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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Suzana Fernandes da Costa e Luís Baptista, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
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No dia 09 de Outubro de 2017, A... –, S.A., NIPC …, com sede na …, …, …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação de IRC n.º 2014 ... e correspondentes juros compensatórios, no valor global de €760.265,24, bem como da decisão do recurso hierárquico que teve aquele como objecto.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
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Vício de violação de lei por manifesta insuficiência de fundamentação dos relatórios de conclusões das acções inspectivas, relativamente às correcções derivadas do não acréscimo à matéria colectável das reintegrações e amortizações contabilizadas como custo decorrente da aquisição da marca “C...”;
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A dedutibilidade dos gastos com as depreciações/amortizações referentes ao activo intangível “C...”.
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No dia 09-10-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários José Pedro Carvalho, Suzana Fernandes da Costa, bem como a Exm.ª Sr.ª Prof.ª Doutora Ana Maria Rodrigues como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 28-11-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 20-12-2017.
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No dia 02-02-2018, por óbito da Exm.ª Sr.ª Prof.ª Doutora Ana Maria Rodrigues, foi nomeado árbitro pelo Ex.º Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em substituição, o Ex.º Sr. Dr. Luís Baptista.
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No dia 06-02-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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No dia 17-04-2018, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações pela Requerida.
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Tendo em conta a complexidade do processo, a tramitação processual verificada, e as suspensões de prazo derivadas do regime do art.º 17.º-A do RJAT, nos termos e para os efeitos do art.º 21.º/2 do RJAT, prorrogou-se por dois meses o prazo a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A Requerente é uma sociedade dominante de um grupo de sociedades que opera no sector farmacêutico, produzindo e comercializando produtos nesta área e detendo várias marcas que operam no sector dos cuidados de saúde em geral.
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À data dos factos, a Requerente estava enquadrada no regime especial de tributação dos grupos de sociedades.
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Em 23-12-2009, foi celebrado entre a Requerente e a D... S.A. o “Assent Purchase Agreement”.
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Através do referido contrato, a Requerente adquiriu à D... S.A., pelo valor de €15.600.000,00, a marca C..., integrando os seguintes activos:
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“Manufacturing technology and know-how”: compreendendo todo o know-how relativo à formulação dos produtos, controlo de qualidade, acondicionamento, fórmulas, registo de reclamações, avaliações, processos, tecnologia utilizada;
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Registos: compreendendo os dossiers de registo dos produtos e autorizações de comercialização;
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Marcas Comerciais: compreendendo a marca “C...”, mas também as marcas “C.a...”, “C.b...”, “C.c...”, “C.d...”, “C.e...”, “C.f...”, “C.g...”, “C.h...”, “C.i...”, “C.j...”, “C.k...”, “C.l...”, “C.m...”, “C.n...”, “C.o...”, “C.p...”, “C.q...”, “C.r...”, “C.s...”, “C.t...” e os registos actualizados;
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“Marketing and promotional documents”: compreendendo a lista de clientes, os planos de marketing e promoção, manuais de formação da força de vendas, existentes à data da transacção.
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No contrato, não foi feita qualquer referência à data limite ou restrição de utilização exclusiva da marca.
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Através do Assent Purchase Agreement, a D..., S.A. comprometeu-se a diligenciar no sentido de garantir, sem qualquer custo acrescido, a cedência de posição em todos os contratos de distribuição que havia celebrado, bem como os contratos de fornecimento ao Grupo E... e Grupo F... e ainda, no âmbito dos contratos de fornecimento e de fabrico celebrados com os Laboratórios G... Internacional e H... .
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A Requerente notificou a autoridade da concorrência desta operação.
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Em 18-09-2010, a B... –, Lda., sociedade pertencente ao grupo da Requerente, adquiriu a esta a marca “C...” e os activos acima referidos, através de um aumento de capital subscrito pela sócia A... –, S.A., realizado mediante entrada em espécie, tendo sido atribuído a este ativo intangível o valor líquido de €14.518.555,43.
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A Requerente, na sua esfera individual, e a B... –, Lda., consideraram amortizações sobre o activo designado “Marcas/Direitos C...”.
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A Requerente e a B... –, Lda. procederam à amortização do activo intangível considerando, primeiro, que o activo tinha uma vida útil de 6 anos e, posteriormente com base numa vida útil de 10 anos.
