DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A…, contribuinte n.º …, residente na Rua …, …, …, Santa Maria da Feira, apresentou, em 04-12-2017, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou ATA).
2. A requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do acto tributários de liquidação de IRS, com referência ao ano de 2010 e do acto de indeferimento da reclamação graciosa que contra aquele apresentou, com o consequente reembolso do imposto pago, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-12-2017.
3.1. A requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
3.2. Em 26-01-2018 as partes foram notificadas da designação de árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 15-02-2018.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
Por consulta ao Portal das Finanças constatou a Requerente que pendia contra si o processo de execução fiscal n.º …2016…, instaurado por dívidas de IRS relativas ao ano de 2010, sem que, previamente, tenha sido notificada da respectiva liquidação ou de qualquer acto praticado pela AT em procedimento relacionado com tal liquidação e/ou dívida.
Após ter obtido certidão, ao abrigo do disposto no art. 37º do CPPT, apresentou reclamação graciosa contra a liquidação do imposto que originou aquela dívida, imputando-lhe as seguintes causas de ilegalidade:
- caducidade do direito à liquidação;
- falta de audiência prévia;
- falta de notificação do relatório de inspecção tributária.
Por regra, o direito de liquidar IRS caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos contados do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
A inexistir – como é o caso – uma qualquer causa de suspensão ou de extensão do prazo de caducidade, o direito à liquidação de IRS relativo ao ano de 2010 precludiu efectivamente em face da falta de válida notificação de tal acto tributário até à indicada data de 31/12/2014.
Diz-se no relatório de inspecção que “o direito à liquidação dos tributos encontra-se garantido pela aplicação do n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), por se encontrar instaurado processo criminal”, acrescentando-se que, “dadas as relações existentes entre o sujeito passivo em inspecção [o ex-cônjuge da ora Requerente] e a empresa «B…, Lda», foi solicitado, por informação datada de 2014/11/20, a sua integração no processo de inquérito n.º …/2012…TDPRT, instaurado àquela empresa e outros”.
Ademais da mera invocação de que foi instaurado o inquérito criminal “àquela empresa [B…, Lda] e outros”, nada consta do relatório de inspecção tributária ou de qualquer outro elemento a que a Requerente tivesse acesso que permita comprovar e concluir, no que aqui importa, que as liquidações impugnadas respeitam a “factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal”.
Por regra, a definição da situação tributária precede o encerramento das investigações em processo criminal fiscal. A aparente brecha introduzida nessa regra pelo n.º 5 do art.º 45.º da LGT, dando prioridade ao processo crime perante a definição da situação tributária, tem o seu âmbito de aplicação restrito àqueles excepcionais casos (carecidos de demonstração) em que, em concreto, a qualificação tributária está dependente da qualificação criminal dos factos, isto é, àqueles casos em que a conclusão da investigação em inquérito criminal se mostre indispensável à prática pela AT de actos tributários de liquidação.
Ora, no caso em apreço, ademais da falta de identificação dos factos que determinaram a instauração do inquérito criminal, não é feita sequer uma qualquer invocação (e, muito menos, comprovação) de que a liquidação cuja ilegalidade se invoca estava dependente da investigação no processo criminal fiscal e de que o conhecimento dos factos determinantes da liquidação foi obtido a partir das investigações no âmbito do processo crime.
Em definitivo, não vem sequer alegado e, muito menos, demonstrado que a liquidação inicialmente reclamada e ora objecto do presente pedido arbitral respeita a factos relativamente aos quais tivesse sido instaurado inquérito criminal nos termos e para os efeitos do n.º 5 do art.º 45.º da LGT.
De qualquer modo, a Requerente não foi notificada.
- da liquidação sindicada;
- do relatório de inspecção tributária;
- do projecto de relatório de inspecção tributária;
- do projecto de relatório de inspecção tributária.
Destas faltas de notificação tem particular relevo e efeito invalidante a relativa ao projecto de relatório de inspecção tributária, tendo em vista a possibilidade do exercício do direito de audição nos termos do art.º 60.º do RCPITA e do art.º 60.º da LGT.
Dos documentos juntos não resulta demonstrado que a Requerente tenha sido notificada da liquidação, do relatório de inspecção, do prévio projecto ou do início do procedimento inspectivo para o seu domicílio fiscal, o que, de resto, é assumido na decisão da reclamação graciosa.
A liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral é, pois, ilegal por falta das aludidas notificações à Requerente, com violação, além do mais, do preceituado no art.º 60.º do RCPITA e no art.º 60.º da LGT
Conclui, por isso, a Requerente pela ilegalidade da liquidação objecto do pedido arbitral, requerendo a restituição das quantias já pagas ao abrigo do programa PERES acrescidas de juros indemnizatórios.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo-se por excepção e impugnação, invocando em síntese, o seguinte:
Ocorre erro na forma do processo e/ou incompetência material do tribunal arbitral para conhecer da falta de notificação das liquidações no prazo de caducidade do direito à liquidação.
Contrariamente ao que a Requerente defende, a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade é unicamente fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos da al. e) ou da al. i) do n.º 1 do artigo 204º do CPPT.
No caso, invocando a Requerente que não houve qualquer notificação da liquidação que deu origem ao processo de execução fiscal, quando foi instaurada a mesma execução fiscal, o acto de liquidação era ineficaz, logo está-se perante um fundamento de oposição à execução fiscal que, se não for enquadrável na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT será seguramente enquadrável na alínea i) do mesmo n.º 1.
Sendo certo que a Requerente devia ter recorrido, que não o fez, ao processo de oposição à execução fiscal para invocar a falta de notificação das liquidações que deram origem ao processo de execução fiscal, não lhe era legítimo recorrer, cumulativamente, ao presente pedido arbitral, por via do indeferimento da reclamação graciosa.
A oposição à execução fiscal é, pois, o meio processual próprio para a Requerente ver declarada tal falta de notificação das liquidações tendo já decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação.
Acresce que, sendo a competência dos tribunais arbitrais circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, não se insere, pois, no âmbito destas competências a apreciação do pedido de declaração de ineficácia da liquidação, pese embora a Requerente tentando escapar a tal inevitabilidade tenha mascarado o pedido de pronúncia arbitral ao pedir a “ilegalidade” por falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação.
Donde, por erro na forma de processo e/ou a incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido da Requerente que consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, deve a entidade requerida ser absolvida da instância de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea a), ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
O sujeito passivo “C…” NIF-…, cônjuge da Requerente em 2010, foi alvo de acção de inspecção tributária credenciada através da Ordem de Serviço n.º OI 2015…, de 2015-12-22, que incidiu sobre o período de 2010.
Após notificação efectuada, sob registo, no dia 2016/07/06, do "Projecto de Conclusões do Relatório de Inspeção Tributária", não exerceu o sujeito passivo o direito de audição, no prazo e termos previstos, nos artigos 60º da Lei Geral Tributária (L.G.T.) e Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (R.C.P.I.T.A.), pelo que foi efectuada a notificação do Relatório Final, através do ofício n.º…, de 30 de Agosto de 2016, recepcionado a 31 de Agosto de 2016.
No seguimento foi emitida a correspondente liquidação adicional com referência ao ano de 2010 e, em virtude da falta de pagamento, foi instaurado processo de execução fiscal n.º …2016… .
Atendendo ao documento nº 2, que se protesta juntar (certidão de constituição de arguido referente ao processo de Inquérito n.º …/2012…TDPRT), verifica-se que a Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direcção de Finanças do Porto, instaurou contra o cônjuge da Requerente o referido processo de inquérito nº …/2012…TDPRT, comunicado ao Procurador adjunto do DIAP.
Não resulta do artigo 45º, n.º 5 da LGT que o legislador faça depender a suspensão da caducidade do resultado a obter no inquérito criminal.
Igualmente, não cabe ao douto Tribunal sindicar as motivações penais que levaram ao inquérito, na medida em que o inquérito é exactamente a fase processual que visa investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação, conforme determina o artigo 262.º do Código de Processo Penal.
O legislador, no artigo 45.º, n.º 5 da LGT, não faz depender a suspensão da caducidade da subsunção jurídica dos factos ao direito, mas sim, da mera existência dos mesmos factos.
