Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 24/2018-T
Data da decisão: 2018-09-26  IMT  
Valor do pedido: € 73.610,90
Tema: IMT - Regime Fiscal dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) - Isenção.
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DECISÃO ARBITRAL

 

            Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro Presidente), Dr. Ricardo Marques Candeias e Prof. Doutor Miguel Patrício (árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

           

I. RELATÓRIO

  

1. A..., SA, com sede em Rua ..., ..., ...-... Lisboa, número de identificação fiscal..., (Requerente) titular do fundo de investimento imobiliário B...— Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, (de ora em diante, Fundo) deu entrada, 17.01.2018, nos termos do disposto no art. 2.º, 1, a), e 10.º, do DL 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT), de pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) pedindo pela ilegalidade dos despachos de indeferimento de reclamação graciosa proferidos pela AT, no âmbito dos processos n.ºs ...2017..., ...2017..., ...2017... e ...2017... sustentada na anulabilidade dos atos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) que originaram os processos com os nºs...., ..., ... e ..., no montante total de € 73.610,090, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito, e consequente reembolso do valor pago, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal, até integral reembolso.

2. A  Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra Presidente, a Conselheira Dra. Maria Fernanda dos Santos Maçãs, o Dr. Henrique Nunes e o Dr. Ricardo Candeias como árbitros vogais, cuja nomeação foi aceite nos termos legalmente previstos.

3.As partes foram devidamente notificadas, e não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

4.Assim, em conformidade com o preceituado no 11.º, 1, c), do RJAT, na redação introduzida pelo art. 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 27 de março de 2018.

5.A fundamentar o pedido alega a Requerente, em síntese, que os despachos de indeferimento de reclamação graciosa mencionados supra respeitavam a liquidação de IMT cujo sujeito passivo foi o fundo de investimento imobiliário B...— Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional. No entanto, o mesmo foi, a 6 de abril de 2017, objeto de dissolução e liquidação. Na sequência desse ato, o património global foi transmitido para a esfera jurídica da ora Requente, tendo esta sucedido na titularidade das relações jurídicas ativas e passivas daquela entidade de investimento coletivo. Por força disso, a ora Requerente tem legitimidade para intervir nos presentes autos, porque tem um interesse direto, pessoal e legítimo na procedência do presente pedido.

Mais refere que a C...— SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, SA, enquanto entidade gestora do Fundo, e nessa qualidade, adquiriu, em 2013, um acervo de imóveis afetos a habitação, localizados na freguesia e concelho de Portimão.

Os atos jurídicos beneficiaram de isenção de IMT por estarmos perante a aquisição de prédios urbanos ou frações autónomas destinados exclusivamente a arrendamento para habitação operados por um FIIAH.

No entanto, como os referidos imóveis não foram objeto de contrato nas condições exigidas pelo art. 8.º, 14, do Regime Especial dos FIIAH, a AT decidiu pela caducidade da isenção de IMT anteriormente concedida, porquanto os mencionados imóveis foram objeto de um destino diferente do atribuído no ato de aquisição.

Consequentemente, a AT emitiu as liquidações de IMT e correspondentes juros compensatórios dos atos de aquisição dos prédios urbanos mencionados ..., ..., ... e ..., no montante total de € 73.610,090, tendo sido pagos pelo Fundo.

Não obstante, a entidade gestora, C..., deduziu reclamação graciosa contra estes atos tributários de liquidação, reclamação essa que não teve acolhimento por parte da AT, tendo sido objeto de despacho de indeferimento, decidindo pela não concessão de isenção de IMT às referidas operações.

 É este despacho que agora se pretende colocar em crise. Para o efeito, a Requerente tece vários argumentos concluindo pela ilegalidade dos atos. Esgrima que, além dos benefícios fiscais consagrados no regime especial aplicável a estes organismos de investimento coletivo, também seria de considerar outras isenções de IMT, aplicáveis a aquisições de imóveis por entidades gestoras com o objetivo de integrar os mesmos nos funcos de investimento imobiliário por si geridos.

Para o efeito, e para sustentar o seu raciocínio quanto ao primeiro ponto da sua argumentação, chama à colação o art. 8.º, 7, do CIMT (que previa a isenção deste imposto nas operações de aquisição de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente pelos fundos de investimento), o art. 8.º, 14, e 16, idem, aditado pelo art. 235.º, L 83-C/2013 (o arrendamento dentro do prazo de três anos contados do momento em que o prédio integra o património do fundo, sendo que, se o prédio for alienado ou o fundo liquidado antes do referido prazo, deveria ocorrer a liquidação do imposto), e o art. 236.º, L 83-C/2013 (o prazo de três anos teria o seu início a partir de 1 de janeiro de 2014 se o prédio tivesse sido adquirido antes dessa data).

