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DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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A..., contribuinte fiscal n.º ... e B..., contribuinte fiscal n.º..., adiante designados “Requerentes”, com domicílio fiscal na Rua ..., n.º..., ..., ..., ... - ... Vila Nova de Gaia, vieram, no dia 11-05-2017, apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT).
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O pedido de pronúncia arbitral visa a anulação da liquidação adicional de IRS nº 2017 ... e demonstração de acerto de contas nº 2017 ... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de tributação de 2013, que resultaram da correção ao rendimento tributável no mesmo período, na sequência de um procedimento de inspeção realizado ao abrigo da Ordem de Serviço nº OI2016..., emitida na Direção de Finanças do Porto, de que resultou um valor a pagar €14.539,77.
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada somente por “Requerida”).
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 19-05-2017.
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Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, foi o signatário designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
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Em 04-07-2017 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 19-07-2017.
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Os Requerentes peticionam a anulação parcial das liquidações controvertidas, alegando, em síntese, o seguinte:
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Considerando a posição da jurisprudência, a sua antiguidade no sector bancário deverá ser contada por referência a todo o tempo de serviço prestado no sector bancário e não apenas na entidade patronal que suportou o encargo com a indemnização paga por rescisão do contrato de trabalho;
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A posição assumida pela AT resulta do teor de uma informação vinculativa – a qual, à data dos factos em causa, não era, como não tinha de ser, de conhecimento do Requerente – e que, como resulta da lei, apenas vinculam a AT e não os Contribuintes, e, ainda assim, apenas nas concretas circunstâncias objeto da informação, conforme decorre do artigo 68.º da LGT.
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A Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:
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A antiguidade a contabilizar, para efeitos do nº 4 do art. 2.º do CIRS, é a antiguidade na entidade devedora da compensação por cessação do contrato de trabalho, não sendo de ponderar, na aplicação do referido preceito legal, a antiguidade em anterior entidade empregadora, mesmo que o trabalhador e a nova entidade patronal tenham acordado ser de considerar em eventuais futuras “indemnizações”, por contrato de trabalho ou que decorra de instrumentos de regulamentação coletiva;
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Logo, foi sobre a antiguidade de 6,26 anos que foi apurado o montante indemnizatório excluído de tributação de IRS, porquanto é este o tempo de serviço prestado na última entidade empregadora, sobre quem recai o dever de pagar a compensação;
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O conceito de antiguidade – antiguidade per si, sem qualquer qualificativo – em sede laboral não comporta uma especial densidade científica que o afaste significativamente do sentido da linguagem corrente: traduzindo, tal como noutros contextos jurídicos, um intervalo juridicamente relevante, com efeitos diversos, entre um determinado termo inicial e um determinado termo final;
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Apesar de os instrumentos de regulamentação coletiva – mas não apenas estes – aduzirem vários qualificativos à antiguidade laboral, a verdade é que o Código do Trabalho não define o que seja “antiguidade” nem apresenta uma qualificação unívoca dela, constatando-se, contudo, à saciedade, a prevalência da noção de “antiguidade na empresa”, incluindo em matéria de cessação do contrato de trabalho;
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Conforme o artigo 339.º do Código do Trabalho de 2009 (cf. Artigo 383.º do Código do Trabalho de 2003), interpretando a expressão “indemnização” também como “compensação”, em matéria de cessação do contrato de trabalho podem os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho regular os critérios de definição de indemnizações (compensações) e os prazos de procedimento e de aviso prévio, podendo ainda regular os valores de indemnizações (compensações) mas, neste caso, dentro dos limites fixados no Código – matérias excluídas da disponibilidade das partes no contrato de trabalho;
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Da caducidade do contrato de trabalho, do despedimento por causas objectivas, da substituição da reintegração decorrente da ilicitude do despedimento ou da resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador – isto é, das situações que dão origem às referidas compensações ou indemnizações – tem de distinguir-se o acordo de distrate/revogação do contrato individual de trabalho, em que não está limitada a liberdade contratual e, assim, a autonomia negocial entre as partes, podendo estas acordar entre si contrapartidas pecuniárias várias pela cessação contratual, porventura traduzidas numa compensação pecuniária global que, não tendo de respeitar limites legais, está na inteira disponibilidade das partes;
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Analisando o conteúdo dos acordos coletivos de trabalho do sector bancário, que contém aquela clausula 17.ª (sob a epígrafe “Determinação da antiguidade”), importa concluir que, para além do regime indemnizatório por substituição da reintegração decorrente da ilicitude do despedimento, tais instrumentos não incidem sobre as compensações/indemnizações por caducidade do contrato de trabalho, por despedimento por causas objetiva, por resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em ato ilícito do empregador ou por acordo de distrate/revogação do contrato de trabalho – matérias que, bem vistas as coisas, estão portanto arredadas dos efeitos normativos emergentes de tal cláusula 17.ª, tão simplesmente por não integrarem “todos os efeitos previstos” em tais instrumentos;