Observando toda a fundamentação expendida em sede de relatório final de inspeção tributária, não se vislumbra em que medida “não vem sequer alegado e, muito menos demonstrado que a liquidação inicialmente reclamada e ora objecto do presente pedido arbitral respeita a factos relativamente aos quais tivesse sido instaurado inquérito criminal nos termos e para os efeitos do n.º 5 do art. 45.º da LGT” quando foram precisamente os factos que determinaram que fosse instaurado um inquérito criminal que motivaram a abertura da ordem de Serviço na génese da liquidação ora impugnada.
Sem prejuízo de o procedimento inspectivo ter sido realizado em ano em que a Requerente já não era casada, estão em causa rendimentos que respeitem a ano fiscal em que o eram e, portanto, estão em causa rendimentos do então agregado familiar.
E nos termos do artigo 21º, n.º1 da LGT, salvo disposição legal em contrário, quando os pressupostos do facto tributário se verificarem em relação a mais de uma pessoa, todas são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária. A requerente é responsável solidária pela dívida de IRS cuja legalidade aqui contesta, já que em 2010 era casada com C… .
Conclui a requerida pela legalidade do acto de liquidação contestado pela Requerente que deverá, assim, ser mantido.
Veio a juntar posteriormente ao processo documentos, como havia protestado na resposta.
6. Por despacho de 10-04-2018, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, bem como, com a anuência das partes, a apresentação de alegações.
II – Saneamento
8.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
8.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8.3. O processo não enferma de nulidades.
8.4. A cumulação de pedidos é legal, face ao mesmo art. 3º, n.º 1.
8.4. A Requerida suscitou a excepção de erro na forma do processo e/ou incompetência material do tribunal arbitral para conhecer da falta de notificação das liquidações no prazo de caducidade do direito à liquidação.
Apreciando tal excepção:
A Requerente pretende ver declarada a nulidade da notificação da liquidação de IRS relativa ao ano de 2011 por aquela ter ocorrido quando já havia decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação.
Segundo a Requerida, a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade é, por imposição da alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT, unicamente fundamento de oposição à execução fiscal, atendendo a que apenas está em causa um pedido de declaração de ineficácia da liquidação, matéria que estaria subtraída à competência material do Tribunal Arbitral.
Em defesa da sua tese invoca, designadamente, o decidido pelo STA, através do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 18/09/2013, proferido no Proc. n.º 0578/13.
Decidindo a excepção:
Certo que se encontra firmada a orientação jurisprudencial no sentido de que a ausência de notificação do ato de liquidação, seja antes ou após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, configura ineficácia desse ato tributário e constitui, por isso, fundamento de oposição à execução fiscal.
Este entendimento não contende com um outro traduzido na possibilidade de dedução de impugnação judicial com fundamento em ilegalidade do ato de liquidação, tal como, aliás, o aresto do STA (Pleno) citado pela Requerente [de 18-9-2013 – Proc nº 0578/13) defende.
E, nesta mesma linha, vão os acs. do STA (Pleno) de 20-1-2010 [Proc nº 832/08] e de 7-7-2010 [Proc nº 545/09].
Concretizando: ao contribuinte não é vedado deduzir impugnação judicial (ou pedido de pronúncia arbitral) com aquele fundamento. E tal resulta mesmo do sobredito acórdão citado pela Requerente (Ac. do STA de 18-9-2013, proferido no Proc nº 0578/13) quando, àquela conclusão, acrescenta: “independentemente de, se for considerado fundamento de ilegalidade do acto de liquidação, poder também ser invocada em impugnação judicial. É, alíás, o que sucede com as outras situações em que pode ser apreciada a legalidade do acto de liquidação em oposição à execução fiscal, designadamente as enquadráveis nas alíneas a) e g) do n.º 1 do art. 204º, que tanto podem ser invocadas em impugnação judicial como em oposição à execução fiscal [nas situações referidas na alínea h) por definição, a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda apenas pode ser apreciada na oposição à execução fiscal]”.
Na mesma linha se pronunciou o STA em decisões mais recentes – vide Acórdãos de 18-06-2014 no Proc. 0344/13 e de 27-10-2016 – Proc. 09810 – dizendo-se no de 18-06-2014 que “À semelhança do que sucede com a ilegalidade abstracta e a duplicação de colecta, também a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade constitui vício invocável tanto em sede de oposição à execução fiscal como em sede de impugnação judicial, não ocorrendo, pois, erro na forma do processo se invocado em impugnação”.
