Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 13/2018-T
Data da decisão: 2018-09-18  IRC  
Valor do pedido: € 949.985,36
Tema: RC – Tributações Autónomas; Dedução de Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), Pagamento Especial por Conta (PEC) e Crédito de Imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional (CDTJI).
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Fernando Borges de Araújo e Raquel Franco, designados no Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 09 de Janeiro de 2018, A..., SGPS, S.A., NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... Porto, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, visando a declaração de ilegalidade do acto autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, relativo ao exercício de 2015, na medida correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma de incentivos fiscais em IRC, designadamente os benefícios fiscais apurados no âmbito do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), bem como do Pagamento Especial por Conta (PEC) e do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, no total de € 949.985,36, e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve aquele por objecto. 

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que o crédito de imposto por dupla tributação internacional, os Pagamentos Especiais por Conta e os benefícios fiscais do CFEI podem ser deduzidos à colecta de tributações autónomas porque: (i) a colecta das tributações autónomas é considerada como colecta do IRC, sendo aquelas parte integrante deste imposto; (ii) podem ser deduzidos à colecta de IRC apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC; (iii) as regras de liquidação previstas no artigo 90.º do CIRC são aplicáveis às tributações autónomas e (iv) o entendimento da Requerente vai na linha de alguma da jurisprudência do CAAD que já se pronunciou sobre esse tema.

 

 

  1. No dia 10-01-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 28-02-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 20-03-2018.

 

  1. No dia 30-04-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. Atendendo a que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações pelas partes.

 

  1. Foi também fixado o prazo de 60 dias para a prolação de decisão final, prazo esse que foi prorrogado até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente entregou a declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2015, tendo sido apurado um montante final de tributações autónomas de IRC de €904.353,50.
  2. No exercício de 2015, a Requerente realizou dois Pagamentos Especiais por Conta (PEC), de igual montante: o primeiro em 30-03-3015 e o segundo em 30-10-2015. 
  3. Os referidos PEC não foram deduzidos à colecta das tributações autónomas.
  4. Não foi deduzido à colecta das tributações autónomas o montante de €76.727,94, relativo ao Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), transitado do exercício de 2013, relativo às sociedades dominadas: B..., S.A., C..., S.A., D..., S.A. e E..., S.A.
  5. Não foi, ainda, deduzido à colecta das tributações autónomas, o saldo correspondente ao crédito de imposto por dupla tributação internacional, no valor de €1.674.893,88.
  6. A liquidação de IRC aqui em causa determinou o pagamento por autoliquidação pela Requerente do montante de €904.343,50, referente a tributações autónomas, pagamento esse que a Requerente efectuou.
  7. Em 04-08-2017, a Requerente apresentou reclamação do referido acto tributário de autoliquidação relativo ao exercício de 2015.
  8. Em 19-09-2017, através do ofício n.º..., a Requerente foi notificada do projecto de decisão da reclamação graciosa no qual a AT propunha o indeferimento da referida reclamação.
  9. Na sequência de apresentação do referido pedido de reclamação graciosa, a Requerente foi notificada do seu indeferimento em 10-10-2017.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º,  n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

B. DO DIREITO

 

            A questão principal a decidir nos presentes autos, sendo, sem dúvida, de alguma complexidade na sua resolução, é, todavia, simples na sua formulação, e prende-se com saber se é ou não possível a dedução à parte da colecta de IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma de benefícios fiscais, em sede de IRC, disponíveis, bem como dos montantes pagos a título de Pagamento Especial por Conta e de créditos de imposto por dupla tributação jurídica internacional.

            Convoca a Requerente em seu abono, assentando, no essencial, a sua argumentação no quanto ali se expende, decisões proferidas em processos arbitrais do CAAD, podendo citar-se no sentido da posição da Requerente, as decisões dos processos n.º 769/2014-T, 369/2015-T e 503/2016-T e em sentido oposto as proferidas nos processos n.º 209/2013-T e 166/2014-T.

A problemática subjacente às tributações autónomas, tem sido, nesta como noutras matérias, objecto de acirrado contencioso entre os contribuintes e a Autoridade Tributária, situação a que não será, de todo, estranha, a natureza própria, anti-sistémica até, de que aquelas se revestem, no quadro dos impostos sobre o rendimento, onde germinaram.

            Efectivamente, a discussão que deflagrou com as novas taxas de tributação autónoma introduzidas pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, e incidiu inicialmente sobre a natureza do facto tributário subjacente àquele tipo de tributação, abriu um percurso exploratório profundo sobre a natureza das tributações autónomas e da sua relação com os impostos sobre o rendimento, em especial o IRC, que passou pelas problemáticas da dedutibilidade do valor das tributações autónomas à colecta de IRC, e pela natureza, presuntiva, ou não, das tributações autónomas sobre despesas dedutíveis, sem que até à data tenha havido uma intervenção legislativa definitiva, doutrinalmente sustentada e coerente, no sentido de clarificar o devido enquadramento das tributações em causa no edifício do imposto sobre rendimento de onde emergem, sucedendo-se, antes, intervenções legislativas desconexas e conjunturais, que em nada contribuem, pelo contrário, para a clarificação da natureza e função de tais tributações.

            Neste quadro, decisões jurisprudenciais casuísticas, sucedem-se a intervenções legislativas igualmente casuísticas, gerando um quadro de incerteza e instabilidade onde, contribuintes e Autoridade Tributária não têm outra via de procurar o Direito aplicável, que não a litigiosidade perpetuada, resvalando para o intérprete judicativo a ingrata tarefa de, no emaranhado normativo gerado, servir a Justiça possível.

Vejamos, então.

 

*

Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que abrangerão, pelo menos, três tipos distintos, a saber:

  • Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: artigo 72.º do actual CIRS, e, crê-se, a prevista no actual n.º 11 do artigo 88.º do CIRC);
  • Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex.: n.º 7 do artigo 88.º do actual CIRC);
  • Tributação autónoma de outros encargos independentemente da respectiva dedutibilidade (ex.: números 1 e 2 do artigo 88.º do actual CIRC).

Sob um ponto de vista da funcionalidade/finalidade/fundamento das tributações autónomas sobre gastos (excluindo, portanto a tributação autónoma de rendimentos), têm, também sido surpreendidos vários tipos, como sejam:

  • o desincentivar de determinados comportamentos do contribuinte tendentes a estar associados a situações de fraude ou evasão fiscal, como acontece, por exemplo, com as tributações autónomas incidentes sobre despesas não documentadas, ou pagamentos a entidades sujeitas a regimes fiscais privilegiados;
  • o combate à erosão da base tributável, como acontece, em geral, com as tributações autónomas incidentes sobre despesas dedutíveis;
  • o desincentivar de determinados gastos de causação presumidamente não empresarial, como acontece com as tributações autónomas incidentes sobre gastos com viaturas, ajudas de custo, ou despesas de representação;
  • a tributação de distribuição encapotada de rendimentos a terceiros, não tributados na esfera destes (fringe benenfits), como acontece com as tributações autónomas incidentes sobre gastos com viaturas, ajudas de custo, ou despesas de representação;
  • a penalização pela realização de determinadas despesas, que não afectam a base tributável, nem tem subjacente qualquer distribuição não tributada de rendimentos a terceiros, ou potencial fraudulento ou evasivo, mas que o legislador, porventura, terá considerado luxuosas ou sumptuárias, como acontece com as tributações autónomas sobre determinados pagamentos a gestores, administradores ou gerentes (actual artigo 88.º/13 do CIRC), bem como a tributação autónoma sobre encargos com viaturas na medida em que exceda a taxa normal IRC.

Estes dados tornam-se importantes porque por si mesmos evidenciam a disparidade e heterogeneidade das situações sujeitas a tributações autónomas, e a inutilidade de, em sede jurisprudencial, sintetizar e procurar uma natureza jurídica própria e unitária, comum a todas as situações.