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Ao regime jurídico do artigo 2.º, n.º 4, do Código do IRS subjaz uma notória vocação anti abuso, própria das cláusulas especiais preventivas da evasão fiscal – vocação que tem especial razão de ser, pois não seriam em qualquer caso aceitáveis acordos que dispusessem sobre antiguidade laboral reconhecendo antiguidades meramente artificiais e impondo tal reconhecimento para efeitos de delimitação negativa da incidência de imposto;
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Tendo presente que “a qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes (…) não vincula a administração tributária” de acordo com o n.º 4, do artigo 36.º da LGT – norma que abrange, naturalmente, por maioria de razão, as qualificações das partes incidentes sobre o objeto negocial -, a questão terá de obter a sua solução na integral interpretação jurídica de todo o normativo implicado pela expressão “número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções a entidade devedora”, contida na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS;
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Uma vez respeitados os limites legais imperativos quanto às compensações ou indemnizações por cessação do contrato de trabalho, não está naturalmente, em causa a plena legitimidade de os instrumentos jurídicos negociais vincularem a entidade devedora a compensações/indemnizações pecuniárias superiores ao montante correspondente à delimitação negativa da incidência fiscal prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS;
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O elemento literal da interpretação jurídica permite confirmar, numa perspetiva de correção sintática, que a antiguidade prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS é a antiguidade na “entidade devedora”, correspondente à “antiguidade na empresa” que, por força do elemento histórico-sistemático inerente à norma do atual n.º 10 do mesmo artigo, corresponde à “entidade empregadora/patronal”, com a amplitude decorrente desta norma, bem como das situações de sucessão na posição desta entidade, máxime por efeito da equiparação inerente ao artigo 285.º do Código de Trabalho de 2009;
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A razão pela qual o legislador conjugou, alternativa e inclusivamente, as expressões “antiguidade” ou “de exercício de funções” tem a ver com a necessidade de uma previsão normativa abrangente, de molde a colher as múltiplas situações geradoras dos rendimentos de trabalho dependente, respetivamente o contrato de trabalho ou a de prestação de serviços, por um lado, e o exercício de função, serviço ou cargo público, por outro lado;
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Vários são os elementos histórico-sistemáticos e teleológicos que, ao nível infraconstitucional, só são compatíveis, seja com a “antiguidade na entidade devedora”, seja com a inadmissibilidade da consideração nesta antiguidade, correspondente à efetiva duração da relação contratual outorgada por aquela entidade, de majorações decorrentes de instrumentos jurídicos negociais;
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Existem também poderosos momentos do sistema constitucional – inerentes, seja ao principio da igualdade, seja ao principio da legalidade em matéria de incidência fiscal, cujos corolários de igualdade, responsabilidade e segurança reclamam uma intensa determinabilidade – que inequivocamente pressupõem na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS uma “antiguidade” referenciada à “entidade devedora” e que não admitem, face ao elemento teleológico aferido pela finalidade da exclusão da incidência fiscal estatuída naquela mesma norma, que instrumentos jurídicos negociais se permitissem, através de majorações da antiguidade inerente à efetiva duração da relação contratual outorgada por aquela entidade, delimitar voluntariamente a amplitude dessa exclusão da incidência fiscal;
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Sabendo-se que o principio constitucional da igualdade, afirmado no artigo 13.º da CRP, comporta um sentido positivo de tratamento idêntico ou semelhante das situações idênticas ou semelhantes, respetivamente, e de tratamento desigual de situações substancial e objetivamente desiguais, com verificação por um processo de comparação, justificando-se tratamento diferenciado apenas em função e na medida da diversidade das situações, tornar-se-ia muito difícil aceitar a desigualdade de tratamento que resultaria de se permitir que instrumentos jurídicos negociais pudessem delimitar antiguidades com efeitos na integração no regime de exclusão de incidência fiscal do artigo 2.º, n.º 4 do CIRS, sem que esses mesmos instrumentos pudessem, com os mesmos efeitos, delimitar o “exercício de funções na entidade devedora;
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A interpretação adotada pela Requerida é a única conforme com o principio constitucional da legalidade em matéria de incidência fiscal, que não pode admitir que na antiguidade na entidade devedora se considerem, para além da antiguidade inerente à efetiva duração da relação contratual outorgada por esta entidade, majorações decorrentes de instrumentos jurídicos negociais, pois admitir-se que estes instrumentos pudessem delimitar antiguidades com efeitos na integração no regime de exclusão de incidência fiscal do artigo 2.º, n.º 4 do CIRS traduziria uma notória obnubilação de todos os fundamentos do principio da legalidade, máxime na conjugação da justiça fiscal com a certeza e segurança jurídica da tributação: como se de uma tributação voluntária se tratasse;
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A “entidade devedora” a que se refere o nº 4 do art. 2.º, tem de ser a “entidade patronal” mencionada no nº 10 do mesmo preceito legal, o que fica explícito quando no nº 4 se condiciona a exclusão da tributação à não criação de novo vínculo profissional ou empresarial no prazo de 24 meses com a mesma “entidade”;
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Portanto, o ato de liquidação adicional, em crise nestes autos, não enferma de qualquer vício que ponha em causa a sua legalidade e validade, Razão pela qual não há lugar ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios.