Igual entendimento foi também seguido quer nas decisões arbitrais proferidas no âmbito do CAAD nos Processos n.º 725/2014-T e 126/2012-T, quer pelo próprio signatário, no acórdão n.º 325/2016-T.
O vício invocado, à semelhança de qualquer outra ilegalidade da liquidação está na esfera de competência do tribunal arbitral, como resulta do n.º 1, do art. 2º do RJAT e da Portaria 112-A/2011, de 22 Março.
Assim é que, aderindo aos fundamentos constantes das várias decisões indicadas, se declara improcedente a excepção invocada.
Não há outras questões ou excepções a apreciar que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra conhecer.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
III.1. Matéria de facto
Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, os seguintes factos:
-
Por registo dos CTT de 08-12-2016 foi remetida citação postal à Requerida relativa à citação para o processo de execução n.º …2016…, cujo título executivo tem por base a liquidação de IRS, referente a 2010, n.º 2016…;
-
A Requerente era casada no ano de 2010 com C…;
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O referido C… foi alvo de inspecção tributária credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2015…, de 22-12-2015, a qual incidiu sobre o ano de 2010;
-
Do relatório final resultante daquele procedimento inspectivo, de 12-08-2016, consta que “Dadas as relações existentes entre o sujeito passivo e a empresa «B…, Lda», foi solicitado, por informação datada de 2014/11/20, a sua integração no processo de inquérito n.º …/2012…TDPRT, instaurado àquela empresa e outros. O direito à liquidação dos tributos encontra-se garantido pela aplicação do n.º 5 do artigo 5º da Lei Geral Tributária;
-
Os impostos liquidados foram pagos pelo Requerente em 18 e 27 de Setembro de 2017.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo junto aos autos.
9.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
III.2. Matéria de Direito
Conforme resulta do pedido arbitral, as Requerentes manifestam a sua inconformidade com os actos de liquidação impugnados, por entenderem, em suma, que o AIMI, instituído pelo art. 135º-B do Código do IMI, se traduz num imposto sobre a fortuna imobiliária, pelo que os prédios afectos a uma actividade económica, e que são detidos para a sua prossecução, não estarão àquele sujeitos: De qualquer forma, sustentam que nunca poderão ser sujeitos a AIMI os terrenos para construção que estejam destinados à construção de edifícios com fins comerciais, industriais ou de serviços. Subsidiariamente defendem que a tributação em AIMI dos terrenos para construção com aqueles fins – comércio, indústria, serviços ou outros – configura um tratamento discriminatório, desprovido de base legal, gerador de diferenciações desproporcionadas e inadequadas o que configura a sua inconstitucionalidade.
Vejamos então:
Tendo presente o disposto no art. 124º do CPPT, quando determina que o julgador deve conhecer dos vícios cuja procedência determine mais eficaz tutela dos interesses defendidos, assim iremos analisar os vícios e argumentos invocados pela Requerente.
TRIBUTAÇÃO EM AIMI DOS TERRENOS PARA CONSTRUÇÃO
A Lei Lei 42/2016, de 28 de Dezembro aditou ao CIMI, entre outros, o art. 135º-A que estabelece: “são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou colectivas que sejam proprietários, usufrutuários ou supercifiários de prédios urbanos situados no território português”.
Por seu turno, o artigo seguinte – 135º-B – determina:
“1 que “o adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 – São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6º deste Código”.
Com base nesta redacção defendem as Requerentes que não pode relevar para efeitos de AIMI o valor tributável dos terrenos para construção que não tenham como destino a edificação de prédios não habitacionais, sob pena de absoluta incoerência com a opção legislativa de excluir de sujeição a AIMI os prédios urbanos que, de igual modo, não tenham como destino a habitação.
Ora, efectivamente, entendemos que seria inconsistente com a necessária e pretendida unidade do sistema jurídico, interpretar tal artigo de maneira diferente, no sentido de que todo o terreno para construção estaria sujeito a AIMI, independentemente do fim a que o mesmo se destine. Seria, aliás, absolutamente contrário ao espírito do legislador que, para efeitos de aplicação daquele imposto, o intérprete se abstraísse do fim a que o terreno para construção está destinado, sendo, por isso, irrelevante que esteja em causa a habitação – único a que os prédios edificados estão sujeitos – ou não.
