Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 60/2018-T
Data da decisão: 2018-09-03  IRC  
Valor do pedido: € 36.083,92
Tema: IRC - Encargos não dedutíveis - Despesas não documentadas - Tributação autónoma.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 
  1. RELATÓRIO

Em 19 de fevereiro de 2018, A..., Ld.ª, com o NIPC ... e sede em ..., ...-... ..., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e 99.º e seguintes, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, designação aceite dentro do prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

A. Objeto do pedido:

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e a consequente anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2017 ... e demonstração de acerto de contas n.º 2017 ..., referentes ao exercício de 2014, no valor global de € 36 083,92, em que se incluem € 32 966,14 de imposto e € 3 117,78 de juros compensatórios.

Mais pede a Requerente a condenação da Requerida no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2017..., instaurado para cobrança coerciva da liquidação impugnada.

 

B. Síntese da posição das Partes:

1. Da Requerente:

A fundamentar o pedido de anulação do ato tributário de liquidação identificado, invoca a Requerente as seguintes razões de facto e de direito:

- A liquidação impugnada foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência de um procedimento de inspeção externa e teve por base correções à matéria tributável, no montante de € 24 090,00, relativas a gastos contabilizados na conta “68118 – Outros impostos diretos” e a tributação autónoma de despesas não documentadas, de que resultou IRC no valor de € 31 000,00;

- Os gastos registados na conta “68118 – Outros impostos diretos”, no valor de € 24 090,00, referem-se ao pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e Imposto do Selo (IS), em resultado de uma operação de “sale and leaseback” imobiliário efetuada com o Banco B..., SA, que a AT considera não constituírem custos dedutíveis, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 23.º - A do Código do IRC;

- A Requerente entende que os referidos gastos devem concorrer para a formação do lucro tributável, porquanto no contrato de locação financeira imobiliária se estabeleceu que o Locatário assumiria a responsabilidade pelo pagamento de “todas as despesas, encargos, emolumentos notariais e registrais, impostos (IS) e taxas (…) e seguros a que o imóvel objeto do presente contrato possa estar sujeito, a sua utilização e a sua locação financeira, designadamente Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT)”;

- O pagamento do IMT e do IS referente àquela operação financeira ocorreu de imediato por conta da impugnante, uma vez que tais encargos resultam de regras contratuais e legais, já que no final do contrato de locação financeira imobiliária, na sequência do exercício de opção de compra previsto no regime jurídico deste tipo de contratos, a locatária torna-se de novo a proprietária do imóvel, com isenção de IMT, nos termos do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de agosto;

- Neste caso, o bem continua a ser depreciado para efeitos fiscais pela locatária, de acordo com o regime que vinha sendo praticado na esfera da impugnante, imperando a neutralidade fiscal da operação em causa, nos termos do artigo 25.º, do Código do IRC;

- Segundo o relatório da inspeção tributária, “Os gastos associados aos ativos fixos e resultantes de desgaste a que os mesmos são submetidos, são reconhecidos periodicamente por via das depreciações praticadas em conformidade com os artigos 29º a 31º do CIRC e Decreto Regulamentar 25/2009”;

- No entanto, o IMT e o IS em crise não configuram um gasto de aquisição, pois aqueles impostos já haviam onerado o imóvel objeto de locação financeira aquando da sua aquisição inicial, sendo tudo agora tratado como uma mera operação de financiamento e não como nova aquisição;

- Não existe, pois, fundamentação legal para a correção de tais gastos, documentalmente comprovados e pagos pela impugnante através de cheque emitido à ordem do E...;

- Quanto às despesas não documentadas, no valor de € 62 000,00, tributadas à taxa de 50%, nos termos do n.º 1 do artigo 88.º, do Código do IRC, tiveram por fundamento a regularização, no exercício de 2014, do saldo da conta “Caixa” por contrapartida de um débito na conta “56101 – Resultados Transitados”;

- Afirma a Inspeção Tributária que o sócio-gerente da Requerente esclareceu que aquela regularização “teve como objetivo regularizar valores pendentes que constavam no saldo de caixa”; não se trata, porém, de uma regularização de valores pendentes (não conhecidos) que constavam no saldo de “Caixa”, mas sim de levantamentos efetuados pelos sócios da conta bancária da impugnante, ao longo dos anos, designadamente 2006 e 2007, ou seja cerca de 7/8 anos antes da referida regularização;

- Esta regularização ocorreu apenas no ano de 2014, uma vez que, com a aquisição das quotas de um dos sócios, foi decidido pelos restantes sócios, que possuíam o registo dos valores levantados das contas bancárias ao longo dos anos, regularizar o saldo de “Caixa”;