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Por despacho de 09-10-2017, este Tribunal, ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade e da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), e considerando que não foram suscitadas exceções, decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, determinando que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.
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Os Requerentes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram os argumentos apresentados no pedido de pronúncia arbitral.
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A Requerida não apresentou alegações.
II – SANEADOR
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Não foram invocadas exceções.
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As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.
III. MÉRITO
III. 1. MATÉRIA DE FACTO
§1. Factos provados
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O Tribunal considera provados os seguintes factos:
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Os Requerentes são casados e não separados judicialmente de pessoas e bens;
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Relativamente aos rendimentos auferidos no ano de 2013, os Requerentes apresentaram declaração “Modelo 3” conjunta;
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Estão em causa nos autos factos e rendimentos reportados ao referido ano de 2013 e relacionados exclusivamente com a atividade profissional do Requerente marido;
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Numa ação inspetiva ao Banco C..., a AT constatou que, durante o ano de 2013, aquela instituição bancária rescindiu o contrato de trabalho, entre outros, com o Requerente marido, tendo contabilizado, quanto a este, para efeitos de antiguidade, todo o tempo de serviço prestado no sector bancário, isto é, 16 anos, sendo que, no que se refere ao Banco C..., o tempo de serviço do Requerente marido se reporta a 6,26 anos;
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Foi paga pelo C... ao Requerente marido, no ano de 2013, a importância de 84.245,00€, a título de indemnização pela rescisão do contrato de trabalho, considerando 16 anos de serviço no setor bancário, conforme descrito no seguinte quadro constante do Relatório de Inspeção Tributária (RIT):
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O Requerente era sindicalizado no Sindicato dos Quadros e Técnicos do Sector Bancário;
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Os Requerentes foram objeto de uma ação inspetiva interna, de âmbito parcial, que decorreu sob a Ordem de Serviço n.º OI2016...;
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Com base no RIT, a AT procedeu a correções à matéria tributável em IRS dos Requerentes, respeitantes ao ano de 2013, no valor de €31.259,70, em virtude de ter considerado a antiguidade de 6,26 anos, conforme se constata dos seguintes quadros constantes do RIT:
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Foram emitidas pela AT e notificadas aos Requerentes a demonstração de liquidação adicional de IRS/2013 nº 2017..., a demonstração de acerto de contas nº 2017... e a respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de tributação de 2013, que resultaram da correção ao rendimento tributável no mesmo período, na sequência do procedimento de inspeção mencionado supra, de que resultara um valor a pagar de €14.539,77.
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Os Requerentes não exerceram o direito a audição prévia, apesar de terem sido notificados para o efeito;
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Os Requerentes, invocando insuficiência económica, não procederam ao pagamento da liquidação impugnada tendo requerido a suspensão do processo executivo e a dispensa de prestação de garantia por incapacidade.
§2. Factos não provados
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Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.
§3. Motivação quanto à matéria de facto
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No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes em sede de facto, no Processo Administrativo e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
§1. Questão decidenda
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Resulta das posições assumidas pelas Partes que a questão central a apreciar e decidir por este tribunal é a que se refere à legalidade do ato de liquidação adicional de IRS, ao qual os Requerentes imputam o vício de violação da lei, por desrespeito da norma contida no artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do CIRS.
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Assim, a questão controvertida no presente processo prende-se com a interpretação do referido preceito legal, importando saber se do mesmo resulta que a contagem da antiguidade do Requerente marido, para efeitos de incidência de IRS, no caso de indemnização por rescisão do contrato de trabalho, deve fazer-se tendo em conta o tempo de serviço prestado no setor bancário (incluindo, portanto, o tempo de serviço anteriormente prestado noutra instituição bancária), ou se, pelo contrário, o referido preceito determina que apenas deve ser considerado o tempo de trabalho prestado na entidade com a qual o Requerente rescindiu o contrato de trabalho.
§2. Aplicação do direito ao caso sub judice
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O artigo 2.º, n.º 4, do CIRS dispunha, à data dos factos, o seguinte:
«[…]
4 - Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa colectiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação:
(a) Pela sua totalidade, tratando-se de gestor público, administrador ou gerente de pessoa colectiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente;
(b) Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.