Deste modo, dever-se-á centrar a discussão na concreta questão colocada pela Requerente e procurar uma resposta, devidamente fundada, para os termos restritos daquilo que está em causa nos autos, que será então saber se é, ou não, possível a dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, de benefícios fiscais, em sede de IRC, disponíveis, bem como dos montantes pagos a título de Pagamento Especial por Conta e dos créditos de imposto por dupla tributação jurídica internacional.  

Devidamente equacionada, nestes termos, a questão a solucionar nos autos, cumprirá ainda ter presente que o referente fundamental da resposta a dar àquela, será o formulado no artigo 9.º do Código Civil, segundo o qual deverá ser reconstituído, a partir dos textos, o pensamento legislativo, que tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Neste quadro, o desiderato da presente decisão será, não o de teorizar sobre a natureza jurídica das tributações autónomas em geral, ou de qualquer dos seus vários tipos, mas antes o de apurar se o pensamento legislativo, com um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, era ou não, à data do facto tributário em questão nos autos, no sentido de ser possível  utilizar a dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, de incentivos fiscais, em sede de IRC, disponíveis, bem como dos montantes pagos a título de Pagamento Especial por Conta e dos créditos por dupla tributação jurídica internacional.

Inútil será, julga-se, procurar uma base conceptualista, assente numa definição dogmática de conceitos monolíticos de IRC e de Tributações Autónomas, retirados de normação estranha à matéria decidenda, professando um “ontologismo escolástico” que procure “deduzir de forma puramente lógica, a partir de conceitos abstractos superiores, outros, cada vez mais concretos e plenos de conteúdo[1], metodologicamente ultrapassado.

Almejar-se-á, deste modo, apenas averiguar qual a solução que, face ao direito constituído, devidamente interpretado, se afigura caber ao caso concreto, não se tomando a resposta dada à questão decidenda como uma evidência acabada, exacta e com um grau extremo de rigor e exactidão, mas, meramente, como aquela que, reflexivamente, se apresentou aos seus subscritores como a, juridicamente, melhor[2].

*

            A base da pretensão da Requerente é literalmente simples e linear e resulta da constatação de que, sendo as tributações autónomas IRC e fazendo-se a sua liquidação nos termos do artigo 90.º, n.º 1 do CIRC, a tal liquidação aplicar-se-ão as deduções previstas no seu n.º 2.

            Efectivamente é o seguinte, o teor dos normativos em causa:

“1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.”.

Sob um ponto de vista semântico-literal, aceite o pressuposto – que ora se aceita – de que a liquidação das tributações autónomas se faz nos termos do n.º 1 do artigo 90.º transcrito, nenhum outro sentido é possível retirar da letra da lei, que não a apresentada pela Requerente, e por toda a jurisprudência arbitral em que se abona.

Sucede que a leitura jurídica, por impositivo legal (e também lógico-racional) não se cinge, nem deve cingir, ao texto das normas enquanto realidade semântico-gramatical, devendo antes colocar-se num plano axiológico-racional, ancorado em todos os elementos da interpretação jurídica.

            Daí que, em ordem a obter aquilo que seja a leitura correcta do texto, seja necessário realizar determinados testes a nível do edifício sistemático onde a norma interpretanda se enquadra, de modo a validar, face ao mesmo, e à luz dos critérios de racionalidade, congruência e razoabilidade que necessariamente norteiam aquela estrutura normativa, a interpretação literalmente sugerida.

            Assim, e desde logo, a montante, não se pode descurar, como bem aponta a entidade Requerida, que “não há uma liquidação única de IRC, mas antes dois apuramentos; Isto é, dois cálculos distintos que, embora, processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias”. Tal significa que dos artigos 89.º e 90.º, n.º 1 do CIRC, converge a liquidação de duas formas de imposição relativas ao mesmo imposto, mas radicalmente distintas, a saber, o IRC tradicional, ou stricto sensu, e as tributações autónomas.

            A natureza das tributações autónomas tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e jurisprudência recentes.

Uma corrente tem olhado para as mesmas como um imposto sobre a despesa, que tributaria determinados tipos de gastos, de uma forma totalmente desligada do rendimento, em termos de haver mesmo quem sustente que as mesmas constituem um tributo próprio, que apenas casualmente estaria integrado nos códigos do IRS e IRC.

            Não obstante, tem obtido acolhimento recorrente na jurisprudência do CAAD[3], o entendimento de que as tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, integram o regime dos impostos regulados pelos códigos onde se integram, visando, ainda que de uma forma enrevesada, o rendimento tributado por aqueles.

Com efeito, e como se teve oportunidade de escrever noutra sede[4], “a complexidade gerada pelas sucessivas alterações na arquitetura do CIRC conduziram (...) a um edifício normativo atípico, no qual se poderá discernir um core correspondente ao que se poderá chamar IRC tout court (ou em sentido estrito), que a Requerente pretende que esgote tudo o que seja designado por IRC, e uma periferia que integra regulamentações “marginais”, subtraídas, em grande parte, à lógica, natureza e princípios do IRC tout court, mas que, não obstante, ainda se situam no “campo gravitacional” daquele.

E é no processo de concretização desta zona de difícil definição que todas as decisões analisadas (...) operam, não podendo as mesmas ser devidamente compreendidas sem que se compreenda também que, de facto, o que todas as decisões em questão estão a fazer é apurar quais as consequências que a “gravitação” em torno do core do IRC aportam para as matérias em cada uma delas abordadas.”.

Nesse sentido, “dentro do quadro hermenêutico acima desenhado, (...) por força da evolução histórica do respetivo regime legal, se constituiu um tipo de IRC que integra um núcleo duro (...) e um grupo de normações adjacente, que comunga de parte da lógica e do regime daquele, mas que em muitos aspectos diverge dos mesmos.”. E, mais adiante, “da consideração do texto legislativo, estaticamente e na sua evolução histórica, resulta que o legislador entendia, e continua a entender, que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu, pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário”.

Isto porque “o regime legal das tributações autónomas em questão nos autos apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas do seu principal referente de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é devidamente compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.”.

Daí que não “se entenda que “a definição de IRC constante dos artigos 1.º e 3.º do CIRC” esteja “realmente ultrapassada por uma nova definição de aplicação transversal/geral”, sendo essa uma postura epistemológica própria de um conceptualismo que, liminarmente, se repudiou.

Pelo contrário: trata-se do reconhecimento daquilo que, face ao quadro legal vigente, se impõe como o mais razoável: o abandono definitivo de qualquer definição de aplicação transversal/geral de IRC, e o reconhecimento do regime deste como uma realidade complexa e multifacetada, irredutível a uma definição daquela índole, que apenas um conceptualismo fundamentalisticamente abstracionista poderá pressupor.”.

            Por isso, “Tudo aquilo que se tem vindo a dizer evidencia que a evolução do regime legal do IRC transmutou-o numa realidade complexa e multifacetada, aos mais diversos níveis, que se reflete, na matéria que nos ocupa nestes autos, na tal “natureza dual” de que falava o Prof. Saldanha Sanches na passagem citada no Acórdão 617/2012 do TC.

O reconhecimento desta dualidade de natureza não prejudica, contudo, como se entende estar subjacente quer à citação em causa quer à jurisprudência que a cita, que se considere que o sistema, apesar de dual, seja o mesmo[5]. Dito de outro modo, apenas faz sentido falar-se de um sistema dual, se o sistema em questão, globalmente considerado, for, ainda, o mesmo. Caso contrário falar-se-ia não de um sistema de natureza dual, mas de dois sistemas distintos, o que, por tudo o que se vem dizendo, não será o que ocorre. E, in casu, o sistema será o regime do IRC, que operando ora pelo lucro, ora pelos gastos, visa e prossegue as finalidades próprias daquele imposto, incluindo, evidentemente, a arrecadação de receita para o Estado.”.