Quanto ao segundo ponto, depois de discorrer sobre o regime jurídico-tributário dos fundos de investimento imobiliário (DL 246/85, de 12 de julho, DL 1/87, de 3 de janeiro, DL 60/2002, de 20 de março, L 16/2015, de 24 de fevereiro) e do regime do IMT (DL 287/2003, de 12 de novembro), conclui a Requerente que as isenções aplicáveis ao extinto imposto da Sisa vigoram atualmente também em sede de IMT, nomeadamente, o art. 1.º do DL 1/87, por força do disposto nos arts. 28.º, 2, e 31.º, 6, ambos do DL 287/2003, de 12 de novembro, para depois sustentar a aplicabilidade da isenção de IMT para as aquisições de imóveis por uma sociedade gestora quanto estes irão integrar o património de um fundo de investimento imobiliário. Reforça este entendimento chamando à colação a decisão arbitral 544/2016-T, para sustentar que a entrada em vigor de uma norma que introduz uma isenção fiscal (in casu, o art. 46.º, EBF) não implica, necessariamente, a revogação de uma outra norma de isenção já em vigor  (in casu, o art. 1.º, DL 1/87), quando não há uma inequívoca intenção do legislador nesse sentido, nomeadamente, quando ambas têm fins e propósitos distintos.

Chegados aqui, a Requerente opera o silogismo judiciário que sustenta, na sua perspetiva, a ilegalidade dos atos em apreço: se o art. 1.º do DL 1/87, está atualmente em vigor, pois nunca foi revogado, e se a aquisição dos imóveis, em 2013, foi efetuado por uma entidade gestora (a C...), com a intenção de os incluir na esfera do Fundo, então forçoso é concluir que, não obstante vigorar a isenção do art. 8.º, 7, a), regime especial dos FIIAH, também será de aplicar a isenção prevista no art. 1.º, DL 1/87, pois as isenções são estruturalmente distintas e isentam situações de facto também elas distintas (a primeira, apenas para contratos e arrendamento habitacionais; a segunda quaisquer operações de aquisição de bens imóveis para integrar em fundos de investimento imobiliário no geral).

A Requerente pede, ainda, o reembolso do valor que entregou para efeito de pagamento das liquidações já identificadas (€ 73.610,90) e respetivos juros indemnizatórios nos termos dos arts. 43.º e 100.º, ambos da LGT.

6.Devidamente notificada, veio a AT, resumidamente, impugnar o peticionado, alegando que não obstante os atos em causa terem beneficiado de isenção de IMT, nos termos do art. 8.º, 7, a), e 8, do regime jurídico dos FIIAH, por terem sido adquiridos pelo Fundo no âmbito da sua atividade, para serem destinados a arrendamento habitacional, o certo é que esse destino não se concretizou no prazo de três anos, nos termos dos arts. 235.º e 236.º da L 83-C/2013, de 31 de dezembro. Daí resultou a caducidade da isenção referida.

Para a AT, não se encontra em vigor o art. 1.º, do DL 1/87, porquanto é uma norma de isenção fiscal, logo excecional ou extraordinária, além de que, se se admitisse o contrário, o legislador estaria a beneficiar duplamente os Fundos relativamente a outros intervenientes económicos no mercado imobiliário, sem qualquer justificação. Daí concluir pela improcedência total do pedido.

7.Não tendo sido invocada matéria de exceção nem sido requerida produção de prova testemunhal, pelo que e dando seguimento processual, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e foram notificadas as partes, para querendo apresentar alegações escritas.

8.Notificada a Requerente veio a mesmo prescindir de produzir de alegações.

9.A Requerida apresentou alegações suscitando de forma inovadora que “A entender-se a violação do art. 1.º do DL 1/87, de 23 de Janeiro como fundamento das liquidações de IMT emitidas em 10.03.2017, 24.03.2017 e 03.04.2017, não poderá deixar de atender-se ao prazo previsto no art. 10.º, al. a) do RJAT (…) de 90 dias, contados a partir dos factos previstos no art. 102.º do CPPT, para efeitos de caducidade do presente pedido arbitral, apresentado em 17.01.2018”(ponto 7 das contra-alegações).