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O período de vida útil do activo foi determinando considerando os seguintes critérios:
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Ciclos de vida típicos dos activos;
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Obsolescência técnica, tecnológica e comercial;
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Concorrência;
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Nível de dispêndio de manutenção exigido para obter os benefícios económicos futuros esperados dos activos.
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Na ausência de investimento por parte da Requerente, pelo menos parte dos activos adquiridos tornar-se-iam técnica, tecnológica e comercialmente obsoletos no período de vida estimado pela Requerente.
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A marca “C...” e os seus produtos incluem-se num sector marcadamente atingido por uma necessidade de constante evolução, no qual, quase diariamente são lançados novos produtos, com novas propriedades e com uma maior abrangência de utilização.
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Em 2014, foi publicado o Regulamento EU n.º 358-2014 da Comissão, de 9 de Abril de 2014, que proibiu o uso de uma matéria prima denominada “Phenonip” a partir de 16 de Outubro de 2014 e escoamento até 15 de Julho de 2015, pelo que obrigou à reformulação dos produtos “C... Emulsão Corporal” e “C... Gel de Banho”.
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Ainda em 2014, foram publicados dois novos Regulamentos (Regulamento EU n.ºs 1003/2014 e 2004/2014 da Comissão, de 18 de setembro) sobre as alterações aos anexos das substâncias permitidas nos cosméticos, suas concentrações e condições.
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No âmbito dos referidos regulamentos, passou a ser proibido o uso de “Propilparabeno” e “Butilparabeno”, entre outros, em produtos não enxaguados, concebidos para aplicação na zona coberta pelas fraldas em crianças de idade inferior a três anos o que levou à necessidade de reformulação do “C.i... creme muda de fraldas”.
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O mercado no qual se inserem os produtos associados à marca “C...” é bastante competitivo, existindo outros produtos e marcas no mercado com elevados níveis de promoção, o que conduz à necessidade constante de investir na tecnologia e imagem associada a cada um dos produtos.
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A agressividade da concorrência no referido mercado, exige um avultado investimento, em promoção e tecnologia, para manter a competitividade do produto.
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Os produtos associados à marca “C...” foram objeto de várias actualizações e modificações ao longo do tempo, quer por requisitos regulamentares, quer por força da própria concorrência, sendo que alguns foram descontinuados.
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Em 2012 foram sugeridas alterações pela D… AG, no seguimento de reclamações no âmbito da qualidade para o produto C.i... Creme.
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A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção externa, relativo ao exercício de 2010, através da Ordem de Serviço n.º OI 2013….
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Do relatório de inspecção consta o seguinte:
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Na sequência da referida acção inspectiva, foram efectuadas correcções ao resultado fiscal declarado, em termos individuais, no montante de €1.514.022,40 pelo facto de a Requerente ter considerado como custo o montante respeitante a reintegrações e amortizações decorrente da aquisição da marca “C...”.
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Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI 2014…, realizou-se um procedimento de inspecção externo, relativo ao período de 2010, à sociedade B... – Produtos Farmacêuticos, Lda.
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Do relatório de inspecção à sociedade B... –, Lda., consta o seguinte:
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Em resultado da acção inspectiva, a AT realizou correcções ao resultado fiscal declarado, efectuados em termos individuais a esta sociedade, no montante de €865.155,68 relativos a apreciações e amortizações não aceites como custos.
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A Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2014 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2014 …, decorrente das correcções individuais a si aplicadas bem como das correcções relativas à sociedade B… –, Lda.
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Em 13-02-2015, a Requerente procedeu ao pagamento do montante de imposto apurado.
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Em 16-06-2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRC n.º 2014 …, com fundamento em erro de cálculo na liquidação e ilegalidade das correcções efectuadas.
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Em 13-07-2016, a Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa.
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Em 29-07-2016, a Requerente exerceu o direito de audição.
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Em 31-08-2016, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa.
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Não conformada com a decisão, a 29-09-2016, a Requerente apresentou recurso hierárquico.
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Em 10-07-2017, a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento do recurso hierárquico.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Em causa, na presente acção arbitral está, em primeira linha, a questão de saber se a marca C... e os activos a ela associados deverão, ou não, ser considerados um activo intangível com duração finita e limitada e, portanto, sujeitos a amortizações e depreciações que poderão ser reconhecidas como custo fiscalmente relevante.