            Por fim, “Em jeito de conclusão, face a tudo o que se vem de expor, e em favor de um rigor conceptual, dir-se-á ainda que se pende para o entendimento de que as tributações autónomas, tal como existem actualmente, se poderão configurar como um imposto “híbrido”[6], incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação”.

            O quanto vem de se dizer, ecoa, de alguma forma, na jurisprudência que vem sendo produzida pelo Tribunal Constitucional (TC), como acontece com o Acórdão 197/2016, de 13-04-2016[7].

            Com efeito, reconhecendo o TC que a matéria das tributações autónomas é “regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento”, confirma o mesmo Tribunal que a mesma “é materialmente distinta da tributação em IRC”, e que “estamos (...) perante factos tributários distintos e que são objeto de um tratamento fiscal diferenciado”, indo mesmo ao ponto de afirmar que “o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos” e que aquela tributação “nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros”, afirmações que terão de ser lidas, julga-se, cum grano salis, enquadrando-as nas limitações que as contextualizam, reportando-as à existência de uma “base de incidência” consistente em “certas despesas que constituem factos tributários autónomos”, e na “sujeição a taxas específicas”, compreendendo-se assim que a tributação autónoma “nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa” (o que não quer dizer que seja alheia ao rendimento e lucros em geral), e que a distinção entre a tributação autónoma e o IRC, sendo profunda e vincada, se deve cingir ao necessário para salvaguardar a especificidade daquela ao nível da respectiva teleologia, base de incidência e taxas específicas, sem prejudicar a integração no mesmo edifício normativo.

Efectivamente, crê-se, não estará o TC a defender que a tributação autónoma constitui um imposto sobre a despesa stricto sensu, completamente alheio e distinto do IRC, sob pena de, não só ser desmentido pela sistemática da lei fiscal[8] e, expressamente, pelo próprio legislador[9], como também de condenar irremediavelmente as tributações autónomas a uma inconstitucionalidade formal, por violação do disposto na al. i) do artigo 165.º, n.º 1 da CRP[10], na medida em que as leis autorizativas da criação daquelas não licenciaram a criação de um novo imposto sobre a despesa[11].

Não obstante, e sem prejuízo do que vem de se expor, não se poderá, na apreciação da matéria em causa, desprezar a (enfaticamente afirmada pelo TC) profunda distinção formal e teleológica entre a tributação autónoma em IRC e a tributação geral neste imposto (IRC stricto sensu).

Em suma: já anteriormente se detectou, por um lado, a futilidade de procurar um conceito unitário de IRC que acomode, coerentemente, o regime das tributações autónomas, e que, por outro, a via metodologicamente mais profícua de gerar soluções juridicamente adequadas para a problemática em causa passa por compreender o regime do IRC actual como produto de uma evolução historicamente explicada que conduziu à edificação de uma estrutura de natureza dual ou híbrida, compreendendo um núcleo principal correspondente ao IRC tradicional, e uma parte adjacente, conexionada com aquele e fazendo parte da mesma realidade normativa global, com especificidades próprias das quais resulta um afastamento, em vários e substanciais aspectos, do regime principal, em termos de os princípios e soluções gerais, não obstante, por vezes, se aplicarem, por outras vezes, serem contraditórios, e como tal, inaplicáveis, com a natureza própria dessa tal “normação adjacente” que se consubstancia nas designadas tributações autónomas.

Sendo que, como é já consabido, essa natureza própria, ou específica, assente numa lógica estranha ao edifício principal do IRC tradicional, se caracterizará, essencialmente, pelas notas sobejamente reconhecidas como próprias às tributações autónomas, designadamente, quer quanto à sua forma de imposição (o carácter instantâneo do respectivo facto tributário e a circunstância de este consistir num gasto), quer quanto à sua ratio anti-sistemática (o facto de algumas das tributações autónomas terem uma vertente dirigida directamente para o rendimento de pessoas singulares e/ou uma vertente sancionatória, bem como uma finalidade antiabuso).

Assim, não se poderá, crê-se, na senda da solução a obter para a questão decidenda, obliterar que, não obstante convergirem, efectivamente, na forma de liquidação regulada nos artigos 89.º e 90.º, n.º 1 do CIRC aplicável, as tributações autónomas e o IRC stricto sensu (ou tradicional), provêm, a montante de geografias profundamente distintas, facto que não poderá deixar de ser devidamente ponderado e tido em conta, nas soluções a encontrar a jusante, designadamente e para o que ao caso interessa, no que diz respeito à leitura a fazer da norma do artigo 90.º do referido Código.

Deste modo, como se vem de expor, considera-se[12] que a integração das tributações autónomas no IRC apenas é viável num contexto que reconheça naquele um sistema com uma natureza dual, que se poderá por comodidade designar por IRC em sentido amplo, integrando um sistema base correspondente ao IRC tradicional, ou stricto sensu, e um sistema periférico, autónomo, que fazendo ainda parte do mesmo sistema global, tem especificidades funcionais e axiológicas próprias, das quais decorre o afastamento da aplicação das normas próprias daquele sistema base, sempre que tal se justifique à luz da coerência do próprio sistema (das razões que justificam a sua autonomia).

*

            Prosseguindo a senda interpretativa em curso para jusante, passar-se-á a aferir das decorrências da limitação daquele processo hermenêutico à camada literal do objecto interpretativo em análise.

            Como acertadamente aponta a entidade Requerida na sua resposta, o entendimento, proposto pela Requerente, segundo o qual a expressão “montante apurado nos termos do número anterior” deve ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e ás taxas previstas no artigo 87.º do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no artigo 88.º, implicaria que na base de cálculo dos pagamentos por conta devidos em IRC, se incluíssem, também, os valores relativos às tributações autónomas, e não apenas os relativos ao IRC stricto sensu.

            Com efeito, dispõe o n.º 1 do art.º 105.º do Código do IRC, que: “Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º (…)”.

            Ora, entendendo-se que o teor normativo do artigo 90.º, n.º 1 do CIRC em questão veda qualquer distinção, para efeitos de outras normas que para o mesmo remetam, entre o imposto liquidado a título de tributação autónoma e o imposto liquidado a título de IRC stricto sensu, ter-se-ia, coerentemente e nos mesmos termos, de concluir que os pagamentos por conta seriam devidos em função da soma de ambos os valores, sendo que tal solução não poderá – crê-se – ter-se por conforme ao espírito de um legislador razoável.

            Efectivamente – e não sendo os pagamentos por conta thema decidendum do presente processo – sem que se justifique grande profundidade nesta análise, sempre se dirá que aquele tipo de pagamentos, conforme é doutrinal e jurisprudencialmente reconhecido, têm por base uma intenção de adiantamento da tributação que será devida a final, atendendo ao lucro tributável do ano anterior.

            Neste sentido, por exemplo, escreveu-se no Ac. do STA de 07-03-2007, proferido no processo 0877/06[13], que (sublinhado nosso):

“Da definição legal de “pagamento por conta” retira-se uma imbricação inevitável, necessária e essencial entre “pagamento por conta” e “imposto devido a final”.

Por modo tal que o “título” (palavra da lei) do “pagamento por conta” é o “imposto devido a final”.

O que significa que o “pagamento por conta” é, nos próprios termos da lei, uma entrega pecuniária antecipada, feita, por conta do imposto devido a final, no período de formação do facto tributário.

O que significa, ainda, que o “pagamento por conta” tem de ser aferido com referência à situação contabilística da empresa no fim do período a que se refere o pagamento por conta.

O que decididamente quer dizer que, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente período de formação do facto tributário (a que se refere o “pagamento por conta”) – mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo –, aquele “pagamento por conta” não tem fundamento substantivo.(...)

E, assim, se não houver lucro tributável, não há imposto devido.”.

            Ora, (pelo menos algumas) das tributações autónomas, conforme também noutra sede se indicou já[14], não incidem directamente sobre o rendimento, fazendo-o de uma forma meramente mediata ou indirecta, sendo essa a justificação para, não obstante as mesmas integrarem o regime do IRC lato sensu, operarem pela via da despesa e, consequentemente, serem devidas ainda que o sujeito passivo não apresente lucro tributável.

