios indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos legais;
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Condenar ambas as Partes no pagamento das custas do processo, na proporção do respetivo decaimento.
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VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 12.174,09 (doze mil cento e setenta e quatro euros e nove cêntimos).
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CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira nas percentagens de 6,55% e de 93,45%, respetivamente, que correspondem aos valores do decaimento de cada uma das Partes.
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Lisboa, 27 de setembro de 2018.
O Árbitro,
(Ricardo Rodrigues Pereira)
[1] Como referem Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias (“Afinal qual o prazo para deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In)segurança Jurídica”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, p. 44), “estarão abrangidos por estes conceitos de erro (tipicamente) as situações em que o sujeito passivo se engana a efectuar uma operação aritmética, nomeadamente, quando pretende apurar o imposto dedutível contido numa factura (com IVA incluído) de serviços de um fornecedor (erro de cálculo), ou, ainda que efectuando correctamente o cálculo, comete lapso na inscrição do montante do imposto a deduzir na declaração periódica (erro material).”