Note-se, desde logo, que o activo referido no RIT e na presente acção arbitral como marca C... integra, conforme é pacífico e resulta dos factos provados, as seguintes realidade jurídicas:
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“Manufacturing technology and know-how”: compreendendo todo o know-how relativo à formulação dos produtos, controlo de qualidade, acondicionamento, fórmulas, registo de reclamações, avaliações, processos, tecnologia utilizada;
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Registos: compreendendo os dossiers de registo dos produtos e autorizações de comercialização;
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Marcas Comerciais: compreendendo a marca “C...”, mas também as marcas “C.a...”, “C.b...”, “C.c...”, “C.d...”, “C.e...”, “C.f...”, “C.g...”, “C.h...”, “C.i...”, “C.j...”, “C.k...”, “C.l...”, “C.m...”, “C.n...”, “C.o...”, “C.p...”, “C.q...”, “C.r...”, “C.s...”, “C.t...” e os registos actualizados;
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“Marketing and promotional documents”: compreendendo a lista de clientes, os planos de marketing e promoção, manuais de formação da força de vendas, entre outros, existentes à data da transacção.
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A cedência de posição contratual em todos os contratos de distribuição que a alienante do activos havia celebrado, incluindo contratos de fornecimento ao Grupo E... e Grupo F...;
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A cedência de posição contratual da alienante dos activos no âmbito dos contratos de fornecimento e de fabrico celebrados com os Laboratórios G... Internacional e H... Cosmetic.
Note-se ainda que, conforme tem sido jurisprudência consolidada a vários níveis, “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação (...) que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.”[2]
Deste modo, ao presente tribunal arbitral cumpre aferir se, face à fundamentação que lhe foi imprimida pela AT, a liquidação objecto da presente acção arbitral é, ou não, conforme ao Direito aplicável.
Quer isto dizer desde logo, e conforme se verá de seguida, que o que cumpre apurar no caso sub iudice não é se os prazos de amortização aplicados pela Requerente ao activo correspondente à marca C..., nos termos acima delimitados, por si detido são, ou não, legais, mas, exclusivamente, se está devidamente fundamentado, quer a nível de facto quer a nível de direito, se o referido activo deve ser considerado como um activo de duração indefinida, e, enquanto tal, insusceptível de ser sujeito a amortizações, reconhecidas como custos fiscalmente relevantes.
É, portanto, esta a questão decidenda.
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Conforme resulta do RIT, considerou a AT que os gastos contabilizados pela Requerente a título de amortizações/depreciações no montante de € 1.514.022,40 não deveriam ser aceites fiscalmente, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 34º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivos, conjugado com o Decreto Regulamentar 25/2009 de 14 de Setembro de 2009, que consagra o "Regime das Depreciações e Amortizações para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas".
Dispõe o referido artigo 34.º/1/a) do CIRC aplicável, que “Não são aceites como gastos: a) As depreciações e amortizações de elementos do ativo não sujeitos a deperecimento”.
O Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro dispõe no seu artigo 16.º/1 que “Os activos Intangíveis são amortizáveis quando sujeitos a deperecimento, designadamente por terem uma vigência temporal/limitada.”
Tendo por base o contrato assinado pela Requerente e pela empresa D... S.A., concluiu a AT que a aquisição da marca C..., consubstanciava um activo intangível sem vida útil definida, por não ser referida qualquer data limite ou restrição de utilização exclusiva da marca e que não foram detectados elementos que determinem a vida útil do activo em questão.
Mais considerou a AT que não existia um limite previsível para o período durante o qual se esperava que o activo gerasse influxos de caixa líquidos para a entidade, pelo que qualificou a vida útil do activo intangível como indefinida, e não finita, conforme considerado pela Requerente.
Em sede de apreciação do direito de audição oportunamente exercido pela Requerente, veio a AT a conceder que não obstante o contrato de compra da marca ("Asset Purchase Agreement") à sociedade D..., S.A., não estipular qualquer prazo, o sujeito passivo poderia atribuir a este activo uma vida útil finita.
Não obstante, considerou a mesma AT que a Requerente não demonstrou que a vida útil do activo era definida.
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Dispõe o artigo 124.º do CPPT que:
“1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”
No presente caso, não são arguidos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado, e a Requerente começa por arguir o vício de falta de fundamentação daquele acto.
Vejamos, então.
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Como é sabido, a fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268º da CRP) e legal (art.º 77º da LGT).