- Tais levantamentos nunca deveriam ter sido regularizados por contrapartida da conta de resultados transitados, mas sim por contrapartida da conta dos sócios, uma vez que sempre foi intenção dos respetivos sócios restituírem os valores levantados das contas bancárias da impugnante;

- Porém, não podem tais levantamentos efetuados pelos sócios, nos anos de 2006 e 2007, serem tipificados como despesas não documentadas, dado que estes valores foram levantados através de cheques bancários das contas da impugnante, e entregues aos sócios naqueles anos;

- Se, por absurdo, tal regularização da conta “Caixa” fosse tratada como despesas confidenciais, ou mesmo adiantamentos por conta de lucros, teriam tais situações que ser imputadas aos anos em causa de 2006 e 2007, os quais se encontram caducados nos termos do n.º 1 do artigo 45º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

2. Da Requerida:

Na sequência do despacho de notificação nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta e fez juntar o processo administrativo (PA), defendendo a legalidade e manutenção da liquidação impugnada, com os seguintes fundamentos:

- As empresas são tributadas fundamentalmente pelo seu rendimento real, calculado nos termos previstos no CIRC;

- Dispõe o n.º 1 do artigo 23.º, do CIRC, que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC;

- O artigo 115.º, do CIRC, estabelece a obrigação de tais entidades disporem de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, exigindo-se, no seu n.º 3, que todos os lançamentos sejam apoiados em documentos justificativos datados e suscetíveis de ser apresentados sempre que necessário, já que, em sede de ónus da prova, a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade cabendo, por isso, à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros;

- Porém, tal já não sucede com a qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabendo aos sujeitos passivos, se a AT o questionar, a prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora;

- Assim, a regra da dedutibilidade dos custos comporta exceções, como acontece nas situações em que aquela dedutibilidade esteja vedada por expressa previsão legal;

- Como sucede no artigo 23.º-A, do CIRC, que lapidarmente estatui que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: “f) os impostos, taxas e outros tributos que incidam sobre terceiros que o sujeito passivo não esteja legalmente obrigado a suportar.”;

- Num contrato de “leaseback”, o bem é adquirido pela Locadora para ser objeto de um contrato de locação entre esta e o próprio transmitente do bem, que o vende ao banco para obter liquidez financeira;

- Trata-se de um contrato em que ocorrem duas transmissões distintas: (i) a venda de um ativo e (ii) a locação do mesmo ativo, pela qual o vendedor do ativo adquire o direito de o utilizar;

- Na primeira operação, quando a Locadora adquire o imóvel ao Locatário, estamos perante uma transmissão onerosa do direito de propriedade sobre bens imóveis situados em território nacional, o que consubstancia o facto tributário gerador da obrigação do IMT e de IS;

- Os sujeitos passivos, quer do IMT, quer do IS, são as pessoas singulares ou coletivas a quem se transmitam os bens imóveis, neste caso, o Banco que posteriormente viria a assumir a posição de Locador no subsequente contrato de locação financeira;

- Por seu turno, a Requerente, na qualidade de Locatária, enquanto não se tornar dona da coisa locada (o que até pode nunca vir a acontecer), tem apenas o direito de gozo da coisa e todos os deveres que o Locador lhe impõe;

- À data da transmissão do imóvel para o Banco, a Requerente ainda não era Locatária, pois o contrato de locação surge num momento posterior, e não tinha qualquer obrigação legal de pagar os impostos correspondentes;

- As obrigações decorrentes da celebração do contrato de locação financeira só se consolidam com a celebração desse contrato, sendo que até aí, a locatária detém apenas a qualidade de alienante desse bem, ainda que o intervalo de tempo entre esses contratos possa ser imediato, não se pode negar esta sucessão contratual;

- E, como alienante, não tinha a Requerente qualquer obrigação legal de pagar aqueles impostos, pela simples razão de não ser o seu sujeito passivo;

- Não fazendo, pois, qualquer sentido invocar, neste caso, o princípio da prevalência da substância sobre a forma, porque o conceito de sujeito passivo não é ajustável em função da qualificação contratual, é um conceito recortado das normas de incidência fiscal;

- Assim se conclui que o montante de € 24 090,00, contabilizado como gasto pela Requerente não podia ser aceite nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 23º A do CIRC;

- A repercussão do IMT na esfera do Locatário ocorre com o pagamento das rendas, bem como com as depreciações fiscais, consideradas como gastos para efeitos de IRC, embora não confinados a um único exercício, por se tratar da locação de um ativo fixo tangível (imóvel), a ser depreciado ao longo da sua vida útil, tendo em conta o princípio da periodização ou especialização de exercícios, conforme a NCRF 9 – Locações, os artigos 29.º e 30.º, do CIRC e o Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 22/04;