            Assim sendo, como se crê que é, será destituído de sentido que aos contribuintes que não apresentem lucro tributável, se exija pagamento por conta com base em imposto liquidado sobre despesas que realizou e que foram objecto de tributação autónoma.

Isto mesmo é corroborado pela natureza distinta do facto tributário subjacente ao IRC stricto sensu e às tributações autónomas. Com efeito, sendo o primeiro um facto tributário de natureza continuada e o segundo um facto tributário de natureza instantânea, apenas relativamente ao primeiro poderá fazer sentido divisar um adiantamento de imposto (pagamento por conta), e já não quanto ao segundo cuja prática gera, imediatamente, uma obrigação de imposto[15].

Todavia, e voltando agora ao caso concreto, a mesma leitura literal em que assenta, essencialmente, a pretensão da Requerente, conduziria, tal como afirma a Requerida, a que “na base do cálculo dos pagamentos por conta definida no n.º 1 do art. 105.º do Código do IRC, fossem incluídas as tributações autónomas”, já que aquela norma dispõe (tão lapidarmente como o artigo 90.º/2 do CIRC) que: “Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º (…)”.

Ora, não estando tal em causa no caso sub iudice, pode-se especular que, seguramente, se, em coerência, a Requerente tivesse considerado que para efeitos do referido artigo 105.º/1 do CIRC aplicável se incluía a colecta das tributações autónomas, não deixaria de chamar a atenção para o facto de o ter feito[16], ou seja, de ter calculado pagamentos por conta que possa ter suportado com base, também, naquela colecta, salientando a consequente injustiça que seria ter estado a suportar tais pagamentos, considerando que o artigo 105.º/1 do CIRC abrangia a colecta de tributações autónomas, e não se interpretasse, paralelamente, o artigo 90.º/2 do mesmo diploma, da mesma forma.

Sendo – evidentemente – este um argumento inultrapassavelmente especulativo, e, como tal insusceptível de servir de base, de per si, a soluções juridicamente fundadas, tal não obsta a que seja um factor de ponderação, evidenciador, por um lado, da instabilidade estrutural da inserção das tributações autónomas em IRC, tal como foi operada, e, por outro, da interligação normativa e da abrangência de perspectiva sistemática imprescindível à valoração das soluções propostas para o problema jurídico a decidir.

Entende-se que sob uma perspectiva sistemática, a posição que se adopte relativamente à matéria decidenda, pelo menos se no sentido pugnado pela Requerente, e adoptado pela jurisprudência que sustenta aquela, não pode deixar de ter reflexo na posição que se adopte relativamente à interpretação do referido artigo 105.º/1 do CIRC, já que, como atrás se apontou, a literalidade dos regimes é, precisamente, a mesma.

            Assim, deste ponto de vista haverá que ponderar, independentemente do que tenha sido a prática quer da AT quer da Requerente, não só se faz sentido que a norma do artigo 105.º/1 do CIRC imponha que a colecta das tributações autónomas entre no cômputo do cálculo dos pagamentos por conta, como a circunstância, atrás apontada, de o STA se ter já pronunciado no sentido de que perante a “inexistência de lucro tributável (...[o]...) “pagamento por conta” não tem fundamento substantivo”.

 

*

            No percurso hermenêutico em curso, haverá igualmente que considerar a norma do n.º 5 do artigo 90.º do CIRC aplicável em questão, que dispõe que:

“As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo”.

            Esta norma remete directamente para o artigo 6.º do mesmo Código, que prescreve, no que para o caso releva, que:

“1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:

a) Sociedades civis não constituídas sob forma comercial;

b) Sociedades de profissionais;

c) Sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, directa ou indirectamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa colectiva de direito público.(...)

3 - A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.”

            Fundamental no enquadramento desta questão é ainda o teor do artigo 12.º do mesmo Código, que refere que:

“As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas.”.

            Não sendo, também, o tema das entidades sujeitas a regime de transparência fiscal objecto da presente causa, sinteticamente sempre se dirá, desde logo, que da leitura literal em que assenta a pretensão da Requerente, ou seja, de que as tributações autónomas integram, sem limitações e para todos os efeitos, a colecta de IRC, sempre resultaria uma de duas situações, igualmente inaceitáveis, a saber:

  • que as entidades a que se refere o art.º 6.º, n.º 1 do CIRC, se vissem obrigadas a suportar duplamente os encargos com tributações autónomas: (i) uma vez na esfera da sociedade, nos termos do artigo 12.º do CIRC, que expressamente o prevê, e (ii) outra vez nos termos conjugados dos n.ºs 1 e 3 do artigo 6.º do CIRC, que impõe que a “a matéria coletável, determinada nos termos deste Código” relativamente a tais entidades é imputada aos sócios;
  • ou que, assim, não sendo, ou seja, se por via de algum tipo de interpretação se restringisse a expressão “matéria coletável, determinada nos termos deste Código”, dela expurgando as tributações autónomas, da conjugação das supra transcritas normas do n.º 5 do artigo 90.º, do artigo 6.º e do artigo 12.º, com a interpretação sustentada pela Requerente para o n.º 1 do artigo 90.º, resultaria que os sujeitos passivos de IRC sujeitos ao regime de transparência fiscal estariam impedidos, por via do referido artigo 90.º, n.º 5, de deduzir aos montantes liquidados a título de tributação autónoma, as deduções previstas no n.º 2 do mesmo artigo, uma vez que estes últimos montantes seriam suportados pela sociedade, enquanto as deduções seriam apenas facultadas aos sócios, discriminando-se assim injustificadamente os sujeitos passivos de IRC sujeitos ao regime de transparência fiscal, dos restantes, que, na tese da Requerente, teriam a faculdade de fazer operar as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º, aos montantes liquidados, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, a título de tributação autónoma.

Não se pode deixar de notar ainda que, as tributações autónomas são, elas próprias também, a par das sociedades fiscalmente transparentes, uma situação atípica em sede de impostos sobre o rendimento (incluindo o IRC).

Uma vez mais, estamos aqui numa perspectiva de ponderação das implicações no edifício normativo do IRC, das interpretações propostas para a(s) norma(s) aplicáveis à situação sub iudice, não se tratando, evidentemente, de um argumento estruturante, mas antes acessório da solução que se venha a desenhar.

 

*

            Aqui chegados, cumpre explorar um pouco mais os limites da literalidade das normas no epicentro do presente litígio – o artigo 90.º, n.º 1 e 2 do CIRC aplicável – e das repercussões da mesma no quadro mais amplo da relação entre o IRC tradicional, e as tributações autónomas nesse imposto.

            Conforme acima se expôs já, no conjunto das tributações autónomas, ainda que restrito às que integram o regime do IRC em sentido amplo, convergem várias situações de origem e teleologia díspares.

            Assim, sinteticamente e a título de exemplo, encontram-se tributações autónomas que visam, isolada ou concomitantemente, desincentivar determinados comportamentos economicamente desvaliosos (ex.: remunerações excessivas a gestores), tributar os chamados fringe benefits (ajudas de custo; despesas com viaturas), mitigar a repercussão fiscal de despesas de empresarialidade integral duvidosa (idem), desincentivar comportamentos com elevado potencial de fraude (pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal claramente mais favorável) ou penalizar comportamentos que fomentam a chamada economia paralela (tributação das despesas confidenciais), ou que são tidos pelo legislador como sumptuários.

            A literalidade da interpretação proposta pela Requerente miscigena, nas estreitas vistas da letra da lei, todas aquelas situações – porquanto todas elas se liquidarão nos termos do artigo 90.º, n.º 1 do CIRC aplicável, daí decorrendo, necessariamente, que à colecta de todas elas, se aplicará a solução propugnada pela Requerente, ou seja, a todas elas – sem excepção perceptível nem, muito menos justificada ou, sequer, tanto quanto se concebe, justificável – seriam aplicáveis todas as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC em questão.