Resumidamente, pode dizer-se que é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:
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Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
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Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do acto, não podendo haver fundamentações diferidas;
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Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;
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Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um acto tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio. Esta será – julga-se – a pedra de toque do cumprimento do dever de fundamentação: quanto, perante um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, o acto tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade, como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discerníveis os motivos de facto e/ou de direito em que assenta, o acto padecerá de falta de fundamentação.
O artigo 77.º/1 da LGT refere, assim, que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.
Descendo ao caso concreto, e conforme já se apontou atrás, está em causa uma correcção ao lucro tributável da Requerente, assente na desconsideração de gastos contabilizados pela Requerente a título de amortizações/depreciações no montante de € 1.514.022,40 que não foram aceites fiscalmente, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 34º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivos, conjugado com o Decreto Regulamentar 25/2009 de 14 de Setembro de 2009.
Como igualmente se apontou atrás, as referidas amortizações/depreciações referem-se ao seguinte grupo de activos, adquiridos pela Requerente, em 23-12-2009 e à D... S.A, pelo valor de €15.600.000,00:
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“Manufacturing technology and know-how”: compreendendo todo o know-how relativo à formulação dos produtos, controlo de qualidade, acondicionamento, fórmulas, registo de reclamações, avaliações, processos, tecnologia utilizada;
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Registos: compreendendo os dossiers de registo dos produtos e autorizações de comercialização;
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Marcas Comerciais: compreendendo a marca “C...”, mas também as marcas “C.a...”, “C.b...”, “C.c...”, “C.d...”, “C.e...”, “C.f...”, “C.g...”, “C.h...”, “C.i...”, “C.j...”, “C.k...”, “C.l...”, “C.m...”, “C.n...”, “C.o...”, “C.p...”, “C.q...”, “C.r...”, “C.s...”, “C.t...” e os registos actualizados;
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“Marketing and promotional documents”: compreendendo a lista de clientes, os planos de marketing e promoção, manuais de formação da força de vendas, existentes à data da transacção.
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A cedência de posição contratual em todos os contratos de distribuição que a alienante do activos havia celebrado, incluindo contratos de fornecimento ao Grupo E... e Grupo F...;
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A cedência de posição contratual da alienante dos activos no âmbito dos contratos de fornecimento e de fabrico celebrados com os Laboratórios G... Internacional e H... Cosmetic.
Como também se viu acima, começou a AT por concluir que a aquisição da marca C..., consubstanciava um activo intangível sem vida útil definida, por não ser referida qualquer data limite ou restrição de utilização exclusiva da marca no contrato assinado pela Requerente e pela empresa D... S.A..
Não obstante, já em sede de apreciação do direito de audição exercido pela ora Requerente, concedeu a AT que, não obstante o contrato de compra da marca ("Asset Purchase Agreement") à sociedade D..., S.A. não estipular qualquer prazo, o sujeito passivo poderia atribuir a este activo uma vida útil finita.
Daí que não se possa detectar aqui o fundamento para a correção ora em crise, decidida pela AT.
Verifica-se, deste modo, que tal correcção assenta, na consideração de que não existia um limite previsível para o período durante o qual se esperava que o activo gerasse influxos de caixa líquidos para a Requerente.
Ora, compulsada toda a fundamentação tecida pela AT, e contrastada esta com o concreto conteúdo do activo apreciado, não se pode deixar de concluir que a correcção em questão não se encontra devidamente fundamentada, apresentando traços característicos de uma manifestação de arbítrio.
Senão vejamos: o activo em questão compreende realidade muito diversas como sejam, para além de várias marcas comerciais, propriamente ditas, técnicas e conhecimentos de manufactura e fabrico, registos dos produtos e autorizações de comercialização, lista de clientes, planos de marketing e promoção, manuais de formação da força de vendas, e cedências de várias posições contratuais em contratos de distribuição e fornecimento.
Foi todo este grupo de activos que a Requerente adquiriu em 23-12-2009 à D... S.A, pelo valor de €15.600.000,00, e cuja amortização foi recusada, incondicionalmente e in totum, pela AT.
Ora, se face aos fundamentos apresentados pela AT ao contribuinte para tal actuação se podem compreender e discutir (como faz a Requerente) as motivações da referida Autoridade para considerar que o conjunto de marcas comerciais C... não serão susceptíveis de se conter num período de vida útil definido, o mesmo já não se poderá dizer relativamente aos restantes elementos do activo adquiridos pela Requerente à D....