- Quanto às despesas não documentadas, no montante de 62.000,00, registadas a débito da conta “56101 – resultados transitados”, por contrapartida da conta “111-Caixa”, apenas com base num documento interno, não apresentou a Requerente quaisquer documentos comprovativos dos encargos suportados, nem da identificação dos beneficiários desse montante;

- No exercício do direito de audição a Requerente veio alegar que os valores constantes do saldo de caixa estavam relacionados com os levantamentos das contas bancárias da Requerente pelos sócios, ao longo dos anos, designadamente em 2006 e 2007;

- No entanto, esses levantamentos de cheques não se encontravam refletidos na contabilidade da Requerente, não existindo, por conseguinte, quaisquer documentos comprovativos dessas despesas e, caso os houvesse, teriam sido debitadas as correspondentes contas associadas a essas despesas e não a conta “Caixa”;

- Despesas não documentadas são aquelas que não apresentam ou não têm por base qualquer documento de suporte que as justifique; muitas vezes são designadas por “despesas confidenciais”;

- É atualmente jurisprudência assente do STA que despesas não documentadas são despesas relativamente às quais não existe prova documental, e tratar-se-á de despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afetam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o (artigo 86.º da Resposta);

- A não-aceitação como custo não implica, no caso concreto, qualquer correção ao lucro tributável, dado que o SP não considerou as referidas despesas como custo do exercício (artigo 83.º da Resposta);

- No que respeita à invocada caducidade do direito à liquidação da tributação autónoma que incidiu sobre as despesas não documentadas, não assiste razão à Requerente, face ao disposto no n.º 1 do artigo 45.º, da LGT;

- Por força deste dispositivo legal, a AT está obrigada a determinar o montante do imposto e de outras prestações tributárias dentro do prazo fixado na lei, bem como a notificá-lo aos sujeitos passivos no mesmo lapso temporal;

- Não se vislumbra, porém, como pode a Requerente alegar que, no caso em apreço, terá caducado o direito à liquidação da tributação autónoma que incidiu sobre a despesa não documentada/confidencial, uma vez que não resulta comprovada nos autos a associação dessa despesa e os alegados levantamentos pelos sócios nos anos de 2006 e 2007;

- Mas ainda que resultasse prestada essa prova, que não foi, reiteramos, a data a relevar para efeitos de tributação autónoma é a de 30.11.2014, que foi quando o documento interno n.º ... foi regularizado através de Resultados Transitados.

 

Termina a AT por requerer a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, dado que o litígio se centra em matéria exclusivamente de direito.

***

Em 11 de junho de 2018, foi proferido despacho arbitral devidamente notificado às Partes na mesma data, dispensando a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, convidando-se as Partes a produzir alegações escritas sucessivas por 10 dias e fixando-se a data de 3 de setembro de 2018 para prolação da decisão final, com advertência à Requerente de que, até àquela data, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

A Requerente não produziu alegações. Não obstante, viria a Requerida a apresentar alegações escritas, nas quais, na ausência de alegações da Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira se limitou a reiterar os argumentos de facto e de direito invocados na Resposta.

 

II. SANEAMENTO

  1. O Tribunal Arbitral é competente e foi regularmente constituído em 3 de maio de 2018, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
  4. Não foram invocadas exceções que ao Tribunal Arbitral cumpra apreciar e decidir.

 

III.    FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário [CPPT], subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), sob pena de nulidade, cominada pelo n.º 1 do artigo 125.º, do mesmo CPPT.

 

  1. Factos Provados:
  1. A Requerente é uma sociedade por quotas constituída em 1991, que tem por objeto a fabricação, instalação, comercialização e manutenção de equipamentos para a indústria alimentar e a comercialização, montagem e assistência técnica a equipamentos de frio e a atividade de construção, registada com o CAE 28930, enquadrada no regime geral de tributação de IRC (cfr. págs. 1 e 2 do Relatório de Inspeção Tributária – adiante, de forma simplificada, RIT, anexo ao PA);
  2. Por escritura de compra e venda celebrada em 26 de novembro de 2014 no Cartório Notarial de C..., sito em ...– ..., a Requerente vendeu ao Banco B..., SA, pelo valor de € 330 000,00, o prédio urbano inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ... e ..., concelho de ..., sob o artigo ... (Doc. 10 junto à P I e PA);
  3. Na mesma data, foram emitidos em nome do adquirente, Banco B..., SA, os conhecimentos para pagamento dos impostos devidos pela transmissão: IMT – liquidação n.º ..., no valor de € 21 450,00 e de Imposto do Selo, verba 1.1, da TGIS – liquidação n.º ..., no valor de € 2 640,00 (Docs. 12 e 13, juntos à PI e PA);
  4. As liquidações de IMT e IS identificadas no ponto precedente foram pagas na mesma data pela Requerente, através do cheque ... s/ a conta ... D..., emitido a favor do E..., EPE, pelo valor global de € 24 090,00 (Doc. 11 junto à PI e PA);
  5. Ainda na mesma data anterior, foi celebrado entre a Requerente, na qualidade de “Locatário” e o Banco B..., SA, na qualidade de “Locador”, o contrato de locação financeira imobiliária com o n.º ..., tendo por objeto o prédio urbano inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ... e ..., concelho de ..., sob o artigo..., destinado a armazém e atividade industrial (Doc. 9 junto à PI e PA);
  6. De acordo com as cláusulas do referido contrato de locação financeira imobiliária, não seria devido IMT pela aquisição do prédio pelo Banco, correndo “por conta do Locatário todos os impostos (…)” (Doc. 9 junto à PI e PA);
  7. A coberto das ordens de serviço externas n.ºs OI2016... e OI2016..., emitidas pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... em 15.02.2016, teve início em 17.07.2017 e termo em 14.09.2017, um procedimento de inspeção externa, de âmbito parcial, que incidiu sobre as retenções na fonte de IRS dos períodos de 2014 e 2015 e sobre o IRC do exercício de 2014 (pág. 1 do RIT);
    1. No que respeita ao IRC do exercício de 2014, foi feita a seguinte análise da conta “Caixa” (pág. 3 do RIT):