            Ora, já atrás, e em outras ocasiões, se apontou a vã glória de fechar, num conceito substantivo unitário, todas as tributações autónomas, mesmo as que apenas ocorrem no âmbito do IRC, atenta a sua disparidade teleológica e funcional. E, aqui, emerge uma das principais fragilidades do edifício argumentativo onde se aloja a posição da Requerente, subjacente também à jurisprudência arbitral por si citada: a de assentar num postulado de unicidade de IRC e de tributações autónomas, tomando o todo pela parte que, concretamente, integra a matéria decidenda, por um lado, e numa valoração exclusiva do tipo de dedução prevista no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC aplicável, que concretamente está em causa no caso sub iudice.

            Ou seja: a posição sustentada pela Requerente, bem como aquelas que a corroboram, não cuidam em momento algum de enquadrar as valorações por si efectuadas e de validar a aplicação da interpretação por si proposta à integralidade das tributações autónomas e das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º aplicável, bem como de valorar as implicações da aplicação da tese em questão, a todas as deduções possíveis a todas as colectas de todas as tributações autónomas abstractamente abrangidas por tal tese, para além de como se apontou já, se absterem de apreciar, numa perspectiva mais ampla, as consequências sistemáticas do acolhimento da leitura essencialmente literal que propõem para a conjugação das normas do n.º 1 e 2 do artigo 90.º do CIRC.

            A fenda no edifício fundamentador da posição da Requerente, bem como daquelas que a sustentam, abre-se assim, face a esta constatação, em duas direcções distintas: (i) por um lado, a leitura proposta pela Requerente para a norma do artigo 90.º, n.º 2 do CIRC aplicável, não distingue, nem permite distinguir, entre tributações autónomas relativas a encargos dedutíveis[17] e outros tipos de tributação autónoma; (ii) por outro lado, da matéria de facto provada não resulta que as tributações autónomas em causa nos presentes autos não respeitem a tipos distintos de tributações autónomas, como por exemplo, tributações autónomas relativas a despesas não documentadas, a bónus e outras remunerações variáveis de gestores, administradores ou gerentes, ou a pagamentos a entidades sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável.

            Do quanto vem de se dizer resulta, desde logo que toda a argumentação relativamente à natureza das tributações autónomas, enquanto tributadoras ainda de rendimento das entidades sujeitas àquela, é insuficiente para a decisão da matéria sub iudice, porquanto, não se demonstra sequer que estejam exclusivamente em causa tributações autónomas onde se reconheçam as características em que aquela argumentação assenta.

            Tal visão, abriga em si, assim, o potencial de acoitar pretensões, em que se vise proceder a deduções nos termos do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC aplicável, a tributações autónomas relativamente às quais não é válida a consideração da natureza das tributações autónomas, enquanto tributadoras ainda de rendimento das entidades sujeitas àquela, como as referidas, relativas a despesas confidenciais, pagamentos a entidades sujeitas a regimes fiscais privilegiados ou relativas a compensações por gestão.

            Ora, este tipo de resultado, não se poderá ter como querido por um legislador razoável, face a toda a sistemática do IRC em sentido amplo, incluindo as tributações autónomas. Efectivamente, não será sustentável que, tendo indo onde, juridicamente, o legislador do CIRC foi, tendo em vista, por exemplo, ao combate à economia paralela ou as transacções com os chamados (incorrectamente[18]) “paraísos fiscais”, fosse sua intenção que a respectiva carga de tributação autónoma, pudesse ser aligeirada por meio das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC.

 

*

            Dentro dos tópicos decisórios a considerar, caberá também fazer uma menção à entrada em vigor da nova redacção do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, introduzido pela Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março), que veio dizer que:

A liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.

            Esta norma, é objecto do artigo 135.º da referida Lei que aprovou o OE de 2016, que refere que:

A redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos n.ºs 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa.”.

            Como é consabido, colocou-se a questão sobre se o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, introduzido pelo OE 2016, tem (como a própria lei o diz), ou não, natureza interpretativa, bem como da constitucionalidade de tal natureza, sendo que tais questões ficaram ultrapassadas pelo Acórdão do Tribunal Constitucional que julgou inconstitucional o referido artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

            Não obstante, a alteração legislativa em questão, continua a ter interesse para a matéria ora em causa, já que o legislador em sede de LOE 2016 optou por afastar a aplicação de parte do disposto no artigo 90.º do Código do IRC para a colecta do IRC, à colecta da tributação autónoma em IRC, confirmando que não existe qualquer obstáculo conceptual ou de princípio a que, por via interpretativa, se chegue a esse mesmo resultado.

            De resto, do próprio Código do IRC, na redacção vigente à data dos factos tributários, resultava já que o regime desse imposto pressupunha tal diferenciação ao nível do referido artigo 90.º, no sentido de que à colecta de tributações autónomas não era admissível, por princípio, qualquer dedução, resultando tal do disposto do n.º 12 do artigo 88.º, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7/11, que dispõe que:

“Ao montante do imposto determinado, de acordo com o disposto no número anterior, é deduzido o imposto que eventualmente tenha sido retido na fonte, não podendo nesse caso o imposto retido ser deduzido ao abrigo do n.º 2 do artigo 90.º.”.

            A tributação autónoma em questão, salvo melhor opinião, deverá entender-se como sendo devida pela entidade que aufere os lucros, já que caso estivesse em causa a tributação autónoma da entidade que distribui lucros, nunca se colocaria a questão da dedução da retenção na fonte à colecta da tributação autónoma em causa, uma vez que, as retenções na fonte a que se reporta o art.º 90.º/2 do CIRC deverão ser consideradas retenções sobre rendimentos auferidos pela entidade devedora de IRC, e não de rendimentos pagos e retenções efectuados por esta, e, em todo caso, nunca se poria a questão da retenção na fonte sobre os lucros distribuídos ser deduzida à colecta (quer de IRC, quer de tributações autónomas), porquanto tal valor é retido à entidade isenta, não sendo, portanto, suportado pela entidade que distribui os lucros, e não sendo por isso, sempre salvo melhor opinião, a retenção na fonte susceptível de constituir qualquer penalização para a entidade que distribui os lucros.

Tal circunstância de a tributação autónoma ora em apreço se dever considerar devida pela entidade que aufere os lucros, e não pela que os distribui[19], não prejudicará a sua natureza de tributação autónoma, e será a tal colecta de tributação autónoma, liquidada e paga pela entidade isenta que não manteve as participações sociais por um ano, e que auferiu dividendos daquelas, que pode ser deduzida - excepcionalmente - o imposto retido na fonte, sendo, justamente, o sentido da previsão de que, nesse caso, o imposto retido não pode ser deduzido nos termos do artigo 90.º/2, a evidência de que as deduções previstas neste artigo não se aplicam à colecta de tributações autónomas, dado que se assim não fosse, a previsão do artigo 88.º/12 seria uma inutilidade num duplo sentido, uma vez que:

  1. a dedução do imposto retido na fonte à colecta da TA em causa, já decorria do referido art.º 90.º/2, pelo que não faria sentido afirmá-la no art.º 88.º/12;
  2. se o imposto retido na fonte fosse deduzido à colecta de TA, ao abrigo do art.º 90.º/2, nunca poderia ser deduzido duas vezes (pela mesma razão que não pode ser deduzido duas vezes à colecta de IRC), pelo que também a previsão do art.º 88.º/12 de que, deduzindo-se o imposto retido na fonte à colecta de TA não se pode deduzir o mesmo ao abrigo do art.º 90.º/2 seria, também ela, uma inutilidade.