9.1. “É que o vício que agora a Autora imputa às liquidações de IMT-violação do art. 1.º do DL 1/87, de 3 de janeiro – nunca foi invocado em sede de reclamação graciosa nem a administração teve ocasião de se pronunciar sobre o mesmo” (ponto 8 das contra-alegações).

10.Devidamente notificada, a Requerente exerceu contraditório sobre a matéria pugnado pela sua improcedência. 

11. Na sequência de alegação de impedimento por parte do árbitro vogal o Dr. Henrique Nunes e da sua substituição pelo árbitro vogal o Prof. Doutor Miguel Patrício foi emitido despacho, com o seguinte teor:

“Proc n.º 24/2018-T

Nos termos do previsto no n.º 3 do art. 9.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: “No caso de se verificar a substituição de árbitro, o tribunal arbitral decide se algum acto processual deve ser repetido em face da nova composição do tribunal, tendo em conta o estado do processo”.

Cumpre, nestes termos, na sequência da substituição de árbitro verificada na presente acção, apurar se se justifica que haja lugar a repetição de actos processuais praticados.

Nos presentes autos apenas houve lugar ao oferecimento de articulados.

Representando, estes, actos processuais para cuja produção, eficácia e interpretação, não se revela imprescindível a manutenção em juízo dos árbitros que se encontravam em exercício de funções no processo quando tais actos foram praticados, não se justifica que se repitam quaisquer actos processuais, prosseguindo a instância os seus demais e regulares termos.

Do presente despacho, notifiquem-se ambas as partes.

Lisboa, 23 de Julho de 2018.

                                                   O Árbitro presidente, com a anuência dos co-árbitros

                                                                          Fernanda Maçãs”

 

 

II. SANEAMENTO

 

12.O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente nos termos dos arts. 2.º, 1, a), e 30.º, 1, ambos do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, 2, idem, e 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Quanto à exceção de caducidade [intempestividade do pedido, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea k) do CPTA], invocada pela Requerida nas contra-alegações, a mesma não merece acolhimento, porquanto constitui jurisprudência firme e reiterada do STA que os poderes de cognição dos tribunais não se encontram delimitados pelos poderes de cognição da Administração Tributária na fase administrativa.

Nesta matéria, ficou consignado designadamente no Acórdão do Pleno do STA de 3 de junho de 2015, processo n.º 0793/14, que “Na impugnação subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essa ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso”.  

Termos em que improcede a alegada exceção.

O processo não enferma de quaisquer nulidades que obstem ao conhecimento do pedido.

Cumpre decidir.

 

III. DO MÉRITO

 

 

III.1. Factos Provados

 

A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte:

  1. a “B...— Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional”,  é um fundo de investimento imobiliário fechado para arrendamento habitacional (o FUNDO), regulado pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela L 16/2015, de 24 de fevereiro.
  2. Por intermédio da sua entidade gestora, a C...— SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, SA, o FUNDO adquiriu, em 23 de dezembro de 2013, por escritura pública de compra e venda e renúncia de hipotecas, um acervo de imóveis destinados a habitação, localizados na freguesia e concelho de ..., melhor identificados conforme documento 7, e cujo teor de dá aqui por integralmente reproduzido.
  3. O FUNDO beneficiou, na altura, da isenção de IMT aquando da aquisição dos imóveis referidos em B), ao abrigo do art. 8.º, 7, a), e 8, do Regime Especial dos FIIAH, aprovado pelo art. 102.º, da L 64-A/2008, de 31 de dezembro, com a redação que lhe foi dada pelo art. 235.º da L 82-B/2014, de 21 de dezembro.
  4. A AT liquidou o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) nºs...., ..., ... e ..., respetivamente, nos valores de € 37.702,37, € 13.478,49, € 11.242,79 e 11.187,90, de 10.03.2017, 24.03.2017, idem, e 03.04.2017, o que perfez um total de € 73.610,90 por força da caducidade da isenção de IMT uma vez que os imóveis do FUNDO foram alienados e não objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente.
  5. O FUNDO pagou as referidas notas de liquidação, no total de € 73.610,90.
  6. A 6 de abril de 2017 foi outorgada escritura de dissolução e liquidação da B... — Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, tendo o seu património global sido transmitido a favor da A...—, SA.
  7. Em 10 de julho de 2017, em nome do FUNDO, a C... — SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, SA, deduziu reclamação graciosa contra os referidos atos de liquidação de IMT.
  8. A AT, a 20 de outubro de 2017, decidiu pelo indeferimento das referidas reclamações.