 

 

  1. Após análise às declarações IES e modelo 22 de IRC e à contabilidade da Requerente, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... propuseram correções aos gastos contabilizados na conta “68118 – Outros impostos diretos”, no montante de € 24 090,00 e a tributação autónoma de despesas não documentadas da quantia de € 62 000,00, assim fundamentadas (págs. 4 e 5 do RIT):

Correções ao lucro tributável:

  1. A sociedade contabilizou na conta “68118 – Outros impostos diretos”, o montante de € 24 090,00, tendo o sócio gerente esclarecido que tal gasto respeitava ao pagamento de IMT e IS sobre uma operação de leaseback imobiliário efetuada com a entidade bancária D... (Banco B...);
  2. A sociedade A... procedeu à venda de um imóvel ao D..., tendo depois celebrado um contrato de locação financeira com aquela entidade bancária, por forma a usufruir do bem;
  3. Numa transmissão onerosa de um imóvel, a responsabilidade pelo pagamento do IMT e do IS cabe ao comprador, o D..., sendo esta a entidade mencionada nos documentos de liquidação dos referidos impostos;
  4. Tratando-se de impostos cujo pagamento recai na esfera do comprador, não pode o montante de € 24 090,00, contabilizado como gastos na contabilidade do sujeito passivo, ser aceite, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 23.º - A, do Código do IRC;
  5. O lucro tributável corrigido para o período em análise consta do quadro seguinte:

Tributações autónomas – Despesas não documentadas:

  1. Em 30.11.2014, a sociedade efetuou um movimento de regularização de contas, tendo debitado a conta “56 101 – resultados transitados” por contrapartida da conta “111 – Caixa, pelo montante de € 62 000,00, tendo como único documento de suporte um documento interno – o documento ..., sem que conste da contabilidade qualquer documento ou documentos que justifiquem a existência daquele valor em caixa;
  2. Conclui-se assim não existirem quaisquer elementos que demonstrem que aquelas saídas de dinheiro tivessem subjacente um gasto com a aquisição de bens e/ou serviços (…) se (…) serviram para pagamento de gastos efetivamente incorridos pela sociedade. Estamos assim, perante uma situação que se integra em despesas não documentadas, uma vez que se nos afigura tratarem-se de pagamentos que foram efetuados em relação aos quais o sujeito passivo não identificou o encargo e/ou os respetivos beneficiários;
  3. Os gastos ou perdas são dedutíveis do ponto de vista fiscal, para a determinação do lucro tributável quando, estando comprovados documentalmente, contribuem para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (…). A ausência destes requisitos implica a não consideração dos gastos, devendo os mesmos ser adicionados ao resultado contabilístico;
  4. Ora, no caso em apreço, o sujeito passivo não contabilizou aquele montante de € 62 000,00 como gasto, pelo que não houve qualquer influência para efeitos da determinação do lucro/prejuízo fiscal;
  5. Assim (…) deverá o montante de € 62 000,00 referente a despesas não documentadas ser sujeito a tributação autónoma à taxa de 50% (…) conforme estabelece o n.º 1 do artigo 88.º, do Código do IRC.
  6. No âmbito do direito de audição sobre o projeto de RIT, exercido por escrito em 09.10.2017, o sócio gerente da Requerente prestou esclarecimentos quanto à contabilização dos gastos referentes a IMT e Imposto do Selo atinentes à operação de sale and lease back celebrada com o Banco D..., bem como quanto à regularização do saldo da conta “Caixa”, que, quanto a este último tema, mereceram a seguinte apreciação (pág. 8 do RIT):