[…]».
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Sobre a interpretação da lei fiscal, dispõem os números 1 e 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) o seguinte:
«1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
[…]»
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Quanto às regras gerais de interpretação, o artigo 9.º do Código Civil prevê o seguinte:
«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»
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É com base nas regras de interpretação citadas que há de buscar-se o sentido do conceito de «antiguidade» utilizado pelo legislador no artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do CIRS.
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O ponto de partida da interpretação é o texto da norma, o qual, no caso da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, aponta para a consideração da antiguidade na entidade devedora.
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Com efeito, a expressão “na entidade devedora”, contida na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, refere-se à expressão, que a precede, “número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções”.
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Deste modo, o legislador delimita o âmbito em que a antiguidade (ou o exercício de funções) assume relevo na aplicação do método de cálculo previsto na referida alínea b).
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A este entendimento não obsta a inclusão, entre vírgulas, a seguir à expressão “ou de exercícios de funções”, do termo “nos demais casos”.
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Na sentença arbitral proferida no âmbito do processo n.º 230/2016-T, citada pelos Requerentes, sustenta-se que «a norma acrescenta a seguir à última expressão (ou exercício de funções na entidade devedora): “nos demais casos”, conduzindo à percepção de que contém dois mecanismos distintos para se obter o multiplicador, em alternativa, existindo desta feita, pelo menos, “dois” casos, distintos, contidos na previsão da norma».
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Sucede que quando no texto da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS se alude aos demais casos, é para abranger todos aqueles que não se enquadrem na alínea a).
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Ou seja, as importâncias a que se refere o artigo 2.º, n.º 4 do CIRS são tributadas pela sua totalidade quando sejam auferidas por gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente [alínea a)], e são tributadas apenas no montante que exceda o limite calculado nos termos da alínea b), nos demais casos.
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Deste modo, a referência aos demais casos não permite ao intérprete concluir, como o faz o tribunal arbitral no processo n.º 230/2016-T, que o preceito em análise “contém dois mecanismos distintos para se obter o multiplicador”.
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Uma interpretação que considerasse que a expressão “na entidade devedora”, contida na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, se refere apenas à expressão, “exercício de funções”, implicaria aceitar que o legislador, neste preceito, delimitou o âmbito em que o exercício de funções assume relevo na aplicação do método de cálculo aí previsto, mas deixou por delimitar o âmbito em que opera a antiguidade.
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Uma tal interpretação resultaria também na aceitação de critérios diferenciados aplicáveis à “antiguidade” e ao “exercício de funções”, sem razão justificativa aparente.
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Mas se, ao invés de considerarmos que o legislador foi incoerente ou arbitrário no texto que adotou, presumirmos, como prevê o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, que o legislador “consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, então devemos concluir que, com coerência e de acordo com um critério identificável e objetivo, o legislador delimitou o âmbito em que a “antiguidade” ou o “exercício de funções” assumem relevo para efeito da aplicação da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, através da utilização da expressão “na entidade devedora”.
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Este resultado interpretativo, segundo o qual a antiguidade a que se refere o legislador na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS é a antiguidade na entidade devedora, espelha uma interpretação declarativa, na qual este Tribunal se limita a «eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo» (cfr. JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 2008, p. 185).
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Este Tribunal não acompanha, assim, a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) que tem assumido que o legislador fiscal não define, para efeito de aplicação da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, o conceito de antiguidade do trabalhador (cfr., neste sentido, os seguintes acórdãos do TCAS: acórdão de 11/05/2004, proferido no âmbito do processo n.º 06002/01; acórdão de 21/09/2010, proferido no âmbito do processo n.º 03748/10; acórdão de 12/03/2013, proferido no âmbito do processo n.º 05971/12), nem acompanha a jurisprudência do CAAD que tem adotado a mesma linha de fundamentação (cfr. as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.ºs 616/2015-T e 230/2016-T).
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Resulta, portanto, do texto da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS que o legislador fiscal se refere expressamente, para o efeito da sua aplicação, à antiguidade na entidade devedora, não se descortinando razão para indagar o sentido que o conceito de antiguidade assume no direito laboral.
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Assim, no caso sub judice, no cálculo da indemnização por cessação do contrato de trabalho do Requerente marido, apenas deve ser considerada a antiguidade na entidade devedora – C... .
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Refira-se que chegaríamos à mesma conclusão se aplicássemos o conceito de antiguidade que vigora no direito do trabalho.
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Ou seja, ainda que seguíssemos o caminho interpretativo trilhado pela jurisprudência do TCAS citada supra, chegaríamos a um resultado oposto ao afirmado em tal jurisprudência, como veremos de seguida.