            Assim, a referida norma, ao dispor que ao montante de imposto resultante da tributação autónoma, nas situações previstas no n.º 11, de 25% sobre os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção, pode ser deduzido o imposto que eventualmente tenha sido retido na fonte, terá implícito o entendimento que, por regra, à colecta de tributações autónomas, não eram admissíveis deduções, designadamente as previstas no artigo 90.º/2 do CIRC, que previa já a possibilidade da dedução das retenções na fonte à colecta de IRC a que se referia o n.º 1 da mesma norma.

            Ou seja: se, como defende a Requerente e a jurisprudência em que se sustenta, já resultasse da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 90.º do CIRC que as retenções na fonte eram dedutíveis à colecta de tributações autónomas, incluindo a prevista no referido n.º 11, a norma do n.º 12 do artigo 88.º do CIRC, na parte em que permitia justamente tal dedução, era uma norma inútil, nada mais fazendo do que reafirmar, sem qualquer sentido, a regra geral.

            Mais: a norma em questão, do n.º 12 do artigo 88, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7/11, faz questão de afirmar que, caso seja operada a dedução das retenções na fonte ali em causa à tributação autónoma, não poderá “o imposto retido ser deduzido ao abrigo do n.º 2 do artigo 90.º.”, evidenciando, crê-se, de forma suficientemente perceptível, que as deduções possíveis ao abrigo daquele referido artigo 90.º/2 não eram já aplicáveis à colecta resultante das tributações autónomas.

            Efectivamente, a 2.ª parte da norma do n.º 12.º do artigo 88.º em análise visa evitar uma duplicação de dedução das retenções na fonte por ela abrangidas, o que só faz sentido se se perspectivar, como se verá infra, que da aplicação da norma do artigo 90.º/1 do CIRC não resulta – ao contrário do que sustenta a Requerente – uma colecta monolítica de IRC, mas que a referida cisão entre a colecta das tributações autónomas em IRC e a colecta geral do IRC se mantinha naquela norma, e que o artigo 90.º/2 apenas se aplicava a esta última, e não àquela.

            A não ser assim, também esta segunda parte do artigo 88.º/12 do CIRC careceria por completo de sentido, já que se, no âmbito do artigo 90.º/1 do CIRC, a colecta das tributações autónomas em IRC se fundisse numa só colecta de IRC, como pretende a Requerente e defende a jurisprudência em que se louva, seria evidente que nunca poderia haver dupla dedução de retenções na fonte a uma mesma, e única, colecta.

            Ou seja, e em suma, a opção do legislador quanto à limitação ínsita na última parte do artigo 88.º, n.º 21 do CIRC, na redacção que lhe foi introduzida pela LOE 2016, estava já implícita no Código de tal imposto, ao nível do artigo 88.º/12, do qual resultava já, nos termos expostos que:

  • por norma, a colecta das tributações autónomas não admitia deduções; e
  • o artigo 90.º/2 do CIRC não era aplicável à colecta das tributações autónomas.

 

*

            Sumariando o quanto atrás se veio dizendo, verifica-se, desde logo, que a interpretação sustentada pela Requerente assenta, essencialmente, no teor literal das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 90.º do CIRC aplicável, não se descortinando nenhum fundamento substancial que justifique a solução em causa, tanto mais que os argumentos em que assenta tal posição restringem-se, essencialmente, às tributações autónomas de encargos dedutíveis e às deduções concretamente em causa (benefício CIFEI, PEC e CDTJI) sendo que, por um lado, nada se prova a respeito de, no caso concreto, estarem em causa apenas tributações autónomas daquele tipo (e não de outros), e, por outro, da interpretação proposta sempre decorreria que todas as deduções previstas no artigo 90.º, n.º 2 do CIRC em causa se fariam a todos os tipos de tributação autónomas, incluindo, por exemplo, as relativas a pagamentos a entidades sujeitas a regimes de tributação claramente mais favoráveis, as relativas a despesas confidenciais ou as compensações a gerentes, e nenhum dos argumentos substanciais em que assenta a posição da Requerente permite justificar que tal aconteça.

            Por outro lado, como se viu, se é certo que o artigo 90.º, n.º 1 do CIRC em questão não distingue entre a liquidação de tributações autónomas e a liquidação de IRC tradicional ou stricto sensu (sobre o lucro tributável), a verdade é que, a montante, o procedimento e a natureza dos dois tipos de imposição tributária é substancialmente distinto, como se viu e conforme a jurisprudência constitucional na matéria dá abundante conta, situação à qual não se poderá, julga-se, deixar de atender na matéria sub iudice.

            Acresce que, como também se viu, a ratificação da interpretação que sustenta o petitório da Requerente, seria, a jusante, geradora de assinalável turbulência no edifício normativo do IRC, designadamente no que diz respeito aos regimes do pagamento especial por conta, e das sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal.

            Por fim, e como se acabou atrás de ver, ao nível do artigo 88.º/12 do CIRC aplicável, resultava já, nos termos expostos, que:

  • por norma, a colecta das tributações autónomas não admitia deduções; e
  • o artigo 90.º/2 do CIRC não era aplicável à colecta das tributações autónomas.

            Por tudo isto, julga-se que na estrita conjugação do texto das duas normas, o legislador disse mais do que aquilo que queria, situação que, de resto, resultou não de descuido coevo da redacção de tais normas, mas, antes, da evolução histórica do regime normativo do IRC e, concretamente, da paulatina introdução naquele do regime relativo às tributações autónomas, sem que o mesmo se reflectisse, coerentemente, no teor do artigo 90.º, n. 2 do mesmo Código.

            Este desacerto, aliás, é patente na norma do n.º 21.º do artigo 88.º do CIRC, introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que dispondo que não são “efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado” de tributações autónomas, não ressalva o n.º 12 do mesmo artigo que prevê, precisamente, a possibilidade de deduções à tributação autónoma a que se refere.

            Estamos, assim, perante uma situação descrita pelo Ilustre Mestre Prof. Doutor Baptista Machado, em que: “Por vezes, embora raramente, será preciso ir mais além e sacrificar, em obediência ainda ao pensamento legislativo, parte de uma fórmula normativa, ou até a totalidade da norma. Trata-se de fórmulas legislativas abortadas ou de verdadeiros lapsos. Quando a fórmula normativa é tão mal inspirada que nem sequer alude com clareza mínima às hipóteses que pretende abranger e, tomada à letra, abrange outras que decididamente não estão no espírito da lei, poderá falar-se de interpretação correctiva. O intérprete recorrerá a tal forma de interpretação, é claro, apenas quando só por essa via seja possível alcançar o fim visado pelo legislador.[20].

            Com efeito, a fórmula normativa do artigo 90.º, n.º 2 do CIRC aplicável, tomada à letra, como faz a Requerente, abrange hipóteses, como se viu, que decididamente não estão no espírito da lei nem são conformes às especificidades e natureza próprias das diversas tributações autónomas. No caso, como se referiu já, não por má inspiração da própria norma, mas das sucessivas reformas que historicamente foram introduzindo as tributações autónomas em IRC, sem que as mesmas se reflectissem, correspondentemente, na redacção do artigo 90.º, n.º 2 de tal Código.

            Por outro lado, sistematicamente encarada, tal fórmula, reduzida à sua literalidade, é geradora de graves e inultrapassáveis incoerências, como se viu, para além de, como também se viu, o CIRC aplicável ter já, na norma do n.º 12 do artigo 88.º, evidências literais de que a norma do artigo 90.º/2 do mesmo Código não seria, por regra, aplicável à colecta de tributações autónomas, realizada no n.º 1 do artigo.

            Deste modo, tendo em conta a compreensão racional, histórica e sistemática da norma em questão, torna-se forçoso interpretar correctivamente a norma do artigo 90.º, n.º 2 do CIRC aplicável, de modo a restringir a remissão que faz para o n.º 1 da mesma norma, na referência que faz “Ao montante apurado nos termos do número anterior”, limitando-a ao montante da colecta de IRC calculada mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código, e já não aos montantes apurados a título de tributações autónomas, assim se devolvendo à norma o seu sentido original, que era o que correspondia à sua redacção textual antes da introdução das tributações autónomas no CIRC.