“- Relativamente às despesas consideradas como não documentadas, no montante de 62.000,00 €, e apesar de o sujeito passivo ter alegado que, tais valores respeitam a levantamentos efectuados pelos sócios ao longo dos anos de 2006 e 2007, o certo é que, a contabilidade não reflete tais movimentos, e os documentos apresentados como prova, e que constituem o doc. 5 do direito de audição (anexo 9 ao RIT), também não permitem essa conclusão. De facto e da análise detalhada de cada um dos documentos apresentados, verifica-se que os mesmos respeitam a documentos internos da empresa datados de 2006 e 2007, através dos quais, foi debitada a conta de caixa por contrapartida de uma conta de depósitos à ordem e que têm como descritivo “Diversas despesas de cx”. Ora, ao contrário do alegado em sede do presente direito de audição, estes documentos não permitem concluir que o montante de 62.000,00 € respeitou a levantamentos a favor dos sócios, pois neste caso, deveria ter sido debitada a conta de sócios e não a conta de caixa.

- Aliás, mais se acrescenta que a contabilização a débito da conta de caixa, bem como o descritivo constante dos referidos documentos, levam a concluir que os levantamentos foram efectuados para pagar despesas, relativamente às quais não existem quaisquer documentos comprovativos, pois se existissem teriam sido debitadas as correspondentes contas associadas a essas despesas e não a conta de caixa. Ou seja, esse valor ficou em saldo, a aguardar a apresentação dos documentos de suporte, os quais nunca “apareceram”, razão pela qual a Inspeção Tributária considerou tais valores como despesas não documentadas e como tal sujeitas a tributação autónoma”;

8. O documento 5 do direito de audição (anexo 9 ao RIT) integra seis documentos internos que titulam movimentos a débito da conta “Caixa – 111” por contrapartida das contas de “Depósitos à Ordem – 1201 e 1206” para pagamento de “Diversas Despesas Cx”, quatro dos quais datados de 2006, da quantia de € 46 000,00 e os dois restantes, de 2007, da quantia de € 16 000,00, no valor global de € 62 000,00;

9. Na sequência da elaboração do RIT, notificado à Requerente através do ofício n.º ... dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., de 20.10.2017 (Doc. 1 junto à PI e PA), foi emitida a liquidação de IRC n.º 2017..., de 23.10.2017 e a demonstração de acerto de contas n.º 2017..., de 25.10.2017 (Doc.s 5 e 6 juntos à PI), ambas referentes ao exercício de 2014, de que resultou o saldo de € 36 083,92, com data limite para pagamento em 04.12.2017, da qual a Requerente foi notificada;

10. Por ofício emitido em 24.12.2017, foi a Requerente citada para o processo de execução fiscal n.º ...2017..., do Serviço de Finanças do ..., instaurado para cobrança coerciva da liquidação de IRC identificada no ponto que antecede (Doc. 7 junto à PI);

11. Para suspensão do processo de execução fiscal acima mencionado, a Requerente prestou a garantia bancária n.º..., emitida pelo D... em 06.02.2018, pela quantia de € 45 955,78 (Doc. 8 junto à PI).

 

B. Factos não provados:

Não se provou que ao movimento de regularização de contas, com débito da conta “56 101 – Resultados Transitados” por contrapartida da conta “111 – Caixa”, pelo montante de € 62 000,00, tenham correspondido fluxos financeiros reais, no exercício de 2014.

 

C. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo vista a prova documental produzida pelas partes (documentos juntos à PI e PA), consideram-se como provados e como não provados, respetivamente, os factos acima enunciados.

 

 

 

III.2 DO DIREITO

  1. As questões a decidir

Vistas as posições expressas pelas Partes nos articulados e a factualidade fixada, delimitam-se as seguintes questões a decidir:

  1. – Quanto às correções ao lucro tributável, a questão de saber se, num contrato de leaseback os encargos com o pagamento do IMT e do I. Selo liquidados em nome do adquirente-locador são fiscalmente dedutíveis na esfera do alienante-locatário, se por este efetivamente suportados;
  2. – No que respeita às tributações autónomas, a questão relativa à qualificação como despesas não documentadas de um movimento de regularização de contas a débito da conta “56 101 – Resultados Transitados” por contrapartida da conta “111 – Caixa”, que não afetou a determinação do lucro tributável do exercício a que respeita a liquidação daquelas tributações autónomas.

 

  1. (i) Das correções ao lucro tributável. Gastos não aceites fiscalmente.

Defende a Requerente que os gastos por si suportados e contabilizados na conta “68118 – Outros impostos diretos”, no valor de € 24 090,00, referentes ao pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e Imposto do Selo (IS), em resultado de uma operação de “sale and leaseback” imobiliária efetuada com o Banco B..., SA, devem concorrer para a determinação do lucro tributável.