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Nesta matéria, subscrevemos o teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 1202/11.0TTMTS.P1S1, aprovado por unanimidade, no excerto que de seguida se transcreve:
«O sobredito Código do Trabalho, tal como acontecia na legislação anterior, não explicita, directamente, o conceito de antiguidade, que, numa acepção geral, se reporta à antiguidade na empresa, mas que também pode remeter para uma situação profissional específica, como seja a antiguidade na actividade ou na categoria.
Convém, assim, para densificar o significado legal de antiguidade, examinar os preceitos legais que se referem àquela particular figura da dogmática laboral.
O n.º 6 do artigo 112.º consagra a regra segundo a qual «[a] antiguidade do trabalhador conta-se desde o início do período experimental», estabelecendo o artigo 113.º que «[o] período experimental conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo acção de formação determinada pelo empregador, na parte em que não exceda metade da duração daquele período» (n.º 1), não devendo ser «considerados na contagem os dias de falta, ainda que justificada, de licença, de dispensa ou de suspensão do contrato» (n.º 2), desconsideração que apenas relevará, especificamente, para a contagem do período experimental, pois, no regime-regra, tais períodos contam para efeitos de antiguidade, conforme se extrai do preceituado nos artigos 255.º, 295.º e 317.º, disposições legais adiante citadas.
E o n.º 1 do artigo 129.º reza que é proibido ao empregador «[f]azer cessar o contrato e readmitir o trabalhador, mesmo com o seu acordo, com o propósito de o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade» [alínea j)].
Doutra parte, o n.º 3 do artigo 147.º estatui que, nas situações de conversão do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo, «a antiguidade do trabalhador conta-se desde o início da prestação de trabalho», excepto quando se configure uma sucessão de contratos de trabalho a termo com o mesmo trabalhador, hipótese em que, a referida contagem, «compreende o tempo de trabalho prestado em cumprimento dos contratos sucessivos a termo».
Por seu turno, o n.º 5 do artigo 162.º comanda que «[o] tempo de serviço prestado em regime de comissão de serviço conta para efeitos de antiguidade do trabalhador como se tivesse sido prestado na categoria de que este é titular».
Já o artigo 245.º, prevenindo a situação particular de cessação do contrato de trabalho quando o trabalhador ainda não tenha gozado as férias vencidas, estipula que «[o] período de férias é considerado para efeitos de antiguidade», havendo outras situações em que, apesar de não ocorrer prestação de trabalho, os atinentes períodos contam para efeito de antiguidade, como acontece nas ausências ao trabalho ligadas ao regime de protecção na parentalidade (artigo 65.º, n.º 1), nos chamados dias de repouso (descansos diário e semanal, feriados e férias — artigos 232.º a 247.º), nas faltas justificadas (artigo 255.º), na redução ou a suspensão do contrato de trabalho (artigo 295.º, n.º 2), nas licenças sem retribuição (artigo 317.º) e na suspensão do contrato de trabalho por motivo de adesão à greve (artigo 563.º, n.º 3).
É claro que, nas faltas injustificadas, o período de ausência não é contado na antiguidade do trabalhador, nos termos que o artigo 256.º especifica detalhadamente.
Registe-se que a alínea b) do n.º 2 do artigo 262.º consagra a diuturnidade como prestação retributiva a que o trabalhador tem direito em função da antiguidade.
Enfim, a noção de antiguidade é aflorada nos normativos atinentes à fixação do aviso prévio relativo à data de cessação do contrato de trabalho (artigos 363.º, n.º 1, 371.º, n.º 3, e 378.º, n.º 2), ao cálculo da compensação por cessação do contrato de trabalho, por causas objectivas (artigos 366.º, n.º1, 372.º e 379.º), à indemnização em substituição de reintegração, a pedido do trabalhador, no caso de despedimento ilícito (artigo 391.º, n.º 1) e, ainda, à indemnização devida em caso de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, com justa causa (artigo 396.º, n.os 1 e 2).
Assim, o significado legal de antiguidade, na sua acepção geral, reconduz-se ao tempo de integração de um trabalhador numa organização empresarial, situação jurídica que releva, designadamente, para efeitos de promoção, de atribuição de diuturnidades, de fixação da dimensão do aviso prévio em relação à data de cessação do contrato e de determinação do valor da compensação/indemnização, em caso de despedimento ou de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador.
É este, aliás, o entendimento acolhido, genericamente, pela doutrina.