 

III.2. Factos Não Provados

 

 Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

III.3. Fundamentação da Matéria de Facto Provada e Não Provada

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade referida considerando a posição assumida pelas partes, bem como os documentos juntos à petição e os constantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária com a sua resposta.

 

III.4. Do Direito

 

No caso aqui em análise, são duas as questões de direito controvertidas: i) saber se, como defende a Requerente, os despachos de indeferimento de reclamação graciosa sub judice e, bem assim, os atos de liquidação de IMT subjacentes aos mesmos são ilegais – por se entender que a “isenção de Sisa prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro [...] mantém-se necessariamente em vigor”; e ii) saber se são devidos juros indemnizatórios à Requerente.

 

Vejamos, então.

 

i) A ora Requerente alega que “os actos tributários de liquidação de imposto sub judice são [...] manifestamente ilegais, dado resultarem da evidente interpretação e aplicação erróneas do Direito aplicável, devendo os mesmos ser prontamente anulados.”

 

Fundamenta a sua pretensão, em síntese, no entendimento de que “as isenções aplicáveis ao extinto imposto de Sisa continuam a vigorar em sede de IMT” – e que, por isso, a caducidade da isenção de IMT concedida ao abrigo do Regime Especial dos FIIAH “não afasta a possibilidade de aplicação [...] de outras isenções de IMT, como a isenção aplicável à generalidade das aquisições de bens imóveis por sociedades gestoras com o objectivo de integrar os mesmos nos fundos de investimento imobiliário por si geridos.”

 

Verifica-se, contudo, que não assiste razão à Requerente. Com efeito, no caso dos presentes autos, o Regime Especial dos FIIAH é aquele cuja aplicação deve prevalecer, por força do princípio “lex specialis derogat legi generali”. E, tendo ocorrido a caducidade da isenção por via da aplicação do disposto no art. 14.º, n.º 3, do EBF, nem sequer se coloca aqui a questão da retroatividade ou não da norma prevista no artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12.

 

Neste mesmo sentido, pode ver-se, por ex., a seguinte Decisão Arbitral (proferida no processo n.º 717/2015-T, a 17/6/2016): «[...] entendemos que não está em questão a retroactividade ou não da norma prevista no artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, o que seria o caso, se, a título de exemplo, o imóvel estivesse por um período de 3 anos no FIIAH sem que ainda tivesse sido afectado ao arrendamento para habitação permanente e, por esse facto, houvesse liquidação de IMT e de imposto de selo».

 

No entanto, no caso dos autos, não é disso que se trata. O imóvel em questão foi alienado sem que tenha cumprido o seu destino – afetação ao arrendamento habitacional permanente. Não se trata, portanto, de uma questão de prazo, alienado que seja, esse destino já não pode ser cumprido, pelo que não se cumpriu o requisito estabelecido inicialmente no regime especial do FIIAH para que a isenção de IMT e de imposto de selo lhe fosse aplicável.

 

Notamos que o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, tal como se encontra postulado no artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais («EBF»).

 

O facto de o Requerente ter procedido à alienação do imóvel que, ao adquirir, declarou [que] iria afetar a fim que lhe permitia [que] fosse reconhecida – como foi – a isenção de IMT e imposto do selo, sempre determinaria [...] a caducidade de tais isenções, por efeito da aplicação do disposto no artigo 12.º e no n.º 3 do artigo 14.º do EBF (antigo 12.º, n.º 3, na redação do EBF que se encontrava em vigor previamente à republicação do mesmo pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/06), segundo o qual: «Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à directa realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei.»” [Fim de citação.]

 

Também no mesmo sentido, podem-se ver, por exemplo, as Decisões Arbitrais do CAAD proferidas nos processos n.os 61/2016-T (a 13/7/2016), 93/2016-T (a 13/6/2016), 561/2016-T (a 27/3/2017) e 31/2017-T (a 21/7/2017).

 

No caso destes autos, está demonstrado (e não foi desmentido pela Requerente) que os imóveis aqui em causa não foram objeto de contrato nas condições exigidas pelo art. 8.º, n.º 14, do Regime Especial dos FIIAH – razão pela qual a AT entendeu, e bem, pela caducidade da isenção de IMT anteriormente concedida, uma vez que houve a afetação dos mesmos a finalidade diferente daquela para que foram concedidas as isenções (que era a de destinar os imóveis ao arrendamento habitacional).