  Alega para o efeito que o regime da locação financeira se rege por um princípio de neutralidade fiscal, que os referidos gastos não se configuram como gastos de aquisição, que apenas ocorrerá no final do contrato, momento em que beneficiará de isenção daqueles impostos, tudo sendo agora tratado como uma mera operação de financiamento e não como nova aquisição.

Por sua vez, a Requerida invoca a indisponibilidade dos elementos da relação jurídico-tributária, alegando que o conceito de sujeito passivo não é ajustável em função da qualificação contratual, sendo antes um conceito recortado das normas de incidência fiscal, motivo pelo qual não poderão ser aceites os encargos contabilizados no período de tributação a título de gastos, referentes a impostos que incidam sobre terceiros e que a Requerente não estivesse legalmente obrigada a suportar, por força do disposto no artigo 23.º - A, n.º 1, alínea f), do Código do IRC, como é o caso do IMT e do I. Selo liquidados em nome do Locador, na qualidade de adquirente do imóvel dado em locação.

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O contrato de leaseback é um contrato atípico, não especialmente regulamentado na nossa ordem jurídica, que constitui um caso especial de locação financeira, esta regulada pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24.06.

De acordo com o disposto no artigo 1.º, do citado Decreto-Lei n.º 149/95, de 24.06, são elementos essenciais do contrato de locação financeira (i) a indicação, pelo locatário ao locador, da coisa a comprar ou a construir por um fornecedor; (ii) os deveres a que o locador fica sujeito, perante o locatário, de adquirir a coisa a fim de lhe facultar o seu gozo temporário e, (iii) o dever de o locatário pagar a renda convencionada, com a faculdade de adquirir a coisa locada no final do contrato.

O contrato de leaseback diverge do típico contrato de locação financeira pelo facto de convergirem numa mesma pessoa, simultaneamente, as posições de locatário financeiro e de vendedor, de um lado e, na outra parte, as posições de locador financeiro e de comprador.

Trata-se, pois, de um contrato de financiamento, em que o devedor transfere para o credor a propriedade de um bem a título de garantia do crédito obtido, encontrando-se “intimamente associada à alienação em garantia” (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de …, proferido em 24.11.2015 no Processo:…).

No entanto, enquanto contrato de financiamento, não se enquadra na previsão das normas relativas ao encargo do imposto, a cargo da entidade obrigada à prestação de garantia ou ao utilizador do crédito (cfr. o artigo 5.º, n.ºs 1 e 3, alíneas e) e f), respetivamente, do Código do Imposto do Selo), que, em qualquer dos casos, sempre seria a Requerente.

É que, embora o contrato de locação financeira tenha surgido “(…) como um mero instrumento financeiro para solucionar algumas necessidades das sociedades e das pessoas singulares na sua atividade económica (…) isso não permite que a relevância da sua função financeira permita ocultar as suas caraterísticas jurídicas (estruturais), ou que se confunda o objetivo económico do contrato e os instrumentos legais da prossecução daquele, subordinando, incorretamente, estes instrumentos legais à finalidade económica ou mesmo à disciplina contabilística a que são atualmente subordinados. Embora os aspetos financeiros, económicos ou contabilísticos possam ter importantes consequências práticas e servir de auxiliar na compreensão da figura em análise, a caraterização do contrato de locação financeira, à semelhança do que ocorre com qualquer outro contrato, tem de assentar na sua estrutura jurídica, na sua regulamentação legal e em não quaisquer outros aspetos, sejam financeiros, económicos ou contabilísticos, seguindo os ensinamentos de Diogo Leite de Campos - Locação Financeira (Leasing) e Locação, (Estudo preparatório de uma reforma legislativa), Lisboa, 1994) ”, (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 15.11.2017, Processo n.º 0883/16).

Ora, do ponto de vista estrutural, o contrato de leaseback analisa-se em dois contratos distintos: o de compra e venda a favor do cedente do crédito, Banco ou Sociedade de Locação Financeira, a que se segue um contrato de locação financeira, no qual a empresa vendedora assume a posição de locatário.

Do ponto de vista fiscal, pela compra e venda, apta à transmissão onerosa do direito de propriedade sobre bens imóveis situados em território nacional (artigo 2.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis – IMT), fica o adquirente dos bens imóveis sujeito ao pagamento do IMT, nos termos do artigo 4.º, do Código respetivo e do I. Selo, nos termos dos artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, n.º 3, ambos do Código do Imposto do Selo e da verba 1.1, da Tabela Geral a ele anexa.

Não podendo as normas de incidência tributária, sujeitas a reserva de lei (artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) ser afastadas pela vontade das partes, é ineficaz qualquer cláusula contratual que pretenda o seu afastamento.