É sabido que, de acordo com o disposto no art. 9º do C. Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, o que tem plena aplicação nas nomas fiscais, como determina o n.º 1 do art. 11º da LGT.
Fazendo jus a tais ditames, é manifesto que deverá interpretar-se de “forma extensiva” a exclusão prevista no n.º 2 do art. 135º-B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como comerciais, de forma a compreender a intenção legislativa de aí compreender também, nessa exclusão, os terrenos cuja construção esteja destinada ao mesmo fim.
Ora, dos terrenos sujeitos a tributação em AIMI objecto do presente pedido arbitral há um – inscrito na matriz urbana sob o artigo …, da freguesia de …, Cascais que corresponde a terreno para construção destinado a “comércio”, tendo sido avaliado como tal.
Do exposto decorre, pois, ser ilegal a liquidação objecto do pedido relativa terreno para construção inscrito na matriz urbana sob o artigo…, da freguesia de…, Cascais, de que, por isso, deve ser anulada.
DA INCONSTITUCIONALIDE DO AIMI
É assente que as Requerentes são sociedades imobiliárias cujo objecto social compreende a compra, venda e arrendamento de bens imóveis.
Invocam as Requerentes que será violador do princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, o art. 135º-A do CIMI ao fazer uma tributação indiscriminada de todos os terrenos para construção, entendendo que todos os terrenos para construção afectos a actividades económicas se encontram necessariamente excluídos dessa tributação.
O que é rejeitado pela Requerida, sustentando que o julgamento de inconstitucionalidade do AIMI com base na violação do princípio da igualdade parte de premissas que se baseiam numa comparação entre situações incomparáveis.
Temos por assente que a liberdade de que goza o legislador exige que o princípio da capacidade contributiva disponha de alguma flexibilidade e possa ceder, até certo limite, perante outros propósitos do Estado.
Daí que quando uma situação aparente ou tendencialmente igual é tratada de forma aparentemente diferente, só se pode falar em desigualdade fiscal se não houver razões atendíveis que tenham conduzido o legislador a fazer as opções que fez. Ou seja, o que está constitucionalmente vedado ao legislador é o puro arbítrio, o que não sucederá quando tenha em vista a prossecução de objectivos a que atribui maior valor – como é o paradigmático caso dos benefícios fiscais, em que o legislador prefere abrir mão da receita fiscal para atingir outros objectivos.
É, aliás, dentro desse espírito que o legislador, no que ao caso importa, apenas pretende tributar os prédios classificados como habitacionais, abstendo-se de fazer incidir AIMI sobre os demais. Quer dizer, tomou uma medida de distinção do que é desigual, fazendo uma opção cuja justificação parece clara: não aumentar a carga fiscal sobre os sectores produtivos, visando as tão propaladas necessidades de investimento e de crescimento económico.
Diremos, por outro lado, que os prédios destinados à habitação constituem bens de fruição, deles se podendo dizer que a sua acumulação ou elevado valor, revelarão um maior índice de fortuna e, como tal, de maior capacidade contributiva.
Pelo que, ainda que a capacidade contributiva revelada possa ser igual, não se vislumbra violação do princípio da igualdade, atenta a razoabilidade da distinção e os fins visados.
Defendem, contudo, as Requerentes a circunstância de os imóveis em causa fazerem parte integrante da sua atividade comercial por ser esse o seu objecto social, pelo que carece de fundamento e, pelo contrário, seria violador do princípio da igualdade, fazer incidir sobre tais imóveis o AIMI, por comparação com as demais entidades, não imobiliárias, proprietárias de imóveis.
Invoca, aliás, a similitude do regime legal com o da revogada verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo e das decisões judiciais e arbitrais sobre a matéria existentes.
Neste ponto afigura-se-nos assistir razão às Requerentes, conforme posição que, a propósito da referida verba 8 da TGIS, subscrevemos já no processo n.º 458/2016-T.
