Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 574/2017-T
Data da decisão: 2018-09-10  Selo  
Valor do pedido: € 18.021,40
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS; Terreno para construção.
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DECISÃO ARBITRAL

O árbitro João Taborda da Gama, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 11-01-2018, acorda no seguinte:

  1. Relatório

 

A..., S.A., NIF..., com sede na ..., ..., ...-... ..., (doravante a “Requerente”), apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante também identificada como “AT”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 11-01-2018. Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) ambos do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Por despacho de 04-06-2018 foi dispensada reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas. As Partes apresentaram alegações.

Em 10 de julho de 2018, tendo em conta as circunstâncias do processo, foi proferido despacho de prorrogação da decisão, pelo prazo de 2 meses.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

  1. Matéria de facto

 

  1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo (“PA”) junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na ..., em ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ... com a ficha n.º..., e inscrito na matriz predial da freguesia de ... e o artigo matricial n.º ... (correspondente ao extinto artigo n.º...);
  2. Resulta da Caderneta Predial Urbana, quando ao tipo de prédio, que se trata de um terreno para construção.
  3. O valor patrimonial atribuído ao prédio foi de €1.802.140;
  4. Resulta do alvará de loteamento n.º .../88, emitido pelo Município de ... que o prédio (Lote 7) se destina a um “aldeamento hípico”;
  5. Resulta da Certidão Predial que o prédio (Lote 7) é um “Terreno destinado a aldeamento turístico”;
  6. Não se encontra edificada qualquer construção no referido prédio;
  7. A Requerida procedeu à liquidação de Imposto do Selo (doravante “IS”), no valor de €18.021,40, relativo ao ano de 2015, ao abrigo da verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante "TGIS”).

 

  1. Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral.

 

 

  1.   Questão prévia: Exceção de incompetência do Tribunal Arbitral

Segundo a Requerida, o presente pedido de pronúncia arbitral tem como objeto a apreciação pelo Tribunal Arbitral da avaliação efetuada ao prédio em causa, matéria que se encontra excluída da sua competência material. Com efeito, defende a AT que “o ato objeto do litígio não pode ser qualificado como um ato de liquidação de tributo para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT”, acrescentando que o que está em causa no presente processo “é o ato de fixação do VPT, mais concretamente o do coeficiente de afectação do prédio urbano em causa”. Assim, conclui a AT que o meio próprio para impugnar este ato é uma ação administrativa especial (artigos 14.º a 16.º da Resposta apresentada pela AT).

Não assiste, contudo, razão à AT. Na verdade, contrariamente ao que foi alegado pela Requerida, resulta do pedido efetuado pela Requerente “que seja julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto, de 27jul2016, de indeferimento da reclamação do tributário de liquidação de Imposto do Selo referente a 2015, no valor de 18.021,40€, emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 5abr2016, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo (…)”.

Pretende, assim, a Requerente, que seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação do IS liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS relativamente ao ano de 2015.

Desta feita, sendo peticionada a “declaração de ilegalidade” de um ato de liquidação de um tributo, está-se perante matéria abrangida pela competência material dos tribunais arbitrais, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03. Neste sentido, já se pronunciou este Tribunal nos processos n.ºs 116/2016-T e 117/2016-T, ambos com factualidades muito próximas das descritas acima.

            Pelo exposto, improcede a exceção dilatória suscitada pela Requerida. 

 

  1. Matéria de direito

 

  1. Questão do mérito do pedido de pronúncia arbitral

 

O que importa decidir no presente caso é se um terreno para construção, cuja avaliação se baseou - conforme decorre da Caderneta Predial Urbana – no coeficiente de localização relativo a prédios para habitação, mas que nos termos do alvará de loteamento se destina a um aldeamento hípico integra ou não a previsão da verba 28.1 da TGIS. No fundo, o que está em causa é a interpretação que deve ser dada à verba 28.1 da TGIS, quando se refere a “edificação, autorizada ou prevista”, nos termos que abaixo de detalham.

No ano de 2015, a verba 28.1 da TGIS, em que se baseou a liquidação impugnada, tinha a seguinte redação:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1. Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI ------------------------- 1%;” (negrito e sublinhado nosso).

A aplicação da verba 28.1 depende, assim, do preenchimento cumulativo de três requisitos, a saber: (i) o valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante “Código do IMI”), ser igual ou superior a €1.000.000; (ii) tratar-se de um prédio habitacional ou de terreno para construção; e (iii) a edificação autorizada ou prevista para o mesmo ser habitação nos termos do Código do IMI.

Relativamente aos dois primeiros requisitos: resulta da Caderneta Predial Urbana que o valor patrimonial tributário é, de facto, superior a €1.000.000, e, ainda, que se trate de um prédio qualificado como terreno para construção.