Em face do exposto, forçoso é concluir-se que, na situação em análise, não poderão os encargos referentes àqueles impostos, da responsabilidade do locador, constituir gastos dedutíveis na esfera da Requerente, na qualidade de locatária, conforme estabelecido pelo artigo 23.º-A, n.º 1, alínea f), do Código do IRC.

Não merece censura, nesta parte, o ato tributário impugnado, que deverá manter-se.

 

  1. Das Tributações autónomas. Despesas não documentadas. Caducidade.

Sustenta a Requerida que devem ser tributadas autonomamente, à taxa de 50%, nos termos do n.º 1 do artigo 88.º, do Código do IRC, determinadas despesas para as quais a Requerente não dispõe de prova documental externa, e que estariam na origem de levantamentos da conta Caixa, a débito da conta de Resultados Transitados.

Considera ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira, no artigo 97.º da sua Resposta, que, ainda que houvesse prova de que as despesas não documentadas respeitassem aos exercícios de 2006 e de 2007, como defendido pela Requerente, não se coloca a questão da caducidade do direito à liquidação porquanto “a data a relevar para efeitos de tributação autónoma é a de 30.11.2014 que foi quando o documento interno nº 110011 (…) foi regularizado através de Resultados Transitados”.

A Requerente defende que não se tratou de uma regularização de valores não conhecidos que constavam no saldo de “Caixa”, mas sim de levantamentos efetuados pelos sócios da conta bancária da impugnante, ao longo dos anos de 2006 e 2007; que a referida regularização apenas ocorreu no ano de 2014, uma vez que com a aquisição das quotas de um dos sócios, foi decidido pelos restantes sócios, que possuíam o registo dos valores levantados das contas bancárias ao longo dos anos de 2006 e de 2007, regularizar o saldo de “Caixa”; que tais levantamentos deveriam ter sido regularizados por contrapartida da conta dos sócios, uma vez que sempre foi intenção destes proceder à restituição dos valores levantados das contas bancárias da impugnante e que, ainda que a regularização da conta “Caixa” fosse tratada como despesas confidenciais, ou mesmo adiantamentos por conta de lucros, teriam tais situações que ser imputadas aos anos de 2006 e 2007, os quais se encontram caducados nos termos do n.º 1 do artigo 45º da Lei Geral Tributária (LGT).

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Numa análise diacrónica ao instituto das tributações autónomas, verifica-se que estas tiveram o seu aparecimento ainda no âmbito da vigência do Código da Contribuição Industrial, por via do Decreto-Lei n.º 375/74, de 20.08, considerado o diploma definidor do “regime das despesas não documentadas por parte das empresas”, como é confirmado nos preâmbulos dos Decretos-Lei n.ºs 235-F/83, de 1.06 e 167/86, de 27.06. Porém, “face à referência cumulativa a despesas confidenciais e a despesas não documentadas, as primeiras serão aquelas relativamente às quais não é revelada a sua natureza, origem e finalidade, enquanto as segundas serão despesas relativamente às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem ou finalidade. Todas elas, no entanto, serão despesas não comprovadas documentalmente”. (Cfr. o Acórdão do STA, de 07.07.2010, processo n.º 204/2010).

Esta referência cumulativa a despesas confidenciais e a despesas não documentadas viria a transitar para o Código do IRC, tendo desaparecido com a redação dada ao n.º 1 do artigo 81.º (atual artigo 88.º, n.º 1, do CIRC), pela Lei n.º 67-A/2007, de 31.12.

O n.º 1 do artigo 88.º, do Código do IRC, tinha, à data dos factos, a redação ainda agora em vigor, nos termos da qual:

Artigo 88.º - Taxas de tributação autónoma

1 — As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A.

Haverá, pois, que averiguar se as despesas que a Administração Fiscal sujeitou a tributação autónoma no exercício de 2014 podem ser qualificadas como despesas não documentadas.

Por um lado, na página 5 do RIT, escreveram os Serviços de Inspeção Tributária que “no caso em apreço, o sujeito passivo não contabilizou aquele montante de € 62 000,00 como gasto, pelo que não houve qualquer influência para efeitos da determinação do lucro/prejuízo fiscal”; por outro, na esteira do já aludido Acórdão proferido pelo STA no processo n.º 204/2010[1], afirma a Requerida no artigo 86.º, da Resposta, que “É atualmente jurisprudência assente do STA que despesas não documentadas são despesas relativamente às quais não existe prova documental, e tratar-se-á de despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afetam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o”.

No entanto, como também se refere no RIT (pág. 5), o apuramento do imposto em falta, a título de tributações autónomas, assentou na verificação de a Requerente ter efetuado “um movimento de regularização de contas, tendo debitado a conta “56101 – resultados transitados, por contrapartida da conta “111 – Caixa” pelo montante de 62 000 €.”.