Segundo BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER e OUTROS (Manual de Direito do Trabalho, 2.ª edição, revista e actualizada, Verbo, Babel, Lisboa, 2014, pp. 432-433), «[a] continuidade do serviço do trabalhador, normalmente referenciada à mesma empresa, determina-lhe uma certa antiguidade computada em anos de serviço, a qual dá uma fisionomia concreta especial aos direitos do trabalhador, potenciando-os», efeitos que «têm base no envolvimento progressivo do trabalhador na empresa […] recompensado pelo reconhecimento de um estatuto mais favorável e pela especial tutela da estabilidade do contrato, correspondendo assim à “expectativa de segurança” do trabalhador (aspecto que hoje se reflecte, essencialmente, na protecção de que beneficiam os trabalhadores mais antigos em certos casos de despedimento: na dimensão dos avisos prévios — indemnizações).
Os mesmos AUTORES sublinham que «[é] discutível se pode existir uma antiguidade meramente convencional», havendo que distinguir, «já que há situações em que tal previsão é perfeitamente lícita (assim se se contabilizar a antiguidade adquirida em outra empresa do grupo), como haverá outras em que a antiguidade convencional é ilícita, quando pretende defraudar preferências normativas relativas à antiguidade (preferências na conservação do emprego ou de promoção atribuídas a trabalhadores efectivamente mais antigos)».
Nesta mesma linha de pensamento, ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES (Direito do Trabalho, 16.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, p. 191 e ss.) anota que «[a] relação de trabalho não se esgota num momento, numa prestação instantânea. Seja qual for a sua duração, ela implica sempre alguma continuidade, um “estado de facto que indica a mais ou menos prolongada inserção de um trabalhador numa organização empresarial”. A continuidade determina, na esfera jurídica do trabalhador, a antiguidade. […] Sob o ponto de vista do trabalhador, ela relaciona-se intimamente com o risco de ruptura: quanto maior a duração do contrato, mais profunda a integração psicológica do trabalhador na empresa, mais indesejável ou perturbadora, portanto, a possibilidade de cessação do contrato. Assim, a antiguidade cria e vai acrescendo uma expectativa de segurança no trabalhador. Pelo que diz respeito aos interesses do empregador, ela significa que a empresa pôde concretizar, ao longo de certo período, as disponibilidades de trabalho de que carecia, mantendo incorporado um elemento de cuja integração nos objectivos da empresa é garantia esse mesmo tempo de vinculação. Por isso se entende que o regime da antiguidade só se ajusta plenamente às situações de trabalho na empresa.»
O mencionado AUTOR, na sequência do trecho transcrito, acentua que «[é] o momento da efectiva admissão do trabalhador, isto é, aquele em que o trabalhador passa realmente a encontrar-se “ao serviço” da empresa […], que deve relevar para efeitos de contagem da antiguidade. Esta não se identifica, pois, propriamente, com a “duração do trabalho efectivo”, mas com a duração da “pertinência à empresa” que começa, não com a celebração do contrato, mas com a incorporação na empresa.»
Tal como afirma PEDRO ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, p. 382), «[p]ara efeitos de antiguidade atende-se à duração do contrato de trabalho e não à sua execução», donde, «a antiguidade não é igual ao número de dias de laboração efetiva, relaciona-se, antes, com a duração da relação contratual. Em princípio, sempre que o trabalhador exerce a sua actividade sem quaisquer violações, o prazo é corrido.»
Idêntico enquadramento conceptual é acolhido por MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO (TRATADO DE DIREITO DO TRABALHO, PARTE II – SITUAÇÕES LABORAIS INDIVIDUAIS, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 492-494), ao assinalar que «[o] conceito de antiguidade exprime a relevância especial do carácter continuado do contrato de trabalho e do elemento inserção organizacional do trabalhador que inere ao vínculo laboral», ou seja, «a antiguidade valoriza a integração ou o vínculo de pertença do trabalhador a uma dada organização, desde o início da execução do seu contrato de trabalho até à respectiva cessação» e é «porque a antiguidade valoriza o elemento de inserção organizacional do vínculo laboral e não a prestação efectiva do trabalho, que se compreende que a sua contagem não se interrompa em situações normais de não prestação do trabalho (durante o descanso semanal e nas férias do trabalhador) e até na generalidade das situações de suspensão do contrato de trabalho […]; e é ainda este escopo que justifica que a antiguidade do trabalhador num contrato de trabalho possa ser aproveitada no contrato que se sucede ao primeiro na mesma empresa — é o que sucede no caso de renovação do contrato de trabalho a termo e na sua conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado (artigos 147.º, n.º 3, e 149.º, n.º 4).»
Tudo para concluir que a noção legal de antiguidade adoptada em matéria de cessação do contrato de trabalho, seja para fixação da dimensão do aviso prévio em relação à data de cessação do contrato, seja para determinação do montante da compensação, em caso de despedimento colectivo, é a da antiguidade na empresa.