Aí se fez apelo ao acórdão do tribunal arbitral proferido em 17 de Março de 2016 no processo nº 507/2015-T, quando considerou que:
- “É inequívoco que as empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para construção ficam com uma oneração adicional significativa em relação à generalidade das empresas, com base num hipotético índice de capacidade contributiva que não tem necessariamente correspondência com a realidade, pois a imposição da tributação não tem qualquer relação com o rendimento real da actividade desenvolvida pelas empresas e onera-as mesmo que tenham resultados negativos, acentuando-se a tributação, cumulada anualmente, precisamente em situações em que, por inêxito da actividade de comercialização, os terrenos são detidos por vários anos e, por isso, menos justificação haveria para a imposição de uma tributação adicional, privativa deste tipo de empresas.
Por outro lado, não se vislumbra também qualquer razão para distinguir entre as empresas que comercializam terrenos para construção de edifícios habitacionais e as que comercializam terrenos para outras finalidades.
Por isso, também desta perspectiva, a verba 28.1 da TGIS materializa uma discriminação negativa injustificada das empresas comercializadoras de terrenos para construção, o que implica a sua inconstitucionalidade material, por ofensa do princípio da igualdade”.
Não vislumbramos razão para alterar o entendimento que subscrevemos agora em sede de AIMI.
Como se veio, aliás, a considerar no Ac. do Trib. Constitucional n.º 250/2017, de 24-05-2017:
- “se por trás do tributo imposto ao proprietário de uma casa de habitação de valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros poderá estar um contribuinte com força económica suficiente para suportar a respectiva carga fiscal, por trás do tributo imposto ao proprietário de um terreno para construção estará normalmente um empreendedor, em regra sob a forma de uma sociedade comercial dedicada à promoção imobiliária, sobre cuja força económica nada sabemos;
- não podemos presumir que aquele contribuinte tem uma força económica proporcional ao valor do terreno, que é meramente instrumental em relação à sua atividade económica. Desconhecemos qual a margem de lucro que retirará do seu exercício, se é que está em condições jurídicas e económicas de a desenvolver, ou se não terá mesmo uma situação líquida negativa”.
Concluindo então estar em causa uma violação do princípio da igualdade tributária “…porque não respeita a diferente capacidade contributiva dos proprietários dos prédios sobre os quais incide, atingindo indiscriminadamente contribuintes com e sem a força contributiva necessária para suportar o imposto, quer porque as diferenciações que introduz entre os que são abrangidos e excluídos do seu âmbito de incidência não são proporcionais, sendo inadequadas para satisfazer o fim visado pela norma, que é o de tributar de forma agravada os patrimónios imobiliários de maior valor em termos que satisfaçam “o princípio da equidade social na austeridade”.
Decorre do exposto lograr ter êxito a pretensão da Requerente, declarando-se a ilegalidade das restantes liquidações e a sua anulação.
Fica, assim, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Além do reembolso do imposto, pretendem as Requerentes que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Tal direito vem consagrado no artigo 43º da LGT, o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.
O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Sucede que, no caso em apreço, não estão reunidos os requisitos para a atribuição de juros indemnizatórios, como bem defende a Requerida.
É verdade que a AT praticou um acto que o tribunal arbitral agora decide ser ilegal.
Mas, para que a Administração Tributária possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, é necessário, como se referiu, que “se determine […] que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (nº 1 do artigo 43.º da LGT).
In casu, a AT não fez mais do que actuar segundo a determinação legal decorrente do CIMI. E não podia agir de outro modo, considerando a sua vinculação à lei e a impossibilidade de a desaplicar com base num juízo de supremacia do direito constitucional, que lhe não cabe fazer. Em suma, não incorreu em erro de que tenha resultado o pagamento de imposto indevido, e não pode, na falta desse erro, ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.
Está, por isso, votado ao insucesso o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, declarar a ilegalidade dos actos de liquidação de adicional de imposto municipal sobre imóveis com os n.ºs 2017…, 2017… e 2017…, referentes ao ano de 2017 e, consequentemente, condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir o montante de imposto pago.
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Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
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Condenar a Requerida e as Requerentes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, ou seja, de 873,00 € e de 45,00 €, respectivamente.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 17.405,30 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.224,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se, incluindo o Ministério Público, atento o disposto no artigo 280º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
Lisboa, 04 de Julho de 2018
O Árbitro
(António Alberto Franco)