Importa, assim, apenas, confirmar a afetação “autorizada ou prevista” do prédio:

Nos termos do disposto no artigo 4.º do Código do IMI os “[p]rédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)”.

No que respeita à classificação das espécies de prédios urbanos, o artigo 6.º, n.º 1 do Código IMI divide-os em: a) habitacionais; b) comerciais, industriais ou para serviços; c) terrenos para construção; d) outros”.

À luz do artigo 6.º, n.º 3 do Código do IMI, consideram-se terrenos para construção “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.”.   

Entendemos, assim, que “só é terreno para construção aquele em que o proprietário pode juridicamente iniciar a construção, tendo um direito subjetivo nesse sentido e não um mero interesse legítimo, expectativa, esperança ou desejo” (João Taborda da Gama, “Terrenos para construção e regime transitório das mais-valias imobiliárias em IRS”, Fiscalidade, Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 30, Abril-Junho 2007, p. 103). Assim, “o conceito de terreno para construção que encontramos na lei fiscal é um conceito próprio e que se baseia numa apetência edificante muito concreta, materializada já num acto autorizativo jurídico-público vigente e tendencialmente irrevogável”  (João Taborda da Gama, “Terrenos para construção e regime transitório das mais-valias imobiliárias em IRS”, Fiscalidade, Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 30, Abril-Junho 2007, Instituto Superior Gestão, p. 106).

Ora, tratando-se de um conceito próprio do Direito Fiscal que se encontra ancorado numa aptidão jurídica, a respetiva afetação encontra-se ligada à própria existência de um terreno para construção, dependendo da apetência edificante materializada nos atos autorizativos que o têm por objeto.

Assim, o facto de o prédio, nos termos do Alvará de Loteamento n.º..., se destinar a um aldeamento hípico (e não a habitação), é um dos elementos que determina a sua afetação. Nos termos do alvará de loteamento a construção “autorizada ou prevista” para o prédio em análise (Lote 7), não é a habitação – como prevê a verba 28.1 da TGIS (mas a construção de um “aldeamento hípico”). Neste sentido, pode ler-se no Alvará de loteamento n.º ... que o “lote 7 com a área de 100.741 m2, destinado a aldeamento hípico”. Aliás, contraste-se com o que expressamente diz o mesmo título sobre os lotes 9 a 73 “[t]odos estes lotes se destinam a habitação, sendo constituídos por 1 fogo cada (…).”. No mesmo sentido que não estamos perante um prédio cuja construção prevista ou autorizada seja a habitacional, temos também a Certidão Predial da qual resulta que se trata de um “Terreno destinado a aldeamento turístico.".

Assim sendo, o terceiro requisito não se encontra verificado.

            Em conclusão, o prédio acima identificado não está sujeito à verba 28.1 da TGIS.

Sobre a mesma questão jurídica se pronunciaram outros tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD: processos n.ºs 116/2016-T, de 14 de julho de 2016, e 117/2016-T, de 30 de setembro de 2016. Com efeito, no processo n.º 116/2016-T o Tribunal Arbitral considerou que “o alvará de loteamento (cujo teor, reitera-se, não foi contestado pela Requerida) é claro: o destino (se se considerar previsto) do terreno é a exploração agropecuária - não a habitação.

Sendo esse facto evidente, então o terceiro requisito constante da norma de incidência de imposto não se encontra verificado. O terreno não tem uma edificação, autorizada ou prevista, afeta a habitação.”.

Também no processo 117/2016-T se refere que dos “elementos do processo, designadamente face ao teor do alvará de loteamento, resulta inequívoco que no terreno para construção a que se refere a liquidação impugnada a edificação nele autorizada não tem afetação habitacional.

Não se verificando, assim, a previsão da norma de incidência, não pode deixar de se reconhecer que assiste razão à Requerente quando alega não se mostrarem verificados os pressupostos de facto e de direito em que se suporta o ato tributário impugnado, não se subsumindo naquela o prédio identificado no presente processo.”

Assim, as liquidações impugnadas são ilegais, por vício de violação de lei, já que não cabem no campo de aplicação da verba 28.1 da TGIS. Este vício justifica a anulação da liquidação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Decisão

Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal arbitral, em razão da matéria;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação da liquidação impugnada, com todas as consequências legais, desde logo o reembolso à Requerente do montante por ela pago, relativamente à liquidação ora anulada.

 

  1. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €18.021,40 (dezoito mil, vinte e um euros e quarenta cêntimos).

 

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 10 de setembro de 2018.

 

O Árbitro,

 

 

João Taborda da Gama