E não se diga que, no caso em apreço, porque o autor exercia actividade no sector bancário, tem aplicação, relativamente à matéria da cessação do contrato de trabalho por despedimento colectivo, o contido na Cláusula 17.ª do Acordo Colectivo de Trabalho (ACT) celebrado entre diversas instituições de crédito e o Sindicato dos Bancários do Norte e Outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª Série, n.º 4, de 21 de Janeiro de 2005, com posteriores alterações, a última das quais publicada no BTE n.º 8, 1.ª Série, de 29 de Fevereiro de 2012.
É que, para além do autor não ter provado, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), que estava filiado em sindicato outorgante daquele ACT, e de não existir portaria de extensão aplicável, o certo é que aquela Cláusula 17.ª apenas regula a determinação da antiguidade para os efeitos previstos nesse acordo, como bem resulta do corpo do respectivo n.º 1, sendo consabido que o mencionado ACT não regula a matéria da cessação do contrato de trabalho por despedimento colectivo, em concreto, a dimensão do aviso prévio em relação à data de cessação do contrato e a determinação do montante da compensação por despedimento colectivo».
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Neste acórdão do STJ é analisado o conceito de antiguidade para efeito de fixação da dimensão do aviso prévio em relação à data de cessação de contrato de trabalho, bem como para efeito da determinação do montante da compensação devida ao trabalhador em caso de despedimento coletivo.
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Apesar das diferenças relativamente ao caso sub judice, a fundamentação contida no acórdão citado, e as conclusões a que o STJ chega, são transponíveis para a análise do conceito de antiguidade em caso de cessação do contrato de trabalho por acordo entre a entidade empregadora e o trabalhador.
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Relevante é também o facto de no mesmo acórdão do STJ estar em causa a antiguidade no setor bancário, tendo sido suscitado e analisado o eventual relevo que nesta matéria assumem os Acordos Coletivos de Trabalho.
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O acórdão do STJ citado permite-nos extrair as seguintes conclusões, com relevo para a matéria que se discute no processo sub judice:
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O Código do Trabalho não explicita diretamente o conceito de antiguidade, mas diversos preceitos nele contidos apontam para um significado legal de antiguidade que, na sua aceção geral, se reconduz ao tempo de integração de um trabalhador numa organização empresarial;
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No mesmo sentido – o da antiguidade na empresa – vai a doutrina jus laboral;
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Assim, a noção legal de antiguidade adotada em matéria de cessação do contrato de trabalho é a da antiguidade na empresa (quer no caso analisado no acórdão do STJ – de despedimento coletivo – quer nos demais casos de cessação do contrato de trabalho);
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A Cláusula 17.ª dos ACT do setor bancário apenas regula a determinação da antiguidade para os efeitos aí previstos, não sendo a matéria da cessação do contrato de trabalho objeto de regulação pelos mencionados ACT.
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Assim, ainda que fosse necessário o recurso ao direito do trabalho para efeito de aplicação da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, sempre concluiríamos, como o fez o STJ no acórdão citado, que o sentido geral aí reconhecido ao conceito de antiguidade é o de antiguidade na empresa, e que não aplicável no caso vertente a Cláusula 17.ª dos ACT do setor bancário, cuja alínea a) estipula o seguinte:
«Para todos os efeitos previstos neste acordo, a antiguidade do trabalhador será determinada pela contagem do tempo de serviço prestado nos seguintes termos:
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Todos os anos de serviço, prestado em Portugal, nas Instituições de Crédito com atividade em território português;
[…]». [destaque nosso]
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Ora, para além do regime indemnizatório por substituição da reintegração decorrente da ilicitude do despedimento, os ACT do setor bancário não regulam a matéria referente a compensações pagas ao trabalhador por cessação do contrato de trabalho.
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Poderia ainda discutir-se, em abstrato, qual a consequência jurídica de as partes reconhecerem, por acordo, uma antiguidade que vai para além da antiguidade na empresa.
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Sobre esta questão, sempre se diria que, perante a interpretação que este Tribunal faz da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, é irrelevante, para os efeitos desta norma, um eventual acordo entre as partes no sentido de reconhecer uma antiguidade mais alargada, que vá para além da antiguidade na empresa, por força do princípio da prevalência da lei.
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Em causa não está o exercício da liberdade contratual pelas partes, que podem legitimamente acordar no reconhecimento de uma antiguidade alargada; o que não pode, porque o legislador fiscal não permite, é que desse acordo resultem consequências fiscais, designadamente a redução do imposto a pagar.