            Admite-se, que se possa questionar a bondade da opção legislativa referida, implícita até à introdução do n.º 21.º do artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, e a partir daí explícita, no que diz respeito à inadmissibilidade de outros tipos de dedução, para além da prevista no n.º 12.º do mesmo artigo 88.º, à colecta de outros tipos de tributação autónoma. Não obstante, julga-se que tal opção, agora expressa no referido artigo 88.º/21 do CIRC, se contém ainda dentro do espaço de discricionariedade legislativa, não ofendendo o conteúdo fundamental de qualquer preceito constitucional ao caso convocável.

            Face ao exposto, e julgando-se que, face ao direito aplicável ao facto tributário em questão na presente acção arbitral, não era admissível a dedução nos termos do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à colecta de tributações autónomas efectuada nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, deverá o pedido arbitral improceder.

 

*

            Note-se, a terminar, que a fundamentação da presente decisão, e a base da defesa da AT em sede arbitral, não coincidem integralmente com a fundamentação do acto de decisão da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.

            Tal não é, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, no caso, motivo para anulação de tal acto.

            Com efeito, e desde logo, tem-se pacificamente entendido, também, que:

Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito (art. 664.º do CPC).[21].

            Por outro lado, e como também tem sido jurisprudência:

Apesar das implicações que a declaração de fundamentação possa eventualmente ter na substância da decisão, há que distinguir a vertente formal, aquela que interessa no cumprimento do imperativo da fundamentação, da vertente material, que na estrutura do acto respeita sobretudo à existência dos pressupostos reais que suportam a decisão de fundo.

            Ou seja, a fundamentação formal, impressa no cumprimento do imperativo de fundamentação, pode estar certa ou errada, contendendo apenas com a validade do acto se, e na medida, em que cristaliza os pressupostos de facto e de direito daquele e estes sejam desconformes à lei, consubstanciando-se num erro de facto e/ou de direito.

            Acresce que o artigo 2.º do RJAT, toma como referente da competência dos tribunais arbitrais, os actos primários (“actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”), sendo os actos secundários unicamente relevantes como referentes da tempestividade da pretensão impugnatória, como resulta do artigo 10.º, n.º 1, al. a) daquele Regime, onde se impõe que os pedidos de constituição de tribunal arbitral sejam apresentados no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.º 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

            Daí que, em primeira linha, se esteja no presente processo a sindicar a legalidade do acto de autoliquidação de IRC da Requerente (objecto directo da competência dos tribunais arbitrais), sendo a legalidade do acto secundário de reclamação graciosa – cuja função principal é garantir a tempestividade da Requerente para a impugnação arbitral do acto primário – meramente reflexa ou derivada da legalidade daquele.

Assim, a eventual anulação do acto de decisão da reclamação graciosa, por fundamentação errada, quando – como é o caso – se conclui pela não verificação das ilegalidades arguidas ao acto primário, sempre redundaria num acto inútil, e como tal proibido, já que, vinculada pelo caso julgado, a Autoridade Tributária não mais faria no novo acto que obrigatoriamente, confirmar o decidido em sede jurisdicional, o que de resto tem reflexo no regime do n.º 6 do artigo 163.º do novo CPA, que se tem por aplicável nesse caso.

           

***

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter os actos tributários objecto da presente acção arbitral e condenar a Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas, tendo-se em conta o já pago.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 949.985,36, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 13.158,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa,18 de Setembro de 2018

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Fernando Borges de Araújo)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Raquel Franco)

(vencida nos termos da declaração de voto em anexo)

 

Declaração de voto

 

Discordo da tese que fez vencimento pelos fundamentos que indico de seguida.

Para dar resposta às questões colocadas a este Tribunal Arbitral, que se referem ao exercício de 2015, entendo, desde logo, ser fundamental saber se, independentemente da natureza do imposto a que se referem as tributações autónomas, o respetivo montante é “apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC”.

O artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela AT, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código. Assim, ele aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, uma vez que não existe qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se, aliás, às taxas aplicáveis e à respetiva matéria tributável – o que não justifica, a meu ver, que se deva efetuar uma distinção entre a coleta proveniente das tributações autónomas e a restante coleta de IRC. A aplicação das taxas de tributação autónoma é efetuada no âmbito da liquidação de IRC, o resultado apurado integra-se na coleta de IRC, o pagamento que é realizado pelo sujeito passivo é-o a título de IRC e no apuramento de um eventual reembolso nos termos do n.º 2 do artigo 104.º do CIRC também não se faz qualquer distinção a propósito das taxas de tributação autónoma.

O argumento de que a natureza anti-abuso das tributações autónomas justifica a não dedutibilidade não vale, em meu entender, pelo simples, mas decisivo facto de que tal argumento não encontra suporte em qualquer norma do sistema jurídico-tributário português. Ainda que se entenda a questão e o intuito dissuasor de práticas diversas, daí não se pode, a meu ver, dar o salto para a conclusão de que ao montante apurado por aplicação das taxas de tributação autónoma não podem ser efetuadas quaisquer deduções. Com efeito, entender-se que o sujeito passivo deve ser prejudicado por duas vezes (por aplicação da taxa de tributação autónoma e por preclusão do direito à dedução no tocante à parte da coleta que resulta da aplicação das taxas de tributação autónoma) sem previsão legal expressa é, a meu ver, excessivo.

Parece-me, a partir da análise do Código do IRC, que a quantia arrecadada por via daquelas tributações autónomas o é a título de IRC, consubstanciando apenas uma forma de agravamento da coleta por via de determinadas despesas realizadas. Recorrendo ao que se diz, a este propósito, no Acórdão proferido no processo 775/2015-T, “(…) as tributações autónomas são indissociáveis dos sujeitos do imposto sobre o rendimento respetivo, e, mais especificamente, da atividade económica por eles levada a cabo, o que é ainda mais evidente quando se pensa na ligação que, embora tenha variado nas sucessivas alterações legislativas, as tributações autónomas tinham e ainda têm alguma ligação com a dedutibilidade – e a efetiva dedução – das despesas tributadas. Esta circunstância, crê-se, é elucidativa da imbricação existente entre aquelas e o IRC (no caso), e justificativa não só da sua inclusão no CIRC, mas, igualmente, da sua integração, de pleno direito, como parte do regime jurídico do IRC.”

Acompanho ainda o Acórdão proferido no processo 5/2016-T no segmento em que se refere que “ao invés da qualificação dificilmente explicável, e de sentido contrário aos diversos indícios já explicitados, das “tributações autónomas” como imposto sobre a despesa enxertado num imposto sobre o rendimento, entende-se que a figura das “taxas de tributação autónoma” consiste numa técnica de agravamento da coleta de IRC, que atua sobre as despesas – elemento fundamental na determinação do lucro tributável –, e que configura um acréscimo fiscal (ou seja, uma operação de sentido inverso ao da dedução fiscal).

Considerando-se – como se considera - que as tributações autónomas integram o regime do IRC, importa, então, saber o que é dedutível à respetiva coleta. Ora, quanto a este aspeto, de novo se recorre às palavras utilizadas no Acórdão Arbitral proferido no processo 775-2015-T:

Entendido que é serem as tributações autónomas (parte do) IRC, compreende-se que seja única a liquidação de IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas.”

Há uma liquidação de IRC única que comporta duas partes: a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC, cada uma com matéria coletável determinada de modo próprio e com taxas de tributação próprias, mas ambas liquidadas nos termos do art.º 90.º do CIRC. Havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da coleta que provém das tributações autónomas é parte integrante da coleta de IRC.