Efectivamente, face à fundamentação apresentada pela AT, não há modo, do ponto de vista de um destinatário médio e normal, colocado na posição do destinatário real daquela fundamentação, de perceber porque é que para a AT as técnicas e conhecimentos de manufactura e fabrico, os registos dos produtos e autorizações de comercialização, as listas de clientes, os planos de marketing e promoção, os manuais de formação da força de vendas, e as cedências de várias posições contratuais em contratos de distribuição e fornecimento, integram activos de duração indefinida, tanto mais quanto é desde logo notório que, pelo menos alguns desses activos terão, efectivamente e por natureza, um período de duração finito.
Assim, e face ao acto tributário ora em crise, não se consegue descortinar se, e porquê, a AT entende que:
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as técnicas e conhecimentos de manufactura e fabrico não estão sujeitos a obsolescência, como, de resto, a própria matéria de facto apurada indicia, designadamente em função de alterações regulamentares;
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os registos dos produtos e autorizações de comercialização, não têm, face às respectivas regulamentações legais, prazos de vigência, ainda que sujeitos a renovação;
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as listas de clientes têm uma utilidade indefinida e os planos de marketing e promoção e os manuais de formação da força de vendas, serão utilizáveis indefinidamente, sobretudo tendo em conta que a maior parte dos produtos que estão em causa se destinam uma faixa de mercado transitória (pais de recém-nascidos e crianças muito jovens);
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os contratos de distribuição e fornecimento cuja posição foi adquirida pela Requerente à D... não têm, também eles, um prazo de vigência, ainda que sujeito a renovação.
Ora, dado que a AT não sugere, sequer, que tais activos sejam desprovidos de valor (sendo, pelo contrário, notório que tais activos incorporam, efectivamente, um valor económico para o seu titular), ou que o respectivo valor não esteja abrangido no montante de €15.600.000,00 pago pela Requerente à D..., e a que se referem as amortizações/depreciações desconsideradas, não se sugerindo nem por qualquer forma se indiciando que se está perante qualquer situação ou tentativa de fraude e/ou evasão fiscal, não é possível compreender quais as razões pelas quais os referidos activos, integrados no valor das amortizações/depreciações desconsideradas, foram qualificados pela AT como de duração indefinida.
Com efeito, não é apreensível porque é que considera a AT não existirem “fatores legais a restringir o período durante o qual a entidade controla o acesso” aos benefícios económicos susceptíveis de serem produzidos pelos referidos activos, nem “um limite previsível para o período durante o qual” os mesmos deverão “gerar fluxos de caixa líquidos positivos para a entidade” que os adquiriu.
Não está, assim, em questão, ao contrário do que alega a Requerida em sede arbitral, o “facto de a Requerente divergir e não se conformar com a posição da AT”. Está em causa, isso sim, o facto de a Requerente, e o próprio Tribunal arbitral, não estarem em condições de divergir ou confirmar a posição da AT, por não serem cognoscíveis os fundamentos em que aquela alicerça o seu juízo segundo o qual os referidos elementos do activo (para lá das marcas do universo C...) que integram o valor amortizado pela Requerente, e desconsiderado pela AT, não possuem uma duração definida/definível.
Deste modo, forçoso é concluir que tal juízo se funda, exclusivamente, no arbítrio da AT, em termos incompatíveis com o dever de fundamentação que lhe assiste, por imposição constitucional e legal, devendo assim proceder o arguido vício de falta de fundamentação, com a consequente anulação da liquidação de IRC objecto da presente acção arbitral, e correspondentes juros compensatórios, procedendo o pedido formulado pela Requerente, e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas.
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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso, o erro que afecta as liquidações anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que os praticou por sua iniciativa, sem o fundamentar devidamente.
Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
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Anular o acto tributário de liquidação de IRC n.º 2014 ... e correspondentes juros compensatórios, no valor global de € 760.265,24, bem como a decisão do recurso hierárquico que teve aquele como objecto;
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Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;
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Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de € 11.016,00.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 760.265,24, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 11.016,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 20 de Agosto de 2018
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Suzana Fernandes da Costa)
O Árbitro Vogal
(Luís Baptista)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[2] Ac. do STA de 23-09-2015, proferido no processo 01034/11.
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