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E bem se compreende que assim seja, pois, como assinalam Filipe Fraústo da Silva e Cláudia Reis Duarte, referindo-se aos acórdãos do TCAS de 21/09/2010 e de 11/05/2004, «a admitir-se esta posição [o acolhimento do conceito de antiguidade tal como acordado no contrato de trabalho], e numa interpretação coerente com a que é perfilhada naquelas decisões, o tribunal ver-se-ia obrigado a admitir que, se em determinado acordo revogatório de contrato de trabalho, se fizer constar uma cláusula em que se acorda no reconhecimento de uma antiguidade ficta, ou se imediatamente antes desse acordo revogatório se aditar o contrato de trabalho passando a fazer dele constar uma cláusula do mesmo teor, essa é a antiguidade atendível para efeitos laborais, e por isso a antiguidade a considerar como critério multiplicador no recorte de delimitação negativa da incidência fiscal em IRS. […] É, pois, cristalinamente claro que, ao tomar como referência para preenchimento da norma fiscal o conceito de antiguidade adoptado para efeitos laborais no momento da cessação do contrato e para efeitos de cálculo da compensação a atribuir ao trabalhador, estaria encontrada a via para o limite da exclusão de tributação fosse livremente manipulável pelas partes, o que, conviremos, não foi certamente – não pode ter sido – a intenção do legislador fiscal» [“Anotação ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul sobre antiguidade do trabalhador bancário (para efeitos de cálculo do montante de compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS)”, in Revista da Ordem dos Advogados, n.º 1, 2012, pp. 463-465].
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No mesmo sentido já se havia pronunciado MANUEL FASUTINO, para quem «[n]ão é oponível à administração fiscal a cláusula do ACTV sector bancário que impõe, na transferência de um trabalhador entre instituições de crédito, a contagem do tempo de antiguidade verificada na anterior ou anteriores instituições de crédito de que tenha sido trabalhador. Como, por maioria de razão, também o não são quaisquer acordos que, respeitando à garantia dos benefícios inerentes à antiguidade, hajam sido celebrados entre o trabalhador e a entidade patronal. Sem considerações que hoje poderiam ser propiciadas pela extensão subjectiva do conceito de entidade patronal operada pelo n.º 10 do art. 2.º, uma vez que aquela assenta nas relações de domínio ou de grupo entre sociedades, independentemente da sua localização geográfica, reafirmamos aqui a conhecida orientação da Administração Fiscal segundo a qual o tempo de antiguidade relevante é, tão só, o tempo de antiguidade “adquirido” na entidade com que se cessa o contrato individual de trabalho, como literalmente decorre da lei, não parecendo haver qualquer margem para outro tipo de interpretação» [“Sobre o sentido e alcance da nova redacção do artigo 2.º, n.º 4, do Código do IRS — a tributação das importâncias recebidas por cessação do vínculo contratual com a entidade patronal”, Fiscalidade, n.ºs 13-14, janeiro/abril 2003, p. 10].
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Refira-se, no entanto, que não se suscita no caso sub judice a questão de um possível acordo entre as partes, vertido no contrato de trabalho celebrado, que acolhesse um conceito de antiguidade mais alargado, uma vez que o contrato de trabalho não foi junto aos autos.
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Para além disso, não releva o teor do acordo de cessação do contrato de trabalho, uma vez que, como é afirmado na decisão arbitral proferida no processo n.º 616/2015-T, «este não pode ser considerado como uma adenda ao Contrato Individual de Trabalho […]. Tanto mais que o acordo de revogação do contrato de trabalho é precisamente o contrato extintivo da relação laboral, o qual não visa estabelecer condições respeitantes à execução da relação laboral mas sim à sua cessação».
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Refira-se, finalmente, que o resultado interpretativo a que aqui se chega é também o mais coerente com os princípios constitucionais da legalidade, da segurança jurídica e da igualdade, na medida que os critérios para a determinação da medida da tributação resultam da lei (incluindo os critérios para a exclusão da incidência); não dependem de vicissitudes tais como o facto de os trabalhadores serem ou não sindicalizados e qual o respetivo sindicato, nem do facto de a entidade empregadora ter ou não outorgado Acordo Coletivo de Trabalho, ou da circunstância de o trabalhador ter exercido as suas funções num determinado setor de atividade ou noutro, ou ainda daquilo que possa ter sido acordado entre as partes.
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Através de um critério objetivo definido na lei, coerente com as exigências constitucionais de segurança jurídica, assegura-se a tributação do acréscimo de capacidade contributiva (que concretiza o princípio da igualdade em matéria fiscal) resultante das importâncias pagas pela entidade devedora, admitindo-se a exclusão de incidência também de acordo com um critério objetivo legalmente definido, o qual tem por referência a fração de antiguidade ou de exercício de funções do trabalhador na referida entidade.
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Em conclusão, o ato tributário de liquidação adicional contestado nos autos não enferma de qualquer vício de violação da lei, pelo que improcede o pedido de anulação desse ato e improcede também, consequentemente, o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de custas e demais encargos com o processo.
IV – DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida do pedido, com todas as consequências legais.
V- VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 14.539,77.
VI – CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes.
Lisboa, 13/12/2017
O Árbitro
(Paulo Nogueira da Costa)
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