Ao contrário, não se encontra em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. Aceitar que não se inclui a coleta das tributações autónomas no art.º 90.º do CIRC, seria aceitar que existe uma lacuna na lei e, sendo esta uma lei fiscal, não permite a integração.
Não havendo norma sobre liquidação das tributações autónomas distinta daquela que regula a liquidação em geral do IRC, penso ser de aceitar que a coleta de IRC a engloba, incluindo-se no artigo 90.º, n.º 1 do CIRC e sendo, portanto, dedutíveis, nomeadamente, os valores que estão em causa no presente processo. No mesmo sentido aponta a inexistência de limites à dedutibilidade destas realidades à coleta resultante das tributações autónomas – o que o legislador poderia ter feito, tal como fez ao enunciar várias exceções e limites às regras da dedutibilidade do número 2 do artigo 90.º do CIRC.

Quanto à alteração introduzida pela Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2016 (Lei 7-A/2016, de 30 de Março), em concreto no que respeita à introdução do n.º 21 do artigo 88º do CIRC, entendo o seguinte: foram aditados por esta Lei vários números ao artigo 88.º do CIRC, que se refere às tributações autónomas, entre eles o número 21, segundo o qual “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.” No artigo 135.º dispõe o legislador que “a redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos números 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa.”

O artigo 90.º não foi alterado, continuando a referir-se à coleta de IRC e, por tudo o que atrás se deixa dito, a coleta que resulta da aplicação das normas do artigo 88.º é coleta de IRC. O que o número 21 do artigo 88.º passou a proibir é que, a esta coleta, se efetuassem quaisquer deduções até ao momento em que, apurada a coleta global de IRC, se efetuam as deduções do artigo 90.º. Quanto ao caráter interpretativo, entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017, que implica a sua inconstitucionalidade, por retroatividade prejudicial aos contribuintes. No presente caso, estando em causa o período de tributação correspondente ao ano de 2015, a alteração introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2016 não tem, assim, qualquer efeito. Concretamente em relação ao CFEI, conforme é afirmado no Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 673/2015-T, “«não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «dedução à coleta de IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, designadamente o artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013. E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial. Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013 no sentido de que as despesas de investimento previstas no CFEI são dedutíveis à «coleta de IRC», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa coleta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores».”

Por fim, recentemente, através da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, o legislador veio reconhecer expressa e inequivocamente, com explícita intenção interpretativa declarada no seu artigo 233.º (constitucionalmente admissível na medida em que não for desfavorável aos contribuintes), que existem normas especiais de que resulta que deveriam ser feitas deduções ao montante apurado com as tributações autónomas. Isto mesmo resulta da nova redação ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC:

“21. A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.” (destacado nosso).

Assim, se é certo que esta norma esclarece que é intenção legislativa que não sejam feitas deduções ao montante global apurado com as tributações autónomas, também dela decorre que resultava de legislação especial que essas deduções fossem feitas, sendo esse, precisamente, o caso das normas que preveem benefícios fiscais por dedução à coleta de IRC.

Ora, se dessas normas especiais resultava que fossem feitas deduções ao montante global apurado das tributações autónomas, é manifesto que não é compaginável com o princípio constitucional da proibição da retroatividade das normas que criem impostos (artigo 103.º, n.º 3, da CRP) o afastamento desse resultado por uma lei posterior a todos os que, ao abrigo dessas leis especiais em que confiaram, criaram as condições para obter as deduções anunciadas legislativamente como resultado para os seus investimentos.

Por estes motivos, julgaria procedente o pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação em causa, na parte suscitada pela Requerente, bem como do indeferimento da reclamação graciosa.

 

Raquel Franco

 

 

 



[1] Arthur Kaufman, “Filosofia do Direito”, 3.ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 44.

[2]É precisamente nas argumentações pedantemente exactas, pensadas com um grau extremo de rigor e exactidão, que temos frequentemente a impressão de que algo, de alguma forma, não faz sentido.”; idem, p. 89.

[3] Cfr., p. ex., decisões dos processos 187/2013-T, 209/2013-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 292/2013-T, 37/2014-T, 94/2014-T e 242/2014-T.

[4] Cfr. por todos a decisão arbitral do processo 94/2014-T, disponível em www.caad.org.pt.

[5] Daí a referência a um IRC em sentido estrito/amplo, reflexo da tal dualidade.

[6] Integrando, o tal sistema de natureza dual, já acima aludido.

[8] Cfr., por exemplo, que em sede de IRS a tributação autónoma apenas é devida pelos contribuintes que possuam ou devam possuir contabilidade organizada (artigo 73.º, n.º 2), e já não pelos que optem pelo regime simplificado. Naturalmente que se a tributação autónoma fosse estritamente um imposto sobre a despesa, completamente alheio e distinto dos impostos sobre o rendimento onde se insere, nada justificaria que os contribuintes empresariais singulares, sujeitos ao regime simplificado, não vissem as suas despesas tributadas autonomamente.

[9] Cfr. os artigos 12.º, 23.º-A, n.º 1, al. a) e 88.º, n.º 21, todos do CIRC actual, e de onde resulta expressamente que o IRC inclui as tributações autónomas.

[10]É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:(...) i) Criação de impostos” (sublinhado nosso).

[11] Cfr., por todas, a pioneira Lei 101/89, de 29-12, que, no n.º 3 do seu artigo 25.º, autorizou o Governo a “tributar autonomamente em IRS e IRC”, e não a criar um novo imposto, sobre a despesa.

[12] E, como se viu, tal entendimento estava foi já sustentado ao fundamentar o entendimento que veio a vingar, jurisprudencial (e não apenas ao nível da jurisprudência arbitral: cfr., nesse sentido Acs. do STA de 06-04-2016 e de 27-09-2017, proferidos, respectivamente, nos processos 01613/15 e 0146/16) e legalmente, de que a colecta da tributação autónoma não entra como custo no apuramento do lucro tributável porque é IRC/colecta de IRC.

[13] Disponível em www.dgsi.pt.

[14](...) estar-se-á sempre em última análise a ter em vista um rendimento, presente ou futuro, que o legislador tolera tributar menos (por força da consideração do gasto deduzido), em troca de uma tributação imediata, aquando da realização do gasto, visando então, nesta perspectiva, as tributações autónomas a que nos referimos, ainda que mediatamente, o rendimento do sujeito passivo.

Tais tributações serão, sob este ponto de vista, uma forma (enrevesada, é certo) de, indirectamente e através da despesa, tributar, ainda, o rendimento (efectivo ou potencial/futuro) das pessoas colectivas.” (cfr. p. arbitral 94/2016-T, já citado).

[15] Não se corroborando, assim, que, como afirma a Requerente, que “Do ponto de vista conceptual e de texto legal, nada, sendo a tributação autónoma IRC, se opõe a que também esta grandeza (que constitui parcela cada vez maior do IRC) seja paga faseada e antecipadamente em prestações (pagamento por conta).”. Com efeito, o pagamento por conta de tributação autónoma, apenas seria verdadeiramente pagamento por conta quanto à tributação autónoma que fosse devida por despesas ainda não incorridas. Relativamente a estas, por coincidirem com o facto tributário, não seria um pagamento por conta, mas uma antecipação da liquidação.

[16] Tanto mais que a Requerente, como se verá de seguida, não deixou de se pronunciar expressamente sobre a questão da relevância (ou não) para a decisão da causa, da ponderação do regime do referido artigo 105.º/1 do CIRC.

[17] Efectivamente, toda a jurisprudência citada pela Requerente no Segundo Acto das suas alegações se reporta, estritamente, às tributações autónomas de encargos dedutíveis.

[18] Salvo melhor opinião, a expressão “paraíso fiscal” será uma tradução incorrecta da expressão inglesa “tax haven”, sendo que “haven” significa “abrigo”, e não “paraíso”, que poderá ser uma tradução possível de “heaven”, mas não de “haven”.

[19] Sendo, assim, a tributação em causa incidente sobre rendimentos, como ocorre com outras em IRS (por exemplo, no actual art.º 70.º/3 do CIRS).

[20] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 20.ª reimpressão, 2012, p. 186.

[21] Cfr. Ac. do STA de 05-06-2013, proferido no processo 0433/13, disponível em www.dgsi.pt.