Ou seja, a liquidação adicional de IRC do exercício de 2014, no que respeita às tributações autónomas, tem por base um movimento contabilístico apoiado apenas em documento interno (Documento n.º 110011 – anexo 2 ao RIT), movimento que afetou os resultados transitados, mas não afetou o resultado líquido do exercício, diminuindo-o.

Ora, seguindo o raciocínio expendido na Decisão Arbitral proferida em 11.12.2017, no processo n.º 287/2017-T, sempre se dirá que sendo “O IRC, em que se incluem as tributações autónomas previstas no artigo 88.º, do CIRC «é devido por cada período de tributação, que coincide com o ano civil» (artigo 8.º, n.º 1, do CIRC) (…) as despesas não documentadas que são tributadas autonomamente com referência ao exercício de (…) são as que foram efetuadas nesse ano (…)”.

A conclusão a que chega a AT na sua Resposta, de que “a data a relevar para efeitos de tributação autónoma é a de 30.11.2014 que foi quando o documento interno n.º 110011 (…) foi regularizado através de Resultados Transitados”, só poderia ser aceite se aquela regularização respeitasse a despesas não documentadas do exercício de 2014, que tivessem afetado o resultado líquido daquele exercício, diminuindo-o, o que, no caso em apreço, se não verifica, como a própria Requerida, contraditoriamente, reconhece.

A prova oferecida pela Requerente, quer em sede administrativa, quer em sede arbitral, embora constituída por documentos internos, é compatível com a ocorrência de despesas não documentadas, da quantia de € 62 000,00, respeitantes aos exercícios de 2006 e de 2007.

Todavia, não cabe chamar aqui à colação o instituto da caducidade, a que se refere o artigo 45.º, da Lei Geral Tributária (LGT), uma vez que a liquidação adicional de IRC cuja anulação é pretendida pela Requerente, não respeita àqueles exercícios, mas sim ao exercício de 2014, com decorre do Relatório do procedimento de inspeção tributária que lhe deu origem.

Assim sendo, forçoso é concluir-se que a liquidação sindicada, no que às tributações autónomas respeita, padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito em que assentou, o que justifica a sua anulação, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT.

 

  1. Do pedido de indemnização por prestação de garantia indevida

Cumula a Requerente, com o pedido de anulação do ato tributário objeto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida no processo de execução fiscal n.º ...2017..., cumulação implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT.

  Tem a jurisprudência considerado que “Existe a obrigação de indemnizar por parte da AT, decorrente da prestação indevida da garantia, se a ilegalidade da liquidação do imposto resulta de uma interpretação errada que a AT fez das normas legais aplicáveis ao caso concreto ou da errada subsunção jurídica da situação de facto concreta às normas e princípios fiscais aplicáveis[2].

O artigo 171.º, do CPPT, estabelece que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” e que “a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

Nestes termos, o processo de impugnação judicial é, em princípio, o meio processual adequado para formular o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia.

 Também no processo arbitral tributário a indemnização por prestação indevida de garantia integra a previsão do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, em que se alude ao dever de a AT “Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, sendo, deste modo, meio adequado para apreciar tal pedido.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º, da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º - Garantia em caso de prestação indevida

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

No caso em apreço, é manifesto que o erro do ato de liquidação, consubstanciado na errada qualificação como despesas não documentadas do exercício de 2014 a regularização do saldo da conta “Caixa” por contrapartida de “Resultados Transitados”, é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, o que determina o direito da Requerente a indemnização pela garantia prestada, desde a data da respetiva prestação, na medida da anulação da liquidação impugnada, coercivamente exigida na execução fiscal identificada.

 

  1. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se:

  1. Anular parcialmente a liquidação de IRC n.º 2017..., do exercício de 2014, pela quantia de € 31 000,00, correspondente às tributações autónomas;
  2. Anular parcialmente a liquidação de juros compensatórios associada à liquidação anterior, na medida do imposto anulado;
  3. Condenar a AT no pagamento de indemnização por garantia indevidamente prestada no processo de execução fiscal n.º ...2017..., na mediada da anulação do IRC e juros compensatórios que constituem a respetiva quantia exequenda, a determinar em execução da presente decisão arbitral;
  4. Manter o ato de liquidação objeto dos autos, no que respeita às correções ao lucro tributável e respetivos juros compensatórios.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 36 083,92 (trinta e seis mil e oitenta e três euros e vinte e noventa e dois cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a repartir entre a Requerente e a Requerida, na proporção de 5,96% e de 94,04%, respetivamente.

Notifique-se.

Lisboa, 3 de setembro de 2018.

O Árbitro,

 

 

Mariana Vargas

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] No texto do mencionado Acórdão: “(…) tratar-se-á de encargos ou despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afetam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o, (…)”.

[2] - Acórdão do STA, de 11.10.2017, proc.º 0160/17.