 

Com efeito, sempre que ocorra uma afetação a finalidade diferente, tal determina a caducidade da isenção concedida, por violação da ratio legis da norma de isenção fiscal.

 

Neste sentido, ver, por ex., a Decisão Arbitral de 31/7/2017, proferida no proc. n.º 694/2016-T: “Atentando em especial na al. a) do n.º 7 [do art. 8.º do Regime dos FIIAH], que fala em «aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente», há que perguntar como deve o intérprete do direito entender a expressão «destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente».

 

Literalmente, a expressão significa que o adquirente do imóvel o adquire para, i.e. com a finalidade de o afetar a arrendar a habitação permanente. A ratio legis desta norma, que estabelece um benefício fiscal, é a de promover o arrendamento de habitação permanente, do que também não há dúvida. Portanto, parece óbvio que só poderá beneficiar das isenções (de IMT e IS) o Fundo (FIIAH) que adquirir um imóvel com a finalidade de o arrendar para habitação permanente. [...].

 

[...] a finalidade significa uma intenção, por parte do adquirente, de realização de uma conduta futura, a qual consiste no arrendamento para habitação permanente. Portanto, não há dúvida de que, ao requerer a isenção ao abrigo do art. 8.º do «Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional», o adquirente (o FIIAH) declara que irá afetar o imóvel ao arrendamento habitacional permanente.

 

E para que o fim extrafiscal da norma se cumpra – promoção do arrendamento de habitação permanente – é necessário que essa finalidade se concretize, quanto mais não seja através de uma ação do adquirente que consista na disponibilização do imóvel para arrendamento para habitação permanente.

 

[...]. Se o adquirente não disponibilizar o imóvel para arrendamento para habitação permanente, o adquirente age em contrário da finalidade que declarou no momento em que requereu a isenção.” [Fim de citação.]

 

Concluindo, verifica-se que, mesmo considerando-se em vigor o art. 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3/1 (a este respeito, vd. abundante jurisprudência do CAAD, como, por ex., as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.os 544/2016-T e 440/2017-T), havendo legislação especial aplicável ao presente caso é esta que se aplica, pelo que a Requerente não poderá, consequentemente, beneficiar da isenção concedida ao abrigo daquela lei geral – não apenas por causa do (já mencionado) princípio “lex specialis derogat legi generali”, mas também porque, a ser como defende a ora Requerente, tal desvirtuaria a ratio legis da norma especial (como também já foi referido) e conduziria a resultados incongruentes do ponto de vista sistemático pois, como assinala a Requerida, a “entender-se que o art. 1.º do DL 1/87, de 3 de Janeiro [se deve aplicar em vez da legislação especial relativa aos FIIAH, então] os fundos de investimento imobiliário seriam duplamente beneficiados, em clara posição de vantagem e de desigualdade face aos restantes actores do mercado imobiliário – quer na aquisição de imóveis, quer ainda na alienação de imóveis a terceiros.”

 

Acresce assim que o argumento da Requerente em pretender transpor para o caso em apreço a jurisprudência seguida na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º  544/2016-T, não tem qualquer fundamento.

 

Nestes termos, conclui-se que nada há a apontar aos despachos de indeferimento impugnados, e que as liquidações de IMT ora em causa se devem manter integralmente na ordem jurídica.

 

ii) Nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” – o que deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

            Assim sendo, cumpre verificar, no caso em análise, se há lugar ao pagamento dos peticionados juros indemnizatórios. Segundo o disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

            É, pois, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, ver, por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30/5/2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10/4/2013, proc. 1215/12).

           

Não tendo havido – como decorre do que se disse em III.4.i) – erro imputável aos serviços, é improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

 

***

 

            IV. DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

           

  1. Julgar improcedente a exceção de caducidade/intempestividade deduzida pela Requerida; 
  2. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se integralmente na ordem jurídica os atos de liquidação ora impugnados, e absolvendo-se, em conformidade, a Entidade Requerida do pedido;
  3. Julgar improcedente o pedido também na parte respeitante ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em €73.610,90 (setenta e três mil seiscentos e dez euros e noventa cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do RCPAT.

 

VI. CUSTAS

 

Custas a cargo da Requerente, no montante de €2448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique.

Lisboa, 26 de setembro de 2018.

 

A Árbitro Presidente

 

(Fernanda Maçãs)

 

O Árbitro Vogal

 

                       (Ricardo Marques Candeias)

 

O Árbitro Vogal

 

(Miguel Patrício)